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Disciplina jurídico-constitucional da iniciativa privada

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01/08/2000 às 00:00
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Sumário: 1.Introdução. 2.Ordem Econômica Constitucional Brasileira. 2.1. Conceito. 2.2. Princípios regentes. 3. Intervenção do Estado no Domínio Econômico. 3.1. Natureza. 3.2. Regime Jurídico do Art. 175 da Carta Magna – Atuação Estatal. 3.3. Privatização. 3.4. Modalidades de intervenção. 4. Formas de controle da Iniciativa privada. 4.1.CADE 4.1.1.Natureza e Atribuições. 4.1.2.Controle do poder judiciário. 5. Conclusão.


1.INTRODUÇÃO

Visa o presente estudo estabelecer as principais tendências da ordem jurídico econômica brasileira, com a finalidade de demonstrar quais as formas efetivas de controle jurídico Constitucional da iniciativa privada no Brasil.

Não temos a pretensão de esgotar a matéria, muito pelo contrário, apenas pretendemos ofertar uma contribuição mínima ao tema, estabelecendo de forma clara, quais os limites de atuação do setor privado na órbita econômica e como o controle desta atividade pode ser feita.

Para isto, nos utilizamos de uma seqüência expositiva que entendemos mínima, como necessária à apreensão do tema.

Inicialmente, exporemos o conceito e os limites imanentes à Ordem Econômica Constitucional brasileira, definindo assim o âmbito de seu alcance , para depois, fazermos uma explicação geral sobre a intervenção do estado no domínio econômico, sua natureza e suas formas , procurando definir o âmbito de atuação próprio do Estado e da iniciativa privada.

Logo em seqüência, nos detivemos na análise do papel do CADE na regulação dos abusos contra a Ordem Econômica e a atuação do poder judiciário perante estes abusos e diante do CADE, desenhando para tanto, os limites do mesmo.

Por fim, concluir-se a temática, sintetizando o tema trabalhado e delimitando por completo o controle jurídico constitucional da iniciativa privada.


2.ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

2.1.Conceito

A busca do conceito de ordem econômica no direito brasileiro tem sido pautada por noções ambíguas, tendo se utilizado porém, desta expressão, para designar uma parcela da Ordem jurídica, consoante as lições do professor Eros Grau. (1)

A nossa Carta Magna trata da matéria da ordem econômica em um título específico, o VII, no cap. I, designando ali seus princípios e limites. Esta expressão - ordem econômica - foi incorporada ao vocabulário jurídico a partir do início deste século, traduzindo uma idéia de sistema voltado para regulação das relações econômicas em um dado Estado, determinando seus limites e dotado de forte carga ideológica.

Extremamente elucidativas são as lições de Vital Moreira a cerca do tema, reproduzidas pelo Profº Eros Grau (2):

" - em um primeiro sentido, "ordem econômica" é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato ( é conceito do mundo do ser, portanto);o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou a normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e matérias, ou seja, relação entre fatores econômicos concretos;conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato;

- em um segundo sentido, "ordem econômica"é expressão que designa o conjunto de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica;

- em um terceiro sentido, "ordem econômica"significa ordem jurídica da economia."

Neste sentido, não se pode tratar a ordem econômica, no seu aspecto jurídico, dentro do primeiro sentido, no mundo do ser, devendo-se observá-lo como expressão normativa, no mundo do dever ser, para aproximar o conceito de ordem constitucional econômica ao conceito de Constituição econômica.

Sem dúvida, é necessário reafirmar que o conceito de constituição econômica vai, indubitavelmente, prescindir de forte carga ideológica, refletindo, as tendências históricas de um Estado. Utilizando-se do conceito do ilustre Prof. º Josaphat Marinho, temos que, é "O complexo de normas básicas reguladoras do fato econômico e das relações principais dele decorrentes é que forma a constituição econômica." (3)

Simplificando os conceitos, temos que, ordem econômica sob o manto do dever ser é a parcela que regra normativamente as questões econômicas, que institucionalizam uma determinada ordem econômica(mundo do ser).

A Constituição econômica engloba os preceitos e institutos reguladores de uma determinada ordem econômica, sendo por isso que se aproxima do conceito de Ordem econômica no mundo do dever ser, podendo-se conceituá-la também, conforme as lições do preclaro Prof.º Edvaldo Brito, "A Constituição econômica é a parte da Constituição Jurídica na qual se agasalha a disciplina normativa da vida econômica privada e da ordem pública econômica" (4).

Portanto, a Ordem Econômica Constitucional é o conjunto de normas ou instituições jurídicas que realizam uma determinada ordem econômica no sentido concreto, regulando os limites da atuação do estado e da iniciativa privada.

2.2.PRINCÍPIOS REGENTES

A ordem constitucional brasileira, em seu art. 170, enuncia os princípios regentes da ordem econômica. Sem dúvida, as disposições normativas, sejam de fundo constitucional ou infraconstitucional devem pautar-se por seus princípios orientadores na sua interpretação, haja vista serem os princípios pautas expressas ou implícitas que denotam o ponto de partida de qualquer ordem jurídica.

Inicialmente, analisando o caput do art. 170 da Constituição percebemos ter ele estabelecido dois princípios, quais sejam, o da valorização do trabalho humano e o da livre iniciativa, que teriam como objetivo, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, pautando-se também pelos outros princípios que enumera em nove incisos.

O princípio da valorização do trabalho humano vem corroborado como uma conseqüência da evolução histórica, desde a época do trabalho escravo, passando pela revolução industrial, até os dias de hoje , em que se pleiteia cada vez mais um relacionamento capital-trabalho voltado para as necessidades do homem enquanto indivíduo, procurando-se não retroagir à épocas passadas, de exploração injustificada do trabalho humano.

Neste sentido é que a Constituição busca a valorização do trabalho humano, em conjunto com o princípio da livre iniciativa, retrato de uma economia capitalista, que funciona pelas leis do mercado, com uma intervenção moderada do estado, de forma subsidiária.

Porém, este entendimento encontra-se contraditado em parte pelo eminente Jurista Celso Ribeiro Bastos, que entende serem quatro os princípios enunciados no caput, enunciando que, "encontramos no caput do artigo referência a quatro princípios:valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, conforme os ditames da justiça social." (5)

Diferenciando-se do jurista acima, examina de outra forma este artigo o preclaro Washington Peluso Albino de Souza, entendendo que as disposições do caput configuram-se em fundamentos e objetivo da ordem constitucional e não em princípios. Diz o eminente autor que, "Ao tratar dos ‘princípios gerais’, o legislador situou, no primeiro artigo(art.170) do Cap. I, a preocupação para com os seus ‘fundamentos’ e os princípios a serem observados. Como fundamentos da ‘ordem econômica’ nomeia ‘a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa’. Como objetivo indica o de ‘assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social’, seguindo-se-lhes, então, os ‘princípios’a serem observados (6).

Observando-se a lição destes doutrinadores e o entendimento por nós exposto acima, percebe-se também que não se trata o planejamento e a intervenção do estado no domínio econômico como princípios, se configurando aquela – planejamento - apenas como uma necessidade do estado para sua melhor organização, pautando-se na busca do bem estar social, e esta – intervenção do estado no domínio econômico – como forma subsidiária do Estado atuar, não podendo se configurar em regra num Estado de direito voltado a um regime de livre concorrência e livre iniciativa.

A atuação do Estado irá se configurar neste ponto, o da intervenção, de forma subsidiária e como limite de natureza constitucional à atuação abusiva da iniciativa privada, conforme tanto já reiteramos e iremos demonstrar no prosseguir deste trabalho.

O primeiro dos princípios enunciados é o princípio da soberania nacional, envolto hoje em uma dimensão bem mais ampla que a protagonizada à época da promulgação de nossa carta magna, qual seja, os seus limites perante o processo de globalização.

Não existe mais, no contexto do mundo moderno, Estado Soberano absoluto, se incluirmos em sua noção o aspecto econômico. A soberania, sem dúvida alguma, não se restringe mais somente ao âmbito militar, envolvendo hoje sua natureza a compreensão do grau de dependência econômica de um país em relação à outros Estados, para se compreender o seu grau de soberania.

A globalização surgiu de forma irremediável e trouxe questões relevantes para serem resolvidas, quais sejam, a da defesa da concorrência e a da supranacionalidade das regras direcionadoras do processo de formação dos blocos, que afetam, sobremaneira, a noção clássica de soberania nacional.

O aprofundamento das relações econômicas no mundo moderno e a formação de blocos econômicos, entre os quais o mercosul – mesmo com suas limitações integrativas - , deverá levar-nos, conforme cita o eminente Prof.º Edvaldo Brito, à "(...)propugnar-se por um redesenho da planta econômica brasileira,(...)" (7).

Em verdade, para enfrentar-se os desafios da globalização será necessário construir-se novos instrumentos de interpretação jurídica, que possibilitem a interpenetração econômica e preservem a livre concorrência no mercado nacional, não retirando do país as suas possibilidades de sua autodeterminação.

Em artigo publicado na folha de São Paulo, Gesner Oliveira, ex-presidente do CADE, expõe que, "(...)indaga-se até que ponto as legislações nacionais seriam suficientes para controlar as operações globais. Vários países adotam a "doutrina dos efeitos"para enfrentar essa questão. Assim, por exemplo, embora a compra da Kolynos pela Colgate tenha sido realizada no exterior, o CADE tem jurisdição sobre a matéria na medida em que a operação causa impacto no mercado brasileiro. Ou, na hipótese teórica de mudança da Microsoft para o Canadá, as autoridades dos Estados Unidos ainda assim teriam competência sobre condutas da empresa que afetassem o consumidor dos EUA" (8).

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Conforme visto, esta é uma proposição de como interpretar e aplicar a legislação nacional à estes casos de fusão internacional, fruto da globalização, com reflexos no âmbito da ordem econômica nacional, de forma a não afetar profundamente a nossa soberania e a manter-se a livre concorrência.

Como segundo princípio, atrelado, sem dúvida, ao terceiro (9), temos o princípio da propriedade privada, seguido da função social da propriedade, em que, assegura-se a livre capacidade de uso, gozo e fruição da propriedade, contanto que esta tenha uma utilidade coletivamente fruível.

Já no tocante ao quarto princípio, o da livre concorrência, observamos que ela é vital à sobrevivência de uma economia de mercado que privilegie a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, vindo este princípio a ser consagrado constitucionalmente com esta função, a de proteger a economia de um país, seja no seu âmbito interno, ou seja na sua relação com o mercado internacional e com o fenômeno da globalização, dos oligopólios e monopólios que venham atravancar o seu crescimento, ou reduzir a busca da justiça social.

Segundo o ilustre Celso Ribeiro Bastos, "(...)a livre concorrência hoje, portanto, não é só aquela que espontaneamente se cria no mercado, mas também aquela outra derivada de um conjunto de normas de política econômica. Existe, portanto, o que pode ser chamado um regime normativo da defesa da concorr6encia voltada ao restabelecimento das condições do mercado livre. O princípio constitucional autoriza esta sorte de intervenção ativa no mercado, sem falar na negativa consistente na eliminação das disfunções e imperfeições" (10).

Através da proteção da livre concorrência, o direito constitucional também está protegendo o consumidor,que seria o sujeito imediatamente desfavorecido caso as regras da livre concorrência fossem violadas.

Ademais, também é o consumidor protegido constitucionalmente através do princípio insculpido no inciso V do art. 170, que possui clara ligação com o princípio do inciso anterior e demonstra a preocupação do Ordem Econômica Constitucional brasileira de privilegiar a livre iniciativa, porém, com respeito aos direitos daqueles que lhe dão suporte, os consumidores.

Já o inciso VI também eleva a condição de princípio a proteção ao meio ambiente, o que deixa claro que, a exploração dos recursos ambientais, necessária ao desenvolvimento econômico do país deve ser pautado no que entendemos como desenvolvimento sustentável, opondo-se à devastação ambiental.

O inciso VII vem consagrar o princípio da redução das desigualdades regionais, depreendendo-se, portanto, desta disposição, que os benefícios do desenvolvimento econômico e as estruturas normativas criadas para dar suporte à este crescimento, devem estar voltadas também à redução das desigualdades em todas as regiões de nosso país, procurando, através de políticas públicas e incentivos, reduzir as diferenças entre estas regiões.

Por fim, tem-se o princípio da busca do pleno emprego e o do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. Aquele coaduna-se com a meta desenvolvimentista e redistributiva de renda, em que um Estado precisa se desenvolver, porém, buscando a justiça social e uma melhor distribuição de renda, situação que, indubitavelmente, leva à busca do pleno emprego como norma de caráter principiológico e, a última situação, de favorecimento às pequenas empresas, revela a necessidade de se proteger os organismos micro empresarias que possuem menores condições de competitividade que as grandes empresas.

Constituem, sem dúvida, estes princípios, em normas cogentes, aos quais não só o legislador brasileiro deve se pautar como também o judiciário, ao dirimir questões postas à sua avaliação e decisão, sob pena de evidente inconstitucionalidade das práticas que afrontarem estes princípios, ou, das leis que estabelecerem metas opostas à eles.


3. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

3.1.Natureza

Intervir, na acepção do vocábulo, pode ser compreendido como atuar em área de outrem. Isto nos leva à conclusão de que, se analisando pela ótica da interpretação gramatical, o trato da matéria vem configurado no art. 173 da Constituição brasileira, que declara que, "Ressalvados os casos previstos nesta constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.", o que nos levará a analisar detidamente esta disposição.

O estado brasileiro, na forma plasmada pela constituição, atua em esfera própria e esfera de terceiros, qual seja, a área de titularidade própria do setor privado.

Quando o Estado vêm a atuar em área de sua titularidade, diz-se que ele pratica atuação estatal, que é ação do estado no campo da atividade econômica em sentido amplo e, quando atua em área de titularidade da iniciativa privada, pratica intervenção, que é atuação estatal no âmbito da atividade econômica em sentido estrito, ou seja, intervenção do Estado no domínio econômico, conforme leciona Eros Grau, ao dizer que, "Daí se verifica que o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é no contexto, mais correto do que a expressão atuação estatal: intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, expressa significado mais amplo. Pois é certo que essa expressão, quando não qualificada, conota inclusive atuação na esfera do público." (11)

É possível afirmar portanto que, pela natureza dos atos de intervenção do Estado no domínio econômico serem próprios de uma atuação estatal em setor que não lhe é próprio, cumpre ressaltar que esta forma de intervenção deve acontecer pautando-se pelo princípio da subsidiariedade, tão evocado pela nossa doutrina.

A ilustre professora Zanella di Pietro, ao tratar do tema, expõe com clareza a função subsidiária do Estado no âmbito da atividade econômica, aduzindo que, "Do mesmo modo, João Paulo II, na Centesimus Annus, realça que o Estado deve respeitar a autonomia dos indivíduos, das famílias, associações de classe, grupos econômicos, partidos políticos, na busca do bem comum. No campo econômico, também o Estado deve respeitar essa autonomia, somente agindo indiretamente e segundo o princípio da subsidiariedade, quando necessário para criar as condições favoráveis ao livre exercício da atividade econômica." (12) (grifo nosso).

Entende ainda a ilustre autora que existem várias tendências a serem apontadas para o Estado Moderno, em decorrência da aplicação do princípio da subsidiariedade, entre as quais podemos citar, "em primeiro lugar, a idéia de diminuir o tamanho do Estado, pelo instrumento fundamental da privatização, ocorrida, especialmente a partir da década de 80 e movida por fatores de ordem financeira, jurídica e política." (13)

Acrescentando mais outras conseqüências, designa a doutrinadora que, não se pode mais falar de interesse público, mas sim, de vários interesses públicos, representativos do vários setores da sociedade civil, a necessidade de ampliação da atividade administrativa de fomento da iniciativa privada e que,a subsidiariedade, encontra-se hoje, na base da desregulamentação estatal. (14)

Reputamos que, a designação deste art. 173, apesar de não agasalhar expressamente o princípio da subsidiariedade, conforme fazia a Constituição anterior, se tem por reputada a recepção deste princípio, bastando para tanto analisar-se a própria redação do referido artigo.

Criticando veementemente a disposição atual do artigo, Toshio Mukai salienta que, "Como se sabe, o art. 170 da emenda Constitucional nº 1/69 privilegiava a iniciativa privada no que diz com a exploração das atividades econômicas e completava esse posicionamento prevalente da iniciativa privada com a determinação da ação suplementar do Estado no campo econômico por via direta, isto é, exigia a ausência da iniciativa privada para a atuação estatal, o que consubstancia o sentido negativo do princípio da subsidiariedade, cunhado pela doutrina social da Igreja Católica( cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho). (15)

Completando o raciocínio destes brilhantes juristas, tem-se que, o princípio da subsidiariedade deve nortear as atividades do Estado no âmbito do domínio econômico, devendo o mesmo intervir apenas em função da realização do interesse social, para coibir abusos econômicos e preservar a livre concorrência, somente nos casos de segurança nacional e relevante interesse coletivo, conforme o art. 173 da Magna Carta.

Ademais, faz-se necessário para a devida interpretação dos limites de intervenção do Estado no domínio econômico, precisarmos o conceito de segurança nacional e relevante interesse coletivo. A primeira vista deve-se, de pronto, conceitua-los como conceitos jurídicos indeterminados, na medida em que estes são os denominados conceitos vagos, plurisubjetivos, de amplitude indefinida conceitualmente.

Toshio Mukai revela este mesmo sentido ao dizer que, "(...)segurança nacional e relevante interesse coletivo são, por natureza, conceitos jurídicos indeterminados(determináveis em cada caso concreto, segundo a doutrina comparada);(...)." (16) Neste diapasão, Zanella Di Pietro observa que, " ambos os fundamentos são expressos por vocábulos indeterminados, que deixam grande margem de discricionariedade para o legislador." (17)

Ainda sobre a noção deste instituto jurídico, Karl Engish, em obra clássica, analisa-o detidamente, denotando, em um instante de suas lições que, "Por conceito indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos". (18)

Não resta dúvida de que se tratam nesta hipótese, de conceitos jurídicos indeterminados. Resta acrescentar que, eles oferecem uma margem de discricionariedade não somente ao legislador, mas, também ao judiciário na interpretação do conceito e na solução da lide.

3.2. Regime Jurídico do Art. 175 da Carta Magna – Atuação estatal.

Explicitada a natureza da intervenção do Estado no domínio econômico, como atividade exercida pelo Estado em sentido estrito, cumpre ressaltar que, as atividades de concessão, expostas ao regime do art. 175 da Constituição não se tratam de intervenção do Estado no domínio econômico, mas sim de prestação de serviço público, por conseqüência, detentora de regime jurídico distinto.

A distinção pode soar estapafúrdia, mas não o é, posto que, se tomarmos o exemplo de uma sociedade de economia mista ou de uma empresa pública, exercendo uma atividade de serviço público ou atividade econômica em sentido estrito, teremos, para o caso de descumprimento do serviço, conseqüências diferentes, conforme lição extremamente elucidativa do Prof.º Eros Grau, que merece a transcrição: "(...)Exemplifico, para demonstra-lo, formulando a hipótese de entidade daquelas, que preste serviço público, recusar o seu fornecimento a algum usuário. Poderá tal recusa, então, ser juridicamente repelida:incumbe ao fornecedor do serviço prestar o devido acatamento ao princípio da continuidade do serviço público; estamos, aí, em razão da incidência do princípio, diante de hipótese de contrato a ser coativamente celebrado. Já, no entanto, se a empresa pública ou a sociedade de economia mista explorar atividade econômica em sentido estrito, a recusa do fornecimento do serviço há de ser repelida com esteio em distinta fundamentação: ao recusa-lo, o agente econômico( empresa pública ou sociedade de economia mista) estará a violar preceitos normativos que o obrigam a contratar, a contratação coativa, no caso, contudo se impõe não mercê da aplicação daquele princípio, porém de normas expressas que à prática dessa conduta o vinculam."

Portanto, não se pode, sob vício de inconstitucionalidade, equiparar, tomando-se por base o & 1º do art. 175 da Constituição, pois, vigora o princípio da subsidiariedade, e o âmbito da atuação do estado no domínio econômico deve ser restrito. Na hipótese do parágrafo supra citado, a Profª Zanella Di Pietro, em lição idêntica ao ilustre Eros Grau, salientou que, "não se pode pretender igualar o regime jurídico das empresas estatais prestadoras de serviços públicos com o das empresas estatais que exercem atividade econômica à título de intervenção no domínio econômico, com base no art. 173, & 1º, da Constituição. Nesse último caso, não se trata de serviço público no sentido estrito do termo( atividade assumida pelo poder público para assegurar utilidades de interesse da coletividade, sob regime jurídico total ou parcialmente público). Trata-se de atividade própria da iniciativa privada, que o Estado só pode desempenhar quando necessário "aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei", nos expressos termos do art. 173, caput, da Constituição." (19)

Portanto, a intervenção do Estado no domínio econômico encontra-se regulada no art. 173 da Carta Magna e atuação estatal, na forma de serviço público, encontra-se descrita no art. 175 da Constituição, que regula as concessões, sendo as leis 8987/95 e 9074/95 reguladoras da matéria em sede infraconstitucional.

3.3. Privatização

Deveras importante é analisarmos o conceito de privatização neste contexto, haja vista estar o País, no atual momento histórico, passando ainda por uma série de privatizações de setores anteriormente denominados estratégicos, e que hoje, diante da necessidade de redimensionamento do Estado e de diminuição da interferência do mesmo no âmbito do domínio econômico, passam ao controle da iniciativa privada.

Privatização, entendida em seu significado amplo por alguns, tem sido designada como toda e qualquer forma de redução do tamanho do Estado.

A Prof.ª Zanella Di Pietro, esclarecendo este entendimento, entende que as medidas inerentes à este conceito são, fundamentalmente, "a desregulação(diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); a desmonopolização de atividades econômicas; a venda de ações de empresas estatais ao setor privado( desnacionalização ou desestatização); a concessão de serviços públicos( com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo); os contracting out ( como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última fórmula que entra o instituto da terceirização." (20)

Porém, o direito brasileiro consagra como privatização, uma forma mais restrita, qual seja, a de transferência de ativos ou de ações de empresas estatais para os setor privado, na forma da lei 8031/95.

Portanto, em face de necessidade de redução da atuação do Estado em atividades de cunho econômico próprias do setor privado, tem-se recorrido constantemente ao instituto da privatização, devendo-se apenas observar o interesse coletivo quando da redução da atividade estatal, preservando-se a concorrência e os interesses do consumidor.

Estes, os interesses do consumidor devem ser cuidadosamente preservados, sob pena de serem os mais diretos prejudicados com qualquer processo de privatização regulado de forma equivocada.

3.4. Modalidades de intervenção

A intervenção do Estado no domínio econômico, consoante os ensinamentos do Profº. Eros Grau (21), ocorre de três formas, que são, a intervenção por absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção por indução.

A intervenção do Estado no domínio econômico, se dá por absorção quando ele toma por completo o exercício da atividade naquele setor da economia, atuando em regime de monopólio e, no regime de participação, o Estado está a competir com outras empresas privadas do mesmo setor, mas, ocupa parcela importante de controle dos meios de produção, sendo estas formas, típicas de intervenção do Estado no domínio econômico.

Já as outras formas de intervenção, são formas típicas de intervenção do Estado sobre o domínio econômico, sendo estas intervenção por direção ou por indução.

No caso da intervenção por direção, o Estado exerce influência na economia estabelecendo mecanismos normativos de pressão para controle da atividade econômica em sentido estrito e , na intervenção por indução, o Estado manipula os mecanismos de intervenção conforme as leis de mercado.

Conforme Eros Grau, as normas voltadas à intervenção por direção são de natureza cogente, imperativas, na medida em que são normas impositivas de comportamentos, pois, "No caso das normas de intervenção por direção estamos diante de comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica em sentido estrito – inclusive pelas próprias empresas estatais que a exploram. Norma típica de intervenção por direção é a que instrumenta controle de preços, para tabela-los ou congelá-los." (22)

Tratando das normas de intervenção por indução, diz o ilustre jurista que, "No caso das normas de intervenção por indução, defrontamos-nos com preceitos que, embora prescritivos(deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de Modesto Carvalhosa, no de levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os limites do querer individual." (23)

Estas são as modalidades de intervenção do Estado no e/ou sobre o domínio econômico, restando salientar que, o planejamento é uma forma necessária e qualificada de organização do Estado para Intervenção do Estado no e/ou sobre o domínio econômico, refletindo um aspecto organizacional mais bem definido, melhor coordenado destas atividades. Não se trata, portanto, o planejamento, de uma modalidade de intervenção e sim de uma forma meramente qualificada de organizar o processo interventivo.

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Sobre o autor
Yuri Carneiro Coelho

advogado, sócio de Campinho, Carneiro & Santiago Advogados Associados, em Salvador (BA), especializado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público da Bahia e mestrando em Direito Público pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Yuri Carneiro. Disciplina jurídico-constitucional da iniciativa privada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/189. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Texto elaborado em julho de 2000. Monografia apresentada ao Professor Doutor Edvaldo Brito, como exigência parcial para obtenção dos créditos necessários para conclusão da matéria Direito Constitucional da Ordem Econômica, no Mestrado em Direito Público da Faculdade de Direito da UFBA

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