Em apertada síntese, entre outras determinações, os Ministros do TCU acordaram recomendar ao Instituto Chico Mendes, ao Ibama e à Caixa Econômica Federal – CEF a extinção do Fundo de Investimentos de Compensações Ambientais – FICA, fundamentando-se, para tanto, no fato de que a obrigação prevista em lei não se resume a pagar contribuição financeira.
Diante da referida recomendação, o FICA foi extinto. Ocorre que, diante da omissão legislativa, notadamente na Lei nº 9.985/2000 e em seu Decreto Regulamentador nº 4.340/2000, de como dar-se-ia o pagamento da compensação ambiental pelo empreendedor e considerando ainda que se trata de um recurso extra-orçamentário devido pela implantação de empreendimentos de significativo impacto, objetivando apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação, firmou-se contrato com a CEF objetivando a gestão financeira dos recursos da compensação.
Esta nova forma de quitação da obrigação de compensação ambiental, por meio de conta escritural com movimentação financeira restrita apenas à CEF, ficou comumente conhecida como contas gráficas, as quais passam a ser objeto de nova análise pelo TCU. É justamente a legalidade de sua utilização que o presente artigo passa a abordar. Senão vejamos.
Inicialmente, importa realizar um pequeno escorço histórico da forma como vem sendo realizada a quitação das obrigações de compensação ambiental ao longo dos anos.
Conforme asseverado em linhas precedentes, a Lei nº 9.985/2000 e o Decreto Federal nº 4.340/2002 não normatizaram a forma como seria feito o pagamento dos recursos da compensação pelos empreendedores. No vácuo da lei, a Administração tinha duas formas de proceder ao recebimento dos recursos – aqui visto em seu sentido lato – devidos pelos empreendedores: a) aplicação direta pelos obrigados legais e b) depósito por meio de adesão voluntária ao Fundo de Compensações Ambientais gerido pela Caixa Econômica Federal.
As diversas razões técnicas, com supedâneo na possibilidade jurídica – doravante comentadas – levaram o Gestor a excluir a auto-execução e optar pelo depósito da quantia em pecúnia no FICA.
Ocorre que o Tribunal de Contas da União entendeu que a referida opção não possuía respaldo legal, contrariando o Relatório de Auditoria Operacional do próprio TCU nos autos do Processo nº 021.971/2007-0, decidindo por:
"Recomendar ao Instituto Chico Mendes, ao IBAMA e à Caixa Econômica Federal – CEF que estudem a extinção do chamado Fundo de Compensações Ambientais, porquanto sua criação e operação derivam do equívoco de considerar que a compensação ambiental prevista em lei poderia resolver-se em obrigação de pagar contribuição financeira a ser gerida e aplicada pelos órgãos públicos nas finalidades previstas em lei."(Acórdão TCU nº 2650/2009)
A supramencionada recomendação ocasionou a extinção do acordo de cooperação celebrado em 16 de março de 2006 entre o Ibama e a Caixa Econômica Federal, único instrumento que regulava, por meio do FICA, a forma de cumprimento da obrigação legalmente imposta ao empreendedor de compensação ambiental.
A inexistência de norma reguladora da forma de compensação reclamava uma urgente solução do Administrador, o qual decidiu por criar as contas gráficas, sendo imprescindível asseverar que não se trata de contrato para administração de fundo de investimento de qualquer natureza, mas sim de conta vinculada ao empreendimento.
A conta vinculada em tela reveste-se numa modalidade de conta escritural utilizada para controle e acompanhamento das movimentações financeiras e das disponibilidades de recursos referentes ao cumprimento de obrigações de compensação ambiental. Sua movimentação é restrita apenas à CEF, a qual tem a incumbência de administrar os recursos a partir de demanda do Instituto Chico Mendes, autarquia federal criada pela Lei nº 11.516/2007 com ao incumbência de gerir as unidades de conservação federais.
Cabe ainda informar que os depósitos nas referidas Contas de Compensação Ambiental estão vinculados à prévia assinatura de Termo de Compromisso, por meio do qual são indicadas as unidades de conservação beneficiadas e o plano de aplicação, tudo em consonância com o que foi estabelecido no processo de licenciamento ambiental e devidamente homologado pela Câmara Federal de Compensação Ambiental – CFCA.
O exame da legalidade das contas gráficas ainda não foi expendido pelo Colendo TCU, o que motiva a necessidade em saber, do ponto de vista jurídico, sua real viabilidade. Pois bem.
Ao recomendar a extinção do fundo de compensação ambiental, a Corte de Contas entendeu que a criação e operação do fundo derivam do erro em se considerar que a compensação ambiental pode resolver-se em obrigação de pagar contribuição financeira a ser gerida e aplicada pelos órgãos públicos nas finalidades previstas em lei.
Ora, ao que parece, infere-se do posicionamento do TCU que a constituição de fundo de qualquer natureza ou o depósito em conta de recursos da compensação ambiental pelo empreendedor transmudar-se-ia em irregularidade verificada na assunção de obrigações do empreendedor pelos órgãos públicos e na ofensa ao artigo 36 da Lei do SNUC, polarizando uma obrigação de fazer imposta pela lei e uma obrigação de pagar imposta pela Administração, nos seguintes termos do Sumário do Acórdão nº 2650/2009:
AUDITORIA DE NATUREZA OPERACIONAL. RECURSOS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. LEI Nº. 9.985/2000. CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA. INEXISTÊNCIA. GESTÃO DE RECURSOS POR ÓRGÃO PÚBLICOS. IMPOSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÕES.
1. O art. 36 da Lei nº. 9.985/2000 cria para o empreendedor, nos casos nela previstos, obrigação de fazer, consistente em praticar atos para apoiar a implantação e a manutenção de unidades de conservação.
2. O empreendedor encontra-se obrigado a destinar e empregar recursos seus, até o limite legal, nessa finalidade específica.
3. A execução direta dessas atividades pelo empreendedor decorre diretamente da disciplina legal.
4. A Lei não cria para o empreendedor obrigação de pagar ou recolher certa quantia aos cofres públicos, a título de compensação ambiental, nem há respaldo legal para arrecadação, cobrança ou exação de qualquer pagamento ou contribuição a esse título.
5. Não há previsão legal para que recursos, destinados pelo empreendedor, para apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação, sejam arrecadados, geridos ou gastos pelos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização ambiental ou pela gestão das unidades de conservação.
6. Ao órgão de licenciamento ambiental cabe apenas definir o montante destinado pelo empreendedor a essa finalidade, bem como as unidades de conservação a serem criadas ou apoiadas pelas atividades custeadas por recursos privados.
Para aclaramento da obrigação legalmente imposta ao empreendedor, importa trazer à baila o artigo 36 da Lei nº 9.985/2000, abaixo colacionado:
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.(Vide ADIN nº 3.378-6, de 2008)
§ 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
§ 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.
Assim é que o TCU decidiu por interpretar que a obrigação prevista no caput do artigo 36 alhures transcrito reveste-se numa obrigação de fazer "consistente em praticar atos para apoiar a implantação e a manutenção de unidades de conservação", sendo a execução direta uma decorrência ínsita da prescrição legal. Entretanto, permissa venia, penso que tal intelecção não merece prosperar.
Prima facie, uma crítica costumeiramente feita é a falta de critérios para se diferenciar as obrigações de dar (in casu, obrigação de pagar) e as obrigações de fazer. Ambas as espécies são obrigações positivas, as quais se contrapõem às obrigações negativas, que são obrigações de não fazer.
O festejado civilista Washington de Barros Monteiro [01] esclarece que o ponto crucial da distinção se encontra em verificar:
"se o dar ou entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, tendo de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer".
Ademais, a tradição é imprescindível na obrigação de dar, o que não acontece na obrigação de fazer, onde, em sua grande maioria, a pessoa do devedor é preponderante no cumprimento da obrigação, não ocorrendo nas obrigações de dar. Essa é a lição que pode ser extraída de Sílvio de Salvo Venosa [02], que afirma, com propriedade:
A obrigação de fazer, que, ao lado de dar, pertence à classe das obrigações positivas, pode ser contraída tendo em vista a figura do devedor. O credor pode escolher determinado devedor para prestar a obrigação, não admitindo substituição. Isto em razão de o devedor ser um técnico especializado, um artista ou porque simplesmente o credor veja no obrigado qualidades essenciais para cumprir a obrigação.
Ora, no caso sub examine, a pessoa do empreendedor não é imprescindível para a execução da obrigação. Muito pelo contrário. A auto-execução traz uma série de inconvenientes técnicos, dentre os quais:
Dentre as prioridades elencadas pelo Decreto 4340/2000 duas merecem análise pormenorizada quanto à possibilidade de execução direta pelos empreendedores:
Regularização fundiária e demarcação de terras.
Pode o empreendedor, principalmente o privado, proceder à desapropriação de terras nos moldes da legislação vigente sobre a matéria, de glebas situadas no interior de unidades de conservação de domínio e posse públicos?
Consulta jurídica preliminar indica que não, sendo possível esta possibilidade apenas aos concessionários de empreendimentos como hidrelétricas, linha de transmissão, rodovias etc.. Ainda assim, nestes casos, as desapropriações somente se darão nas áreas afetadas pelo empreendimento.
É sabido e facilmente constatável que quando um grande empreendedor é o responsável pelas aquisições de terras dentro de uma determinada unidade de conservação e que tal situação se torna do conhecimento público na região, imediatamente inicia-se um movimento especulativo sobre as áreas, muitas vezes elevando o custo de aquisição amigável em 10 vezes. Na desapropriação exercida pelo órgão público é possível minimizar tal movimento especulativo, uma vez que as avaliações elaboradas pelo INCRA, SPU, ICMBio e outros, seguem normas da ABNT e consideram o valor de mercado praticado na região e não apenas sobre a área a ser desapropriada. Ressalta-se que tal movimento especulativo nem sempre se viabiliza no tocante ao preço das glebas, porém, pode impor ao processo de regularização fundiária a judicialização para discutir preços em processos caros e demorados e, desta forma, eliminando a desapropriação administrativa. Também em relação aos custos de aquisições de terras no interior de UC,s diretamente pelos empreendedores, é importante frisar que os mesmos, em sua grande maioria, não gozam de isenção de impostos como o ITBI e emolumentos cartoriais, impondo assim, custos adicionais a regularização fundiária das unidades.
Portanto, é possível afirmar que em várias situações em que o responsável pela aquisição de glebas no interior de unidades de conservação é o empreendedor e que este não detém os mesmos instrumentos legais previstos para o órgão público, os valores arrecadados com a compensação não conseguem viabilizar os custos de regularização fundiária das unidades de conservação, que por sua vez criam imensas dificuldades para gestão e conservação da biodiversidade.
II- Criação de Novas Unidades de Conservação;
Para criação de uma unidade de conservação, seja de proteção integral ou de uso sustentável, várias ações/atividades antecedem o ato de sua criação como: estudos do meio físico, biótico, sócio econômico, elaboração de consulta pública, levantamentos fundiários e de engenharia de agrimensura etc.
A criação de novas unidades de conservação é um ato formal do poder público, exceto para RPPN- que depende apenas do reconhecimento do Estado. O princípio básico para criação de novas unidades de conservação é o desenvolvimento de estudos e diagnóstico para o mapeamento de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade no país, em seus diversos biomas. Quase sempre, a criação de novas unidades gera conflitos de interesses diversos, principalmente econômicos, e cabe sempre ao Estado Brasileiro impor restrições e limitação de uso através da criação e implantação de áreas protegidas. Desta forma, a delegação de competência ao empreendedor, ainda que para realização de estudos para criação de UCs, não parece uma alternativa viável a ser seguida e deve ser exercida sempre pelo poder público, como forma de garantir a preservação de amostras representativas de todos os ecossistemas do país, mesmo que para tanto, contrarie interesses outros da sociedade. O envolvimento direto do empreendedor no processo de criação de ucs pode em algumas situações, mascarar o objetivo maior de preservar amostras representativas de ecossistemas, uma vez que a definição da área, melhor desenho e abrangência da unidade a ser criada podem não representar condições ideais em função de interesses econômicos e outros pré - existentes.
Assim, deve o empreendedor ser apenas um agente que garanta o repasse de recursos financeiros para pagamento dos estudos e ações necessárias para a efetiva criação das unidades de conservação.
Soma-se a tudo isso o fato de que os processos judicializados de desapropriação geralmente demoram anos, impedindo que o empreendedor se desobrigue até que o processo chegue ao fim.
Ademais, a execução direta da compensação ambiental pode gerar dificuldades de imposição de norma de conduta aos empreendedores, podendo-se destacar: a) ausência de critérios para aquisição de bens e serviços; b) elevação do custo de aquisição de bens pelos empreendedores por não gozarem da isenção de tributos e da disputa de preços legalmente incentivada pela Lei nº 8.666/93, a qual deságua numa redução de preços, muitas vezes em razão também do volume de aquisições e da imposição da concorrência, fato que pode muito bem ser deixado de lado pelo empreendedor, que almeja apenas executar sua obrigação de gastar determinado montante, sem se preocupar com a racionalidade no seu dispêndio; c) ausência de registro contábil, orçamentário e financeiro dos recursos na contabilidade do empreendedor e estabelecimento de índice de atualização dos valores da compensação ambiental.
À guisa de conclusão, insta frisar que o comando estatuído no artigo 36 da Lei nº 9.985/2000 prevê que a obrigação de o empreendedor apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral. Pelo dicionário, entende-se por apoiar:
[03]1. Dar apoio a; aprovar. 2. Sustentar; amparar. 3. Defender; favorecer. 4. Fundar; fundamentar (...)
1.Firmar(-se) sobre ou contra; encostar(-se); sustentar(-se). 2. dar apoio a (alguém ou algo); 3. Proteger, favorecer, patrocinar (alguém ou alguma coisa) (...)
[04]Nesse sentido, entregar pecúnia aos órgãos gestores para que eles a apliquem na proteção e gestão das unidades de conservação nada mais é do que estar prestando o devido apoio legalmente previsto na Lei do SNUC, motivo pelo qual se entende que o depósito em contas gráficas se encontra dentro da mais estrita legalidade.
Por tudo dito, entende-se pela possibilidade de afastamento da auto-execução como meio de cumprimento da condicionante de compensação ambiental, fazendo com que a Administração continue a adotar o depósito em contas gráficas como o meio legal e mais razoável de proceder ao cumprimento do disposto no artigo 36 da Lei nº 9.985/2000 e, por conseqüência, possibilitar a execução das ações da política nacional de unidades de conservação da natureza.
Notas
- MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 1979, v. 4, 1ª parte, p. 87.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 10ª ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 82.
- Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 4ª ed., p. 166.
- Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1ª ed., p. 161.