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Análise crítica ao reconhecimento dos efeitos jurídicos das relações extraconjugais no âmbito do Poder Judiciário

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25/04/2011 às 15:05
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2.UNIÕES AFETIVAS – A REVOLUÇÃO DOS COSTUMES.

2.1.Evolução da Família: Novos Valores para um Novo Tempo.

A dinâmica das relações sociais reclama uma constante reflexão sobre o Direito em seus diferentes âmbitos de atuação, sendo possível afirmar, portanto, que sua interpretação e aplicação estão sujeitas a uma constante metamorfose, fruto das transformações do convívio social e das forças atuantes na formação dos valores que ordenam essas relações.

Conforme Castelo Branco (2009, p. 27):

No século XX foram intensas e profundas as mudanças experimentadas pela família, preparando as bases que alicerçaram a sua nova concepção, que, para alguns, impropriamente, evidenciava o início de seu declínio e de seu vaticinado desaparecimento.

No entanto, as transformações apenas revelaram sua nova conformação alinhada com os valores sociais dos nossos dias, cumprindo ao Direito a tarefa de compreendê-los e sistematizá-los segundo essa nova realidade.

Eduardo Espínola apud Castelo Branco (2009, p. 27), aponta que:

As duas grandes guerras mundiais do último século seriam as principais responsáveis pelas transformações ocorridas na estrutura familiar, especialmente por terem determinado a assunção pela mulher de um papel ativo no campo econômico, afastada da vida exclusivamente familiar e dos serviços domésticos, o que, ao contrário de corresponder a um afrouxamento dos vínculos da família, permitiu que o amor continuasse sendo cultivado, notadamente na relação com os filhos.

O sociólogo Josiah Willian Goode (1969, p. 29), indica ser o igualitarismo um princípio que:

Marca a tendência do novo modelo de família, especialmente no ocidente, no qual as diferenças entre os sexos dão lugar à igualdade nas oportunidades de trabalho e, consequentemente, na participação nas decisões da sociedade familiar.

As transformações que marcaram a trajetória evolutiva da instituição familiar se mostram presentes na relação entre os cônjuges e mais recentemente entre os companheiros, como também entre pais e filhos, os quais igualmente sofreram com as intensas modificações advindas com o surgimento do novo modelo de família.

Novos padrões passaram a orientar o relacionamento entre pais e filhos, a partir do século XIX, com o enfraquecimento da nobreza e com a influência exercida pelo Cristianismo. É inegável o abandono da noção de poder que presidia essas relações. Os filhos ganharam espaço necessário à participação no processo educacional, saindo da condição de meros objetos para galgarem a condição de sujeitos com direito à voz naquilo que lhes interessava diretamente.

Os ventos impulsionadores da evolução do direito de família na maioria dos países ocidentais também provocaram modificações profundas no ordenamento jurídico brasileiro, refletindo na adoção de princípios ímpares, não guardando semelhança com a estrutura patriarcal da família concebida à época do Código Civil de 1916.

Castelo Branco (2009, p. 33), utilizando o saber de Maria Helena Diniz, assinala:

O direito de família no Brasil, especialmente a partir da edição do denominado Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962), da Constituição Federal de 1988 e, recentemente, com a vigência do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), passou a adotar como princípios: a) a afeição, constituindo a sua extinção em causa eficiente para dissolução dos vínculos do matrimônio e da união estável; b) a igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, com o desaparecimento do poder patriarcal e marital substituído pelo exercício da autoridade conjunta; c) a igualdade jurídica de todos os filhos, abandonando-se a antiga distinção entre filiação legítima e ilegítima; d) o pluralismo familiar, reconhecendo-se a possibilidade da formação de família a partir da união estável entre homem e mulher fora do casamento e também da chamada família monoparental; e) a substituição do poder marital e patriarcal pelo poder familiar; f) a liberdade como fundamento para a constituição da família, seja pelo casamento ou pela união estável, também presente nas decisões relacionadas ao planejamento familiar, à administração do patrimônio e à formação intelectual e religiosa dos filhos; g) o respeito à dignidade da pessoa humana como base da família, em especial na realização do pleno desenvolvimento da criança e do adolescente.

O direito de família, conquanto tido como refratário a mudanças, acabou por assimilar em grande parte as modificações ocorridas na sociedade no último século. Não significa, porém, que não deva estar preparado para enfrentar os desafios do novo milênio, posto que em plena revolução tecnológica impõe-se a esse ramo do direito a adoção de regras para disciplinar as questões antes relegadas à ficção.

Álvaro Villaça Azevêdo, mencionado por Alves (2007, p. 143), ressalta que o amor é mais importante do que tudo na família. O mútuo auxílio material e espiritual entre os esposos, sua convivência amorosa, é mais importante do que a própria formalidade que faz nascer a família. A mútua assistência, portanto, não decorre do simples vínculo matrimonial em si, mas do sentimento de amor entre os cônjuges ou companheiros, o qual é o verdadeiro responsável pela criação e manutenção deste vínculo.

Constata-se uma autêntica transformação do instituto do casamento, deixando de ser o único meio de formação da família para se constituir em um dos centros de realização da dignidade da pessoa humana. Se um homem e uma mulher escolhem formar uma família através do casamento é porque entendem ser este instituto a melhor alternativa para o desenvolvimento do amor mútuo.

Por outro lado, não havia punição maior para duas pessoas de continuarem casadas quando uma nutria pela outra apenas indiferença. Se o casamento era meio de promoção da dignidade humana, ele só deveria continuar existindo caso estivesse cumprindo o seu papel. No momento do descumprimento, não há mais qualquer motivo para sua manutenção, razão pela qual o legislador constitucional ampliou as hipóteses de divórcio já discretamente reguladas pela Lei nº. 6.515/1977.

Assim, a Carta Magna, como consequência da dignidade humana e no intuito de promovê-la, não só retirou do casamento o monopólio na criação ou legitimação da família, como também permitiu outras formas de entidades familiares, quais sejam, a união estável e a família monoparental, conforme já abordado alhures. Com isso, pessoas que antes não queriam ou não podiam convolar núpcias e, por isso mesmo, recebiam tratamento discriminatório passaram a ter oportunidade de construir uma entidade familiar protegida pela legislação pátria.

Além dessas novas entidades familiares reconhecidas, verifica-se na doutrina e jurisprudência uma forte tendência em reconhecer como entidade familiar (e não mais como sociedade de fato) também as uniões homoafetivas e as comunidades formadas por variados parentes, principalmente de irmãos. A título de ilustração, colacionamos os seguintes julgados:

Homossexuais. União estável. Possibilidade jurídica do pedido. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (TJRS, AC 598362655, 8ª C. Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, DJ. 01.03.2000)

Execução. Embargos de terceiro. Lei n. 8.009/1990. Impenhorabilidade. Moradia de família. Irmãos solteiros. Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza de proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei n. 8.009/1990, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (STJ, REsp 159.851/SP, DJ 22.06.1998)

Por todo o exposto, ressalta Alves (2007, p. 147):

Resta patente que a família deixou de ser um instituto fechado e individualista para ser definida modernamente como uma comunidade de afeto e entreajuda, local propício à realização da dignidade da pessoa humana e, por isso mesmo, caracterizada como um ente voltado para o próprio homem, plural como ele mesmo é, democrática, aberta, multifacetária, não discriminatória, natural e verdadeira.

Alves (2007, p. 147), adverte ainda que "os modelos de família são sempre sugeridos pela Constituição e nunca impostos pelo ordenamento jurídico, como outrora ocorria no Código Civil de 1916".

A família deixa de ser constituída pelo vínculo jurídico para ser reconhecida pelo ordenamento quando presente o intuitu familiae, o afeto como elemento volitivo de sua formação. Por isso, passa-se a conferir maior importância à dignidade de cada um dos membros da família e ao relacionamento afetivo existente entre eles do que propriamente à instituição em si mesma.

2.2.Da União Estável e do Concubinato.

A dinamicidade das relações familiares provoca sempre algo de surpreendente, deixando os estudiosos do direito de família muitas vezes perplexos diante de certos fatos (SEREJO, 2009).

A própria tendência da natureza humana contribui para essa mutação constante das relações familiares. Em particular, a evolução da família tradicional, singularmente caracterizada, passou por várias fases, até expressar-se sob várias modalidades de agrupamentos familiares. Hoje, já não se fala mais em família, no singular, mas em famílias, dada a pluralidade de tipos familiares existentes.

A idéia de união estável, duradoura, preservando as noções gerais de coabitação, assistência recíproca, relacionamento afetivo e sexual, lealdade e respeito mútuos, num cenário que não atendesse às formalidades e exigências próprias ao casamento, ocorre desde tempos imemoriais e, seguramente, antecederam ao matrimônio. De fato, faz-se referência a esse tipo de instituição na Grécia e em Roma, em circunstâncias nas quais, segundo Monteiro (1992, p. 16), não se atribuía a tal estado de fato críticas ou desfavores: "Na Grécia, não implicava em desonra para os que assim conviviam. Em Roma, justificava-se pela impossibilidade prática de que o casamento ocorresse, em especial, pelas barreiras impostas pelas diferenças entre as classes sociais".

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O combate direto e claro a esse modo de convivência, conforme relembra Scaff (2008, p. 83);

Surgiu especificamente a partir das lições de doutrinadores da Igreja – em especial Santo Agostinho e Santo Ambrósio – para os quais cumpria aos cristãos seguir e prestigiar o matrimônio, sacramento formalmente instituído no seio da religião católica.

De igual modo, relacionamentos afetivos paralelos ao casamento (concubinato) sempre existiram, sendo estes considerados atentatórios à moral e aos bons costumes, em razão do impedimento existente.

A despeito de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais divergentes quanto à matéria, considera-se que a união estável e o concubinato são institutos distintos. Esta distinção revela-se clarividente ao se analisar o novo Código Civil e, também, o texto constitucional.

Compulsando o Código Civil, verifica-se na dicção do artigo 1.727 que, o legislador definiu o concubinato como sendo as relações não-eventuais (logo, permanentes) entre o homem e a mulher impedidos de casar. Este artigo foi inserido no final do título que regula a união estável.

Depreende-se do texto legal ser a união estável relação lícita entre homem e mulher que vivem como se casados fossem, e apenas não se casaram por uma opção particular ou por algum impedimento momentâneo, enquanto o concubinato seriam as relações entre homem e mulher impedidos de casar, sendo ilícita tal relação.

Ao elevar a união estável a um casamento de fato, tanto o Código Civil quanto a Constituição Federal reforçam a tese de que é um erro confundir este instituto com o concubinato.

União estável ou concubinato puro é a convivência não-adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo assim sua família de fato, caracterizando-se por não poder haver impedimentos à realização do casamento, tais como os previstos no artigo 1.521 do Código Civil de 2002, verbis:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Outros requisitos caracterizadores da união estável afirmam ser dispensável a convivência sob o mesmo teto, comum ao casamento, de acordo com a Súmula nº. 382 do Supremo Tribunal Federal [01].

O concubinato impuro, adulterino ou desleal, por sua vez, decorre da situação de pessoa casada que mantém um vínculo afetivo com terceira pessoa, conhecedora ou não da situação. Daí a impossibilidade de ser caracterizar a união estável, conforme entendimento jurisprudencial da lavra do STJ:

Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórdão, não enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma natureza de união estável, isto é, "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes. (STJ, REsp 789.293/RJ, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 16.02.2006).

Alinhada ao pensamento do Ministro Carlos Alberto do STJ está a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, como se vê:

DIREITO DE FAMÍLIA – APELAÇÃO – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL – CONCUBINATO DESLEAL – PEDIDO IMPROCEDENTE – RECURSO PROVIDO – O concubinato desleal não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, pois a manutenção de duas uniões de fato, concomitantes, choca-se com o requisito de respeito e consideração mútuos, impedindo o reconhecimento desses relacionamentos como entidade familiar, uma vez caracterizada a inexistência de objetivo de constituir família, e da estabilidade na relação. (TJMG, Apelação Cível nº 1.0384.05.039349-3/002, 4ª Câmara Cível, Rel. Des. Moreira Diniz, J. 21.02.2008).

Apesar da revolução social impulsionada pela Carta Magna no sentido de reconhecer as uniões de fato, ainda vige na legislação pátria o princípio da monogamia das relações afetivas. Portanto, não se admite a existência de um casamento civil e uma união estável ao mesmo tempo, constituindo-se na verdade um concubinato impuro (união extraconjugal).

É considerado, então, concubinato impuro o relacionamento em que há impedimento matrimonial. Assim, mesmo que a relação possua os requisitos da união estável, é classificada como concubinato, uma vez que um de seus participantes já é casado ou possui outra união estável, não estando separado de fato ou judicialmente como excepciona o art. 1.723 do Código Civil no seu parágrafo primeiro [02].

Para Maria Berenice Dias (2006), há uma possibilidade de reconhecer um concubinato impuro como união estável, caso a terceira pessoa não seja conhecedora do casamento.

A diferença centra-se exclusivamente no fato da mulher ter ou não ciência de que o parceiro se mantém no estado de casado ou tem outra relação concomitante. Assim, somente quando a mulher é inocente, isto é, afirma não ser sabedora de tal situação, há o reconhecimento da boa fé e se admite o reconhecimento de união estável, com o nome de união estável putativa. (DIAS, 2006).

Nessa perspectiva, caso o componente da segunda relação tenha consciência do impedimento do seu parceiro, age de má-fé e, por isso, seu relacionamento é denominado concubinato impuro. No entanto, se a pessoa não souber do impedimento de seu par, e se envolver de boa-fé, sua relação é chamada de concubinato puro, situação em que é possível o reconhecimento como união estável putativa. Entende-se, então, que a boa-fé retira a ilicitude de seus atos, uma vez que o sujeito ignora determinada situação.

É salutar lembrar, portanto, que o concubinato impuro não tem, em princípio, seus direitos reconhecidos pelo Direito de família, pois ausente o elemento boa-fé. Ambos os envolvidos têm conhecimento do impedimento matrimonial de um deles, ou de ambos.

Carlos Eduardo Pianovski (2006, p. 194), escreve acerca da simultaneidade das relações e da competência do direito de família:

A simultaneidade de conjugalidade é tema que, embora suscite perplexidades, não é alheio ao direito de família. Identificar limites e possibilidades da apreensão jurídica e da atribuição de eficácia a situações de tal natureza implica a necessidade de enfrentar questões pertinentes ao universo principiológico que permeia esse ramo do direito. Dentre as questões candentes a demandar análise está a eventual oposição de óbices decorrentes de um possível princípio da monogamia.

Mesmo sendo um assunto que cause divergência, os relacionamentos concomitantes devem ser tratados pelo direito de família, cabendo analisar caso a caso, adequando, sempre que possível, os fatos às normas jurídicas, tendo em vista a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se espraia por todo o ordenamento vigente (PIANOVSKI, 2006).

Adiante serão expostas três correntes relativas à possibilidade da inserção das relações paralelas ao casamento no direito de família.

2.3.Da (Im) Possibilidade de Incidência das Regras do Direito de Família nas Relações Extraconjugais.

A primeira linha de pensamento jurídico acerca da tutela das relações extraconjugais direciona a matéria ao campo do direito obrigacional, não reconhecendo a competência do direito de família, uma vez que preexiste uma entidade familiar, sendo irrelevante o elemento boa-fé e, segundo este posicionamento, o direito das obrigações é competente até mesmo para a união estável putativa.

Na linha contrária a este entendimento, a segunda corrente afirma que o direito de família não protege as uniões estáveis paralelas, abrangendo as putativas, pois há a boa-fé, ou seja, ausência de malícia e, por isso, merecem ser tratadas como entidade familiar. Corroborando esta concepção, Rolf Madaleno (2004, p. 71), afirma com veemência que:

(...) o concubinato adulterino não configura uma união estável, como deixa ver estreme de dúvidas o art. 1.727 do Código Civil. Não ingressam nesta afirmação os concubinatos putativos, quando um dos conviventes age na mais absoluta boa-fé, desconhecendo que seu parceiro é casado, e que também coabita com o seu esposo, porquanto a lei assegura os direitos patrimoniais gerados de uma união em que um dos conviventes foi laqueado em sua crença quanto à realidade dos fatos.

Dessa forma, as uniões paralelas estariam vedadas, por ferirem o sistema monogâmico e comprometerem a estabilidade da sociedade. No entanto, sempre que um dos parceiros agir de boa-fé, sua relação será equiparada à união estável.

Álvaro Villaça Azevedo (2001, p. 211), analisa a questão da seguinte maneira:

Concubinato impuro ou concubinagem não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade. Entendemos, ainda, que deste não deve surtir efeito, a não ser o concubinato de boa-fé, como acontece, analogamente, com o casamento putativo, e para evitar-lhes locupletamento ilícito.

Demais disso, além das uniões paralelas não merecerem o reconhecimento do direito de família, a sociedade também deve rejeitar ditas relações, por atingirem a base de sustentação da família, a monogamia. Apesar da crise do sistema monogâmico e da maior aceitação das relações paralelas, tendo em vista até mesmo a descriminalização do adultério, a união estável paralela continua excluída do direito de família (AZEVEDO, 2001).

De acordo com a segunda corrente, deve ser abrangida pelo direito obrigacional, como defende Rodrigo da Cunha Pereira (2005, p. 233):

O concubinato, assim considerado aquele adulterino ou paralelo ao casamento ou a outra união estável, para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro – já que o Estado não pode dar proteção a mais de uma família ao mesmo tempo, poderá valer-se da teoria das sociedades de fato e, portanto, no campo obrigacional.

Na pretensão de evitar injustiças, tal posicionamento entende que, apesar de não poder ser reconhecida como entidade familiar, as uniões paralelas não podem ser ignoradas e trazer prejuízos; por isso, devem ser equiparadas às sociedades de fato e, no caso de dissolução, realizada a partilha do patrimônio adquirido em conjunto.

Existe, porém, a terceira corrente, mais ousada, que diverge da equiparação das relações paralelas às sociedades de fato, entendendo-as como família e merecendo, por isso, tratamento pelo direito de família e denominação de entidade familiar.

O não reconhecimento das uniões paralelas, para esta corrente, vai contra o disposto pela Constituição Federal e fere seus princípios. Não haveria motivo para deixar de analisar as relações concomitantes no âmbito do direito de família, pois a Constituição Federal não é taxativa, apenas exemplificativa, com relação aos modelos familiares.

Neste sentido, não se admitiria fingir ser a relação familiar uma sociedade de fato, não existindo proibição expressa da Constituição Federal de diferentes tipos de entidades familiares. Pelo contrário, vige o princípio da pluralidade delas.

A união estável não tem como pressuposto a exclusividade, tampouco o dever de fidelidade, o que leva a crer que o Estado tem o dever de admitir as uniões paralelas como entidade familiar, desde que configurados os requisitos para o reconhecimento da união estável. (DIAS, 2006).

A manifestação afetiva, pois, não é necessariamente exclusiva. Ademais, não importa para o direito impor tipos padrões de comportamentos, pois enquanto houver desejo irão se manifestar relações familiares, entenda-se, entidades familiares divergentes daquelas estabelecidas aprioristicamente, de sorte que não há como aprisionar o afeto, restringindo-o às relações de casamento, de união estável e à entidade monoparental. O pluralismo das entidades familiares impõe o reconhecimento de outros arranjos familiares além dos expressamente previstos constitucionalmente (ALBUQUERQUE FILHO, 2007).

Não cabe, então, ao Estado, negar a realidade e pretender que a concomitância de relações seja algo distante do direito de família. Sabe-se que a família tem papel fundamental para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e que negar seu reconhecimento gera um retrocesso social com descumprimento de preceitos fundamentais da própria Constituição Federal.

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Sobre o autor
Anderson Eugênio de Oliveira

Advogado, Controlador Geral do Município de Milagres

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Anderson Eugênio. Análise crítica ao reconhecimento dos efeitos jurídicos das relações extraconjugais no âmbito do Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2854, 25 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18966. Acesso em: 25 abr. 2024.

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