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Aposentadoria espontânea e efeitos trabalhistas.

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30/04/2011 às 08:36
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3 - APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA E VACÂNCIA

Também tem sido suscitada em alguns julgados, como causa de extinção de vínculos de emprego com a Administração Pública Direta ou Indireta, a tese de que a aposentadoria espontânea previdenciária importaria em vacância do respectivo emprego público.

Tal interpretação, entretanto, se encontra em desarmonia com nosso ordenamento jurídico, já que a legislação prevê a aposentadoria como hipótese de vacância apenas quanto aos cargos efetivos, de vínculo institucional ou estatutário (art. 33, VII, da lei 8.112/90, por exemplo). Já para a legislação trabalhista, aplicável aos contratos de emprego mesmo quando o empregador seja a ente público ou paraestatal, não existe o instituto da vacância, tampouco importando a aposentadoria previdenciária em automática extinção do contrato de emprego (situação pacificada com as decisões vinculantes do STF nas ADIs 1770 e 1721 e, ainda com a OJ SDI1 361, do TST).

É que a Administração, quando opta por contratar pelo regime celetista, despe-se de seu poder de império e se sujeita às normas trabalhistas, como qualquer empregador privado, ressalvadas algumas intersecções com o direito administrativo constitucionalmente previstas (como a contratação por concurso, por exemplo). Em decorrência, ainda que por hipótese algum ente público estadual ou municipal legislasse no sentido de que a aposentadoria do celetista enseja vacância ou extinção do contrato, a par de haver inconstitucionalidade pelos mesmos fundamentos ventilados nas ADIs 1770 e 1721, tal norma também seria inconstitucional por invadir a competência legislativa privativa da União sobre direito do trabalho.

Temos, pois, que a aposentadoria previdenciária não pode ser considerada como causa de vacância em relação ao servidor celetista ou empregado público.


4 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA ESTÁVEL – FORMALIDADE DO ART. 500 DA CLT – PRESUNÇÃO DE VÍCIO DE VONTADE

Uma outra peculiariedade merece destaque em relação aos efeitos da aposentadoria voluntária no contrato de emprego vinculado à Administração Pública.

Trata-se do chamado servidor público celetista, cujo empregador é o próprio ente público, da Administração Direta, Autárquica ou Fundacional, contratado pelo devido concurso público ou beneficiado pela regra de transição prevista no art. 19 do ADCT, para o qual a jurisprudência se firmou considerando aplicável a estabilidade prevista no art. 41 da CRFB (Súmula 390 do TST [05]).

O art. 500 da CLT [06] institui pressuposto de validade do pedido de demissão de trabalhador estável, demandando a assistência do sindicato da categoria, ou, "se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho" (esta última hipótese, uma das raras previsões de atuação da Justiça Laboral em jurisdição voluntária ou atuação administrativa). Assim, dada a renúncia à estabilidade decorrente do pedido de demissão, impõe-se o cumprimento da formalidade sob pena de presumir-se vício de vontade, com o reconhecimento da nulidade do ato e conseqüente reintegração do empregado estável, ressalvado, como destaca Maurício Godinho Delgado [07] em hipótese similar, que "não se trata, evidentemente, de presunção absoluta, porém relativa, admitindo prova convincente em sentido contrário".

Entendeu o legislador que o pedido de demissão de empregado estável deveria ser assistido justamente para que fosse bem esclarecido das conseqüências de sua decisão, notadamente de que detinha estabilidade e da gravidade da renúncia à mesma, a fim de que pudesse escolher livremente e bem informado, afastando eventual vício de vontade.

Em muitos casos, dado perfil sócio-profissional do trabalhador, freqüentemente com baixo nível de escolaridade, é comum que não tenha real noção da extensão de seus direitos, às vezes nem sabendo que porta estabilidade no emprego ou que poderia continuar trabalhando após a aposentadoria previdenciária. Infelizmente, também é freqüente que o empregador não lhe esclareça sobre tais aspectos, ou mesmo que tenha entendimento ou interesses em sentido contrário, omitindo a informação.

Assim, se por ocasião da aposentadoria espontânea previdenciária um servidor público celetista estável se desligar do emprego sponte sua, por pedido de demissão, imprescindível a comprovação de que houve a assistência prevista no art. 500 da CLT, sob pena de se presumir vício de consentimento em tal pedido de demissão, com a nulidade do ato e reintegração ao labor.


5 - SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA – APLICABILIDADE DO LIMITE DE 70 ANOS DE IDADE

Fixada acima a premissa de que o servidor público celetista mantém sua estabilidade e pode remanescer no mesmo contrato de emprego mesmo após a aposentadoria previdenciária, mais uma interessante questão se desdobra: então em que momento se processaria o desligamento de um servidor celetista estável? Prosseguindo com o raciocínio, poder-se-ia cogitar de o momento da extinção contratual ficar de forma permanente (ou vitalícia) sujeita ao exclusivo arbítrio do trabalhador? Poderia tal servidor exigir a manutenção de sua vaga até os 80, 90, ou mesmo 120 anos de idade, ad absurdum?

A solução parece-nos já se encontrar posta em nosso ordenamento jurídico.

Da mesma forma que se aplica a estabilidade do art. 41 da CRFB aos servidores públicos celetistas, também lhes deve ser aplicado o mesmo limite de idade, de 70 anos, previsto no art. 40, §1º, II, para que permaneçam na ativa.

É que, embora a literalidade do caput do art. 40 se refira aos servidores que contribuíam para os sistemas próprios de previdência dos entes públicos, não havia porque serem mencionados expressamente aqueles ligados ao regime geral de previdência social, já que, na época, era tranqüilo o entendimento de que a aposentadoria voluntária previdenciária também correspondia à "aposentadoria" trabalhista, ou seja, a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregado.

Por outro lado, a determinação de compulsoriedade para a aposentadoria aos 70 anos de idade indica o limite tido como razoável pelo constituinte para renovação da força de trabalho do serviço público, sob pena, contrario sensu, de se ter excessivo envelhecimento de tal mão-de-obra, com presumível queda de produtividade e eficiência na prestação do serviço público.

Ademais, a situação seria anti-isonômica em relação aos servidores estatutários, já que, conforme exemplo acima, poder-se-ia chegar à situação de servidor celetista de 80, 90, ou mesmo 120 anos de idade, ainda na ativa, enquanto seus pares servidores estatutários são compelidos a deixar o cargo aos 70 anos de idade.

Logo, o exame da questão através de hermenêutica histórica e sistemática conduz à aplicação do limite de constitucional de 70 anos de idade também para os servidores públicos celetistas.

Em conclusão, embora não seja o contrato de emprego dos servidores públicos celetistas automaticamente extinto com a aposentadoria previdenciária, tal deve ocorrer quando do implemento da idade de 70 anos. Extinto o contrato em razão do termo constitucional, não se cogitará iniciativa do empregador, portanto quando de tal extinção não lhe serão imputáveis parcelas típicas da dispensa imotivada, como o aviso prévio indenizado e multa de 40% do FGTS.


6 - PERCEPÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – PRESUNÇÃO DE INTERESSE DO TRABALHADOR NA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Outra discussão recorrente em processos nos quais se debatem os efeitos da aposentadoria voluntária previdenciária sobre o contrato de trabalho são os casos que envolvem planos de complementação de aposentadoria. Geralmente a lide versa sobre a causa da ruptura contratual, se de iniciativa do empregado ou do empregador, com a conseguinte discussão acerca das verbas rescisórias aplicáveis.

No caso em comento, a existência de complementação de aposentadoria, a ser paga a partir do desligamento dos quadros do empregador deve ser levada em conta na aferição do motivo da ruptura contratual.

Veja-se que tal situação não pode ser valorada da mesma forma que aquela atinente à maioria dos trabalhadores, onde a troca do salário pelos proventos do INSS significa prejuízo, pois geralmente inferior ao que se vinha recebendo na ativa, enquanto que para os empregados beneficiados por planos de complementação de aposentadoria, esta lhes garantirá a manutenção da mesma renda que percebiam na atividade, fazendo presumir o interesse do empregado desligar-se do emprego quando de sua aposentadoria, já que mantendo os mesmos rendimentos sem precisar prestar trabalho.

Ressalve-se que tal presunção é também meramente relativa, sendo sempre conveniente a colheita de outros elementos que a confirmem ou mesmo, eventualmente, levem à conclusão contrária.


7 - NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL X VANTAGENS CRIADAS EM REGULAMENTO EMPRESARIAL NO REGIME ANTERIOR

Como última questão que trazemos para debate neste breve estudo, está a considerável distorção de vantagens concedidas em regulamento empresarial num contexto em que a aposentadoria previdenciária importava também no desligamento do emprego, sobrevindo alteração de entendimento jurisprudencial, segundo o qual a aposentadoria voluntária previdenciária passou a não mais ser considerada causa de automática extinção do contrato de trabalho.

Inicialmente, rememoramos que regulamentos empresariais, embora tenham aparência de regra jurídica, geral, abstrata e impessoal, não são consideradas como tais pela pacífica jurisprudência trabalhista, já que representam manifestação unilateral de vontade do empregador, apenas a este vinculando, aderindo ao contrato individual do trabalho como cláusula contratual, vedada a posterior alteração unilateral, conforme art. 468 da CLT (eventual alteração do regulamento só afeta aos empregados admitidos em momento posterior).

Entretanto, assim como o empregado tem o direito a manter por toda a contratualidade uma vantagem que aderiu ao seu contrato por força de um regulamento empresarial, tem o empregador o direito a que tal vantagem não seja ampliada ou distorcida, fora dos limites originalmente aplicáveis, em razão de alteração da legislação ou do entendimento do Poder Judiciário sobre a legislação vigente que afetem as premissas sobre as quais se baseou a concessão da vantagem.

É que o regulamento constitui manifestação de vontade unilateral do empregador, a qual é emanada em um contexto de normas jurídicas à época vigentes e que permitem que se tenha em mente a extensão e conseqüências das vantagens deferidas. Alterado o conjunto de normas ou mesmo a interpretação uniformemente aceita acerca das mesmas, como é o caso ora tratado, não se pode analisar de forma rasa e literal o texto regulamentar antigo fora de seu contexto, sob a ótica exclusiva das novas normas ou do novo entendimento jurisprudencial, sob pena de criar vantagem completamente nova e estranha à manifestação de vontade original do empregador que a instituiu, em tal parte, portanto, não tendo o condão de vincular a tal empregador.

Tomemos como exemplo o prêmio por aposentadoria concedido no regulamento de pessoal do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, cujo art. 79 reza:

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"Art. 79 - Aos empregados que se aposentarem, será concedido um prêmio especial, proporcional a sua remuneração mensal fixa, como tal definida no art. 54, vigente na época da aposentadoria, a saber: (...)

a) com 20 anos de serviço ao Banco, valor equivalente a uma (1) vez a sua remuneração mensal;

b) com 25 anos de serviço ao Banco, valor equivalente a duas (2) vezes a sua remuneração mensal;

c) com 30 anos de serviço ou mais, ao Banco, valor equivalente a cinco (5) vezes a sua remuneração mensal."

Considerando, que tal norma foi editada originalmente há décadas, inafastável que se examine seu significado pelo prisma de uma interpretação histórica e sistemática, sob pena de retirar a expressão "se aposentarem" do contexto em que o benefício em tela foi pensado e concebido, distorcendo-o.

Como já destacado diversas vezes neste trabalho, até o ano de 2006 a quase totalidade da jurisprudência [08] e da doutrina entendiam que a aposentadoria espontânea importava em causa automática de desligamento do empregado celetista, de forma similar ao que ainda hoje ocorre com o servidor público estatutário. Assim, era pacífico que o empregado que se aposentasse pelo INSS automaticamente "se aposentaria" da empresa, significando retirar-se do mercado de trabalho. Tanto é assim que o início da percepção de complementação de aposentadoria costuma se dar a partir do afastamento do empregado, geralmente seguida à ciência do deferimento da aposentadoria previdenciária. É em tal contexto que diversas empresas de porte instituíram algum tipo de premiação ou vantagem por ocasião do desligamento de seus empregados, como a exemplificada acima, compensando-os justamente pela saída sem as indenizações típicas da dispensa imotivada, após décadas de serviços prestados.

Aliás, este é ainda até hoje o significado vulgar do termo "se aposentar", ordinariamente empregado como "parar de trabalhar". A significação restrita à obtenção de aposentadoria previdenciária impera precipuamente no meio jurídico e se trata de situação relativamente recente, decorrente da guinada jurisprudencial causada pelas decisões do STF proferidas nas ADIs nºs 1.721 e 1.770.

Entendo que, em homenagem à segurança jurídica, a interpretação meramente literal deve ceder à interpretação histórica e sistemática, sob pena de se criar judicialmente benefício completamente diverso daquele originalmente previsto, distorcendo e distanciando o mesmo da original manifestação de vontade do empregador.

Por outro lado, registro ainda que o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador também não afasta a conclusão acima, já que não poderia ensejar resultado que sucumba ante o crivo dos demais critérios hermenêuticos. Ademais, deve-se perquirir qual realmente é a interpretação mais favorável aos trabalhadores, a nível macro, a médio e longo prazos, já que alteração jurisprudencial que enseje benefícios originalmente não previstos quando de sua instituição afeta a segurança jurídica e seguramente servirá de desestímulo para a concessão de outras vantagens aos empregados, por receio de que tais vantagens sejam posteriormente distorcidas e estendidas além de seus limites originais.

Diante dos fundamentos acima, não impressiona o argumento de que as vantagens em tela são devidas em razão da mera aposentadoria, não sendo a efetiva extinção do contrato de trabalho condição para a sua percepção. Como já mencionado, nem haveria porque referir expressamente, como condição, o afastamento do labor, já que, à época, era pacífico que a aposentadoria (previdenciária) automaticamente ensejava o desligamento do emprego, sendo praticamente sinônimos.

Assim, temos que as vantagens alcanças ao trabalhador por ato unilateral de vontade do empregador, através de regulamento empresarial, não podem ser distorcidas ou ampliadas para fora dos limites originalmente aplicáveis em razão de superveniência alteração da normativa ou jurisprudencial - como a que ocorreu em relação aos efeitos da aposentadoria voluntária sobre o contrato de emprego - afetando as premissas sobre as quais se baseou o instituidor da vantagem, não remanescendo vinculado a esta naquilo em que exceda à sua manifestação de vontade original.

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Sobre o autor
Cesar Zucatti Pritsch

Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região/RS. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Ex-Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Ex-Advogado da Petrobras

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRITSCH, Cesar Zucatti. Aposentadoria espontânea e efeitos trabalhistas.: Discussões remanescentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2859, 30 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19004. Acesso em: 23 dez. 2024.

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