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Compromisso de ajustamento de conduta em matéria ambiental

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03/05/2011 às 18:11
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5. Requisitos de validade

Como todo e qualquer negócio jurídico, reclama-se agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei (CC, art. 104). Como visto acima, exige-se, ainda, a legitimidade do compromitente.

Nas hipóteses de pessoas jurídicas, o compromisso deve ser firmado pela pessoa que legalmente possa presentá-la. É preciso algum cuidado na hipótese de o compromissário ser ente estatal. Conforme alerta José Santos Carvalho Filho [13], legitimada "é a pessoa jurídica que deve suportar os ônus de eventual descumprimento das obrigações assumidas no título. Se determinado agente firma o compromisso em nome do Estado sem que tenha delegação para fazê-lo, atua com vício de competência, comprometendo inevitavelmente a validade do título".

A forma será necessariamente escrita. Caso haja no compromisso obrigação concernente à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, exige-se a sua celebração por meio de escritura pública (CC, art. 108). O compromisso pode ser tomado perante o juiz, por meio de termo nos autos da ação.

Quanto ao objeto, além de lícito e possível, não se pode admitir por parte do órgão que toma o compromisso a renúncia de direitos ou concessões que findem por deixar desprotegido, ainda que parcialmente, o interesse coletivo. Afinal de contas, como se sabe, o órgão compromitente, embora legitimado para postular a proteção do direito difuso, não é o seu titular. Busca-se o ajustamento da conduta à lei e não a celebração de um acordo.

Em matéria ambiental deve-se atentar, ainda, para a obrigatória observância do princípio da prioridade da reparação específica do dano. Sempre que possível, o compromisso a ser tomado deve envolver o ressarcimento in natura, ou a adoção de medidas compensatórias ambientais. Apenas em último caso é de se admitir a solitária indenização pecuniária. Caso tenha sido essa a única solução possível, não se pode admitir que os valores sejam destinados ao órgão compromitente ou mesmo a outros órgãos públicos, ainda que eles tenham por missão institucional a proteção ao meio ambiente. É impositivo legal e ético o carreamento do dinheiro ao Fundo Federal ou Estadual de Direitos Difusos (Lei nº 7.347/85, art. 13).

No âmbito do Ministério Público Federal, a celebração do compromisso de ajustamento de conduta é regida pela Resolução nº 87/06 (art. 21). Segundo referido ato normativo, o termo deverá conter, obrigatoriamente: I - nome e qualificação do responsável; II - descrição das obrigações assumidas; III - prazo para cumprimento das obrigações; IV - fundamentos de fato e de direito; V - previsão de multa cominatória no caso de descumprimento. Por outro lado, exige-se motivação quanto à adequação das obrigações, dos prazos e das condições estipuladas no compromisso (os famosos considerandos).

Sabe-se que em alguns Estados a validade dos compromissos de ajustamento de conduta firmados com o Ministério Público é condicionada à homologação pelo Conselho Superior do órgão, por força de atos normativos internos. O assunto gera acalorado debate entre os membros do Ministério Público, pois não há lei que exija a homologação, ao contrário do que ocorre com o arquivamento do inquérito civil público. Por outro lado, a Resolução nº 23/07 do Conselho Nacional do Ministério Público [14] disciplina o compromisso de ajustamento sem mencionar a necessidade de qualquer homologação (art. 14). No âmbito do Ministério Público Federal, não se reclama a homologação (Resolução nº 87/06, art. 21, §8º).


6. Execução do compromisso

Inadimplido, o cumprimento do compromisso de ajustamento de conduta deverá ser reclamado judicialmente.

Caso o compromisso tenha sido objeto de sentença homologatória, a sua execução far-se-á na forma do art. 461, 461-A ou 475-B, do CPC, conforme a natureza das obrigações assumidas. Ganha destaque aqui o princípio da prioridade da reparação específica do dano, privilegiando-se a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado equivalente, por meio da adoção das medidas necessárias, na forma do art. 461, §5º, c/c art. 644, ambos do CPC.

Nas hipóteses de compromisso firmado extrajudicialmente, seguir-se-ão as regras da execução das obrigações de fazer e não fazer, previstas no art. 632 e seguintes do CPC, ou da execução por quantia certa.

Os compromissos de ajustamento normalmente contém previsão de multa cominatória. Caso a multa se mostre excessivamente onerosa, pode o juiz reduzi-la (CPC, art. 645, parágrafo único). Note-se, entretanto, que o juiz deverá levar em consideração, necessariamente, a magnitude da lesão ambiental, sob pena de desvirtuamento do caráter dissuasório da multa cominatória.

Caso não tenha havido, por falha do órgão compromitente, previsão de multa cominatória, ela será fixada pelo juiz ao despachar a inicial (CPC, art. 645, caput). Havendo previsão de multa, mas sendo ela insuficiente, não pode o juiz aumentá-la (STJ - RESP 859857 - Relatora Min. Eliana Calmon - 2ª T. - DJE 19/05/2010).

Mostra-se necessário avanço legislativo nesse particular. O ideal seria a possibilidade de utilização do art. 461, §5º, do CPC, também na execução dos compromissos de ajustamento de conduta firmados extrajudicialmente. Atualmente, para tal fim é necessário o ajuizamento de ação cognitiva [15] ou a homologação judicial do compromisso, em procedimento de jurisdição voluntária (CPC, art. 475-N, V) [16].

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O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos [17], formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e entregue ao Ministério da Justiça em janeiro de 2007, infelizmente não incorpora tal avanço. Com efeito, dispõe acerca da matéria da seguinte maneira:

"Art. 21. Do termo de ajustamento de conduta. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico protegido, o Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com critérios de equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta à lei, mediante fixação de modalidades e prazos para o cumprimento das obrigações assumidas e de multas por seu descumprimento.

§ 1º. Em caso de necessidade de outras diligências, os órgãos públicos legitimados poderão firmar compromisso preliminar de ajustamento de conduta.

§ 2º. Quando a cominação for pecuniária, seu valor deverá ser suficiente e necessário para coibir o descumprimento da medida pactuada e poderá ser executada imediatamente, sem prejuízo da execução específica.

§ 3º. O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade de homologação judicial do compromisso, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial." (destaques no original)


7. Insuficiência do compromisso

Não raro, órgão legitimado (normalmente o Ministério Público) entende que o compromisso de ajustamento de conduta tomado por outro órgão é insuficiente, por não abranger todas as ofensas ou por envolver concessões indevidas.

Há precedente do STJ segundo o qual, nessas situações, o Ministério Público (ou, por identidade de razões, outro legitimado), pode ajuizar ação civil pública pleiteando o que entende ser a melhor medida para proteção do bem difuso (Resp nº 265.300-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 21/09/2006).

José dos Santos Carvalho Filho [18] entende que duas situações devem ser distinguidas: compromisso simplesmente incompleto ou compromisso que contenha vício insanável, como desvio de finalidade, ilegitimidade do órgão compromitente, transação indevida. Na primeira situação, pode-se ajuizar ação civil pública "visando a que o réu seja condenado ao cumprimento das obrigações não insculpidas no título". Na segunda situação, entretanto, seria necessário a anulação do título, sendo possível a cumulação de pedidos na ação civil pública (declaração ou decretação de nulidade do título e tutela do interesse coletivo).

É exato que nada impede o ajuizamento de ação civil pública, tanto em um como em outro caso. Todavia, à luz do princípio da máxima proteção do interesse difuso, entendo que igualmente nada impede seja tomado novo compromisso de ajustamento de conduta, pelo mesmo ou outro órgão legitimado, independentemente da anulação do primeiro. Os compromissos, caso complementares, coexistirão; caso antinômicos, prevalecerá o que for legítimo e melhor preservar o bem tutelado. Trata-se da mesma regra utilizada nas hipóteses de conflitos de normas ambientais oriundas de diferentes esferas de produção normativa:

"O critério básico para a solução de conflitos normativos ambientais entre os diferentes entes federados é aquele que garante a prevalência da norma que defenda melhor o direito fundamental tutelado, por se tratar de preceito constitucional (lei nacional) que se impõe à ordem jurídica central ou regional: in dubio pro natura" [19]

Sem embargo, em alguns casos, notadamente quando o órgão que tiver tomado o compromisso nulo insistir em seu cumprimento, pode se mostrar necessária a declaração judicial da nulidade, o que pode ser feito por via de ação ou de defesa (ação autônoma, ação declaratória incidental, reconvenção, contestação, etc.). Se o compromisso de ajuste houver sido objeto de homologação judicial, a sua anulação não poderá ser objeto de ação rescisória, sendo o caso de ação anulatória (CPC, art. 486).


Notas

  1. São as seguintes: "É juridicamente imprópria a equiparação de compromisso administrativo a título executivo extrajudicial (C.P.C., art. 585, II). É que, no caso, o objetivo do compromisso é a cessação ou a prática de determinada conduta, e não a entrega de coisa certa ou pagamento de quantia fixada". A atecnia é flagrante. Nenhuma razão legal ou mesmo ontológica impede, como aliás bem o demonstram as posteriores reformas processuais, a inclusão de obrigação de fazer ou não-fazer em títulos executivos extrajudiciais.
  2. Ocorre sinédoque quando há substituição de um termo por outro, havendo ampliação ou redução do sentido usual da palavra numa relação quantitativa. Pode-se falar, também, em metonímia, figura que engloba a sinédoque.
  3. Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 124.
  4. Ação Civil Pública, 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 215.
  5. Tutela Coletiva. Brasília: ESMPU, 2006, p. 112.
  6. Ressalve-se o entendimento do autor acerca do flagrante equívoco dessas decisões, que afrontam as regras contidas no art. 88, in fine, e no art. 101, II, todos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e a melhor doutrina (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., São Paulo: RT, p. 449).
  7. Invoca-se aqui a conhecida distinção entre legitimidade e capacidade.
  8. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 214.
  9. E o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, cujas atribuições lhes são equivalentes.
  10. Em sentido diverso, admitindo possa o MPF litigar sozinho na Justiça Estadual e o MPE litigar sozinho na Justiça Federal: MAZZILI, Hugo Nigri.Hugo de Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 303. Não é esse, entretanto, o posicionamento prevalecente na jurisprudência (STJ - RESP 1060759 - Relator Min. Herman Benjamin - 2ª T. - DJE 31/08/2009; CC 65.604/ES, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª S., julgado em 27/05/2009, DJe 01/07/2009).
  11. A partir desse parâmetro, a jurisprudência reconhece a atribuição do MPF nos seguintes casos, citados apenas exemplificativamente: danos ambientais causados por extração irregular de areia e outros minerais; envolvendo espécies animais ameaçadas de extinção; pesca irregular em rios federais; danos causados em unidades de conservação federais; danos causados a dunas, terrenos de marinha, mar territorial; danos causados a lagos; danos a cavidades naturais subterrâneas ou sítios arqueológicos e pré-históricos; danos a bens tombados pelo IPHAN; danos em terras indígenas; danos em faixa de fronteira; em áreas portuárias; relacionados à exploração de energia nuclear.
  12. Entendimento que prevalece inclusive no âmbito criminal (STF, HC 81.916-8/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJ 11/10/2002).
  13. Op. cit., p. 219.
  14. Regulamenta os artigos 6º, inciso VII, e 7º, inciso I, da Lei Complementar nº 75/93 e os artigos 25, inciso IV, e 26, inciso I, da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do inquérito civil.
  15. Acerca da possibilidade de ajuizamento de ação cognitiva em lugar de ação de execução fundada nos arts. 632 e seguintes do CPC: TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa (CPC, Arts. 461 e 461-A; CDC, Art. 84). 2 ed. São Paulo: RT, 2003, pp. 425-426; DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 3ª ed. Salvador: Jus Podium, 2008, p. 379. Em sentido contrário, apontando ausência de interesse de agir: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 226.
  16. DIDIER JR, Fredie. Op. cit., pp. 487-488.
  17. Disponível no sítio http://www.mpcon.org.br/site/portal/default.asp
  18. Op. cit., pp.228-229.
  19. FARIAS, Paulo José Leite in "A Federação como Mecanismo de Proteção do Meio Ambiente" apud Ana Claudia Bento Graf e Márcia Dieguez Leuzinger. "A autonomia municipal e a repartição constitucional de competências em matéria ambiental. Temas de Direito Ambiental Urbanístico. Rio da Janeiro: Max Limonad, 1998, p. 55.
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Sobre o autor
Mário Alves Medeiros

Procurador da República. Especialista em Direito Processual pela UESB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Mário Alves. Compromisso de ajustamento de conduta em matéria ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2862, 3 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19025. Acesso em: 2 mai. 2024.

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