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Compromisso de ajustamento de conduta em matéria ambiental

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03/05/2011 às 18:11

Resumo:


  • A criação do instituto do compromisso de ajustamento de conduta foi uma resposta às inovações no ordenamento jurídico brasileiro a partir dos anos 90, buscando fortalecer os meios alternativos de solução de conflitos.

  • O compromisso de ajustamento de conduta é um meio de autocomposição unilateral por submissão, onde há o reconhecimento implícito da irregularidade da conduta e a promessa de sua conformação à lei.

  • Na execução do compromisso de ajustamento de conduta, em caso de descumprimento, a cobrança das obrigações assumidas pode ser feita judicialmente, seguindo as regras do CPC, podendo incluir multa cominatória e priorizando a reparação específica do dano ambiental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O compromisso de ajustamento de conduta concretiza os princípios do direito ambiental, melhor equacionando a questão da solidariedade para reparação dos danos, com a divisão e espontânea assunção de responsabilidades.

1. A criação do instituto

A partir dos anos 90 do século passado, o ordenamento jurídico brasileiro recebeu uma série de inovações em busca do reforço dos meios alternativos de solução de conflitos. O objetivo era (e continua sendo) a superação de uma sólida herança cultural que leva à judicialização de todas as querelas, com os inconvenientes tão bem conhecidos.

Avultaram leis com esse escopo, podendo ser citadas, exemplificativamente, as seguintes: a) a Lei nº 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e instituiu engenhoso mecanismo buscando o reconhecimento espontâneo e pré-processual da paternidade (art. 2º); b) a Lei Complementar nº 75/93, que possibilitou ao Ministério Público expedir recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, generalizando previsão já contida no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 6º, XX); c) a Lei nº 8.953/94, que tornou título executivo o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; d) a Lei 9.307/96, que revolucionou e fortaleceu a arbitragem; e) a Lei nº 10.149/00, que criou o acordo de leniência, incentivando a cessação de infrações à ordem econômica; f) a Lei Complementar nº 132/09, que instituiu como função institucional da Defensoria Pública promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos.

Imbuído desse mesmo espírito, assim como buscando o fortalecimento dos mecanismos de proteção dos direitos coletivos lato sensu, veio a lume o compromisso de ajustamento de conduta.

A primeira norma a ele se referir foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) que, ao tratar da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, possibilitou aos órgãos públicos legitimados tomarem dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, com eficácia de título executivo extrajudicial (art. 211).

Poucos meses após, o Código de Defesa do Consumidor foi editado e, como se sabe, introduziu profundas modificações no microssistema processual de defesa dos direitos coletivos lato sensu. Dentre elas, determinou o acréscimo de um parágrafo (§6º) ao art. 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), assim redigido: "Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial" (art. 113). Curioso observar que o Presidente da República vetou o art. 82, §3º, da mesma lei, que dispunha de igual maneira. Todavia, o veto restou inócuo, pois não se estendeu ao já citado art. 113. A esse respeito, cumpre apenas observar que: a) não existe veto tácito em nosso ordenamento, pois configuraria afronta ao princípio fundante da harmonia entre os Poderes; b) as razões do veto são juridicamente insubsistentes [01]; c) a matéria já está jurisprudencialmente pacificada (STJ, REsp nº 222.582/MG); d) o compromisso de ajustamento voltou a ser objeto de previsão legal (por meio da inclusão do art. 79-A na Lei nº 9.605/98, patrocinada pela Medida Provisória nº 2.163-41/2001, ainda em vigor por força da EC nº 32/01).


2. Nomenclatura e natureza jurídica

A despeito das normas criadoras dos instituto a ele se referirem como "compromisso de ajustamento de conduta", vulgarizou-se a utilização da expressão "termo de ajustamento de conduta" e da correspondente sigla "TAC".

Não há erro no emprego do segundo nome (ou sua sigla), cuidando-se de exemplo da figura de linguagem denominada sinédoque [02]. Assim, "compromisso" é o ato jurídico e "termo" o instrumento escrito por meio do qual ele é formalizado. Recorde-se, aqui, a distinção entre mandato e procuração.

O compromisso de ajustamento de conduta é meio alternativo de solução de conflitos envolvendo direitos coletivos lato sensu.

Como se sabe, os meios alternativos (lícitos) de solução de conflitos podem ser reunidos em dois grupos: autocomposição e heterocomposição (Niceto Acalá-Zamora y Castillo). A diferença entre ambos reside na atribuição, ou não, de poderes para resolução do conflito a terceiro (normalmente o árbitro), hipótese em que há heterocomposição.

Não há delegação de poderes a terceiro na negociação e celebração do compromisso de ajustamento de condutas. É caso, portanto, de autocomposição.

A autocomposição pode ser unilateral ou bilateral. Há autocomposição unilateral nas hipóteses de renúncia ou submissão. A renúncia consiste na desistência de uma das partes à sua pretensão. A submissão acontece quando uma parte reconhece que a razão assiste à outra. Quanto à autocomposição bilateral, Cândido Rangel Dinamarco a identifica com a transação, "que se resolve em mútuas concessões" [03]. Esse mesmo autor, com muita propriedade, esclarece não desnaturar a autocomposição o fato de ela ser induzida por conciliador ou mediador.

O compromisso de ajustamento de conduta se amolda ao conceito de autocomposição unilateral por submissão. Com efeito, por meio dele há reconhecimento implícito da irregularidade da conduta e promessa de sua conformação à lei.

Assim, no que concerne à manifestação volitiva, trata-se de ato jurídico unilateral. Destarte, com toda razão José dos Santos Carvalho Filho [04] ao afastar a hipótese de se cuidar de negócio bilateral (acordo):

"A um primeiro exame, poder-se-ia considerar o compromisso de ajustamento de conduta como acordo firmado entre o órgão público legitimado para a ação civil pública e aquele que está vulnerando o interesse difuso ou coletivo protegido pela lei. Não obstante, a figura não se compadece com os negócios bilaterais de natureza contratual, razão por que entendemos que não se configura propriamente como acordo. Como a lei alude ao ajustamento da conduta às exigências legais, está claro que a conduta não vinha sendo tida como legal, senão nada haveria para ajustar. por outro lado, ao empregar o termo tomar o compromisso, o legislador deu certo cunho de impositividade ao órgão público legitimado para tanto" (destaques no original)

É, por força legal, título executivo, o que significa que as obrigações nele retratadas detém os atributos da certeza, liquidez e exigibilidade, autorizando-se a sua execução independentemente de certificação judicial do direito em ação de conhecimento.

Todavia, malgrado os textos normativos afirmarem que ele é título executivo extrajudicial, também poderá ser judicial, hipótese bastante comum e que acontece quando ele é formalizado no curso de ação, para compor (parcial ou totalmente) a lide e for homologado pelo juiz (CPC, art. 449).


3. O compromisso de ajustamento de conduta e a defesa do meio ambiente

Como de resto acontece com todos os direitos difusos, a proteção ao meio ambiente pode ser assegurada por compromisso de ajustamento de conduta (Lei nº 7.347/85, art. 1º, I , c/c art. 5º, §6º; Lei nº 9.605, art. 79-A). É meio privilegiado para tanto, pois o consenso via de regra possibilita a melhor solução.

Cuida-se de mecanismo de proteção que apresenta largas vantagens sobre a via judicial. Alexandre Amaral Gavronski apresenta as seguintes: a) a irregularidade é sanada de modo mais rápido e efetivo, pois a sua assinatura pressupõe boa vontade para cumprimento espontâneo das obrigações assumidas por parte daquele que está descumprindo a lei; b) as sanções são exigíveis de imediato (maior enforcement); c) o objeto do compromisso pode ir além da irregularidade motivadora da negociação, ajustando-se à lei outras práticas do interessado; d) podem ser adotadas medidas para prevenção de condutas futuras (ex: criação de ouvidorias); e) permite-se o ajuste à lei, concomitantemente e de forma idêntica, da conduta de vários interessados, sem os inconvenientes do litisconsórcio multitudinário; f) quando a sua celebração for precedida de audiências públicas, enseja maior participação da sociedade [05].

O compromisso de ajustamento de conduta assegura, dessa maneira, a melhor concretização de princípios do direito ambiental como o poluidor-pagador, a prevenção (ou precaução), a prioridade da reparação específica do dano ambiental e o princípio da participação.

É ainda capaz de melhor equacionar a questão da solidariedade para reparação dos danos causados ao meio ambiente (CC, art. 942), com a divisão e espontânea assunção de responsabilidades. Trata-se de ponto importante. Acontece que há algumas decisões de tribunais admitindo a denunciação da lide e o chamamento ao processo em ações civis públicas movidas apenas contra um dos responsáveis pelo dano ambiental, o que tem protelado imensamente ou mesmo tornado bastante remota a entrega da prestação jurisdicional [06] (v.g. TRF da 4ª Região - AG 200404010301439 - Relator Valdemar Capeletti - 4ª T. - DJ 19/10/2005 - p. 1087).

Por outro lado, a celebração do compromisso de ajustamento assegura ao infrator uma série de benefícios na hipótese de sua conduta também ser passível de responsabilização criminal. Inicialmente, tem-se que somente será possível o oferecimento de proposta de transação penal após "prévia composição do dano ambiental" (Lei nº 9.605/98, art. 27). Em segundo lugar, uma das condições para suspensão do processo com fundamento no art. 89 da Lei nº 9.099/95 será justamente a recuperação do dano ambiental, ficando a declaração de extinção da punibilidade dependente da apresentação de laudo de constatação de reparação (Lei nº 9.605/98, art. 28). Em terceiro lugar, constitui circunstância que atenua a pena, o "arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou limitação significativa da degradação ambiental causada" (Lei nº 9.605/98, art. 14, II). A obtenção de sursis também está condicionada à reparação do dano ambiental ((Lei nº 9.605/98, art. 17).


4. Legitimidade para tomar o compromisso de ajustamento de conduta

Somente os "órgãos públicos" legitimados para defesa judicial do meio ambiente poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais.

Assim, muito embora as associações que tenham entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente possam ajuizar ação civil pública em busca da proteção desse direito difuso (Lei nº 7.347/85, art. 5º, V), não têm legitimidade [07] para tomar compromisso de ajustamento de conduta.

Mas nem todos os órgãos públicos podem fazê-lo. Há que se perquirir da assim chamada "representatividade adequada". Essa é a inteligência que deve ser extraída da Lei nº 9.605/98, que menciona como legitimados apenas "os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental" (art. 79-A).

Essa norma deve ser interpretada de forma teleológica, como um comando legal a exigir a demonstração de representatividade. Não haveria mesmo qualquer sentido na admissão da tomada de compromisso em matéria ambiental, v.g., pelo Banco Central ou pela Companhia de Valores Mobiliários. Todavia, ela não pode ser interpretada de forma restritiva, sob pena de inconstitucionalidade (art. 225, caput).

Destarte, a despeito da redação do art. 79-A da Lei nº 9.605/98, o ente federativo mantenedor do órgão ambiental (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pode ele próprio tomar o compromisso de ajustamento, decorrendo sua legitimidade diretamente do art. 23, VI, da Constituição da República. Outros órgãos não integrantes do SISNAMA também podem, desde que demonstrem a adequada representatividade. Assim, por exemplo, a FUNAI, o INCRA, a ANA, as Delegacias Regionais do Trabalho podem tomar compromisso de ajustamento de conduta quando a lesão ambiental afetar respectivamente interesses de indígenas, assentados em projetos de reforma agrária, quilombolas, condições de navegabilidade e potabilidade de rios federais, meio ambiente do trabalho, etc.

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Quanto ao Ministério Público, há algumas questões a serem enfrentadas.

Segundo a Constituição da República, o Ministério Público abrange: I - o Ministério Público da União, que compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; II - os Ministérios Públicos dos Estados.

De início, não se afigura possível, por total ausência de atribuições, a tomada de compromisso de ajustamento em matéria ambiental pelo Ministério Público Militar.

O Ministério Público do Trabalho poderá fazê-lo em proteção ao meio ambiente do trabalho, com destaque para a defesa da segurança e saúde no labor (Constituição da República, art. 7º, XXII e XXIII, e art. 200, VIII). Celso Antonio Pacheco Fiorillo anota que a Constituição do Estado de São Paulo consagra o que denomina "greve ambiental", ao garantir aos empregados a interrupção de suas atividades em situações de risco grave ou iminente no local de trabalho (art. 229, §2º) [08].

As dificuldades surgem na delimitação das atribuições entre os Ministérios Públicos Estaduais [09] e o Ministério Público Federal.

Muito embora a Lei de Ação Civil Pública permita a formação de litisconsórcio ativo entre os MPEs, MPDFT e o MPF (art. 5º, §5º), possibilitando, a fortiori, que eles venham a se associar para tomar compromisso de ajustamento de conduta, não é possível aos Ministérios Públicos Estaduais ou ao Ministério Público Federal tomar isoladamente compromisso de interessado quando a lesão ambiental não desafiar a sua atuação. Haveria, também aí, ausência de legitimidade.

Mas como delimitar as atribuições entre um e outro Ministério Público? A solução passa pela definição das atribuições do Ministério Público Federal, sendo as atribuições do Ministério Público Estadual residuais (sem embargo de sua maior abrangência quantitativa), a exemplo do que ocorre no campo da competência jurisdicional [10]. Assim, há que se ver se a questão ambiental subjacente não fere de algum modo o interesse federal, sendo parâmetro para essa avaliação o art. 109 da Constituição da República [11].

A questão é bastante complexa e, a partir do leading case formado no julgamento do Recurso Especial nº 440.002 - SE pelo Superior Tribunal de Justiça, de capital importância. Ocorre que aquela Corte consagrou o entendimento de que a simples presença do Ministério Público Federal no pólo ativo da ação civil pública é suficiente para firmar a competência da Justiça Federal, sendo de se investigar apenas se ele é parte legítima (ou, seja, se a defesa do interesse difuso em particular é de sua atribuição). Assim, a delimitação das atribuições do Ministério Público Federal findou por condicionar a própria definição da competência jurisdicional. Pela importância da matéria, abaixo são transcritos alguns trechos do voto do relator do recurso, o Min. Teori Albino Zavascki:

Põe-se em foco, no presente caso, um tema freqüente em nossos pretórios, nem sempre enfrentado com clareza, que é o da distribuição da competência, entre justiça federal e justiça estadual, para processar e julgar ações civis públicas destinadas a tutelar direitos transindividuais (coletivos e difusos). As dificuldades para encontrar linha objetiva de orientação se agravam porque, no geral dos casos, não se dá ênfase ao problema que subjaz à questão competencial, que é o da repartição de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. Realmente, também a ação civil pública, como as demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da Constituição, a saber: cabe aos juízes federais processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho ".

Ocorre que, nessa espécie de ação, o direito tutelado tem natureza transindividual, a significar que são indeterminados os titulares do direito material. Não estando legitimado, para o pólo passivo, nenhum ente federal, estaria descartada a competência da Justiça Federal? Esta pergunta envolve não uma questão de competência, e sim de legitimidade.

Com efeito, para fixar a competência da Justiça Federal, basta que a ação civil pública seja proposta pelo Ministério Público Federal. Nesse caso, bem ou mal, figurará como autor um órgão da União, o que é suficiente para atrair a incidência do art. 109, I, da Constituição. Embora sem personalidade jurídica própria, o Ministério Público Federal está investido de personalidade processual, e a sua condição de personalidade processual federal determina a competência da Justiça Federal. É exatamente isso o que ocorre também em mandado de segurança, em habeas-data e em todos os demais casos em que se reconhece legitimidade processual a entes não personalizados: a competência será fixada levando em consideração a natureza (federal ou não) do órgão ou da autoridade com personalidade apenas processual, e essa natureza é a mesma da ostentada pela pessoa jurídica de que faz parte.

Figurando o Ministério Público Federal, órgão da União, como parte na relação processual, a um juiz federal caberá apreciar a demanda, ainda que seja para dizer que não é ele, e sim o Ministério Público Estadual, o que tem legitimação ativa para a causa. Para efeito de competência, como se sabe, pouco importa que a parte seja legítima ou não. A existência ou não da legitimação deve ser apreciada e decidida pelo juiz considerado competente para tanto, o que significa que a questão competencial é logicamente antecedente e eventualmente prejudicial à da legitimidade das partes. Para efeito de competência, o critério ratione personae (que é o estabelecido no art. 109, I, da CF) é considerado em face apenas dos termos em que foi estabelecida a relação processual. Em outras palavras, para efeito de determinação de competência, o que se leva em consideração é a parte processual , o que nem sempre coincide com a parte legítima . Parte processual é a que efetivamente figura na relação processual, ou seja, é aquela que pede ou em face de quem se pede a tutela jurisdicional numa determinada demanda. Já a parte legítima é aquela que, segundo a lei, deve figurar como demandante ou demandada no processo. A legitimidade ad causam , conseqüentemente, é aferível mediante o contraste entre os figurantes da relação processual efetivamente instaurada e os que, à luz dos preceitos normativos, nela deveriam figurar. Havendo coincidência, a parte processual será também parte legítima; não havendo, o processo terá parte, mas não terá parte legítima. Reafirma-se, assim, que a simples circunstância de se tratar de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal é suficiente para fixar a competência da Justiça Federal. Por isso mesmo é que se enfatiza que a controvérsia posta não diz respeito, propriamente, à competência para a causa e sim à legitimidade ativa. Competente, sem dúvida, é a Justiça Federal. Cabe agora, portanto, investigar se, à luz do direito, o ajuizamento dessa ação, consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos, é atribuição do Ministério Público Federal ou do Estadual. Concluindo-se pela ilegitimidade daquele, a solução não será a da declinação de competência, mas de extinção do processo sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

Quando se trata de repartir competências (legislativas, administrativas ou jurisdicionais), o princípio a ser seguido, decorrente de nosso sistema federativo, é o de reconhecer como da esfera estadual toda a matéria residual, ou seja, a que não estiver conferida, por força de lei ou do sistema, ao órgão federal. Para os fins aqui perseguidos, o princípio é o mesmo. Ocorre que a Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, que seria a sede normativa adequada para explicitar as atribuições desse órgão (CF, art. 128, § 5º), não foi nada feliz no particular. Os seus artigos 5º e 6º, por exemplo, ao tratar das funções institucionais e da competência do "Ministério Público da União", elencou, na verdade, funções institucionais e competências do próprio Ministério Público, que são também comuns, portanto, às do Ministério Público dos Estados. No ponto que aqui interessa, outorgou-se ao Ministério Público "da União" competência para "promover o inquérito civil e a ação civil pública", entre outras hipóteses, para a proteção "dos direitos constitucionais" (art. 6º, VII, a), "do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico" (VII, b) (...) e de "outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos" (VII, d), sem maiores explicitações e, aparentemente, incluindo toda a competência residual. Bem se vê que tais dispositivos não podem ser entendidos na extensão que decorre de sua interpretação puramente literal. Devem, ao contrário, ter seu alcance compreendido à luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente do antes referido princípio federativo. O limitador implícito na fixação das atribuições do Ministério Público da União é, certamente, o da existência de interesse federal na demanda. Caberá a ele promover, além das ações civis públicas que envolvam matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e Eleitoral), todas as que devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais). Será da alçada do Ministério Público Federal promover ações civis públicas que sejam da competência federal em razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI) — ou em razão da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou as que uma dessas entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I).

Este último ponto merece explicitação. Na ação civil pública, a legitimação ativa é em regime de substituição processual. Versando sobre direitos transindividuais, com titulares indeterminados, não é possível, em regra, verificar a identidade dos substituídos. Há casos, todavia, em que a tutela de direitos difusos não pode ser promovida sem que, ao mesmo tempo, se promova a tutela de direitos subjetivos de pessoas determinadas e perfeitamente identificáveis. É o que ocorre nas ações civis públicas em defesa do patrimônio público ou da probidade administrativa, cuja sentença condenatória reverte em favor das pessoas titulares do patrimônio lesado. Tais pessoas certamente compõem o rol dos substituídos processuais. Havendo, entre elas, ente federal, fica definida a legitimidade ativa do Ministério Público Federal. Mas outras hipóteses de atribuição do Ministério Público Federal para o ajuizamento de ações civis públicas são configuradas quando, por força do princípio federativo, ficar evidenciado o envolvimento de interesses nitidamente federais, assim considerados em razão dos bens e valores a que se visa tutelar.

Cumpre advertir que a mera participação do IBAMA (autarquia federal) na fiscalização de determinada infração ambiental não justifica a atribuição do Ministério Público Federal para promover inquérito civil público ou tomar compromisso de ajustamento de conduta a respeito. Acontece que a lesão ambiental deve afetar, de modo direto e específico, interesse primário ou serviço federal, para fins de fixação de competência jurisdicional e atribuições ministeriais. Assim, sendo o IBAMA detentor de atribuições fiscalizatórias supletivas (isto é, na ausência, omissão ou insuficiência da atuação do órgão ambiental local ou estadual), muitas vezes atuará em questões nas quais não há interesse federal direto [12].

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Sobre o autor
Mário Alves Medeiros

Procurador da República. Especialista em Direito Processual pela UESB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Mário Alves. Compromisso de ajustamento de conduta em matéria ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2862, 3 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19025. Acesso em: 22 dez. 2024.

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