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Breves apontamentos sobre os direitos humanos

04/05/2011 às 12:03
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1. APROXIMAÇÃO LINGÜÍSTICA

1.1. Direitos Humanos

É fato que o termo direitos humanos é um dos mais usados na cultura jurídica e política atual, fundamentalmente pelos cientistas e filósofos que estudam o homem, o Estado e o direito, como até pelos cidadãos. Tal importância advém de sua função reguladora dos sistemas políticos e dos ordenamentos jurídicos e também pela convicção de muitos homens de que os direitos humanos é uma garantia para sua dignidade, liberdade e igualdade. Desta feita, a compreensão adequada do termo "direitos humanos" e seu real alcance perfaz-se numa tarefa extremamente importante nos dias atuais, tendo em vista que muitos dos seus ativistas não sabem ao certo o que almejam ao utilizar o seu conceito, usando-o com diferentes sentidos.

Esses diferentes sentidos são expressos através das mais variadas interpretações, sendo a terminologia "direitos humanos" vista como direito natural, direito público subjetivo, liberdades públicas, direitos morais ou direitos fundamentais, direitos individuais, direitos do cidadão, entre outros. Referidos termos possuem conexões culturais e explicações derivadas de um contexto histórico de variados interesses, ideologias e posições científicas e filosóficas diversas.

Com isto, a função do pensamento jurídico e filosófico é depurar as inadequadas utilizações do termo "direitos humanos", partindo para a busca de seu conceito e de sua fundamentação ideais, sempre tentando demonstrar se alguma daquelas terminações é adequada ou se há que se criar um outro.

1.2. Direitos Naturais

O uso do termo "direitos naturais" se identifica com uma posição jusnaturalista, situada em momento histórico anterior, supondo, destarte, uma terminologia antiquada e em relativo desuso. Por outro lado, o jusnaturalismo contemporâneo utiliza preferentemente outros termos, como direitos morais, adiante comentados.

Os direitos naturais, vistos sob aquela perspectiva, aparecem nas primeiras declarações liberais do século XVIII. No direito americano e francês, a expressão é consagrada como "direitos do homem", terminologia consagrada no jusnaturalismo racionalista de Locke.

Em qualquer caso que se esteja a tratar, a expressão "direitos naturais" implicará sempre um dos três direitos: a) prévio ao direito positivado; b) que se desdobram pela razão da natureza humana; c) por fim, que se impõem em todas as normas do direito criado pelo soberano, transformando-se em um limite à sua ação.

A terminologia "direitos naturais" possui importância na história dos direitos, mas ultimamente tem perdido sentido, sendo sua utilização pelos cidadãos e até mesmo pelos operadores do direito cada vez mais escassa.

1.3. Direitos Públicos Subjetivos

Tratando agora de um termo mais moderno e técnico, suas implicações lógicas e lingüísticas supõem um obstáculo para o jurista. Estas dificuldades de compreensão impedem uma comunicação mais generalizada, sendo uma boa razão para não assumi-lo como uma formulação das mais adequadas.

Assim, de algum modo os direitos subjetivos são uma versão positivista dos direitos naturais, amparados ambos por um mesmo marco cultural antropocêntrico, ainda que a segunda terminologia alcance menor extensão como uso de linguagem.

Como termo "direitos públicos subjetivos", os direitos aparecem vinculados a um determinado tipo de Estado, o liberal. Sem embargo, os direitos fundamentais do Estado Social, que encontramos como uma função promocional dos direitos humanos, dificilmente poderiam ser enquadrados na categoria de direitos públicos subjetivos, motivo pelo qual a expressão multicitada não sirva como forma de expressar o problema da conceituação dos direitos humanos.

1.4. Liberdades Públicas

Igualmente aos direitos públicos subjetivos, a expressão "liberdades públicas", provinda da doutrina francesa, se situa numa dimensão positivista, provavelmente como reação frente à ambigüidade do termo "direitos do homem", situado na Revolução Francesa de 1789, com um claro aspecto jusnaturalista.

As liberdades públicas pretendem identificar um direito reconhecido pelo sistema jurídico, ganhando proteção dos juízes e expressando um espírito, uma moralidade apoiada pela força do Direito Positivo. A grande vantagem das liberdades públicas é a sua idéia de difusão dos direitos, abarcando todas as possíveis facetas dos direitos fundamentais.

Permite-se, em teoria, estipular uma extensão do conceito de liberdades públicas aos direitos próprios do Estado Social. Sem embargo, se se pretender uma extensão que seja compreensível de todos, tem que se haver um lastro para toda uma cultura jurídica. Contudo, parece mais arrazoado descartar esse termo para designar o fenômeno direitos humanos em sua integridade, sem prejuízo de seu uso como sinônimo, limitado aos direitos civis individuais.

1.5. Direitos Morais

Originada da cultura anglo-saxã e estendida rapidamente para a cultura da língua castelhana, o sentido da concepção "direitos morais" é que estamos diante de direitos anteriores ao Estado e seu Direito, perfazendo um conjunto de direitos que se pode imputar frente ao poder, sobrevivendo às leis e às sentenças contrárias. Seu grande impulsor é R. Dworkin.

Entretanto, há uma série de razões que justificam a não utilização do conceito "direitos morais" como aquele mais completo. A uma, todas as razões que desaconselham o uso do termo "direitos naturais" são aplicáveis a esta nomenclatura. A duas, é uma terminologia recente, de origem acadêmica, que prescindiu das dimensões jurídicas dos direitos humanos. Uma coisa é rechaçar o positivismo ideológico; outra bem diferente é tirar o apreço aos direitos fundamentais como elemento indispensável para sua compreensão. A três, direitos morais predispõem uma aproximação racional, abstrata e histórica com a evolução da realidade social, perfazendo um dado histórico incontroverso como incremento e especificação dos direitos por razões culturais, de progresso técnico, etc. A quatro, sua consideração como direito prévios frente ao Estado, ademais de sua conotação jusnaturalista, os reduz aos direitos de autonomia, próprios de uma inspiração liberal, dificultando seu status como direitos de raízes democráticas.

1.6. Direitos Fundamentais

Essa expressão "direitos fundamentais" apresenta-se como a mais adequada para fazer referência aos direitos que se está a estudar, por diversas razões. Primeiro, porque é uma terminologia mais precisa do que a expressão direitos humanos, sem possíveis ambigüidades que está pode apresentar; segundo, abarca diversa dimensões sem cair nos reducionismos das correntes positivista e jusnaturalista, expressando tanto uma moralidade básica como uma juridicidade igualmente básica; terceiro, não mutila os direitos em sua faceta jurídico positiva, como o fazem os conceitos de direitos morais e de direitos naturais; quarto, é melhor do que os termos "direitos públicos" e "liberdades públicas", pois estes muitas vezes perdem de vista a dimensão moral.

Assim, à guisa de conclusão deste tópico, parece que o termo "direitos fundamentais" é mais conveniente para identificar o fenômeno dos direitos.


2. FUNDAMENTOS E CONCEITOS: UMA VISÃO INTEGRAL E SEUS CRITÉRIOS

Falar de direitos fundamentais (direitos humanos) é se referir ao mesmo tempo a uma pretensão moral justificada e sua recepção ao direito positivo. A justificação da pretensão moral é que os direitos se produzem sobre partes importantes derivados da idéia de dignidade humana. A recepção do direito positivo é uma condição para que possa realizar eficazmente sua finalidade.

A compreensão dos direitos fundamentais pretende superar os reducionismos fundamentalista e funcionalista, e supõe uma atividade intelectual integradora da filosofia dos direitos e do direito positivo. É um ponto de encontro entre o direito e a moral, talvez mais relevante de todos, mediado pelo poder e que situa o direito em nível superior do ordenamento, tendo a moral nos problemas centrais.

Os direitos fundamentais são o espírito da força, da moral e do direito, entrelaçados e a separação os mutila, tornando-se incompreensíveis. Os direitos fundamentais são uma forma de integrar justiça e força, desde a perspectiva do indivíduo próprio da cultura antropocêntrica do mundo moderno. O horizonte da compreensão dos direitos fundamentais, da moral e do direito aparece conectados pelo poder.

Em um mundo moderno, uma determinada concepção da moralidade, uma moral humanista da liberdade e da dignidade e uma concepção política, também própria do mundo moderno que assume os valores morais e os converte em valores políticos, próprios de uma democracia pluralista, de um Estado social e democrático de direito, coincidem com um ordenamento cujos valores jurídicos são direitos fundamentais, mas que não estão desvinculados dos valores morais e políticos que os justificam. É uma moralidade legalizada.

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Não tem sentido, com este pensamento, falar da fundamentação de um direito que não é suscetível de nenhum caso de integração no direito positivo. Igualmente não há que se falar em conceito de um direito que não se pode encontrar uma raiz vinculada às dimensões centrais da dignidade humana. Assim, se chegamos a uma conclusão de uma pretensão justificada moralmente e com uma aparência de direito fundamental em potencial, que alguns autores chamam de direitos morais, não se pode positivar em nenhum caso, não poderíamos considerar essa positivação relevante.

O horizonte da compreensão dos direitos fundamentais, moral e direito aparecem conectados pelo Poder. Os direitos fundamentais que se originam e se fundam na moralidade e que desembocam no direito são um ponto de referência da realidade jurídica a partir do trânsito da modernidade. Sem o apoio estatal, esses valores morais não se convertem em direito positivo e, por conseguinte, carecem de força para orientar a vida em um sentido que favoreça sua finalidade moral.

Tanto numa análise histórica como na reflexão teórica, o primeiro valor que aparece por sua importância é o da liberdade, que encontramos em muitos discursos doutrinários desde o humanismo e jusnaturalismo racionalista, com raízes tanto na antiguidade como no pensamento humano, cumprindo a função de valor central, de que provém e se explicam outros, por sua maior proximidade com a mesma idéia de moralidade.

Do ponto de vista cronológico, imperioso frisar que a segurança jurídica é um valor moral prioritário. É, em diversos casos, o motivo central do pacto que justifica a aparição da sociedade e do poder, fundamentalmente no mundo moderno, e é o instrumento necessário para que outros valores menos acessórios, como a liberdade, sejam possíveis.

Também se pode falar da idéia de solidariedade e de fraternidade como valores que estão na raiz de alguns direitos econômicos, sociais e culturais e também de novos direitos como os referidos anteriormente. Numa visão moderna e secularizada, há que se acreditar que a solidariedade se incorpora como valor moral ao fundamento dos direitos, a partir da aparição da economia política e do surgimento de teses egoístas, de defesa de direitos não igualitários, como o de propriedade dos fisiocratas, da teria da discriminação e da luta por existência com Malthus e com outros autores posteriores.

A eficácia da moralidade dos direitos fundamentais se realiza através do direito. As funções que desempenham os direitos não se logram com boas intenções; é necessário pôr a serviço do sistema normativo, apoiado no aparato coativo do Estado, para aqueles que não considerem entre seus objetivos o respeito aos direitos.

Os direitos fundamentais são uma realidade cultural da vida social e, conseqüentemente, perseguem a eficácia na realização de seus objetivos no que vincula com a realidade de um Poder institucionalizado, que é capaz de assumir esses valores morais que fundamentam a idéia de direitos, e convertê-los em valores políticos, em objetivos do fim do Poder Político, que lidera e orienta a vida em uma sociedade determinada. Normalmente, o consenso moral se converte em valores políticos de um determinado Poder, pela pressão social, pela reflexão de seus teóricos e doutrinários e pela ação prática de legisladores, juízes, funcionários e cidadãos que decidem essa incorporação, o que supõe em algum momento atos de vontade.

Com a positivação, se estuda em primeiro lugar o papel do Poder Político, que é sempre um poder democrático, único capaz de interiorizar os valores morais que se pretende. Em todo caso, a mediação do Poder Democrático entre a moral e o direito, é uma das chaves do conceito de direitos fundamentais. Nas dimensões internas ou propriamente jurídicas, a positivação supõe o estudo do direito objetivo das normas do ordenamento que são exigências para a justificação das pretensões morais. Completa-se com a possibilidade de atribuição individualizada das pessoas e grupos em que estão se desenrolam, de direito subjetivos, liberdades ou imunidades, as quais são formas em que se espraiam tais direitos.

Por fim, temos como direitos fundamentais: 1) uma pretensão moral justificada, tendente a facilitar a autonomia e a independência funcional, enraizada nas idéias de liberdade e igualdade, com todas as matizes que aportam conceitos como solidariedade e segurança jurídica, e construída pela reflexão racional na história do mundo moderno; 2) um subsistema dentro do sistema jurídico, o direito dos direitos fundamentais, que supõe que a pretensão moral justificada seja tecnicamente incorporável a uma norma, que possa obrigar os únicos destinatários correlatos das obrigações jurídicas que se desprendem para o direito efetivo, suscetível de garantia e proteção judicial, podendo-se atribuir como direito subjetivo, liberdade e imunidade a uns titulares concretos; 3) por fim, os direitos fundamentais são uma realidade social, para dizer, atuante na vida social e, portanto, condicionados em sua existência por fatores extra-jurídicos de caráter social, econômico ou cultural, que favoreçam, dificultem ou impeçam sua efetividade.

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Sobre o autor
René da Fonseca e Silva Neto

Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René Fonseca. Breves apontamentos sobre os direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2863, 4 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19035. Acesso em: 6 mai. 2024.

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