6. Conclusão
Assim, considerando "que a natureza processual de uma lei não depende do corpo de disposições em que esteja inserida, mas sim de seu conteúdo próprio" [38], entendemos que o inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal terá incidência apenas em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal posteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto nos arts. 2º. e 4º., ambos do Código Penal. [39]
Não é apenas o fato de uma norma está contida em um Código de Processo Penal que a sua natureza será estritamente processual (e dever ser aplicada a regra do tempus regit actum). Como afirmava Vicenzo Manzini, "estar uma norma comprendida en el Código de procedimiento penal o en el Código penal no basta para calificarla, respectivamente, como norma de derecho procesal o de derecho material." [40]
Enfrentando esta questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, tratando-se "de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º. do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal." (STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01).
Notas
- A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depois de oficialmente publicada, na forma do art. 2º. da mesma lei. Segundo o art. 8º. da Lei Complementar nº. 95, "A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão." Pelo seu § 1º. "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral." (Grifo nosso).
- Período que abrange parte do governo de Getúlio Vargas (1937 – 1945) que encomendou ao jurista Francisco Campos uma nova Constituição, extra-parlamentar, revogando a então Constituição legitimamente outorgada ao País por uma Assembléia Nacional Constituinte (1934).
- FIORE, Pascuale. De la Irretroactividad e Interpretación de las Leyes. Madri: Reus, 1927, p. 579 (tradução do italiano para o espanhol de Enrique Aguilera de Paz).
- O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, nº. 175, jun. 2007, p. 11.
- José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998. v. I, p. 104.
- José Frederico Marques, op. cit., p. 108.
- Comentando a respeito do Título que trata das nulidades no processo penal, Frederico Marques adverte que "não primou pela clareza o legislador pátrio, ao disciplinar o problema das nulidades processuais penais, pois os respectivos artigos estão prenhes de incongruências, repetições e regras obscuras, que tornam difícil a sistematização coerente de tão importante instituto. (...) Ainda aqui, dá-nos mostra o CPP dos grandes defeitos de técnica e falta de sistematização que pululam em todos os seus diversos preceitos e normas, tornando bem patente a sua tremenda mediocridade como diploma legislativo" (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998. v. II, p. 366-367).
- André Vitu, Procédure Pénale. Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13-14.
- Ada Pallegrini Grinover, "A reforma do Processo Penal". Disponível em: www.direitocriminal.com.br. Acesso em: 15 jan. 2001.
- Julio B. J. Maier; Struensee, Eberhard. Las Reformas Procesales Penales en América Latina. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 17.
- Norberto Bobbio assinala, muito a propósito, que "Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais" (A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 1).
- Luigi FERRAJOLI, Derecho y Razón. 3. ed. Madrid: Trotta, 1998, p. 604.
- Exposição de Motivos do Projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero-América, com a colaboração dos Professores Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira.Revista de Processo, São Paulo, n 61, 1991, p. 111.
- Tonio Walter, Professor da Universidade de Friburgo.Revista Penal - "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 133.
- Segundo Daniele Negri, da Universidade de Ferrara, "quizá nunca como en estos últimos cinco años había sufrido el procedimiento penal italiano transformaciones tan amplias, numerosas y frecuentes. (...) La finalidad de dotar de eficiencia a la Justicia se ha presentado como la auténtica meta de las innovaciones normativas que se han llevado a cabo en los últimos años (1997-2001)." Revista Penal- "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 157.
- Revista Penal - "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 164.
- Apud Tourinho Filho, Processo Penal, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., 1998, p. 9.
- Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Lei dos Juizados Especiais Criminais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 107 (em co-autoria com Geraldo Prado).
- Direito Processual Penal, 1ª. ed., 1974, reimpressão pela Coimbra Editora, 2004, p. 543.
- Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª. ed., 2005, p. 110.
- Antonio García-Pablos de Molina, Criminologia, São Paulo: RT, 1992, p. 42, tradução de Luiz Flávio Gomes
- Juan H. Sproviero, La víctima del delito y sus derechos, Buenos Aires: Depalma, p. 24
- Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº. 21, p. 422.
- O Papel da Vítima no Processo Criminal, Malheiros Editores, 1995. Indicamos também o trabalho intitulado "El papel de la víctima en el proceso penal según el Proyecto de Código Procesal Penal de la Nación", por Santiago Martínez (Fonte: www.eldial.com – 12/08/2005).
- La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale – Un Approccio Criminologico, Padova, 1990, p. 144.
- Antonio Scarance Fernandes, O papel da vítima no processo criminal, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 11
- Advirta-se que a expressão "lide" penal é combatida por setores da doutrina, preferindo alguns autores, como nós, falar em controvérsia penal, causa penal ou caso penal (a respeito conferir Jacinto Miranda Coutinho, A Lide e o Conteúdo do Processo Penal, Curitiba: Juruá, 1998 e Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 132
- García-Pablos, ob. cit., p. 70
- La Vittima nel Sistema Italiano della Giustizia Penale, Padova: CEDAM, 1990, p. 18
- Sucessão de Leis Penais. Coimbra: Coimbra, p. 219-220.
- CARVALHO, Taipa de, op. cit., p. 220 e 240.
- Idem.
- Tratado de Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires: Ediar, 1987. v I, p. 463- 464.
- Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 314.
- Direito Intertemporal e a Nova Codificação Processual Penal. São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 124.
- O Processo Penal em Face da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 137.
- Este artigo foi escrito graças a Vitor Soliano, meu ex-aluno, que me enviou, via-e-mail, as duas decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, a partir das quais passei a refletir sobre o assunto. A ele, o meu sincero agradecimento e a minha admiração.
- Eduardo J. Couture, Interpretação das Leis Processuais, Rio de Janeiro: Forense, 4ª, ed., 2001, p. 36 (tradução de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano).
- "Art. 2º. - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."
- Tratado de Derecho Procesal Penal, Tomo I, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1951, p. 108 (tradução do italiano para o espanhol de Santiago Sentís Melendo e Marino Ayerra Redín).
"Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado."