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Pontos relevantes acerca da incidência do Imposto sobre Serviços nas atividades notariais e de registros públicos

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4. A figura do Notário e do Registrador

O art. 3° da Lei n° 8.395, de 18 de novembro de 1994, dispõe que:

"Art. 3°. Notário, ou tabelião, e oficial de registros, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro".

O ingresso na atividade depende de concurso público. Para ser Notário ou Registrador é necessário ser bacharel em direito (art.14, da Lei nº 8.935).

Os Notários e os Registradores, no Brasil, estão inseridos na categoria de agentes por delegação, na condição de representantes do Estado, mas que não podem ser confundidos com servidores públicos em sentido estrito. Os titulares dos Serviços Notariais e de Registro são os Tabeliães de notas; os Tabeliães Oficiais De Registro de Contrato Marítimos; os Tabeliães de Protesto de Títulos; os Oficiais de Registro de Imóveis; os Oficiais de Registro de Título e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas; os Oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas e, finalmente , os Oficiais de Registro de Distribuição.

Os Notários e os Registradores, ressalte-se, são verdadeiros empregadores, que assumem os riscos ou sucesso do empreendimento. Nesse negócio lucrativo, admitem e assalariam os seus prepostos, dirigindo a prestação dos serviços.

A Corregedoria do Poder Judiciário dos Estados por sua vez, tem o único papel de fiscalizar e orientar o andamento dos trabalhos dos Notários e dos Registradores, não ficando tais profissionais submetidos às suas ordens.

Os Notários e os Oficias de Registro, segundo se depreende do art. 28, da Lei n° 8.935/94, gozam de independência no exercício de suas atribuições, tem direito á percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na Serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei.

O Notário e o Registrador podem se candidatar a qualquer cargo político e, nesse caso, devem observar o prazo de desincompatibilização, ficando afastados da atividade lucrativa enquanto exercerem o mandato eletivo.

A Lei n° 8.935/94 traz o rol dos direitos e dos deveres dos Notários e dos Registradores, o que salienta sua independência, relatando, de igual forma, as infrações disciplinares eventualmente cometidas pelos mesmos, com as consequentes penas.

Em cada sede municipal haverá, no mínimo, um registrador civil das pessoas naturais (art. 44, § 2°, da lei n° 8.935/94).

Em suma, na sistemática atual, os Notários e os Registradores , como já se disse, são considerados delegados de uma atividade de Estado, espécie de serviço público, que possuem autonomia administrativa e financeira para gerenciar as Serventias das quais são titulares, inclusive no que diz respeito às despesas de pessoal, investimentos em equipamentos, materiais e maquinários, tudo com intuito de lucro.


5. O tratamento dado pela Receita Federal do Brasil aos Notários e aos Registradores e a influência desse posicionamento no Imposto Sobre Serviços.

Muito embora o tema aqui tratado seja municipal e não federal, faz-se necessário analisar o tratamento fiscal dado a esses profissionais junto à Receita Federal do Brasil, posto que tais informações terão implicação direta na sujeição passiva do ISS nestas atividades.

Iniciaremos o novo tópico com mais perguntas:

Por que os Notários e os Registradores recolhem o imposto de renda como pessoa física e o Fisco Municipal, baseado, inclusive em entendimentos do STF e STJ, entende que o ISS deve ser recolhido pelo preço do serviço como pessoa equiparada à jurídica? Não haveria aí uma contradição, já que o Sistema Tributário Nacional é uno, havendo apenas, no caso, diferença em relação ao ente tributante que está exigindo um ou outro imposto?

Ou seja, ao menos à primeira vista, não nos parece possível que perante o Fisco Federal, o Imposto de Renda desses profissionais seja exigido da pessoa física e, perante o Fisco Municipal, o ISS seja exigido da pessoa jurídica ou a ela equiparada, como implicitamente frisara o Supremo Tribunal Federal na ADI nº 3089 e, explicitamente, tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça ao analisar a base de cálculo na exploração desses serviços.

A explicação dessa complicada matemática, em nosso sentir, está no posicionamento equivocado na legislação federal que trata da matéria, conforme se verá a seguir:

Os Notários e os Registradores, no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto no. 3.000, de 26 de março de 1999), estão inseridos no capítulo que diz respeito à Tributação das Pessoas Jurídicas (art. 147 e seguintes).

A Receita Federal do Brasil, no entanto, excluiu os Notários e os Registradores da tributação na pessoa jurídica ou a ela equiparada porque, em sua interpretação, os mesmos são Serventuários da Justiça.

O único motivo, então, pelo qual o órgão do Fisco Federal vem tributando o IRPF dos Notários e dos Registradores dentre aqueles tributáveis como pessoa física, é a exceção legal acima citada e contida no art. 150, do Regulamento do Imposto de Renda, dando conta que esses profissionais são Serventuários da Justiça, com base, ressalte-se, em um Decreto-Lei de 1943, que possui latente inconstitucionalidade.

Confira-se:

Art. 150.  As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº. 1.706, de 23 de outubro de 1979, art. 2º.).

§ 1º  São empresas individuais:

I - as firmas individuais (Lei nº. 4.506, de 1964, art. 41, § 1º., alínea "a");

II - as pessoas físicas que, em nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiros de bens ou serviços (Lei nº 4.506, de 1964, art. 41, § 1º, alínea "b");

III - as pessoas físicas que promoverem a incorporação de prédios em condomínio ou loteamento de terrenos, nos termos da Seção II deste Capítulo (Decreto-Lei nº 1.381, de 23 de dezembro de 1974, arts. 1º e 3º, inciso III, e Decreto-Lei nº 1.510, de 27 de dezembro de 1976, art. 10, inciso I).

§ 2º  O disposto no inciso II do parágrafo anterior não se aplica às pessoas físicas que, individualmente, exerçam as profissões ou explorem as atividades de:

I - médico, engenheiro, advogado, dentista, veterinário, professor, economista, contador, jornalista, pintor, escritor, escultor e de outras que lhes possam ser assemelhadas (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "a", e Lei nº 4.480, de 14 de novembro de 1964, art. 3º);

II - profissões, ocupações e prestação de serviços não comerciais (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "b");

III - agentes, representantes e outras pessoas sem vínculo empregatício que, tomando parte em atos de comércio, não os pratiquem, todavia, por conta própria (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "c");

IV - serventuários da justiça, como tabeliães, notários, oficiais públicos e outros (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "d");

V - corretores, leiloeiros e despachantes, seus prepostos e adjuntos (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "e");

VI - exploração individual de contratos de empreitada unicamente de lavor, qualquer que seja a natureza, quer se trate de trabalhos arquitetônicos, topográficos, terraplenagem, construções de alvenaria e outras congêneres, quer de serviços de utilidade pública, tanto de estudos como de construções (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "f");

VII - exploração de obras artísticas, didáticas, científicas, urbanísticas, projetos técnicos de construção, instalações ou equipamentos, salvo quando não explorados diretamente pelo autor ou criador do bem ou da obra (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º, alínea "g") (Grifos nossos).

Cabe esclarecer, entretanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [07], desde 2003, é pacífica no sentido de que os Notários e os Registradores não são servidores públicos, motivo pelo qual somos obrigados a admitir que se alguém hoje está interpretando de forma equivocada a legislação, esse alguém, data máxima vênia, não é o Fisco Municipal, mas sim, o Fisco Federal.

Essa orientação surgiu após a alteração introduzida pelo art. 40 da Emenda Constitucional nº 20/1998, quando a Corte Constitucional deu nova conceituação a servidor público, como sendo o titular de cargo efetivo e tão somente ele, não sendo o caso dos Notários e dos Registradores os quais, segundo o STF, não se submetem a aposentadoria compulsória, instituto esse somente aplicável aos servidores públicos.

Vista a questão do Imposto de Renda da Pessoa Física dos Notários e dos Registradores, importante frisar que o Fisco Federal obriga que esses profissionais, para fins de contratação de seus prepostos, inscrevam-se no CEI (cadastro específico do INSS), que é exigido, dentre outras hipóteses, para os equiparados à empresa (Instrução Normativa nº. 971/2009).

A Instrução Normativa nº 971/2009 obriga o titular da Serventia Extrajudicial à inscrição no Cadastro Específico do INSS e às normas relativas à GFIP - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social, impõe, ainda, que as obrigações a ela concernentes sejam cumpridas por meio deste cadastro.

Com efeito, no CEI será inscrito o titular da Serventia Extrajudicial, mas o titular na condição de equiparado à empresa, na condição de empresário, nos termos definidos pelo Código Civil e não como pessoa física pura e simples, já que para fins tributários, a figura do empresário é equiparado à empresa formal.

Por fim, vale lembrar, que essa mesma Receita Federal do Brasil, de forma também equivocada como se verá em tópico posterior, exige que as Serventias Extrajudiciais tenham inscrição no CNPJ para fins de cumprimento de obrigações acessórias dos Notários e dos Registradores, como por exemplo, o envio da DOI - Declaração sobre Operações Imobiliárias, consulta dos dados do Fator Acidentário de Prevenção e, até o ano de 2010, a possibilidade de envio da DIRF - Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte, pelo CNPJ [08] da Serventia Extrajudicial, no que diz respeito aos recolhimentos mensais do imposto de renda retido na fonte de seus prepostos com base neste número cadastral.

Como se pode ver, muito embora o Imposto de Renda não seja o tema de nossa fala, não se pode abordar o ISS dos Notários e dos Registradores, sem antes adentrar nessa relação complicada e paradoxal que a Receita Federal do Brasil tem com esses profissionais que recebem a delegação para exploração dos Serviços Notariais e de Registros Públicos.

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6. A tributação do Imposto de Renda dos Notários e dos Registradores pela Receita Federal do Brasil e a possibilidade destes profissionais reaverem os valores pagos indevidamente.

Verificou-se que os Notários e os Registradores, muito embora estejam inseridos no capítulo da tributação das pessoas jurídicas, recolhem o Imposto de Renda como pessoa física, em virtude da exceção contida no Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99), o qual dispõe no sentido que estes são Serventuários da Justiça.

Constatou-se, igualmente, que esses profissionais não são servidores públicos.

Com efeito, considerando as conclusões acima esposadas, a União deveria ter proposto a alteração dos termos da lei federal que trata da tributação do Imposto de Renda dos Notários e dos Registradores ou provocado o Judiciário, visando obter a tutela jurisdicional no sentido de ver declarada a inconstitucionalidade do dispositivo legal autorizador da exceção apontada no RIR/99, dando conta que os Notários e os Registradores são Serventuários da Justiça.

Em não o fazendo, acabou por permitir, através de norma inconstitucional, que os Notários e os Registradores passassem a recolher o Imposto de Renda como pessoa física, a partir de 2003, mesmo sabendo que esses profissionais não são servidores públicos, como se registrou anteriormente.

Em resumo, então, pode-se dizer que os Notários e os Registradores de todo o País estão recolhendo o Imposto de Renda, equivocadamente, como pessoa física, quando deveriam estar sendo tributados pelo IR como pessoa jurídica ou a ela equiparada, fato este que lhes dá o direito de promoverem ação judicial contra a União, pleiteando a declaração incidental da inconstitucionalidade da norma que excetua os mesmos de serem tributados na pessoa jurídica, podendo requerer, igualmente, a restituição/compensação do que fora pago indevidamente nos últimos 5 anos.

Frise-se, e isto é muito importante esclarecer, que, em nosso entender, não se trata de um mero erro de identificação do sujeito passivo, o que, em tese, poderia dar ensejo ao refazimento do ato administrativo, desta vez, direcionado à pessoa jurídica, desde que respeitado o prazo decadencial, mas de uma verdadeira ausência de obrigação tributária, eis que ausente lei exigindo o Imposto de Renda dos Notários e dos Registradores como pessoa jurídica ou a ela equiparada.

No caso em pauta, o que a lei federal atualmente está permitindo na tributação do Imposto de Renda, é a realização do fato gerador pela pessoa física, quando, na verdade, a mesma lei deveria obrigar a pessoa jurídica ou a ela equiparada a entregar dinheiro ao Estado.

Não há como se conceber, portanto, uma simples anulação de lançamento com a possibilidade de refazê-lo, posto que descumprido, no caso, um dos pilares do direito constitucional tributário, qual seja, o princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição Federal), o qual exige que para instituir ou majorar tributo, necessário se faz a existência de lei.

Na hipótese, a legislação federal, ao descrever os elementos do tributo, aponta a pessoa física como sujeito passivo do Imposto de Renda, quando, na verdade, deveria ter indicado a pessoa jurídica ou a ela equiparada. Ou seja, não obstante a norma ter descrito o aspecto pessoal, o fez na pessoa errada, o que causa inexistência de obrigação tributária ao contribuinte.

E mais: é sempre salutar recordar que o Estado, através de seu Auditor Fiscal, não está autorizado a prejudicar o contribuinte com base  em  mudança  de critério jurídico, em observância ao que dispõe o art. 146, do Código Tributário Nacional.

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Sobre a autora
Cleide Regina Furlani Pompermaier

Procuradora do Município de Blumenau; Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professora da Pós-Graduação da UNIDAVI em Rio do Sul, Santa Catarina, em nível de especialização, no curso de Planejamento Tributário, na disciplina de ISS; Professora de Direito Tributário do IBES SOCIESC – Instituto de Ensino Superior de Blumenau e FAE – Faculdade Franciscana em Blumenau, Santa Catarina, SC; membro do Conselho Municipal de Contribuintes do município; autora do livro O ISS nos Serviços Notariais e de Registros Públicos – Teoria e prática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POMPERMAIER, Cleide Regina Furlani. Pontos relevantes acerca da incidência do Imposto sobre Serviços nas atividades notariais e de registros públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2882, 23 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19163. Acesso em: 28 mar. 2024.

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