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Da utilização de cláusula condicional de extinção contratual nos contratos administrativos

23/05/2011 às 10:36
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Pode a Administração inserir cláusula, em seus contratos emergenciais, que limite a sua vigência até o encerramento de processo licitatório em curso?

Versa o presente artigo sobre a seguinte indagação: pode a Administração inserir cláusula, em seus contratos emergenciais, que limite a sua vigência até o encerramento de processo licitatório em curso?

O caso é comum em contratos que envolvem prestação de serviços continuados, que se protraem no tempo. Eventualmente, seja por negligência administrativa – que deve ser apurada, inobstante a possibilidade de contratação emergencial –, seja por externalidades imprevisíveis ou inevitáveis, a Administração não logra efetuar licitação a tempo de substituir o contrato anteriormente vigente.

Tal hipótese ocorre com maior frequência quando é rescindido unilateralmente um contrato cujo objeto não pode admitir solução de continuidade, sendo necessária a prestação do serviço.

"É possível ocorrer dispensa de licitação quando ficar claramente caracterizada urgência de atendimento a situações que possam ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

Nesse caso, a contratação deve servir somente para o atendimento de situação emergencial ou calamitosa e para etapas ou parcelas de obras e serviços que possam ser concluídos no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da calamidade.

Não é permitida prorrogação dos contratos respectivos" (TCU, 2010; 594).

Devendo contratar pela via do emergencial, portanto, a questão é saber se pode a Administração limitar a vigência contratual com cláusula que estabeleça condição resolutiva, consubstanciada no encerramento do novo processo licitatório em trâmite.

A condição teria a vantagem de conferir certa "margem de manobra" ao Administrador ao prever o tempo necessário para a nova licitação, já que reduziria os males causados pela imprecisão de estimativas e, portanto, evitaria novos contratos emergenciais (ou renovação ilegal de contrato emergencial) decorrentes de atrasos no curso do processo licitatório, estando o contrato limitado apenas pelos 180 (cento e oitenta) dias legais ou pela condição, o que acontecesse antes.

Levantam-se as seguintes objeções à possibilidade de inserção da citada cláusula:

A uma, afirma-se que a vigência contratual deve ser determinada, consoante a expressa dicção do art. 57, §3º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Ora, a condição é, segundo a clássica definição legal, "evento futuro e incerto" (art. 121 do CC). Assim, submeter a vigência contratual a uma condição – cuja implementação não é certa – importa em transgressão ao mesmo §3º, citado, mercê de que a citada cláusula é inválida.

A duas, afirma-se que a condição a que se submete a vigência contratual, neste caso, depende exclusivamente da vontade do Administrador, violando, portanto, a legalidade, a moralidade pública e a impessoalidade, na medida em que permite que o Poder Público antecipe ou atrase, propositadamente, o processo licitatório a fim de manter ou encerrar o contrato emergencial, conforme seja de sua vontade.

A três, afirma-se que a citada previsão enseja o encarecimento desnecessário do contrato, vulnerando a economicidade, porquanto o contratado, diante da imprevisibilidade do tempo contratual, procurará praticar preços mais elevados a fim de obter lucro mais rapidamente, desde o início da prestação.

Embora as objeções possam impressionar à primeira vista, parece que a inserção de tal cláusula é válida.

Em primeiro lugar, note-se que a contratação emergencial é extremamente restrita e sempre vista com reservas pelos órgãos de controle e pelo Poder Judiciário. O principal de seus requisitos é a existência (e manutenção, por óbvio) de situação emergencial que imponha a prestação de determinado serviço ou a manutenção da contratação. Ora, se durante o curso contratual a situação de emergência se descaracteriza, expirando naturalmente pelo sucesso de nova licitação, não há mais supedâneo para a manutenção da contratação direta pautada pelo art. 24, inc. IV, da Lei nº 8.666/93. Por isso, a cláusula limita-se a cumprir a finalidade da lei.

Em segundo lugar, a previsão de extinção contratual pelo sucesso de nova licitação responde à exigência do art. 2º da Lei nº 8.666/93, bem assim do art. 37, inc. XXI, da Constituição, que afirmam que as contratações serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as exceções legais. Sendo a contratação pública direta uma exceção, e a contratação decorrente de licitação a regra, deve-se sempre buscar a prática habitual e virtuosa da regra na Administração, evitando-se a exceção que, esta sim, favorece o personalismo e a imoralidade (MENDES; 842).

"Vale ressaltar, ainda, que a moralidade administrativa é qualificada pela probidade administrativa, em razão do que os padrões sociais éticos de lealdade e boa-fé devem ser observados durante todo o certame e a execução dos contratos eventualmente celebrados com a Administração Pública" (MENDES; 843).

Com relação ao primeiro argumento contrário, segundo o qual a vigência contratual não pode ser indeterminada, tem-se a ressaltar que a objeção procede parcialmente. De fato, não pode haver vigência contratual indeterminada, a teor do art. 57, §3º, da Lei nº 8.666/93 (FURTADO; 505).

Contudo, a citada condição resolutiva, instituída pelo contrato, não tem o condão de conceder ao contrato vigência indeterminado, porquanto estabeleça tão-somente uma hipótese de extinção contratual prévia ao termo final. Ou seja, o implemento da condição impõe a extinção prematura do contrato; no entanto, ainda que não ocorra a condição resolutiva, o contrato deverá ter prazo de vigência certo.Caso o citado prazo não esteja escrito, presume-se que se trate do prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias – art. 24, inc. IV, da Lei nº 8.666/93.

Assim, a cláusula impõe duas possíveis hipóteses de extinção natural do contrato, que atuam simultaneamente. Qualquer delas, ao ocorrer, enseja a extinção contratual, independentemente da outra. Dessa forma, o contrato sempre terá prazo máximo de vigência determinado – o termo final, escrito ou presumido – e possível prazo de vigência a menor, associado à condição resolutiva.

Com relação ao segundo argumento contrário, segundo o qual a condição em referência submete-se exclusivamente ao arbítrio do Administrador, sendo por isto ilegal, além de vulnerar a impessoalidade e a moralidade públicas, é preciso reconhecer sua falsidade.

Existem duas espécies de condições vinculadas ao poder de uma das partes: as condições meramente potestativas e as condições puramente potestativas. Nas primeiras, o evento depende da vontade de uma das partes e de eventos externos à sua vontade; nas segundas, depende exclusivamente da vontade de uma das partes. As últimas são, de fato, ilegais, sendo tidas por não-escritas ou desconsideradas, dependendo do caso. Contudo, as primeiras são legais.

No caso em tela, a condição depende de muitos fatores alheios à vontade da Administração, não se podendo pressupor que o processo licitatório dependerá exclusivamente da conduta assumida pelo Poder Público, já que dele constam outros atores (os licitantes, os órgãos de controle externo, o Poder Judiciário, etc).

Ademais, a Administração, em tese, não age por arbítrio, sendo a liberdade de escolha do Administrador sempre vinculada à consecução ótima dos fins públicos a que se dirige (BANDEIRA DE MELLO, 2008; 424). Assim, não havendo arbítrio na Administração, não há que se falar em vontade arbitrária ou puramente potestativa. Dessa forma, a condição é válida, nos termos do art. 122 do Código Civil.

Ora, sendo válida a condição, não se pode presumir em abstrato a ocorrência de desvio de finalidade em sua administração, para afastar a sua possibilidade de emprego na Administração Pública. Com efeito, e consoante o velho brocardo latino, abusus non tollit usum (o abuso não tolhe o uso). Assim é que não há, em tese, qualquer violência à impessoalidade ou à moralidade na citada condição, sendo que tais mazelas devem ser combatidas em concreto, diante de sua efetiva ocorrência.

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Esse é o procedimento da lei civil, que combate vigorosamente o uso malicioso das condições, consoante se lê do art. 129 do Código Civil: "Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento".

Dessa maneira, fica refutada a segunda objeção.

Com relação ao terceiro argumento contrário, segundo o qual a citada cláusula oneraria o contrato emergencial, obrigando, por sua imprevisibilidade, o contratado a praticar preços mais altos para assegurar o lucro mesmo se o contrato se extinguisse rapidamente, é necessário reconhecer que tal possibilidade deve ser sopesada pela Administração, mas não obstada em abstrato.

A citada condição, com efeito, constitui álea contratual – e portanto ordinária – que deverá ser avaliada pela empresa antes de firmar o contrato, no momento de oferecer seu preço. Naturalmente, o contratado, não podendo contar com o período integral de 180 (cento e oitenta) dias para a execução contratual, tende a aumentar os valores a fim de maximizar a obtenção do lucro em curto prazo, ao invés de dilui-lo ao longo do contrato.

Nada obstante, a Administração tem consciência de que o contrato emergencial, em regra, é mais dispendioso que o contrato oriundo de licitação, sendo previsível que o custo de cambiar o contrato – trocar o emergencial vigente, a se encerrar em determinado prazo pela nova contratação originada em licitação – seja mais benéfico ao erário.

Explica-se: pode ser que, apesar do encarecimento provocado pela cláusula, ainda seja mais vantajoso economicamente à Administração ter a possibilidade de encerrar prematuramente o contrato emergencial, beneficiando-se de nova contratação mais econômica, de modo a compensar os eventuais custos superiores provocados pela condição resolutiva escrita no termo da avença. Naturalmente, tal avaliação será efetuada antes mesmo da contratação emergencial e, portanto, poderá não se consumar como previsto após a realização da licitação, sem prejuízo para a validade do raciocínio acima exposto.

Gize-se que a contratação emergencial é de tal modo repulsiva ao ordenamento que o encerramento prematuro do contrato, mesmo que possa provocar preços mais elevados, será visto como uma realização do Administrador, que provou eficiência na realização da nova licitação.

Nessa linha, rememore-se que não seria possível manter dois contratos simultâneos com o mesmo objeto [01] se não se constatada a ampliação da competitividade, ou caso a contratação conjunta proporcione economia de escala – ou seja, os critérios a regerem o possível desmembramento devem ser primordialmente econômicos e não jurídicos.

Tampouco seria razoável aguardar o término do emergencial para só então firmar o novo contrato, se o prazo fosse distante, porque se cairia no risco de a empresa vencedora poder recusar a assinatura, caso o termo final da validade da proposta se houvesse escoado.

Por fim, a ausência da citada cláusula obrigaria a indenizar a empresa contratada emergencialmente, já que o encerramento prematuro do contrato contrariaria direito seu à prestação do serviço e ao recebimento dos valores contratados – e em caso de recusa da Administração, certamente poderia haver judicialização da questão, em prejuízo do interesse público.

Assim, a inserção da condição acaba por se revelar economicamente mais viável, como regra geral, porquanto evite a necessidade de pagamento de indenizações, bem assim como os gastos com processos judiciais, e confere margem de liberdade ao Administrador para optar, assim que possível, pela contratação mais vantajosa.

Fica, portanto, refutada a terceira objeção.

Conclui-se, portanto, pela legalidade da inserção da cláusula, em contratos emergenciais, que limite a vigência contratual até o encerramento de processo licitatório em curso, se houver necessidade, e desde que o período máximo de vigência seja limitado por um termo certo (seja o de 180 dias ou menos, se possível).


Referências Bibliográficas

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2008.

BRASIL. Lei nº 8.666/93. Diário Oficial da União, 22/6/1993, Seção 1, p. 8269. 1993

BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Diário Oficial da União, 11/1/2002, Seção 1, p.1. 2002.

BRASIL, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, SENADO FEDERAL. Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. 4ª ed. rev. ampl. Brasília: SEEP, 2010.

CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Forum, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12ª ed. São Paulo: Dialética, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.


Notas

1

Nada obstante a opinião em sentido diverso manifestada por Marçal Justen Filho (2008, 295), que defende a possibilidade, neste caso, de fracionamento do objeto da contratação em decorrência da existência simultânea do contrato direto e daquele posterior, regido por licitação.
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Sobre o autor
Hugo Souto Kalil

Advogado do Senado Federal. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KALIL, Hugo Souto. Da utilização de cláusula condicional de extinção contratual nos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2882, 23 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19164. Acesso em: 23 nov. 2024.

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