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Condições análogas a escravo: normatização e efetividade

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22/05/2011 às 16:22
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7. ATUAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Nos dizeres de Márcio Túlio Viana (2008), a atuação da justiça do trabalho tem sido decisiva. Em geral mais sensíveis e atentos aos problemas sociais, seus juízes tem se envolvido de corpo e alma no combate à escravidão".

Neste sentido pode-se citar o trabalho realizado pelas chamadas Varas Itinerantes. Com previsão normativa dada pela EC 45, analisada as devidas necessidades, os Tribunais Regionais do Trabalho poderão instalar a "Justiça itinerante":

Art. 115, § 1º: Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

Com estes instrumentos, a Justiça do Trabalho leva aos lugares mais remotos, e de condições mais precárias, um dos direitos fundamentais garantidos na CRFB que é o do Acesso a Justiça.

Via de regra, sua composição se dá por um juiz, conciliadores e defensores públicos que através de unidades móveis (ônibus adaptados) vão a locais propícios para realização deste nobre trabalho.

No caso da exploração do trabalhador rural, como já mencionado neste trabalho, é comum que tal fato ocorra em lugares isolados e distantes dos centros urbanos, portanto, distantes também de varas do trabalho, daí surge importância da prestação jurisdicional realizada pela Justiça Itinerante.


8. O TERCEIRO SETOR E O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO

É certo que existem inúmeras organizações não governamentais que dedicam esforços a preservação do trabalho digno sendo este um dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, todavia, podemos citar duas entidades que prestam relevantes serviços de informação, fiscalização e educação no tocante ao combate da exploração do trabalhador, e em especial ao trabalhador em condições análogas a de escravo, e que ganharam repercussão nacional e internacional, quais sejam: a ONG Repórter Brasil e a Comissão da Pastoral da Terra.

8.1 ONG Repórter Brasil

Fundada em 2001 por Educadores, Cientistas Sociais e Jornalistas, a ONG Repórter Brasil:

[...] tem sido uma das principais organizações a atuar no combate ao trabalho escravo no Brasil e a pautá-lo na mídia e nos debates da opinião pública. A Repórter Brasil atua em parceria com outros veículos de comunicação para a publicação de notícias, artigos e reportagens. Com isso, tem contribuído para o aumento da incidência desse tema na grande mídia. (REPÓRTER BRASIL, 2009).

Seus objetivos são assim discriminados:

  1. Combater todo e qualquer tipo de injustiça e violações aos direitos fundamentais do ser humano, insurgindo-se contra a degradação dos recursos naturais e do meio ambiente.

  2. Desconstruir o discurso dominante sobre o desenvolvimento, problematizando a exploração ilegal do trabalho, o desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente nas cadeias produtivas do agronegócio, além de questionar o atual sistema de propriedade e de utilização da terra.

  3. Fortalecer a livre atuação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil que se dedicam a eixos de trabalho afins aos da Repórter Brasil.

  4. Promover a educação e a comunicação como meios para a transformação social e a construção de uma sociedade justa e igualitária.

  5. Atuar na prevenção e na erradicação do trabalho escravo e de todas as formas de exploração do trabalhador, visando à garantia e à proteção de seus direitos.

  6. Estabelecer canais diretos de contato e de atuação junto a potenciais vítimas dos impactos socioambientais decorrentes do atual modelo de desenvolvimento, produção e consumo, de forma a ampliar o conhecimento sobre seus direitos fundamentais e a garantir o efetivo respeito a esses direitos por parte do Estado e da sociedade civil.

  7. Denunciar práticas de agentes econômicos, políticos e sociais que violam direitos humanos e/ou degradam o meio ambiente, bem como daqueles que se beneficiam direta ou indiretamente desses processos produtivos, no sentido de inviabilizar tais práticas socioambientais não sustentáveis.

  8. Produzir conhecimento e disseminar informações que contribuam para a formulação de políticas públicas, atuando politicamente com o objetivo de mobilizar a estrutura e a legitimidade do Estado para a garantia dos direitos humanos e a preservação do meio ambiente.

  9. Fomentar e fortalecer esferas de controle e participação social com o objetivo de assegurar o respeito aos direitos humanos e trabalhistas e a preservação do meio ambiente.

Hoje, muito mais que uma ONG, a Repórter Brasil é considerada como uma importante "ferramenta" de pesquisa que o estudioso do tema "trabalho escravo" dispõe para estabelecer diretrizes e, portanto elaborar de seu trabalho científico.

8.2 Comissão da Pastoral da Terra

Resultado de um Encontro da Pastoral da Amazônia realizado em 1975, na cidade de Goiânia, organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entidade da Igreja Católica, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) surge em "resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia".

Salienta-se que fora o vínculo existente entre a CPT e a CNBB, que especialmente nos anos de ditadura militar, sustentou a manutenção das realizações dos seus trabalhos, resultando atualmente em uma das principais organizações que atuam no Combate a Exploração do Trabalhador Rural.

Segundo o histórico da Comissão Pastoral da Terra sua:

[...] primeira grande denúncia foi em 1984, trata-se do caso da fazenda da Vale do Rio Cristalino, da Volkswagen, no Sul do Pará. Os peões conseguiram escapar a pé da fazenda e foram parar em São Félix do Araguaia. Houve mobilização e a idéia de flagrar os responsáveis foi frustrada. Na época, o governador do Para era Jader Barbalho. Não se conseguiu fazer o flagrante, então convocou-se a imprensa nacional e internacional e se fez a denuncia. Havia indícios de que eram 600 trabalhadores. Mais tarde, uma matéria publicada na Alemanha afirmou que havia 800 trabalhadores escravizados. (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 2010).

Desde 1997, a CPT promove uma campanha de prevenção e combate ao trabalho escravo intitulada "De olho aberto para não virar escravo!", tendo os estados do Pará, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins como principais áreas de atuação.

A Campanha tem o apoio de materiais didáticos voltados para trabalhadores rurais sujeitos a contratação, para a orientação dos monitores da Campanha e para a sociedade, como por exemplo, uma cartilha de bolso informando os direitos do trabalhador, explicações sobre contratos, carteiras de trabalho, tipos de demissão, telefones úteis para denúncias e uma história em quadrinhos para que o trabalhador reconheça quando um aliciador pode estar o levando para o trabalho escravo.

Seguindo os objetivos da campanha, a CPT realiza anualmente um rigoroso e complexo estudo em parceria com o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, leva ao conhecimento da população, estatísticas acerca do universo brasileiro do trabalho escravo contemporâneo.

8.3 Entidades Sindicais

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), principal entidade sindical do país, no ano de 2008, através do Instituto Observatório Social (IOS), tornou-se signatária do Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo, sendo este, o resultado de um acordo em que empresas, entidades representativas e organizações da sociedade civil comprometem-se a defender os direitos humanos, eliminar o trabalho escravo nas cadeias produtivas e auxiliar na inclusão no mercado de trabalho pessoas resgatadas de condições degradantes de trabalho.

O IOS/CUT propõe-se a monitorar e gerar relatórios sobre as ações empreendidas pelos signatários voltadas para a erradicação do trabalho escravo no Brasil e provocar intercâmbio dessas informações entre as empresas e sindicatos envolvidos, neste intuito que desenvolveu uma plataforma eletrônica para o monitoramento das ações dos signatários do Pacto, a partir da auto-declaração das entidades. Atualmente, o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo é composto pela OIT, Ethos, Repórter Brasil e IOS/CUT.

Apesar desta atuação da CUT através do IOS, entende-se que as entidades sindicais (aí incluíamos toda a estrutura sindical), principalmente aquelas que estão mais próximas a esta realidade, ainda atuam de forma tímida sobre o tema, pois, como legítimos representantes dos direitos dos trabalhadores, deveriam promover ações específicas, como instalações de comissões de fiscalização em áreas de incidência do trabalho escravo, acompanhamento in loco junto às operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, cursos de capacitação dos trabalhadores, políticas reincersão do trabalhor ao mercado de trabalho e atividades de prevenção, para assim contribuir efetivamente para a promoção do trabalho digno combatento esta que é uma das piores explorações ainda existentes: trabalho em condições análogas a de escravo.


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A função do trabalho nos dias atuais perpassa a idéia de que a ele se atribui apenas aspectos meramente econômicos. Esta afirmativa está normatizada na CR, quando a partir de um Estado Social vimos à consolidação dada à dignidade da pessoa humana aliada ao valor social do trabalho.

O princípio da dignidade da pessoa humana é o sustentáculo do ordenamento jurídico pátrio, sendo a valorização ao direito ao trabalho digno, resultado de uma de suas maiores efetivações. Todavia, conforme ensina Maurício Godinho Delgado (2004), o conceito de trabalho na expressão "valorização do trabalho" deve ser compreendido como trabalho juridicamente protegido, ou seja, emprego. Porque é o emprego o veículo de inserção do trabalhador no sistema capitalista globalizado, e só deste modo é possível garantir-lhe um patamar concreto de afirmação individual, familiar, social, ética e econômica.

Neste sentido, pautado, portanto no princípio da dignidade da pessoa humana, que, no âmbito laboral, o trabalho em condições análogas a de escravo, a partir de suas peculiaridades como a realização de trabalho em condições degradantes, constitui-se como maior ofensa praticada contra a instituição da valorização social ao trabalho e uma das maiores lesões à dignidade da pessoa humana.

Para que haja máxima efetividade as normas que garantem proteção ao emprego, e em especial ao combate ao trabalho análogo a condição de escravo, torna-se imprescindível compreendermos "o contexto em que as atividades se desenrolam, o que propicia sua repetição, o que leva as pessoas a se submeterem a um quadro de exploração e, nesse conjunto, implementar a complexa conjugação de políticas públicas, capazes de concretizar a repressão aos aproveitadores e qualificar os explorados, alterando a situação social em que vivem"2.

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É tarefa da sociedade discutir e refletir acerca de tal tema, todavia, é obrigação do executivo, judiciário e legislativo, instituírem em conjunto ou a partir de suas competências, mecanismos de combate e erradicação ao trabalho em condição análogo a de escravo.

Para que se consiga atingir este objetivo de forma célere, é importante dar subsídios e ampliar: a fiscalização realizada pelo grupo móvel, as atividades praticadas pelo Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho e agentes do terceiro setor, todavia, não há dúvida de que a aprovação da PEC 438, que hoje está em lenta tramitação na câmara dos deputados, seria a principal ferramenta para a efetiva erradicação desta que é uma das mais antigas e graves formas de exploração do homem.


REFERÊNCIAS

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BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem à condição análoga de escravo e dignidade da pessoa humana.Disponível em:<http://www.oitbrasil.org.br/trabalho_forcado/brasil/documentos/dignidade trabalhoescravo.pdf> Acesso em: 06 mar. 2010.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Campanha de prevenção e combate ao trabalho escravo de olho aberto para não virar escravo. 2003. Disponível em: <http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=1107&eid=46>. Acesso em: 27 fev. 2010.

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MAIOR, Jorge Luiz Souto. O direito do trabalho como instrumento de justiça social. São Paulo: LTr, 2000.

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VIANA, Márcio Túlio. (Org.). Direito do trabalho e trabalho sem direitos. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

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Sobre o autor
André Henrique de Almeida

Pós-graduando em Direito do Trabalho. Mestrando em Direito do Trabalho-DI . Graduação em Direito pela PUC Minas . Assistente Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores em Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (SINTER-MG). Tutor responsável pela Especialização em Direito e Processo do Trabalho da PUC Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, André Henrique. Condições análogas a escravo: normatização e efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2881, 22 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19167. Acesso em: 19 abr. 2024.

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