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A condição jurídica do estrangeiro

26/05/2011 às 12:54
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1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tratamento dado pelos povos aos estrangeiros residentes em seu território figura dentre os mais importantes aspectos acerca do grau de civilização e de sentimento humanitário existente dentro de uma sociedade.

O Velho Mundo, ou seja, a Europa, não apresentava grande desenvolvimento neste aspecto, uma vez que mantinha regras discriminatórias contra os estrangeiros, e, somente, de forma paulatina, começaram a introduzir mudanças comportamentais, a fim de aceitar a participação dos alienígenas no desenvolvimento econômico das sociedades onde viviam.

No Novo Continente, entretanto, a situação era diversa, pois as nações americanas desenvolveram uma nova mentalidade. Como eles criaram sociedades mais recentes que as européias resultantes de populações mistas, o princípio da igualdade perante a lei imperou política e economicamente entre eles.

Finalmente, as legislações americanas foram responsáveis por influenciar os povos europeus a aceitarem a presença dos estrangeiros em seus territórios.


1.A ENTRADA DO ESTRANGEIRO

De acordo com Oscar Tenório apud Dolinger (2005), necessária foi a conciliação entre os interesses estatais e os da comunidade internacional, quanto à questão migratória.

Embora seja uma matéria de competência interna de cada Estado soberano, a imigração tem a sua importância universal, pois não há como proibir de forma absoluta, em Estados Democráticos, que os seus nacionais mudem de domicilio, assim como não há como proibir inteiramente a entrada de estrangeiros em um território, sem violar sobremaneira a solidariedade internacional entre as nações.

Ian Brownlie apud Dolinger (2005) afirma que um Estado pode decidir pela não admissão de estrangeiros em seu território, bem como também impor condições para a sua entrada. Nesta esteira, Hans Kelsen citado por Dolinger (2005) assegura que nenhum Estado tem a obrigação de admitir estrangeiros em seus limites.

Seguindo este pensamento, a Suprema Corte Americana decidiu que é um principio aceito no direito internacional que cada nação soberana tenha o poder de proibir a entrada de estrangeiros em seus domínios, ou de decidir a sua admissão nos casos que lhe pareçam adequados, sendo isso inerente a sua soberania e também essencial a sua autopreservação.

Todavia, modernamente, tem-se firmado o entendimento de que a recusa em se admitir a admissão de membros da família de uma pessoa já residente no país viola a Convenção Européia dos Direitos Humanos a qual protege o indivíduo a ter o direito a uma vida particular e a sua vida em família.

No âmbito internacional, a Convenção de Havana sobre a Condição dos Estrangeiros, de 1928, dispõe, no artigo 1º, que os Estados têm o direito de estabelecer, através de suas leis, as condições de entrada e de residência dos estrangeiros em seus territórios, tendo sido esta Convenção sancionada pelo Brasil inclusive. Importante destacar que, em sede constitucional brasileira, a lei sempre pôde fixar limites à imigração de forma discricionária.

A Constituição Federal de 1988 dispõe, no artigo 5º, inciso XV, que "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens".

Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe, no artigo 13, alínea 2, que "toda pessoa tem o direito de sair de qualquer país, inclusive de seu próprio, e de regressar a seu país". Ademais, o artigo 14 atesta que "toda pessoa em caso de perseguição tem o direito de buscar asilo e de desfrutá-lo em outro país". Já a Convenção sobre Asilo Diplomático, de 1954, dispõe que "todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que o nega".

O diploma que atualmente rege os institutos da admissão e da entrada do estrangeiro no Brasil, assim como os vários tipos de visto, a condição de asilado, o registro do estrangeiro, deportação, expulsão, extradição, naturalização, direitos e deveres do estrangeiro, a criação do Conselho Nacional de Imigração, dentre outros aspectos é a Lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980.

O aspecto filosófico da atual legislação brasileira sobre a entrada e a permanência do estrangeiro no Brasil inspira-se no atendimento à segurança nacional, à organização institucional, nos interesses políticos, sócio-economicos e culturais do Brasil, inclusive na defesa do trabalhador nacional.

Os tipos de visto de entrada os quais podem ser concedidos ao estrangeiro são: visto de trânsito, de turista, temporário, permanente, de cortesia, oficial e diplomático.

Importante destacar que a lei proíbe a concessão de visto ao estrangeiro menor de dezoito anos desacompanhado de responsável legal ou sem sua autorização expressa, assim como ao que seja considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais. Proíbe-se também relativamente à pessoa anteriormente expulsa do país, bem como àquela que tiver sido condenada ou processada em outro país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira, ou que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde. De igual forma, proíbe a legalização do clandestino e do irregular bem como a transformação dos vistos de trânsito, turista, cortesia e temporário em permanente, excetuados, neste tipo, os casos do cientista, professor, técnico ou profissional e a de ministro de confissão religiosa.

A Lei nº 6.815/80 foi modificada em seu artigo 26 pela Lei nº 6.964/81, dispondo que o visto concedido pela autoridade consular brasileira configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado, se ocorrer qualquer dos casos enumerados no artigo 7º, ou, ainda, se transcorrer a inconveniência de sua presença no Brasil. Assim, o artigo 7º versa várias hipóteses em que se há de negar o visto ao estrangeiro, entre as quais a da pessoa considerada nociva à ordem pública, à anteriormente expulsa do país e à condenada ou processada em outro país por crime doloso.

Fundamental observação é a de que o impedimento à entrada do estrangeiro que não atende às condições fixadas na legislação brasileira não representa uma penalidade, seja quando se configure alguma das hipóteses do artigo 7º, seja no caso de inconveniência da presença do alienígena no território nacional. Ou seja, a proibição a sua entrada ou a sua estada no país é questão concernente à proteção da segurança interna, da ordem pública, em decorrência da manifestação do poder soberano, sem qualquer característica de pena.

Haroldo Valladão citado por Dolinger (2005) afirma que a expulsão não é uma pena aplicável por um juiz ou tribunal, mas que esta constitui uma medida da política administrativa do país, fundamentada no direito de defesa do Estado, sendo, então, irrenunciável.

Neste sentido, a expulsão do estrangeiro é uma regra que atende ao interesse imediato do Estado, antes mesmo da sociedade, constituindo-se como uma medida administrativa ou como um meio inerente ao poder de polícia, deixada a sua aplicação à discricionariedade do Poder Executivo, sem interferência do Poder Judiciário, salvo casos excepcionais.

Portanto, assim como há razões inerentes à soberania do Estado em relação ao direito de expulsar o estrangeiro, há também quanto ao impedimento de sua entrada no país. A faculdade de impedir a entrada de quem quer que seja e estender esta proibição a quem entender inclusive a todo o grupo familiar é uma medida discricionária no âmbito da conveniência do Estado.

Enfim, quanto ao visto de entrada para o estrangeiro, o governo brasileiro segue a política da reciprocidade, de forma que as autorizações de vistos de entrada de estrangeiros no Brasil, assim como as isenções e as dispensas somente poderão ser concedidas se existir reciprocidade de tratamento para os brasileiros, reciprocidade esta a ser estabelecida através de acordo internacional.


2.OS DIREITOS DO ESTRANGEIRO, UMA VEZ ADMITIDO

Hans Kelsen apud Dolinger (2005) assevera que, embora o Estado não tenha obrigação em admitir estrangeiros em seu território, mas, uma vez estes sejam admitidos, devem-lhes ser concedidos um mínimo de direitos. Isto quer dizer que deve existir certa posição de isonomia com os nacionais, pelo menos quanto à segurança pessoal e a de suas propriedades, o que não significa afirmar que os estrangeiros terão direitos iguais. Todavia, Kelsen continua que a situação jurídica dos estrangeiros não pode ficar abaixo de um determinado patamar mínimo de civilização.

Neste aspecto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclama em seu artigo 2º que todos os direitos por ela enunciados correspondem a toda pessoa sem distinção de origem nacional.

No Brasil, a Carta Magna assegura no artigo 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

Quanto aos direitos políticos, a Convenção de Havana sobre a Condição dos Estrangeiros de 1928 estipula, em seu artigo 7º, que "o estrangeiro não se deve ingerir nas atividades políticas privativas dos cidadãos do país no qual se encontre; se tal fizer, ficará sujeito às sanções previstas na legislação local".

No mesmo sentido, o Código Bustamante, em seu artigo 2º, alínea 2 exclui a igualdade entre estrangeiros e nacionais quanto ao desempenho das funções públicas e de outros direitos políticos.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe no artigo 21 que toda pessoa tem direito de participar do governo de seu país, e tem direito de acesso às funções públicas de seu país, isto é, do país de sua nacionalidade, e, não, do país onde a pessoa é alienígena.

Nesta conjuntura, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, no artigo 38, dispõe assim: "todo estrangeiro tem o dever de se abster de tomar parte nas atividades políticas que, de acordo com a Lei, sejam privativas dos cidadãos do Estado em que se encontrar".

Então, observa-se que os diplomas internacionais coincidem na distinção entre o nacional e o estrangeiro quanto ao exercício da atividade política. No entanto, a Constituição Federal de 1988 assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país direitos que versam sobre liberdades políticas, tais como a liberdade de manifestação de pensamento (inciso IV, artigo 5º), a liberdade de comunicação (inciso IX, artigo 5º), o direito de reunião pacífica (inciso XVI, artigo 5º) e o direito à liberdade de associação (inciso XVII, artigo 5º).

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Destarte, estes direitos aplicam-se igualmente aos nacionais e aos estrangeiros residentes no país, de forma que o estrangeiro tem liberdade para se comunicar, reunir-se, associar-se para fins lícitos e para manifestar seu pensamento, porém tudo teórica e intelectualmente. Portanto, diversa é a atividade de natureza política, a qual enseja a ingerência nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe esta atividade vedada por lei.

Aos imigrantes, concede-lhes o direito à igualdade nos campos econômico e social, mas não no político. No Brasil, excetuados os portugueses, os estrangeiros não votam nas eleições brasileiras, pois a Lei Maior vedou-lhes expressamente este exercício no artigo 14, §2º, in verbis: "não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros".

Por fim, há outras restrições no Texto Supremo quanto à atuação do estrangeiro no governo, ao restringir a ocupação de certos cargos a brasileiros natos, além da limitação a apenas brasileiros (natos e naturalizados) em relação à propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Além disso, para os naturalizados, só há esta possibilidade após decorridos dez anos de naturalização, e, também, só aos brasileiros poderá caber a responsabilidade pela administração e pela orientação intelectual destas empresas.


3.A SAÍDA COMPULSÓRIA

Neste ponto, faz-se necessária a distinção entre os conceitos de extradição, expulsão e deportação, todos ligados à remoção forçada da pessoa física do território de um país.

Extradição é o processo através do qual um Estado atende ao pedido de outro, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países. Porém, em regra, não se extradita nacional do país solicitado.

Expulsão é o processo por meio do qual um país expele de seu território um estrangeiro residente, em razão de crime ali praticado ou de comportamento nocivo aos interesses nacionais, ficando-lhe vedado o retorno ao país de onde fora expulso.

Deportação é o processo de devolução de estrangeiro que chega ou que permanece irregularmente, retornando ao país de sua nacionalidade ou de sua procedência.

Importante destacar que, na expulsão, a remoção se dá por prática ocorrida após a chegada e a fixação do estrangeiro no território do país, enquanto que, na deportação, esta saída compulsória origina-se exclusivamente de sua entrada ou estada irregular no país. No Brasil, o deportado poderá retornar ao país, desde que atenda às exigências da lei para a entrada e para a estada no território brasileiro.

A expulsão do estrangeiro nocivo insere-se no poder discricionário do Estado, representando uma manifestação da sua soberania, decorrência lógica de seu poder de admitir ou de recusar a entrada do estrangeiro.

Assim, enquanto o nacional tem o direito inalienável de permanecer em seu solo pátrio, uma vez que apenas os regimes de força ousam banir seus nacionais, o estrangeiro não tem esta garantia. Isso ocorre, porque o Estado, mesmo depois de tê-lo admitido em seu território em caráter permanente, guarda o direito de expulsá-lo, se for considerado perigoso para a boa ordem e para a tranqüilidade pública do país. Ademais, todo Estado possui o direito soberano de expulsar os estrangeiros que desafiem sua ordem política e que se dediquem a atividades sediciosas.

Dolinger (2005) salienta que existem estudiosos do instituto da expulsão os quais recomendam que o Estado não abuse deste direito, devendo nortear-se pelo princípio da humanidade, observando igualmente que a proibição do genocídio inclui a expulsão em massa de um grupo humano.

Então, pode-se afirmar que o estrangeiro não tem entrada no território por direito próprio, mas por concessão do governo e sob condição de não se tornar prejudicial ao bem do Estado. Em conseqüência, desde que falte aos seus deveres e que infrinja as leis, poderá ser expulso, e o governo a que ele pertence não tem direito de opor-se. Isso se fundamenta na natureza do ato de expulsão, visto que não é uma pena, e, sim, uma medida administrativa exercida em proteção do Estado, como manifestação de sua soberania. Outrossim, este ato administrativo não é um ato arbitrário, trata-se de ato discricionário.

A expulsão de estrangeiro cabe exclusivamente ao Presidente da República, mas, para processar e julgar os crimes de ingresso ou de permanência irregular de estrangeiro, isto é, casos de deportação, a Carta da República estabelece a competência para os juízes federais. Já para ordenar a prisão do deportando, a competência é do Ministro da Justiça.

Afinal, de acordo com Dolinger (2005), há a possibilidade de indenizar por expulsão, quando os Estados, por suas políticas internas, forçam seus cidadãos a se tornarem refugiados, porque, nestes casos, praticam um ato considerado ilegal internacionalmente. Isso cria a obrigação de compensarem o mal cometido, de maneira que estes Estados devem ser obrigados a indenizar seus nacionais forçados a deixar a pátria, da mesma forma como são obrigados, pelo direito internacional, a compensar os estrangeiros expulsos.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal do Brasil. 1988.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Havana sobre a Condição dos Estrangeiros. Disponível em: < http://www2.mre.gov.br/dai/estrangeiros.htm>. Acesso em 13 de junho de 2010.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Convenção sobre Asilo Diplomático. Disponível em: < http://www2.mre.gov.br/dai/asilodiplom.htm>. Acesso em 13 de junho de 2010.

Direitos Humanos na Internet. DHNET. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeadcl.htm>. Acesso em 13 de junho de 2010.

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (Parte Geral). Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em 13 de junho de 2010.

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Sobre a autora
Juliana Vasconcelos de Castro

Possui mestrado e especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa onde atualmente estuda doutoramento em Direito Privado Romano. Membro da Associação Nacional de Advogados de Direito Digital, onde atua em grupos de trabalho em startups, healthtechs e relações de trabalho digital. Sócia-fundadora do Juliana Vasconcelos Advogados, nas áreas de Direito Digital e de Startups. Compliance officer. Palestrante, docente e autora de e-books e de livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Juliana Vasconcelos. A condição jurídica do estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2885, 26 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19196. Acesso em: 22 nov. 2024.

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