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As novas perspectivas do processo civil contemporâneo sob a ótica da efetividade do acesso à justiça

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4 A INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

A fase contemporânea do processo, denominada instrumentalidade processual, filiada ao novo enfoque de acesso à justiça defendido por Cappelletti, se contrapõe à fase autonomista, introspectiva do processo, a partir da concepção de que o direito processual deve se comprometer com o resultado prático da demanda, mormente sob a ótica do detentor do direito material. A indiferença existente entre o plano material e o plano processual deixa de prevalecer. [45]

Passa-se a reconhecer, ao demandante, o direito a uma proteção jurídica temporalmente adequada, sem dilações indevidas, pois, consoante pensamento de Canotilho [46]: "[...] a justiça tardia equivale a uma denegação da justiça. Note-se que a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça acelerada".

Essa nova sistemática processual, antenada com as expectativas sociais do mundo contemporâneo, faz com que o processo civil brasileiro deixe a sua postura indiferente de lado, e passe a se comprometer com o resultado da demanda. Vários conceitos insculpidos na época da autonomia entre o direito processual e o direito material foram revistos, relativizados, enquanto outros foram resgatados ou criados, tudo em homenagem ao novo enfoque de acesso à justiça.

Nesse período repleto de transformações, o sincretismo jurídico retorna com muita força, tendo em vista que o processo se transforma em um instrumento essencial à tutela da ordem jurídica material, à convivência em sociedade e à realização das garantias constitucionais previstas. [47]

Aduzindo, a fim de evidenciar a presença viva do sincretismo processual em nosso ordenamento jurídico, além de ressaltar a sua importância no tocante às tutelas, menciona-se também as mudanças trazidas pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que eliminou a execução de título judicial. Em seu lugar surgiu o instituto intitulado cumprimento de sentença, localizado dentro do próprio processo de conhecimento. Ou seja, em regra, a execução passou a ser uma fase do próprio processo de conhecimento, malferindo a autonomia do processo de execução, com a finalidade louvável de acelerar a resposta jurisdicional, através do rompimento de um ponto de estrangulamento do sistema processual.

Não se pretende o total desapego à técnica, nem a tudo que foi conquistado em prol da ciência processual. Todavia, objetiva-se uma mudança de enfoque, de campo de estudo. Não se admite que o estudo do processo atue somente na órbita da jurisdição, ação e processo. Hoje, torna-se necessário que a ciência processual também pesquise sobre os obstáculos havidos entre o cidadão e a entrega da prestação jurisdicional. [48]

A instrumentalidade tem sido o núcleo central dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, através da tentativa de eliminação das diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos sujeitos, dos estudos e propostas pela inafastabilidade do controle jurisdicional e da preocupação com a efetividade do processo. [49]

Segundo Dinamarco [50], precursor da instrumentalidade no direito pátrio, os conceitos inerentes à ciência processual já chegaram:

[...] a níveis mais do que satisfatórios e não se justifica mais a clássica postura metafísica consistente nas investigações destituídas de endereçamento teleológico. Insistir na autonomia do direito processual constitui, hoje, como que preocupar-se o físico com a demonstração da divisibilidade do átomo.

O judiciário, com sua formação individualista e formalista extremada, não pode permanecer com os olhos fechados para a realidade social, onde de um lado parcelas significativas da sociedade estão carentes de realização de direitos e, de outro, a Constituição Federal declara inúmeros direitos fundamentais [51], dentre eles o de acesso efetivo à justiça.

Como bem disse Alvim [52]:

[...] o problema do acesso à justiça não é uma questão de ‘entrada’, pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O problema é de ‘saída’, pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem, fazem-no pelas ‘portas de emergência’, representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, rezando, para sair com vida.

Nessa vertente, vislumbra-se que a instrumentalidade do processo contribui para o efetivo acesso à justiça, vez que colima alcançar o resultado prático da demanda posta em juízo, atendendo, assim, às expectativas sociais.


5 CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a Constituição Federal de 1988, arrimada nos preceitos do Estado Democrático de Direito, assegura a todos o acesso à justiça de forma ampla, objetivando proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva, justa e temporalmente adequada, sobretudo do ponto de vista social.

A mera declaração do direito de acesso à justiça já não mais alcança as expectativas sociais do mundo contemporâneo. Atualmente, exige-se do Estado a disponibilização de mecanismos capazes de assegurar a todos o acesso à justiça de forma efetiva.

Percebe-se que a previsão constitucional de acesso amplo à justiça, insculpida no inciso XXXV, do art. 5º, não se contenta com o mero acesso formal, mas sim com o acesso amplo, apto a proporcionar uma tutela jurisdicional efetiva, justa e temporalmente adequada, sobretudo do ponto de vista social.

Nesse liame, arrimada no novo enfoque de acesso à justiça, percebe-se que a instrumentalidade tem sido o núcleo central dos movimentos reformatórios do nosso sistema processual civil. Segundo os seus postulados, não se admite mais que o processo permaneça em uma redoma introspectiva, alheia aos fatos externos, à realidade social, característica da fase da autonomia do direito processual em relação ao direito material.

Conclui-se que a fase da instrumentalidade do processo pretende, através da flexibilização de conceitos e formas originárias do período da autonomia do processo, uma reaproximação entre o direito processual e o direito material, a fim de atender às expectativas sociais do mundo contemporâneo.

Hoje, torna-se necessário um comprometimento do processo com o resultado prático da demanda. Impõe-se uma reaproximação entre o direito material posto em juízo e o processo, muito bem simbolizada pelo resgate do sincretismo jurídico em nosso ordenamento, assim como uma aproximação entre a realidade social e a dogmática jurídica, tendo em mira o resultado prático e efetivo da demanda.

Infere-se também que, sobretudo no Brasil, o problema de acesso à justiça não passa pela dificuldade de ingresso no sistema jurídico. Muito pelo contrário, aqui todos possuem condições de discutirem as suas contendas no poder judiciário. A problemática gira em torno da duração do processo, ou seja, do tempo que se leva para a entrega da prestação jurisdicional.

Diante disso, observa-se que os métodos alternativos de resolução de conflitos também têm sido prestigiados, por meio da mediação e arbitragem, por proporcionarem uma justiça mais rápida e eficaz.

Nesse espeque, vislumbra-se que a conciliação também passou a despertar interesses dos legisladores e operadores do direito, vez que é capaz de solucionar a demanda de forma mais rápida e satisfatória, inclusive do ponto de vista das partes, já que prescinde de julgamento de mérito e de cumprimento de sentença.

Por fim, depreende-se que o novo enfoque de acesso à justiça exige uma reformatação funcional, estrutural e ideológica de todo o aparato judicial, destacando-se a relevância da instrumentalidade, da efetividade e do sincretismo processual para essa nova sistemática.

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6 REFERÊNCIAS

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Notas

  1. KELSEN, Hans. O que é Justiça? A Justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução Luís Carlos Borges. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 2.
  2. GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006, p. 109-110.
  3. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 08.
  4. Ibid., p. 31.
  5. CAPPELLETTI, op. cit., p. 49-50.
  6. Ibid., p. 50.
  7. CAPPELLETTI, op. cit., p. 08.
  8. DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da supralegalidade constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 73.
  9. "Também não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. E se estiver ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor." (MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Coleção a obra-prima de cada autor. Série Ouro. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 166).
  10. CAPPELLETTI, op. cit., p. 09.
  11. DANTAS, op. cit., p. 10.
  12. ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à Justiça e Efetividade do Processo: a ação monitória é um meio de superação de obstáculos? Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 40.
  13. FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 95.
  14. CAPPELLETTI, op. cit., p. 11-12.
  15. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23.
  16. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 1° ed. 3° reimp. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 505.
  17. WATANAB, Kazuo, apud PACHECO, José da Silva. Evolução do Processo Civil Brasileiro: desde as origens até o advento do novo milênio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 387.
  18. BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 163-164.
  19. CAPPELLETTI, op. cit., p. 13.
  20. CÂMARA, Alexandre Freitas. O Acesso à Justiça no Plano dos Direitos Humanos. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati. Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 01-09.
  21. ARAÚJO, op. cit., p. 52.
  22. ARRUDA FILHO, Ney. A Efetividade do Processo como Direito Fundamental. Porto Alegre: Norton Editor, 2005, p. 75.
  23. Ibid., p. 77.
  24. WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Fabris Editor, 1995, p. 81.
  25. KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, W. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Tradução Marcos Keel. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 2002, p. 41.
  26. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 71.
  27. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 85.
  28. Ibid., p. 86.
  29. Ibid., p. 87-88.
  30. Ibid., p. 89-90.
  31. GRINOVER, Ada Pellegrini. Processo em Evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 25.
  32. ARAÚJO, op. cit., p. 59.
  33. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 90.
  34. Ibid., p. 91.
  35. ARAÚJO, op. cit., p. 42.
  36. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 95-96.
  37. Ibid., p. 100.
  38. Ibid., p. 102.
  39. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 102.
  40. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 103.
  41. Ibid., p. 104.
  42. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24.
  43. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 109-110.
  44. VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 14.
  45. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra – Portugal: Livraria Almedina, 2003, p. 499.
  46. VIANA, op. cit., p. 15.
  47. Ibid., p. 14-15.
  48. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 25.
  49. Ibid., p. 22-23.
  50. ARRUDA FILHO, op. cit., p. 95.
  51. ALVIM, J. E. Carreira. Justiça: acesso e descesso. [S.I.]: Jus Navigandi, 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4078>. Acesso em: 15 abr. 2006.
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Sobre o autor
Arnaldo de Aguiar Machado Júnior

Advogado, especialista em direito processual civil pela Fanese, Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco, professor do curso de graduação em direito na Fase e Fanese, professor do curso de pós-graduação em direito civil e processo civil na Unit, membro do Conselho Seccional da OAB/SE e presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB/SE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO JÚNIOR, Arnaldo Aguiar. As novas perspectivas do processo civil contemporâneo sob a ótica da efetividade do acesso à justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2887, 28 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19213. Acesso em: 23 dez. 2024.

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