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O menor como vítima do crime de calúnia

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01/06/2011 às 09:39
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RESUMO

A possibilidade de se admitir que o indivíduo com dezoito anos incompletos figure como vítima do crime de calúnia divide a doutrina brasileira. Existem duas teorias, uma favorável, a outra não. O objetivo é levantar os argumentos de cada uma, qual a posição da jurisprudência e concluir qual a mais apropriada. A questão é importante no sentido de que influirá na maneira como será aplicada concretamente a lei penal. Serão apresentados: os diversos conceitos de crime; tratamento dispensado pela lei ao menor; conceito de honra; aspectos gerais do crime de calúnia e as correntes divergentes. Conclui-se pelo reconhecimento dos menores como prováveis vítimas da calúnia. A vontade do legislador brasileiro é a de proteger o bem jurídico honra, que é personalíssimo. Logo, dele também gozam os incapazes, devendo ser abrangidos pela proteção da norma. A metodologia consiste em pesquisa por obras doutrinárias e internet.

Palavras-chave: Menor. Calúnia. Vítima.

ABSTRACT

The possibility of admitting the person eighteen years of age incomplete appears as a victim of the crime of calumny divides the Brazilian doctrine.There are two theories, one favorable, the other not. The purpose is to raise the arguments of each, which is the position of case law and concluded that the most appropriate. The question is important in order to influence the way that applies concretely to criminal law. Will be presented: the different concepts of crime; treatment under the law to minor; concept of honor; general aspects of the crime of calumny and divergent currents. It is the recognition of children as probable victims of calumny. The will of the Brazilian legislature is to protect the legal honor, which is extremely personal. Soon, it also enjoyed the unfit and should be covered by the protection of the standard. The methodology is to search for doctrinal works and internet.
Keywords: Minor. Calumny. Victim.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 DO CRIME: CONCEITOS E SISTEMAS; 1.1 Conceito material; 1.2 Conceito formal; 1.3 Conceito analítico; 1.3.1 Tipicidade; 1.3.2 Ilicitude ou antijuridicidade; 1.4 Sistema bipartido; 1.5 Sistema tripartido; 2 DA IMPUTABILIDADE; 3 HONRA: CONCEITOS E PROTEÇÃO LEGAL; 4 DA CALÚNIA (ART. 138 DO CÓDIGO PENAL); 5 O MENOR DE DEZOITO ANOS COMO SUJEITO PASSIVO DO CRIME DE CALÚNIA; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Das controvérsias suscitadas em direito penal, a admissibilidade do menor de dezoito anos como sujeito passivo do crime de calúnia (art. 138 do Código Penal) é sem dúvida uma das mais antigas e interessantes. Não é de hoje que se discute a questão, porque para posicionar-se é necessário antes responder à seguinte pergunta: o menor, na condição de inimputável para a lei brasileira, comete crimes? Adentra-se, por meio da questão principal do presente trabalho, em outra não menos polêmica, que ainda provavelmente continuará gerando divergência entre os doutrinadores nacionais.

Além de por si só constituir-se em uma discussão com profundidade, está claro que o seu não esclarecimento tem levado a dúvidas quanto à aplicação do referido dispositivo legal, nos casos em que a conduta nele descrita tiver como alvo um incapaz desta qualidade. Sendo assim, o objetivo primordial se concentra na análise dos diferentes argumentos e conclusões levantados pela doutrina e tribunais do nosso país, bem como apresentar solução própria para o problema, tendo em vista a interpretação da provável vontade do legislador acerca de quem se queria proteger com a redação da norma.

Contudo, faz-se necessário que preliminarmente sejam abordadas as diferentes escolas penais e a maneira como cada uma conceitua "crime", bem como quais as concepções mais antigas que chegaram a servir de base para as duas grandes teorias principais. Em seguida apresenta-se a situação em que o menor de idade se encontra perante a lei penal ("inimputável") e faz-se a correlação disto com as teorias explicativas do crime. Segue-se breve explanação acerca das definições, tanto a geral como as específicas da honra, que é o bem jurídico protegido neste caso pelo direito penal. Finalmente, explica-se no que consiste o crime de calúnia e enumeram-se seus aspectos mais relevantes.

A metodologia utilizada compõe-se de pesquisa bibliográfica nas principais obras doutrinárias do direito penal, inclusive nas leis comentadas, com o apoio da jurisprudência prolatada por tribunais de justiça de diversos estados brasileiros, disponibilizadas na internet em seus respectivos sites.


1 DO CRIME: CONCEITOS E SISTEMAS

Antes de uma abordagem específica serão realizados breves apontamentos acerca dos conceitos de crime e dos sistemas apresentados pela teoria geral do direito penal, de forma a propiciar um debate bem fundamentado acerca da problemática principal deste trabalho.

1.1 Conceito material

Como aduz E. Magalhães Noronha (1987, v. 1, p. 94):

"Finalidade do estado é a consecução do bem coletivo. É a sua razão teleológica. Mas, para a efetivação, além da independência no exterior, há ele de manter a ordem no interior. Cabe-lhe, então ditar as normas necessárias à harmonia e equilíbrio sociais."

Crime seria, portanto, toda conduta que perturbasse o sadio convívio social através de efetivo dano ou ameaça de lesão a bens protegidos pelo direito. A falha a ser apontada nesta concepção é justamente a necessidade criada para o Estado, de empreender esforços no sentido de punir uma quantidade infindável de condutas, pois basta que estas, de qualquer maneira, não importam em que grau, perturbem a paz e a ordem sociais. Nem toda ação ou omissão capaz de produzir tal resultado tem a necessária gravidade para justificar a severa taxação de "criminosa."

1.2 Conceito formal

Busca-se tão somente a observância da adequação da conduta à descrição do tipo penal. Não se aprofunda a análise no caráter lesivo da ação ou omissão; simplesmente verifica-se de maneira objetiva o encaixe entre o "praticado" e o "descrito" na lei como crime. Ocorre que aqui reside flagrante injustiça e extremismo: não se pode valorar da mesma forma condutas praticadas por pessoas diversas, que aparentemente são iguais por se enquadrem no mesmo tipo penal. Suponha-se que tanto "A" como "B" danifiquem patrimônio de "C". Quando se constata que "A" o fez de forma fria e vingativa, enquanto que "B" escolheu poupar a vida de outrem a preservar o patrimônio de "C", obviamente tais condutas não são igualmente criminosas.

1.3 Conceito analítico

Define-se crime como o fato que, em primeiro lugar, é típico. Em seguida analisa-se a ilicitude. Preenchidos ambos os requisitos, tem-se o fato criminoso. O conceito analítico é a base para o sistema bipartido de definição do que seja crime.

1.3.1 Tipicidade

"Será fato típico quando a conduta estiver definida em lei como crime, segundo o princípio da reserva legal (CP, art. 1º) constitucionalmente adquirido (CF/88, art. 5º, XXXIX)." (DELMANTO, 2002, p.18-19). Em suma, quando a ação ou omissão realizada se adequar à descrição de conduta considerada criminosa pelo Código.

1.3.2 Ilicitude ou antijuridicidade

Fato que contraria mandamento legal; em regra todo fato típico será ilícito, a não ser que seja acobertado por uma das chamadas excludentes de ilicitude. Ex: homicídio cometido por motivo torpe sem dúvida é algo que vai de encontro à vontade da norma (que visa preservar, entre outros bens jurídicos, a vida). Não se contraria o ordenamento quando esse homicídio é cometido em legítima defesa (pois a própria ordem jurídica reconhece o inato instinto de sobrevivência e admite a hipótese).

1.4 Sistema bipartido

Crime é todo fato típico e ilícito, não integrando a culpabilidade o rol dos seus requisitos. Dessa forma, sobraria ela como pressuposto da aplicação da pena. A culpabilidade seria um juízo de valor extraído do fato cometido: dependendo das circunstâncias ligadas a este último, teremos a medida da reprovação da conduta do agente.

"Compreende a gravidade da ação, sua maior ou menor lesividade social, as circunstâncias objetivas [...], tais como os meios empregados e o modo de execução, se o fato foi tentado ou consumado, quais foram as suas conseqüências para a vítima e prejudicados etc." (CAPEZ, 2007, v. 1, p. 300).

Mirabete traz o conceito de culpabilidade fornecendo seus elementos caracterizadores, segundo o próprio Código Penal: "Ação típica quando reprovável, ou seja, quando há imputabilidade do agente, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa." (MIRABETE, 2005, p. 144).

Os adeptos da corrente bipartida se apóiam em interpretação dada ao alcance do caput do art. 23 do CP: "Não há crime quando [...]". Em seguida, são enumeradas hipóteses denominadas excludentes de ilicitude. Portanto, basta que não estejam presentes nenhuma das situações elencadas no dispositivo supra para que se considere criminosa a ação ou omissão,

porque do contrário será lícita. Saliente-se que antes de ser antijurídica a conduta necessariamente tem de estar tipificada.

Como no caput do art. 26 e no §1º do art. 28 está descrito: "É isento de pena" compreende-se a culpabilidade como requisito para ligar o crime ao agente com fins de punição. Só se analisa a possibilidade de punir partindo-se do pressuposto de que alguém cometeu crime. Damásio de Jesus (1993, v. 1, p. V) exemplifica:

"Só há receptação quando o objeto material constitui produto de crime (art. 180, caput). Suponha que o autor do fato antecedente seja inculpável, presente, v.g., a inimputabilidade por menoridade. Se a culpabilidade fosse elemento ou requisito da infração penal, a sua ausência, em face da menoridade, excluiria o crime anterior, condição típica da receptação. A coisa não seria ‘produto de crime’. E, não havendo delito antecedente, o fato subseqüente seria atípico. Determina o Código Penal, porém, que o fato é punível ainda que não culpável ‘o autor do crime de que proveio a coisa’ (art. 180, § 2º; grifo nosso). Confirmação de que a culpabilidade não é requisito do delito."

1.5 Sistema tripartido

Nesta teoria o crime tem três requisitos (ao contrário da anterior, que somente apresenta dois) estando agora incluída a culpabilidade. Esta última não funcionaria em separado, como mera condição à punição do agente. Seria sim decisiva na própria qualificação da conduta como criminosa.

Partindo-se da idéia defendida na teoria anterior, tem-se a culpabilidade como requisito de aplicação da pena. Ocorre que também não se justifica a punição sem que exista crime. Se os pressupostos deste são a tipicidade e a ilicitude, então ambos também funcionarão tal como a culpabilidade: serão requisitos para sanção. Já que esta consiste na conseqüência jurídica do crime, ele será definido como o conjunto de elementos que justificam a pena.

Tendo-se, portanto, que crime é fato típico, ilícito e culpável, Cezar Roberto Bitencourt (2006, v. 1, p. 412) vem rebater, em defesa da tese tripartida, o exemplo proposto por Damásio no caso da receptação. Esclarece que nem por isso a culpabilidade deixa de ser pressuposto do crime, justificando a punição mesmo quando o autor do fato antecedente for inculpável: "[...] representa a consagração da prevenção, na medida em que pior do que o ladrão é o receptador, visto que a ausência deste enfraquece o estímulo daquele."

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2 DA IMPUTABILIDADE

Consiste em um dos elementos da culpabilidade, junto com a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de conduta diversa. A lei penal não chega a definir o que seja imputabilidade, limitando-se a enumerar as hipóteses em que esteja afastada, no caput do art. 26: doença mental; desenvolvimento mental incompleto; desenvolvimento mental retardado. Traz ainda o § 1º do art. 28 outra excludente: embriaguez completa, advinda de caso fortuito ou força maior.

Portanto, nos dispositivos mencionados do CP observam-se duas condições pessoais do agente, a fim de que seja considerado inimputável. É imprescindível que saiba do caráter criminoso daquilo que planeja ou está executando; além disso, deve ser plenamente capaz de comandar seus atos tendo em vista o conhecimento de que certo fato constitui crime. Fernando Capez (2007, v. 1, p. 308) narra situação na qual se distinguem claramente os requisitos intelectivo (entendimento) e volitivo (autodeterminação) para a existência da imputabilidade:

"[...] um dependente de drogas tem plena capacidade de entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica, razão pela qual é compelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e comando sobre a própria vontade [...]."

Pelo exposto, um adolescente de dezesseis anos, mentalmente são, poderia ser considerado imputável. Afinal, qualquer indivíduo desta faixa etária, em nossa sociedade, conhece vasta gama de atitudes consideradas criminosas e goza da liberdade de escolha para satisfazer ou não seus desejos. Acontece que o CP, em seu art. 27 considera inimputáveis os menores de dezoito anos.

Neste caso o legislador abriu mão da análise adotada no art. 26, prescindindo da observação das circunstâncias do caso concreto: se no momento da prática, havia entendimento e autodeterminação. A própria lei presume que o menor de idade não tenha efetiva compreensão ou capacidade de guiar-se de acordo com esta, em razão de seu desenvolvimento mental incompleto: ainda não conseguiu atingir a plena maturidade mental que um dia se espera ter; seu caráter está em fase de formação.

Considerando-se que existem duas grandes teorias questionando qual seja a concepção de crime, se para a teoria bipartida a culpabilidade não passa de pressuposto da pena, então os menores cometem crime. Ocorre que, ao invés de serem penalizados com sanções impostas pelo CP, sofrerão aquelas que estão dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.069/90), visando evitar a má influência oriunda do convívio destes incapazes com criminosos maiores de idade, seguramente mais perigosos.

Já de acordo com a teoria tripartida, por tratar-se a imputabilidade de elemento constitutivo da culpabilidade, e esta do crime, então não o cometem os que possuem dezoito anos incompletos. Prova seria o fato de que foi reservada a eles a aplicação de regulamento próprio, que essencialmente não é punitivo, como o CP, pois visa primordialmente a reeducação.


3 HONRA: CONCEPÇÃO E PROTEÇÃO LEGAL

A honra corresponde a um complexo de atributos físicos, intelectuais e morais formadores de opinião a respeito de determinada pessoa, influenciando sobremaneira tanto no âmbito dos relacionamentos em comunidade quanto na própria auto-estima. Resumidamente, quando se atinge a honra, ofender-se-á a integridade moral do indivíduo.

Quando o alvo da ofensa é o prestígio social de que dispõe a vítima, fulminando sua reputação, diz-se que foi ferida a honra objetiva. Caso não haja tamanha repercussão, pois o ofensor quis atingir especificamente o amor-próprio da vítima, o juízo que esta fazia de si mesma, tem-se ataque à honra subjetiva. Esclarecedor é o comentário de Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 137-138):

"Honra objetiva é o julgamento que a sociedade faz do indivíduo, vale dizer, é a imagem que a pessoa possui no meio social. [...] Honra subjetiva é o julgamento que o indivíduo faz de si mesmo, ou seja, é um sentimento de auto-estima, de auto-imagem. É inequívoco que cada ser humano tem uma opinião afirmativa e construtiva de si mesmo, considerando-se honesto, trabalhador, responsável, inteligente, bonito, leal, entre outros atributos."

Nos delitos tipificados nos artigos 138 e 139 do CP, respectivamente calúnia e difamação, referem-se a ofensa à honra objetiva. No crime de injúria (art. 140), o agente atinge necessariamente a honra subjetiva da vítima. Ressalte-se que a proteção a este bem jurídico é garantida pela Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, assegurando inclusive indenização pertinente aos danos sofridos pelo abalo à honra, não importa qual a classificação desta.

Os doutrinadores ainda admitem a diferença entre a honra dignidade e a comum.

A primeira diz respeito aos atributos essencialmente morais, como lealdade, retidão, bons costumes. A segunda se reporta a qualidades de cunho não moral, por exemplo: inteligência, senso de responsabilidade, compleição física.

Por último destaca-se a atuação do indivíduo no seio da sociedade em função da atividade, do ofício que exerce. Daí provem a chamada honra profissional, relacionada à conduta da pessoa enquanto trabalhadora. Conforme exemplifica Mirabete (2004, v. 2, p. 154): "[...] dizer-se que um advogado é ‘coveiro de causas’, que o médico é um ‘açougueiro’, que um motorista é um ‘barbeiro’ etc." indubitavelmente corresponde a ofender a honra profissional.


4 DA CALÚNIA (ART. 138 DO CÓDIGO PENAL)

Caluniar alguém consiste em atribuir-lhe falsamente a prática de um fato definido como crime. Exige-se que o autor da calúnia tenha a consciência de que a informação não procede e a vontade de, com tal atitude, rebaixar moralmente a vítima.

Importante frisar não basta imputar um "furto" ou chamar a vítima de "ladrão". Deve-se obrigatoriamente narrar o fato criminoso, a suposta situação, onde, como e quando. A narrativa conterá apenas o suficiente para afastar uma imputação por demais vaga.

Além disso, é necessário que exista o animus caluniandi. Não estará configurado o crime do art. 138 do CP caso o agente proceda com animus jocandi (vontade de caçoar, fazer uma brincadeira). Também não haverá o delito quando a atribuição ocorrer em razão de um estado emocional exaltado, no calor de acirrada discussão.

Não cabe a forma "culposa" no crime de calúnia. Ressalte-se que esta também estará configurada quando a falsidade disser respeito à imputação de dolo quando na verdade o crime foi cometido culposamente, ou acobertado por uma das causas excludentes de ilicitude.

Ocorre erro de tipo quando, quem está atribuindo fato de definido como crime a outrem, o faz sem a intenção de desmoralizar, por crer que o teor da informação é verdadeiro. A narrativa será, pois, fato atípico.

A consumação se dá no momento em que a calúnia chega ao conhecimento de terceiro, ou seja, pessoa estranha ao autor e à vítima. Admite-se tentativa se o crime é realizado através do meio escrito, pois na forma oral não haverá inter criminis a ser fracionado. Também é possível o uso de gesticulação ou outro meio simbólico.

Não somente o outro responde pelo delito, como também todo o terceiro que, tomando conhecimento, transmite a informação caluniosa a outrem, que não seja, obviamente, a vítima. Fernando Capez (2006, v. 2, p. 235) defende que só será punido o propalador ou divulgador que estiver ciente da falsidade da informação. Para Cezar Roberto Bitencourt (2004, v. 2, p. 342), nem é necessário ter esta certeza; basta agir arriscando-se a fazer injusta acusação, como posteriormente pode-se restar provado, admitindo assim a possibilidade de dolo eventual.

O consentimento do ofendido anterior ou contemporâneo ao ato que aparentemente seria descrito calunioso gera a atipicidade deste ato. Damásio de Jesus (1999, v. 2, p. 206) assevera que apenas quem tenha capacidade plena poderá expurgar a tipicidade ao consentir, não valendo para tanto o consentimento do representante legal.

Como se trata de delito cuja ação penal é privada tem-se que a "condescendência posterior pode configurar não a descaracterização do crime, mas a renúncia ao direito de queixa ou perdão" (MIRABETE, 2004, v. 2, p. 155). Permite-se a extinção da punibilidade pelo perdão aceito ou renúncia ao direito de queixa. Quanto a estas duas possibilidades, não prescindem ambas da discricionariedade do sujeito passivo, nem da atenção aos pressupostos estabelecidos no Código de processo penal.

Faculta-se ao réu ou querelado fazer uso da exceção da verdade: tentar provar que o fato imputado realmente aconteceu. A conduta se tornaria atípica porque a imputação perderia o caráter de falsa. Mas o próprio CP determina três casos que não comportam exceção da verdade: quando o fato atribuído é crime de ação penal privada e inexiste nesse sentido sentença penal condenatória; caso a calúnia envolva Presidente da república ou Chefe de governo estrangeiro, como vítimas; se a vítima já tiver sido absolvida por sentença transitada em julgado relacionada ao crime que lhe é imputado caluniosamente.

Para ser sujeito ativo do crime do art. 138 só não se admite a pessoa jurídica, por ser destituída de capacidade penal. Entretanto, figurará no pólo passivo quando lhe for imputada falsamente a prática de crimes contra o meio ambiente, em razão de previsão constitucional (CF/88, art. 225, § 3º) e regulamentação na Lei nº 9.605/90. Caso a ofensa se dirija ao ataque à memória de pessoa falecida, os parentes dela serão os sujeitos passivos. Mesmo aqueles taxados no meio social de infames, desonrados ou depravados podem figurar como vítimas do delito porque a honra é um bem imaterial decorrente da própria personalidade, não se admitindo por isso um ser humano totalmente destituído de honra. Quanto à possibilidade de se terem inimputáveis figurando como sujeitos do crime de calúnia, é assunto que se discutirá oportunamente.

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Sobre a autora
Aniêgela Sampaio Clarindo

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Pós-graduanda em Direito de Família pela Universidade Regional do Cariri.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARINDO, Aniêgela Sampaio. O menor como vítima do crime de calúnia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2891, 1 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19237. Acesso em: 17 abr. 2024.

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