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O custo da reeleição

01/02/1999 às 00:00
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           A crise econômica nacional, em grande parte, é fruto da aprovação da emenda que possibilitou a reeleição para todas as esferas de Governo. Em recentes artigos, Fernando Rodrigues, na Folha, aborda idêntico tema com idêntica conclusão.

Não considero a reeleição em si um mal. Inúmeros são os países que adotam a possibilidade de manter-se continuidade política e administrativa, pela reeleição de seus mandatários, sendo elementar o princípio de que se o governo for bom, deve continuar, se for mau, deve ser substituído, cabendo ao eleitor a escolha.

Nos Estados Unidos, após as sucessivas eleições de Roosevelt, emenda constitucional estabeleceu o direito do Presidente concorrer a apenas uma reeleição.

O argumento contrário, de que o Governo tem mais condições de fazer campanha que a oposição, tornando desigual o pleito, embora seja ponderável, não é capaz de afastar este outro de que o eleitor soberano deve saber escolher, entre os diversos candidatos, aquele que é o melhor e, se não souber escolher, é porque ainda a democracia em seu país, é imatura, mas nem por isto deve ser eliminada. A democracia seria, neste caso, um caminho de escolha de governantes, que precisaria ser amadurecido, mas não suprimido sob a alegação de que o despreparo do povo para "decidir" torna preferível que apenas os "melhores" decidam por todos, como ocorre nas ditaduras sangrentas de Cuba, do Iraque e da China.

Assim sendo, a reeleição, muitas vezes, é desejável, pois permite planejar a condução de um país a mais longo prazo, nos regimes presidenciais, lembrando-se que a reeleição sempre foi permitida para o Legislativo.

No Brasil, porém, a E.C. nº 16/97, promulgada a 6 de julho de 1997, foi extremamente negativa, pois aprovada a apenas 1 ano e 3 meses das eleições previstas para 1998, sem que os governos da União, dos 26 Estados e do Distrito Federal, tivessem sido eleitos com esta perspectiva de eventual gestão por prazo em dobro.

O resultado não poderia ter sido mais desastroso na condução das contas públicas, na medida em que todos os primeiros mandatários tornaram-se os naturais candidatos à reeleição e, se alguns desistiram de concorrer, nem por isto a esmagadora maioria deixou de pleitear a recondução ao cargo.

Ora, Chefes de Executivos eleitos para um mandato e que se depararam, na undécima hora, com a possibilidade de reeleição, passaram a gerar, em 1 ano e 3 meses, despesas eleitoreiras, que lhe permitiram a recondução, de tal maneira que a falta de sobriedade administrativa e de contenção de despesas, o abandono de projetos necessários mas impopulares, a transigência política, os acordos com as bases eleitorais, as maquiagens de obras extemporâneas, os gastos excessivos e todo um cortejo de concessões para garantir a reeleição foram a tônica dominante de quase todos os governos, no ano de 1997.

É de se lembrar que o Governo Federal, por exemplo, fez aprovar, em novembro de 1997, um ajuste fiscal, em que se comprometia a cortes de 16 bilhões de reais de despesas, exigindo 4 bilhões de reais de aumento de tributos da sociedade. Obteve o aumento e não só não cortou seus gastos, como elevou o "deficit público", em qualquer dos conceitos que se adote para determiná-lo, mas, principalmente, no conceito nominal, a quase que o triplo do que os 11 países que adotaram o "euro" poderão atingir, para continuar com o direito àquela moeda (3%).

É que a ânsia da reeleição afasta a discussão dos projetos impopulares e, no momento das crises, somente os projetos impopulares podem permitir que os países delas saiam.

Não houve, de rigor, maior esforço político na gestão da coisa pública, rememorando-se que inclusive a reforma administrativa, aprovada (E.C. nº 19/98) em junho de 98, não teve até a eleição sua regulação infraconstitucional, pois esta implicaria atingir determinadas categorias funcionais, que poderiam prejudicar o projeto de continuidade.

Quase todos os governos (Federal e Estaduais) alarcearam os controles orçamentários para garantir a recondução de seus titulares, e, se alguns não obtiveram o apoio popular para retornar a sede do governo, o certo é que todos deixaram de ser austeros e contribuíram de forma dramática para o desajuste orçamentário e a crise de confiabilidade em que o país se encontra. Excepcione-se o correto Governador Mário Covas, que foi contra a reeleição, candidatou-se ao final por fidelidade partidária e não transigiu na administração da coisa pública.

Depois da festa, a conta tem que ser paga e os anfitriões já não têm mais recursos para pagá-la. Tendo o país perdido a chance de desvalorizar a moeda, em meados do ano de 98, quando ainda as reservas eram de 70 bilhões de dólares, hoje com reservas deterioradas e sem apoio mais convincente da comunidade internacional --inclusive do FMI, por não cumprimento de metas-- vê-se atirado a uma flutuação cambial, que sequer oferta a empresa nacional maiores possibilidades, na medida em que os juros foram elevados para manter a recessão e evitar pressões inflacionárias. Apesar de a flutuação cambial abrir melhores horizontes do que a política anterior, o país só sairá da crise se apresentar, como Japão e Coréia, uma redução do peso do Estado sobre a sociedade para que esta possa crescer. E este peso foi consideravelmente elevado por conta da reeleição.

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Sobre o autor
Ives Gandra da Silva Martins

advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie, presidente do Centro de Extensão Universitária, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Ives Gandra Silva. O custo da reeleição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 28, 1 fev. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1928. Acesso em: 19 dez. 2024.

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