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Usuário ou traficante?

19/06/2011 às 13:09
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"A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;" (Art. 5º, XLIII, CRFB/88)

E, como determinado no inciso XLIII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, no ano de 2006 entrou em vigor a Lei 11.343/06, que além de tratar com a severidade merecida o crime de trafico de entorpecentes, criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad, "para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas" (preâmbulo, Lei 11.343/06).

Para tanto, distinguiu o usuário de drogas do traficante de drogas. Para o traficante o peso da lei - dura lex, sed lex, com pena de 5 (cinco) a 15 (quinze) ano de reclusão e "insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos" (art. 44, Lei n. 11.343/06). Para o usuário, advertência sobre os efeitos das drogas, medidas educativas de comparecimento a programa ou curso educativo e prestação de serviços a comunidade (art. 28, Lei 11.343/06).

A Lei certamente cumpre o objetivo social, impondo penalidades severas às pessoas que optam por disseminar este "câncer" social, que direta ou indiretamente prejudica cada cidadão de nossa nação. Sejam pelos milhões de reais dos cofres públicos gastos para combater o trafico, ou diretamente, as famílias que são destruídas dia-a-dia quando perdem alguém para as drogas. E buscando ressocializar e reintegrar aqueles que foram vítimas da drogas e dependem física e psiquicamente delas.

Na pratica, há um problema. Quem é o traficante e quem é o usuário? O art. 33 da Lei 11.343/06 e seus vinte e tantos verbos, definem bem quem é o traficante de drogas. Aquele que merece o peso da lei.

Agora, o problema reside na definição do usuário de drogas. Que para o art. 28 da referida lei, define o usuário como aquele que "[...]adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Adquirir, guardar, ter, transportar e trazer, são os mesmo verbos qualificadores do traficante de drogas, com exceção da nuance "para consumo pessoal". Fora a declaração do próprio agente detido em flagrante, qual o critério para se definir que as drogas eram ou não para consumo pessoal?

A Lei não define como se distingue um usuário de um traficante. Deixa a cargo do Juiz (Art. 28, §2º) a interpretação da intenção do réu (vender ou consumir) E isso apesar de parecer um problema simples, pode invalidar a mens legis ou a intenção social para a qual a lei foi criada.

Se alguém é preso em posse de entorpecentes, caberá única e exclusivamente ao bom senso do Juiz determinar se o agente é usuário ou traficante. Sim, dentro do devido processo legal isso não é surpresa. Cabe ao juiz, analisar todo conjunto probatório e decidir se houve infração criminal, exatamente qual foi a infração e qual a pena aplicável ao caso.

Esse é o processo penal. Para isso que serve. Determinar se alguém é ou não culpado de transgredir a lei penal. Agora, na questão do trafico de drogas, este assunto é um pouco mais delicado.

Se você é traficante, passará a instrução criminal inteira preso. Uma clara exceção à regra de que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º LVII, CF/88). Não terá direito à liberdade provisória, enfim, será esquecido em uma penitenciária até que o Estado-Juiz decida sobre sua liberdade.

Trazer consigo. Se dentre os milhares de processo o bom senso justiça falhar e o Juiz mantiver um usuário preso ou um traficante solto? Afinal de contas, precisamos do devido processo legal para afirmar se uma pessoa é culpada ou inocente. E não seria a primeira vez que um erro mantém ou tira alguém injustamente da prisão.

Artigo 28 ou 33? Uma escolha errada e a injustiça esta feita. O recebimento da denuncia feita com base no artigo 33 manterá o réu preso por tempo indeterminado, até que seja considerado culpado ou inocente. Uma vez recebida a denuncia, o processo se perderá entre outros milhares com a etiqueta "réu preso".

O pedido de liberdade provisório será negado, por que a própria Constituição da Republica permite que o réu seja mantido preso. E aquele a quem o Estado deveria estender a mão para ajudar é empurrado para o meio da burocracia e esquecido na prisão.

O in dubio pro reo é um principio jurídico de presunção de inocência. Ele determina que, havendo duvida a cerca da culpa do réu, está duvida de ser julgada a seu favor. Este princípio é usado na prolação da sentença condenatória ou de absolvição.

A presunção de inocência baliza o Estado Democrático de Direito e deve ser aplicado, inclusive quando houver duvida sobre o tipo penal da infração cometida pelo réu. Desta forma, mesmo quando a denuncia for recebida com base no art. 33 da Lei 11.343/06 (Trafico de Entorpecentes), se houver qualquer indicio de que o réu é dependente químico, a dúvida deve prevalecer para que seja decretada a sua liberdade provisória.

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Conforme determina o art. 27, as penas de trafico de drogas e a medidas impostas para o usuário de drogas podem ser impostas cumulativamente. Para os casos em que o réu for usuário e traficante de drogas, como exemplo.

Desta forma, havendo indícios de que o Réu é dependente químico – tal como um exame toxicológico, a presunção de inocência deve prevalecer para, somando as demais condições, seja decretada a liberdade sua provisória, mesmo quando a denuncia for recebida exclusivamente com base no trafico de entorpecentes.

Por fim, se o Réu somar as condições necessárias para a liberdade provisória e existir indícios de que é dependente químico do entorpecente com o qual foi flagrado, o direito ao Devido Processo Legal deve ser preservado e o réu deve ser mantido em liberdade até que haja uma sentença transitada em julgada. Pois, inexistindo um critério objetivo para tal avaliação, esta é uma solução razoável para que se garanta a mens legis da Lei n. 11.343/06 e o equilíbrio da previsão Constitucional do Devido Processo Legal, da Presunção de Inocência e da repressão ao trafico de drogas (art. 5º, LIV, LV, XLIII, da CF/88).

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Sobre o autor
Tiago Morini

Advogado - OAB/SC 28.476

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORINI, Tiago. Usuário ou traficante?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2909, 19 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19358. Acesso em: 20 dez. 2024.

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