CONCLUSÃO
A justiça social entre os cidadãos dos Estados nacionais e a justiça entre os povos é a única forma de o homem atingir a paz. Por outro lado, não é possível estabelecer a justiça no âmbito interno sem que exista justiça entre os povos, pois os países da mesma forma que os cidadãos de um Estado nacional são interdependentes. Infelizmente, contudo, o cultivo de valores como o da concorrência característico do capitalismo, e o da hierarquia compartilhado tanto pelo capitalismo quanto pelo comunismo tornaram as relações de interdependência entre os seres humanos assimétricas gerando miséria, conflitos sociais, guerras, objetivação do ser, confusões entre o ser o ter, e, sobretudo, a substituição do amor a si e ao próximo por um egoísmo infrutífero causador de ruína e infelicidade.
Sendo assim, é preciso construir uma nova realidade social substituindo esses valores anacrônicos pelos valores da tolerância, liberdade individual, autodeterminação dos povos, cooperação, proveito mútuo, de um modo a transformar a assimetria em simetria nas relações de interdependência entre os membros da família humana. Para que isso seja possível, todavia, é preciso reconstruir não apenas a estrutura básica interna dos Estados nacionais, mas a estrutura básica da sociedade internacional, uma vez que o poder dos Estados entendidos isoladamente não pode superar o poder assimétrico causador de injustiça que emerge das relações de interdependência entre as unidades constitutivas do sistema internacional.
Nesse sentido, a violação dos direitos humanos em países do continente africano e asiático, por exemplo, não pode ser atribuída apenas aos países desses continentes, pois embora esses países violem esses direitos de forma direta, a responsabilidade por essas violações é de todo sistema internacional, tal como percebeu Thomas Pogge. Esse sistema internacional, por sua vez, não pode ser reduzido apenas aos Estados e organizações internacionais, uma vez que os agentes privados representados pelas grandes empresas transnacionais possuem poder semelhante a essas instituições, não raro, determinando a política dos Estados.
Nesse contexto é que surge o Direito Cosmopolita como instrumento de alcançar a paz por meio da justiça. Entre os seus fundamentos está o princípio da tolerância que é a resposta para os problemas gerados pelas diferenças de ordem cultural e religiosa existentes tanto no âmbito interno quanto no âmbito internacional. O princípio da tolerância do Direito Cosmopolita leva a liberdade individual e a diversidade de formas de vida a sério, respeitando todas as formas de manifestações existenciais possíveis, desde que não sejam impostas aos seres humanos. Nesse sentido, cada um é apenas senhor de si mesmo e jamais senhor do próximo. Isso vale para as relações entre os indivíduos em sua esfera privada e para as relações entre os indivíduos e o Estado, bem como para as relações entre os próprios Estados.
Portanto, o teórico do Direito Cosmopolita assume uma função mais complexa e sofisticada do que o tradicional teórico positivista que se ocupa apenas da leitura superficial dos textos jurídicos. O teórico do Direito Cosmopolita deve analisar o Direito sempre consoante sua referida função, o que lhe trará o encargo da interdisciplinaridade, e a satisfação de dialogar com seus amigos filósofos, sociólogos, economistas, e com o povo de modo geral, sempre buscando medidas que possam ser implementadas em leis de modo a construir ou reformar instituições no sentido da justa distribuição de direitos e deveres, a fim de eliminar o conflito e atingir a paz perpétua.
Na contemporaneidade uma das medidas necessárias para se alcançar a justiça entre os povos impedindo a possibilidade de uma catastrófica terceira guerra é o estabelecimento de uma moeda mundial de reserva. O estabelecimento dessa moeda, contudo, deve se dar consoante os fundamentos do Direito Cosmopolita, os quais se encontram positivados em vários documentos internacionais como a Carta das Nações unidas, a declaração da ONU sobre o direito ao desenvolvimento, a declaração sobre os princípios da tolerância, entre outros.
A proposta de Keynes, rejeitada no acordo de Bretton Woods, embora elaborada muito antes do surgimento da declaração sobre o direito ao desenvolvimento e do pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, se adequa a muitos dos fundamentos do Direito Cosmopolita contidos nesses documentos, pois possibilita a construção de um sistema monetário internacional fundado no princípio da interdependência, da cooperação e do proveito mútuo. Cabe aos economistas verificar até que ponto tal proposta poderia ser melhorada, de um modo a se adequar ao atual contexto econômico. Cabe, porém ao jurista cosmopolita verificar até que ponto uma proposta de reforma do sistema monetário internacional se adequa aos seus fundamentos de justiça que, por óbvio, podem ser considerados normas de jus cogens. Portanto, urge reconstruir as estruturas institucionais segundo princípios de justiça cosmopolita, de modo a obter uma nova ordem mundial que promova a paz e elimine a pobreza, trazendo todos os membros da família humana para uma nova vida de unidade em meio à diversidade.
REFERÊNCIAS
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Notas
- Cf. RAWLS, John. A Theory of Justice. Massachusetts: Harvard University Press, 1971.
- Na busca por meios de se implantar um estado de paz perpétua de destaque foi um dos trabalhos de Kant que afirmava: "Não deve considerar-se válido nenhum tratado de paz que tenha sido celebrado com a reserva secreta sobre alguma causa de guerra no futuro. Tratar-se-ia, neste caso, simplesmente de um mero armistício, uma prorrogação das hostilidades, não da paz, que significa o fim de todas as hostilidades." KANT, Immanuel. Para a paz perpétua. Tradução de Bárbara Kristensen. Riancho: Instituto Galego de estudos de segurança internacional e da paz, 2006. p.57.
- No artigo primeiro dessa declaração a tolerância é definida como "o respeito, a aceitação e a apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz." Cf. Declaração de princípios sobre a tolerância. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/paz/dec95.htm. Acesso em 09/10/2010. Sem grifos no original.
- Cujo artigo terceiro expressa que "Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento. Os Estados deveriam realizar seus direitos e cumprir suas obrigações de modo tal a promover uma nova ordem econômica internacional baseada na igualdade soberana, interdependência, interesse mútuo e cooperação entre todos os Estados, assim como a encorajar a observância e a realização dos direitos humanos." Declaração sobre o Direito ao desenvolvimento. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm . Acesso em: 05/08/2009. Sem grifos no original.
- O artigo primeiro do referido pacto é muito elucidativo: Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus meios de subsistência. Os Estados partes do presente pacto, inclusive aqueles que tenham a responsabilidade de administrar territórios não autônomos e territórios sob tutela, deverão promover o exercício do direito à autodeterminação e respeitar esse direito, em conformidade com as disposições da Carta das nações unidas. Pacto internacional sobre direitos econômicos sociais e culturais. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm. Acesso em 09/09/2010. Sem grifos no original.
- Sobre o conceito de direitos humanos absolutos Alexy afirma: "Los derechos humanos absolutos son derechos que tienen todos frente a todos los seres humanos, grupos y Estados. El derecho a la vida es un ejemplo. Los derechos humanos relativos son derechos que tienen todos frente a, por lo menos, un ser humano, un grupo o un Estado". ALEXY, Robert. La institucionalización de los derechos humanos en el Estado Constitucional Democrático. Derechos y Libertades: Revista Del Instituto Bartolomé De Las Casas, Madrid, v. 8, p. 21-42, Jan-Jun, 2000, p. 26.
- HABERMAS, Jürgen. A ética da discussão e a questão da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 13.
- RAWLS, John. The Law of Peoples. Massachusetts: Harvard University Press, 1999. p.106 et.seq.
- Much of it was built up in the colonial era, when today’s affluent countries ruled today’s poor regions of the world: trading their people like cattle, destroying their political institutions and cultures, taking their lands and natural resources, and forcing products and customs upon them. Tradução livre POGGE, Thomas. World Poverty and Human Rights. Disponível em: http://www3.uta.edu/faculty/kristine/poverty_rights.pdf . Acesso em: 05 maio 2010.
- we are preserving our great economic advantages by imposing a global economic order that is unjust(…)There is a shared institutional order that is shaped by the better-off and imposed on the worse-off. Tradução livre. POGGE, Thomas. World Poverty and Human Rights. Disponível em: http://www3.uta.edu/faculty/kristine/poverty_rights.pdf . Acesso em: 05 maio 2010.
- POGGE, loc.cit.
- Thanks to the inattention of our economists, many believe that the existing global institutional order plays no role in the persistence of severe poverty, but rather that national differences are the key factors(…) Once we break free from explanatory nationalism, global factors relevant to the persistence of severe poverty are easy to find. Tradução livre. POGGE, Thomas. World Poverty and Human Rights. Disponível em: http://www3.uta.edu/faculty/kristine/poverty_rights.pdf . Acesso em: 05 maio 2010.
- POGGE, Thomas. World Poverty and Human Rights. Disponível em: http://www3.uta.edu/faculty/kristine/poverty_rights.pdf . Acesso em: 05 maio 2010.
- POGGE, loc.cit.
- POGGE, loc.cit.
- CAPELLA, Juán Ramon. Fruta Prohibida. Madrid: Editorial Trotta, 1997. p.26/10.
- COHEN, Benjamin. Currency and State Power. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central. Brasília, v.3, n.2, p.15/49, dez. 2009. p. 23.
- COHEN, 2009, p.23.
- ALVARES, Jefferson Siqueira de Brito Alvarez. O Fim do Privilégio Exorbitante. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central. Brasília, v.3, n.2, p. 49/63, dez. 2009. p. 53.
- KEOHANE, Robert. Neorealism and its critcs. New York: Columbia University Press, 1986, p. 71 et.seq.
- KEOHANE, ibidem, p.72.
- National economies are inescapably linked financially through the balance of payments(…) One country`s surplus is another country`s deficit. The risk of an unsustainable disequilibrium thus represents a persistent threat to policy independence. Tradução livre. COHEN, 2009. p. 20. Nesse sentido, Cohen pretende investigar até que ponto a internacionalização de uma moeda nacional pode contribuir para postergar o ônus do ajuste no balanço de pagamentos. Com efeito, os ajustes no balanço de pagamentos costumam representar grandes custos políticos e econômicos como corte de gastos e inflação, conforme o país esteja deficitário ou superavitário. Ele pensa que a internacionalização de uma moeda nacional atribui flexibilidade macroeconômica ao país emissor dessa moeda, pois passa a existir uma facilidade na obtenção de financiamentos por parte do Estado emissor, tendo em vista a demanda que surge por títulos denominados na sua moeda. Isso daria ao Estado emissor um poder de influenciar a política dos outros países de forma direta ou indireta. Um exemplo clássico de influência indireta se deu durante a guerra, quando os soviéticos passaram a temer que os Estados Unidos confiscassem suas aplicações em dólar. Temerosos, eles começaram a depositar seus dólares na Inglaterra, dando origem ao que hoje se conhece pelo mercado eurodólar: o mercado de dólares depositados fora dos Estados Unidos. Exemplo de influência direta seria se os Estados Unidos tivessem realmente confiscado o dinheiro dos soviéticos. O que se critica contudo na abordagem de Cohen é que embora este tenha corretamente, ao relacionar sua análise com a funções desempenhadas pela moeda, destacado os aspectos públicos e privados do aspecto monetário, não relacionou os benefícios econômicos com os políticos, quando se sabe que a política é sobremaneira influenciada por questões econômicas.
- MENGER, Carl. Principles of economics. New York: University Press, 1981. p. 262/263.
- SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural,1983. p. 262.
- Nesse sistema, os bancos emprestam grande parte dos depósitos à vista, retendo compulsoriamente apenas uma fração desses depósitos. Isso quer dizer, em termos práticos, que se todos os depositantes forem ao Banco ao mesmo tempo sacar seu dinheiro o Banco quebra.
- SMITH, Adam, 1983. p. 277.
- ROTHBARD, Murray. As crises monetárias mundiais. Disponível em: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=258 Acesso em: 20 julho 2009.
- ROTHBARD, loc.cit.
- ROTHBARD, loc.cit.
- ROTHBARD, loc.cit.
- ROTHBARD, loc.cit.
- Um ganho de senhoriagem deriva do fato de que o custo de emissão de moeda é inferior ao valor dos bens que se pode adquirir com ela.
- Nesse sentido, a Grã Bretanha possuía grande flexibilidade macroeconômica, podendo influenciar direta ou indiretamente a política dos outros países.
- COHEN, 2009. p. 20.
- ROTHBARD, Murray, loc.cit.
- ROTHBARD, loc.cit.
- CARVALHO, Fernando Cadim de. Bretton Woods aos 60 anos. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/bretton_woods_aos_60_anos.pdf. Acesso em: 02 fevereiro 2011.
- ALVARES, 2009. p.50.
- COHEN, 2009. p. 25.
- É possível, contudo, que após a constituição de uma rede as relações de interdependência assimétrica fiquem tão arraigadas no corpo social a ponto de fazer com que mesmo após o abandono das regras de conexão por um dos nós, os outros continuem a se conectar da mesma forma em relação a ele, tendo em vista o fato do poder outrora sustentado por normas jurídicas ter se transformado num poder econômico autossuficiente, uma vez que os nós já absorveram aquelas relações como naturais ao sistema, embora isso não seja verdade.
- CARCHEDI, Gluglielmo. Frontiers of political economy. London: Verso, 1991. p. 278/279.
- Cf. FILHO, Américo Garcia Parada. Os Estados Unidos e a conversão de sua dívida. Disponível em: http://www.cosif.com.br/publica.asp?arquivo=20090328complexoviralatas . Acesso: 05 abril 2011.
- CARVALHO, Fernando Cadim de. Bretton Woods aos 60 anos. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/bretton_woods_aos_60_anos.pdf. Acesso em: 02 fevereiro 2011.
- CARVALHO, Fernando Cadim de. Bretton Woods aos 60 anos. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/bretton_woods_aos_60_anos.pdf. Acesso em: 02 fevereiro 2011.
- CARVALHO, Fernando Cadim de. Bretton Woods aos 60 anos. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/bretton_woods_aos_60_anos.pdf. Acesso em: 02 fevereiro 2011.
- COHEN, 2009. 29
- Cf. IMF Reserve Accumulation and International Monetary Stability. Disponível em: http://www.imf.org/external/np/pp/eng/2010/041310.pdf . Acesso: 08 Abril 2010.