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Alfabetização e/ou letramento jurídico.

Exercício de cidadania e uma concepção de formação acadêmico-profissional

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Resumo:


  • Alfabetização e letramento jurídico abrangem concepções distintas, sendo o primeiro relacionado à aquisição do código escrito e o segundo à compreensão e interpretação de textos jurídicos.

  • O exercício da cidadania plena está diretamente ligado ao letramento, que possibilita uma participação ativa, crítica e reflexiva do indivíduo na sociedade, enquanto a alfabetização é essencial para a compreensão dos direitos e deveres legais.

  • Na formação acadêmico-profissional dos bacharéis em Direito, há a distinção entre o operador do Direito, que se concentra na legislação vigente, e o jurista, que amplia seus conhecimentos para além das leis, incluindo aspectos sociológicos, filosóficos e éticos em sua atuação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Afinal, o que é ser alfabetizado e/ou letrado jurídico? Buscando responder a essa indagação este artigo foi elaborado, enfatizando que o letramento é condição essencial para exercício pleno da cidadania.

Resumo: Alfabetização e/ou letramento jurídico abrangem concepções diferentes decorrentes de suas especificidades e do olhar dos estudiosos em suas análises e discussões. Primeiramente, consiste no exercício de cidadania, sob a ótica da formação do indivíduo para viver em sociedade de modo crítico, participativo e reflexivo, por meio da apreensão da leitura e da escritaletramento, e não apenas da aquisição do ato de ler e escrever – alfabetização. A outra análise conceitual enfoca a construção acadêmico-profissional dos bacharéis em Direito, evidenciando que o operador do direito é o indivíduo que se apropria do tecnicismo laboral, que envolve o manuseio de leis, códigos e afins, consubstanciando-se no alfabetizado jurídico. Enquanto isso, no exercício de sua ação cotidiana laboral, o jurista pauta-se na análise e repercussão dos fatos sociais, em consonância com as regras de condutas, normatizadas na sociedade.

Palavras-chave: alfabetização, letramento jurídico, cidadania, formação acadêmico-profissional.

Sumário: Introdução. 1. Alfabetização e/ou letramento jurídico exercício de cidadania. 2. O jurista letrado e o operador do Direito alfabetizado: uma nova concepção acadêmico-profissional. 3. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, é preciso que sejam feitas breves conceituações acerca dos termos alfabetização e letramento, buscando construir previamente um entendimento semântico sobre estes vocábulos. Quando se fala em alfabetização surge a ideia de descoberta da palavra, frase e, por fim, texto. Ao se dizer que um indivíduo é alfabetizado significa afirmar que o mesmo atingiu as competências e habilidades requeridas para ler e escrever. À luz dos ensinamentos de Soares (2010, p. 15): "alfabetização em seu sentido próprio, específico [significa]: processo de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita". De acordo com Ferreira (2008, p. 109) a palavra alfabetizar expressa: "Ensinar ou aprender a ler e escrever (com a devida compreensão do significado das palavras e do contexto)". Por sua vez, letramento é uma expressão atual utilizada no âmbito educacional que indica que a pessoa além de ter adquirido as habilidades e as competências para a leitura e a escrita (alfabetização) já atingiu um nível de compreensão e interpretação do conteúdo de um determinado texto. Assim ele estará apto a consolidar em sociedade sua cidadania de forma ativa, crítica, reflexiva e participativa. Ferreira (2008, p. 513) ao descrever a expressão letramento afirma ser este "1. ato ou efeito de letrar(-se). 2. Bras. Educ. Ling. Estado ou condição de indivíduo ou grupo capaz de utilizar-se da leitura e da escrita, ou de exercê-las como instrumentos de sua realização e de seu desenvolvimento social e cultural". E complementa, ao conceituar letrar: "2. Capacitar ao uso social e cultural da leitura e da escrita". Por fim, Soares (2004, [s.p.]) assevera:

[...] a pessoa que aprende a ler e a escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - que se tornam letradas - é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever - é analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita.

Tendo como ponto de partida as referidas concepções acerca de alfabetização e letramento, apreende-se que elas servem de base para a busca da resposta para tamanha curiosidade e para efeito deste estudo se exprime sob forma do seguinte questionamento: afinal, o que é ser alfabetizado e/ou letrado jurídico?

Buscando responder a essa indagação este artigo foi elaborado, enfatizando que o letramento é condição essencial para exercício pleno da cidadania. O sujeito só está verdadeiramente inserido na sociedade quando consegue participar ativamente de todas as ações ali realizadas, seja de caráter cultural, educacional, econômico, de lazer, de saúde, entre outras, isto implica, nas interações que o indivíduo vivencia social e cotidianamente.


2. ALFABETIZAÇÃO E/OU LETRAMENTO JURÍDICO EXERCÍCIO DE CIDADANIA

Na tentativa de analisar os conceitos de alfabetização e/ou letramento jurídico, conforme já foi anunciado anteriormente, deparamo-nos com a visão do cidadão alfabetizado e/ou letrado, que "busca" ou não seus direitos, e do bacharel em Direito, enquanto operador do Direito ou jurista. A priori será dada ênfase a visão do cidadão. Então, o que consiste em dizer que uma pessoa exerce a cidadania plena? Ferreira (2008, p. 234) descreve como cidadão o "indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado". É notório que aqueles que não se apropriaram das habilidades de leitura e escrita e que atuam na sociedade de forma parcial e aqueles que aprenderam, superficialmente, a escrita e a leitura, que são os considerados analfabetos funcionais, também não exercem a cidadania plena.

Lincoln (apud SILVA, 2003, p. 134) afirma que "democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo", entenda-se aqui que governo indica "regime, forma de vida e processo" (Op. cit., p. 135). O povo é fonte e titular do poder, uma vez que todo poder emana do povo, seja por meio de democracia direta, indireta (democracia representativa) ou semidireta (democracia participativa). Para que a democracia na íntegra se consubstancie é preciso que o povo seja conhecedor de seus direitos e deveres com autonomia para assumir seu papel de forma global na sociedade, o que é propiciado, sobretudo, pelo desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita (alfabetização) e consolidado por intermédio da formação da consciência crítica, reflexiva, participativa e pró-ativa do mundo (letramento).

Na democracia representativa adotada no Brasil o direito de cidadania se edifica com a concretização dos direitos políticos. Cabe, então, ao cidadão eleger os políticos que lhe representarão, consolidando a soberania popular. Os direitos políticos aqui apregoados estão descritos na Constituição Federal de 1988 e no Código Eleitoral. Ressalta-se que para realizar uma escolha realmente democrática dos seus representantes é preciso que o indivíduo tenha certo grau de conhecimento, seja ele baseado no conhecimento de mundo freireano (que se constrói com a própria experiência de vida) ou nos saberes sistematizados, intencionalmente e formalmente ministrados na instituição escolar. A alfabetização é o primeiro estágio para a construção formal do conhecimento e é complementada pelo letramento. É importante chamar atenção que não importa a ordem em que ocorre a alfabetização ou o letramento, mas é fundamental que ambos se efetivem integradamente.

Por fim, as habilidades de leitura e escrita são de suma importância para que o cidadão participe juridicamente da sociedade de modo abrangente. O brocado jurídico é bastante rebuscado, dificultando a compreensão dos indivíduos mais simples. Entretanto, é preciso que apesar de sua simplicidade, é um dever do sujeito conhecer seus direitos e buscar a garantia dos mesmos, bem como, conhecer e cumprir os seus deveres na sociedade, para que possa participar plenamente, exercendo sua cidadania. Além disso, é essencial que nas diversas áreas jurídicas a fala seja adequada à realidade do ouvinte, especialmente, em sede da justiça que a população tem acesso, mesmo sem o amparo do advogado (Juizados Especiais e Justiça do Trabalho). A esse respeito Bagno (2009, p. 30) assevera:

[...] os falantes das variedades lingüísticas estigmatizadas têm sérias dificuldades em compreender mensagens enviadas para eles pelo poder público, que se serve exclusivamente da norma padrão. Como diz Maurizzio Gnerre em seu livro Linguagem, escrita e poder, a Constituição afirma que todos os indivíduos são iguais perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa linguagem que só uma parcela reduzida de brasileiros consegue entender. A discriminação social começa, portanto, já no texto constitucional.

Na busca da apreensão de um conhecimento mínimo acerca dos direitos e deveres do cidadão, mostra-se necessário incluir no currículo da educação formal conteúdos que tratem de modo lato de direito, em especial, constitucional e civil e, de modo particular, abordem temas como direito dos idosos, crianças e adolescentes, pessoas que pela sua condição de classe social e econômica precisam ser protegidas.

Alkimim (2005, p. 22) relembra que: "linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável. Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é base da constituição do ser humano". Logo, a linguagem pode e deve ser acessível a todo cidadão, pois a própria formação humana, especialmente, para a atuação social de modo pleno, requer que esta linguagem aproxime o universo jurídico à sociedade, promovendo a participação efetivo dos indivíduos neste universo.

Fala-se aqui de acessibilidade ao código lingüístico jurídico, no entanto, não se abstém da ideia de que a homogeneidade do código lingüístico, segundo Jakobson (apud ALKIMIM, 2005, p. 25), "não passa de uma ficção desconcertante", uma vez que o sujeito interage com comunidades lingüísticas distintas e todo o código lingüístico é "multiforme e compreende uma hierarquia de subcódigos diversos, livremente escolhidos pelo sujeito falante". Corroborando este conceito Lucchesi (2004, p. 63) afirma: "à heterogeneidade real do comportamento lingüístico dos indivíduos contrapões-se a homogeneidade artificial do padrão normativo ideal". Nesse enfoque, cabe ao ideário jurídico tentar direcionar a sua linguagem para a inclusão e o entendimento de um número cada vez maior de ouvintes e falantes, desvinculada por vezes do padrão normativo ideal.

Outro aspecto deve ser lembrado e diz respeito ao fato de que: por meio dos processos de leitura e escrita é que o indivíduo entra em contato com os mais variados temas e assuntos, a alfabetização, inicialmente, abre as portas do mundo das descobertas. Por sua vez, o letramento promove a utilização prática destas descobertas, pois propicia ao ser humano questionar os seus aprendizados e buscar novas soluções e entendimentos às dúvidas e anseios que rodeiam a formação humana.

Nesse contexto, ao abordar as temáticas sugeridas que se faça sob a mediação de uma linguagem clara e precisa para que promova a compreensão dos receptores da mensagem, isto é, todos os brasileiros. Bobbio (2006, p. 46) declara que: "Numa Constituição [...] há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos, como as que dizem respeito aos direitos de liberdade", logo, o cidadão não pode estar à margem do saber jurídico, isto é, desconhecer os seus próprios direitos e deveres.


3. O JURISTA LETRADO E O OPERADOR DO DIREITO ALFABETIZADO: UMA NOVA CONCEPÇÃO ACADÊMICO-PROFISSIONAL

Como fora anteriormente tratado, sob o nosso ponto de vista há uma dupla visão acerca da alfabetização e/ou letramento jurídico. Identificamos, também, que não há referências que analisem a formação acadêmica e profissional do bacharel em Direito, notadamente, se levarmos em consideração a ótica que a seguir será descrita, uma vez que a partir dos conceitos de alfabetização e letramento abriu-se uma nova concepção sobre o jurista e o operador do Direito.

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A priori, é preciso fazer uma breve retrospectiva histórica. Sendo assim, a separação entre Direito e Justiça nascida no Direito Romano, fez com que progressivamente houvesse a aproximação daquele com o Poder. Esta fusão entre Direito e Poder, ao passo que aquele se tornou função de outros interesses (políticos, econômicos, etc.), à luz dos ensinamentos de Silva (2008, p. 10) é uma conseqüência que se configura como: "um braço do individualismo pragmático que constitui a essência da ideologia moderna, que de um modo ou de outro, nos governa".

Entre um elenco de competências, habilidades e atitudes que doravante possam ser exigidas para compor um perfil de qualquer profissional, para atuar de forma digna em seu labor, sem dúvida, os princípios e valores éticos e morais estarão incluídos. Portanto, o bacharel em Direito entre outras normas tem como norteadoras de sua prática propriamente dita o Código de Ética, Regulamento e Estatuto da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. Cabe aqui ressaltar que os preceitos éticos e morais devem existir na formação humana do indivíduo independente da legalização das ações tidas como "corretas". Significa que, direta ou indiretamente o jurista terá em suas mãos uma gama da essência do poder, seja como: juiz – julgador, membro do Ministério Público – fiscal da lei e defensor dos direitos coletivos e individuais indisponíveis; defensor público – advogado público que atua na defesa dos interesses particulares; advogado – atuando em defesa dos interesses de seus clientes; entre outros.

Com o passar dos anos o que se observa é que o próprio currículo da faculdade de Direito tende a uma mecanização e tecnicidade na forma de propiciar aos seus estudantes a apropriação dos saberes jurídicos, pois as áreas de conhecimento mais específicas centram-se nos Códigos e Legislações nacionais vigentes, em detrimento dos conceitos e princípios de natureza sociológica, filosófica e dogmática. A prática jurídica requer também um aprofundamento na legislação vigente sem, contudo, haver uma análise mais profunda dos conhecimentos elaborados para a formação do próprio entendimento jurídico em relação a cada fato, isoladamente.

O bacharel em Direito, dentre os requisitos obrigatórios para se tornar um advogado, precisa ser aprovado no Exame da OAB, sendo que este exame também segue a tendência atual de mecanização do conhecimento, uma vez que o certame avalia o bacharel através do conhecimento em torno da legislação nacional em vigor, em detrimento dos saberes filosóficos, históricos, sociológicos e dogmáticos que cercam o conhecimento jurídico. Igualmente, os concursos públicos tendem a avaliar os concorrentes pelos saberes acumulados sobre a "letra da lei", isto é, a legislação vigente.

Este tecnicismo visivelmente presente na formação acadêmico-profissional do bacharel em Direito resulta no que hoje se conhece como operador do Direito, um profissional que desenvolveu um conjunto de habilidades e competências para a leitura e a escrita, principalmente à luz da legislação pertinente e que pauta o seu trabalho na formulação de peças, despachos, decisões, sentenças, consultas, ou seja, que analisa o fato, objeto da lide, pela ótica apenas das leis e do resultado que, se for advogado, o seu cliente almeja. Eis a figura do alfabetizado jurídico.

Nesse contexto, o pensamento dos juristas modernos direciona-se para o fato de que o Direito utiliza para a consecução de seus fins a racionalidade da norma. Com a separação dos poderes o que se vê é que, segundo Kaufmann (1976, p. 19. apud SILVA, 2008, p. 10): "a atividade do juiz assemelha-se [...] ao trabalho realizado por um computador moderno, alimentado de fórmulas que, combinadas conceitualmente, resolvem diversos problemas concretos". Complementando: "assemelha-se a uma heresia afirmar que os juízes realizam, a respeito da norma geral, um ato mais complexo que a mera subsunção lógica do particular (caso) no geral (norma)".

Centrando a análise na figura do magistrado o que se percebe é que a jurisdição de primeira instância decorrente da concepção de juiz instituído pelo sistema exerce apenas a função de declarar o direito posto pelo legislador, devendo só declará-lo ao final da causa, se abstendo de possíveis decisões incidentais, uma vez que o próprio sistema exige que o seu julgamento seja embasado em juízos de certeza. O risco de comprometimento com a causa, na jurisdição de primeira instância é reflexo da vigilância impositiva do sistema recursal, que visa à manutenção da passividade natural do magistrado.

Em outras palavras, no normativismo burocrático, tão enfatizado no decurso dos anos acadêmicos, cumpre o papel de contaminação da prática forense, uma vez que decorrente desta normatização racional os julgadores se vêem dispensados de fundamentar adequadamente suas sentenças, declarando e não justificando o que fora decidido. Então, faz-se mister que o sistema jurídico reconheça aos magistrados algum nível de discricionariedade, para que eles possam, assim, declarar uma autêntica decisão jurisdicional, parafraseando Carnelutti (1965 apud SILVA, 2008): antes mesmo de decidir, o magistrado deve decidir-se, pois os juízes tendem a não decidir e sim julgar, pois "decidir é ato volitivo [de vontade], julgar é ato intelectivo [racional]" (SILVA, 2008, p. 14).

Sob esse enfoque, a sistemática processual brasileira se consubstancia como instrumento que protege e condiciona a passividade e neutralidade do juiz no decurso da relação processual. No entanto, ainda numa atitude utópica, mas de luta, os juristas devem encarar o direito processual como ele fora concebido, enquanto "ciência", embora se tenha a convicção que há um distanciamento real entre a "ciência processual" e a prática jurídica realizada cotidianamente, pois não só os magistrados estão submetidos ao sistema, os próprios advogados no decorrer de sua atuação profissional vão se adequando a ele, atuando de acordo com as suas regras e princípios.

Além disso, faz-se necessário que ocorra gradual e progressivamente uma desvinculação entre o racionalismo e as ações dos juristas (sejam advogados, promotores públicos, juízes, defensores públicos, entre outros), preservando-se a idéia absolutamente inabalável dos juízos de certeza, que em regra são os pressupostos dos procedimentos recursais, visando, por exemplo, a construção das tutelas preventivas, já previstas no ordenamento jurídico pátrio. Esta ruptura com o racionalismo tenderá a desmistificar a idéia de proteção da neutralidade do juiz resultando do procedimento ordinário que se tem hoje, lembrando-se que o que se configura é uma suposta neutralidade, pois "não existe neutralidade possível em ciência social" (SILVA, p. 18). Por fim, prima-se por uma mudança acadêmica em que a graduação universitária volte-se para a formação de juristas e não de meros operadores dos direito.

O sistema processual brasileiro vive um dilema entre o seu funcionamento precário, em relação aos anseios da sociedade moderna que prima pela celeridade na resolução de seus problemas, isto implica efetividade do direito e condições estruturais para o seu próprio funcionamento.

Entre os aspectos insatisfatórios podemos citar a título de exemplos:

  • a falta de condições estruturais para o funcionamento adequado, eficiente e eficaz;

  • o exacerbado racionalismo jurisdicional na composição dos conflitos;

  • a normatização fortemente enraizada na formação acadêmico-universitária dos juristas, que deriva deste mesmo racionalismo, tornando-os muitas vezes apenas operadores do direito;

  • a limitação e neutralidade do magistrado – que se apresenta apenas como julgador e não exerce o poder discricionário dos que tem em mãos o poder de decidir, resguardada pela racional utilização das normas, visando a preservação da segurança jurídica, fortemente imposta pelo sistema recursal vigente;

  • o normativismo burocrático que cumpre o papel de contaminação do sistema processual, isto implica em contaminação da prática forense;

  • o julgamento transferido da seara do magistrado para o âmbito de seus assessores que elaboram "projetos de julgamentos" – eis o que Silva (2008, p. 15) chama de "justiça de gabinete";

  • a elevação da importância da jurisprudência e da norma, em detrimento da doutrina e da lei – ressaltando-se que "o Estado contemporâneo administra, não legisla" (SILVA, 2008, p. 16), lembrando-se que a lei deve apresentar uma construção normativa embasada na realidade sociocultural, econômica e afins vigente, a partir da formulação de um hábito simples: o de pensar;

  • a politização do Poder Judiciário que assume um papel de promoção do bem-estar social (provimento de medicamentos aos carentes de recursos, internação de enfermos em hospitais, interferência em obras públicas, etc.).

Destarte, percebemos que estas questões navegam entre o mal funcionamento e as questões estruturais, pois se os profissionais que irão trabalhar com o "Direito" não foram formados para serem verdadeiros juristas, não desempenharão seu ofício a contento, refletindo na própria estrutura do sistema processual, bem como, se há um enaltecimento do normativismo racional em detrimento da construção do pensamento crítico-jurídico os magistrados se valerão da segurança jurídica para não exercerem de modo discricionário sua função. A legislação pátria promove também problemas estruturais, pois condiciona as ações dos juristas lato sensu, sejam eles advogados, juízes, promotores, defensores públicos e afins.

Parafraseando Silva (2008): de nada vale substituir o motorista, neste caso os juristas, se o veículo que se irá guiar está com problemas no motor que não lhe permitirão chegar ao lugar desejado na velocidade esperada, isto é, ao fim do processo, com a devida decisão, em tempo hábil e célere que faça cumprir o ideário de justiça do jurisdicionado.

É notório que o direito a tutela jurisdicional é assegurado a todos, mas não se pode mais pensar na busca à jurisdição apenas como "garantia de ação [...] outorgada pela Constituição e pela lei aos titulares de pretensões insatisfeitas, independentemente de terem ou não terem razão – desde que presentes os requisitos para que o juiz possa dispor a respeito" (DINAMARCO 1, 2001, p. 89). Sendo assim, o enfoque destinado ao direito de ação pela doutrina tradicional apresenta-se como reflexo de "uma postura introspectiva em que o sistema processual parecia ser um objetivo em si mesmo, sem preocupações com os objetivos a realizar, ou seja, sem se preocupar com os resultados que dele esperam a sociedade, o Estado e os indivíduos" 2. Deste modo, socialmente se espera mais do Direito, enquanto pacificador social, e promotor da justiça, para tanto, requer-se profissionais cada vez mais qualificados que percebam o seu papel na esfera jurídica.

No entanto, é preciso ressaltar que há profissionais que firmam o seu labor sobre a solidez de conhecimentos, visões críticas, analíticas e reflexivas sobre cada fato objeto do conflito de forma isolada, analisando todos os aspectos necessários para a edificação de uma conclusão que vise à pacificação social, grande fim do Direito na sociedade. Além disso, entendem que o conhecimento jurídico está acima do conhecimento da legislação e que o profissional, bacharel em Direito, deve buscar sempre a construção de saberes para que possa atuar de forma crítica, reflexiva, participativa e pró-ativa no seio social. Este profissional e estudioso do Direito se consubstancia na figura do jurista, que utiliza a leitura e escrita da legislação e demais textos jurídicos (não necessariamente normativos) em prol da "sua realização e do seu desenvolvimento social e cultural" (FERREIRA, 2008, p. 513) e, por que não, humano.

Bobbio (2008, p. 44) afirma que "a experiência jurídica nos coloca frente a um mundo de relações entre sujeitos humanos organizados estavelmente em sociedade mediante o uso de regras de conduta", o que implica dizer que o bacharel em Direito não deve dirigir sua formação acadêmico-profissional apenas para a análise das leis em sentido stricto, mas deve observar que as relações humanas ocorrem em uma sociedade organizada com regras, e que estes aspectos são complementares e essenciais para a construção do entendimento jurídico direcionado a cada fato isoladamente, que incluem pessoas, a própria sociedade e as normas.

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Sobre os autores
Pedro de Oliveira Júnior

Pós-graduado em Gestão Educacional, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, e Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito, pela Universidade Potiguar. Atua como Coordenador dos Agentes Judiciários de Proteção da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN.

Kalina Silva Gonçalves Cabral

Pós-graduada em Gestão Educacional, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, e Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bacharela em Direito, pela Universidade Potiguar, e Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Atua como Conciliadora do 6º Juizado Especial Cível - Unidade Móvel do Trânsito - Natal/RN, e exerce o cargo de Auxiliar de Secretaria do mesmo Juizado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA JÚNIOR, Pedro ; CABRAL, Kalina Silva Gonçalves. Alfabetização e/ou letramento jurídico.: Exercício de cidadania e uma concepção de formação acadêmico-profissional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2922, 2 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19458. Acesso em: 23 dez. 2024.

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