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O processo de estigmatização do adolescente infrator através das representações sociais elaboradas por agentes policiais

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04/07/2011 às 09:34
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4 – Os primeiros passos..., o primeiro castigo e a primeira prisão.

Formar-se ia então, o primeiro contato entre o jovem e o sistema penal, com o difícil atributo proveniente de uma dupla estigmatização: é adolescente, e assim, é delinquente. Ainda mais estigmatizado quando sua incidência criminosa é dotada de gravidade, não só de caráter econômico/patrimonial, mas especialmente quando há a ameaça à vida de outros ou à vida social. A criação e solidificação desse estigma persegue o adolescente durante a sua vida. Ainda que as circunstâncias da conduta delitiva sejam favoráveis e por vezes exculpáveis, mesmo assim o estereótipo de sujeito criminoso lhe será taxativo.

Daí uma análise dos mecanismos jurídicos e da postura dos operadores da justiça criminal sobre o adolescente, bem como a própria estrutura estatal (e social) já predisposta no atendimento destes casos, nos possibilita a visualizar a complexidade social dos processos de atribuição de estigmas sobre a juventude. A necessidade de, como proposto por William James, "olhar além das primeiras coisas, dos princípios, das "categorias", das supostas necessidades; e de procurar pelas últimas coisas, frutos, conseqüências, fatos" [18], além do racionalismo e do discurso social (e oficial) vigente. Mas sim, voltando-se para o concreto e o adequado, para os fatos, a ação e poder. Aquilo que para Willian James significa "o reinado do temperamento empírico e o descrédito sem rebouços do temperamento racionalista". [19]

Os mecanismos policiais, judiciais e assistenciais, estão situados no limite e na pragmaticidade da proteção e da criminalização desses jovens. Operam nos limites da rotulação, e na tentativa de preservar/proteger seus direitos e garantias, acabam por vezes viabilizando a impunibilidade de um jovem infrator. Em contrapartida, na tentativa da ressocializar ou educar o jovem, acabam por proporcionar o desrespeito à sua existência e à sua condição, destacando-o como uma vítima hiposuficiente. Autores e vítimas sociais se confundem no interior de delegacias "especializadas" no atendimento de crianças e adolescentes; de varas criminais "específicas" quanto à competência do julgamento destes adolescentes; na própria normatividade penal juvenil, que sobre a bandeira do protecionismo, acaba mais uma vez, estereotipando os seus autores.

O sistema jurídico, principalmente o sistema penal destinado aos adolescentes, é mais repressivo, mais perigosista, objetivista e retrógrado do que a legislação do adulto. À criança delega-se a proteção quando tida por desamparada, ou a institucionalização quando tida por perigosa. Ela é objeto de compaixão ou repressão. Nunca, sujeito de Direito. [20]

E onde se origina a primeira representação deste adolescente? Onde se origina o primeiro processo de estigmatização desse sujeito? Talvez no primeiro ato de sua conduta delitiva? No primeiro contato concreto com o sistema policial-jurídico punitivo? Ou quem sabe, somente após a sua sujeição a uma medida sócio-educacional?

Por todo o conjunto de circunstâncias que incidem sobre o adolescente autor de ato infracional, independente dos procedimentos judiciais ulteriores, a primeira rotulação originada da representação da figura contemplativa do infrator criminoso para o Direito é feita justamente na fase policial. Ou seja, a representação é primariamente estabelecida no primeiro contato deste adolescente com a instituição policial. Especialmente, quando esse jovem na fase inicial (policial) é apontado como suspeito da prática de uma conduta delitiva, independente do resultado no posterior processo judicial acusatório. A própria sujeição a investigação policial, por si, já determina a criação deste estereótipo delinquente. [21]

Em relação a estas representações sociais, destaca Pierre Bourdieu:

A vontade, plenamente louvável, de ir ver as coisas pessoalmente de perto, leva, por vezes, a procurar os princípios explicativos das realidades observadas exatamente no lugar onde eles não se encontram (pelo menos, na sua totalidade), isto é, no próprio local da observação: assim, é certo que a verdade do que acontece nos "subúrbios difíceis" não reside nesses lugares, habitualmente esquecidos, que surgem, de tempos a tempos, no primeiro plano da atualidade. O verdadeiro objeto da análise, que deve ser construído contra as aparências e contra todos os que se contentam em ratificá-las, é a construção social (ou, mais precisamente, política) da realidade deixada à intuição e das representações – principalmente, jornalísticas, burocráticas e políticas – de tal realidade que contribuem para produzir efeitos bem reais, antes de tudo, no universo político o qual elas estruturam a discussão, e até no universo científico. [22]

São inicialmente os agentes policiais os responsáveis pela aplicação da lei, ou seja: os agentes do Estado legitimados pela sociedade que foram previamente convocados a combater e reprimir tal criminalidade. Assim, vivenciamos no cotidiano das delegacias de polícia e dos agentes ali envolvidos, certas representações de adolescentes que vão se construindo e desconstruindo diante da dramaticidade do fato típico, do ato infracional cometido por esses jovens. No despertar das sirenes, nas gaiolas dos camburões, entre algemas e gritos, que esses agentes se tornam os primeiros a ouvirem as narrativas dos crimes praticados. São eles os primeiros a visualizar e a dimensionar a violência juvenil. São eles quem detém o poder de nomear o ato infracional e dar andamento ao processo de criminalização desse ato aos juízos competentes e ao juízo irascível da sociedade. Daí provém o primeiro carimbo, o primeiro etiquetamento, ou seja, a primeira criação de um conceito juvenil previamente estigmatizado que no decorrer das relações interpessoais futuras será predominante em todo e qualquer espaço social vivenciado por este adolescente.

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Nas delegacias de polícia que o drama da juventude é nomeado, taxado, selecionado e endereçado a um destino na maioria das vezes desprezível: o aprisionamento.

São esses agentes policiais que detêm o papel social de nomear a delinquência. Daí a necessidade quanto ao estudo e compreensão da formação e reprodução social da violência juvenil entre aqueles agentes sociais responsáveis por ver e ouvir os corpos dos adolescentes diariamente em seu local de trabalho, bem como, muitas vezes, nos bairros onde vivem. Principalmente, a possibilidade de uma compreensão que se contrapõe a um oceano de discursos oficiais unânimes que a prima facie traduzem toda e qualquer adolescência como sendo uma problemática social em nível de solução estatal através da política criminal existente. Como se todo jovem intitulado como membro de "grupos vulneráveis"fosse automaticamente um jovem delinquente.


5. Conclusão.

Todo processo (oficial ou não) de conceituação relacionado ao entendimento da criminalidade juvenil deve necessariamente ser formulado através de um estudo transdiciplinar sobre o tema, afastando por completo o absolutismo da conceituação eminentemente jurídica. Desta forma, o direito penal por si só, não fornece todos os elementos sócio-normativos para a análise do fenômeno da criminalidade juvenil. Há então a necessidade de considerar o fenômeno social da estigmatização do adolescente infrator também pelo olhar de outras ciências correlatas. O primeiro processo da criação do estigma é proposto nos procedimentos policiais, pois é por meio deles que o Estado atua diretamente na abordagem e encaminhamento dos adolescentes suspeitos de cometerem atos infracionais. Assim, o etiquetamento social-penal do adolescente infrator inicia-se, na maioria das vezes, através do imaginário do policial e sua representação social ao agente criminoso, uma vez que a construção social obtida por meio da atuação institucional é, pelo menos em um primeiro momento, fruto da percepção dos operadores desta instituição policial. Por conseguinte, da percepção daqueles que atuam em todo processo punitivo, desde o primeiro contato (polícia) até o último (sociedade, através do processo da condenação social, perdão e quem sabe, da ressocialização).


BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. Baumann, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
  2. TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Compêndio Transdisciplinar. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 87.
  3. Entrevista do sociólogo francês Bernard Lahire concedida a Prof(a) Maria da Graça Jacintho Setton, em agosto de 2.004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022004000200009&lng=es&nrm=iso&tlng=es. Acesso em 02/09/08.
  4. A conceituação do termo violência (conflito) interpessoal é emprestado do Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde. Brasília: OMS/Opas/UNDP/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Ano 2.002.
  5. TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Compêndio Transdisciplinar. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.2002, p. 71.
  6. RECKLESS, W. The sociology of crime and delinquency: containment theory, p. 402 e ss.
  7. BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 221.
  8. TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Compêndio Transdisciplinar. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.2002, p. 77.
  9. O conceito de "grupos vulneráveis" é um conceito oficial utilizado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, subordinada ao Ministério de Justiça
  10. GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4ª Ed. Rio de Janeiro:LTC, 2008, p. 13.
  11. BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalinas. Trad. Sergio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2001 p. 212.
  12. TRINDADE, Jorge. Delinqüência Juvenil. Compêndio Transdisciplinar. 3ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado.200, p. 80.
  13. GOFFMAN, p. 12.
  14. Idem. p. 13.
  15. Idem. p. 14
  16. As principais organizações mundiais de saúde, incluindo muitas de psicologia, não mais consideram a homossexualidade uma doença, distúrbio ou perversão. Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como tal pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975 a Associação Americana de Psicologia adotou o mesmo procedimento, deixando de considerar a homossexualidade uma doença. No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Psicologia deixou de considerar a homossexualidade um desvio sexual e, em 1999, estabeleceu regras para a atuação dos psicólogos em relação às questões de orientação sexual, declarando que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão" e que os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e/ou cura da homossexualidade. No dia 17 de Maio de 1990, a Assembleia-geral da Organização Mundial de Saúde (sigla OMS) retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a Classificação Internacional de Doenças (sigla CID). Por fim, em 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos. Fonte: Correio Braziliense. Há 20 anos, a OMS tirou a homossexualidade da relação de doenças mentais: Uma conquista celebrada por organizações sociais de todo o planeta. Página visitada em 7 de dezembro de 2010.
  17. GOFFMAN. p. 27
  18. JAMES, Willian. Pragmatismo e outros textos. São Paulo: Abril Cultural. 1979. p. 21.
  19. Idem, p. 22.
  20. AMARAL E SILVA, A. F. do. Direito do menor: uma posição crítica. In: Brito. L.M.T. de. Psicologia e Instituições de Direito: a prática em questão. Rio de Janeiro: Conselho Regional de Psicologia, p. 72.
  21. Como exemplo, podemos citar o fato ocorrido no Município de Palhoça-SC no ano de 2008, onde um jovem de 17 anos, acusado de tentativa de homicídio, ainda em fase de investigação policial, permaneceu acorrentado por cinco dias nas grades da porta de uma cela da Delegacia de Polícia do Município. Notícia disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/03/19/ult23u1542.jhtm
  22. BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 215.
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Sobre o autor
Rodrigo Bueno Gusso

Delegado de Policia Civil. Doutor em Sociologia, Mestre em Direito, Especialista em Segurança Pública e pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSSO, Rodrigo Bueno. O processo de estigmatização do adolescente infrator através das representações sociais elaboradas por agentes policiais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2924, 4 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19464. Acesso em: 24 nov. 2024.

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