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A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil: da Constituição de 1891 à de 1988

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6. Constituição de 1988

A Carta de 1988 manteve grande parte dos instrumentos de controle que figuraram nas constituições anteriores. Assim, foram preservadas: a tradicional competência do Supremo Tribunal Federal para julgar recurso extraordinário, base do nosso sistema difuso (art.102, III); a representação interventiva (art. 34, VII e art. 36, III); a cláusula de reserva de plenário, que exige voto da maioria dos membros do Tribunal (ou do respectivo Órgão Especial) para declaração de inconstitucionalidade (art. 97); e a estatura constitucional do mandato de segurança (art. 5º, LXIX). Foi no âmbito do controle concentrado, porém, que a Constituição de 1988 realmente inovou.

Talvez inspirado pelo intenso debate doutrinário travado na ordem constitucional anterior, o constituinte de 1988 ampliou o rol de legitimados para propositura da representação de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, agora com o nomen juris de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIn) (art. 102, I, "a"). São legitimados para a propositura de ADIn (art. 103): o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador do Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; e, por fim, confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Constata-se uma verdadeira democratização do acesso à jurisdição constitucional, tendo em vista o amplo leque de entes políticos e setores da sociedade civil aptos a iniciar o controle abstrato de normas perante o STF, pondo fim ao denominado monopólio da ação direta por parte do Procurador-Geral de República.

A Constituição de 1988 também contemplou a possibilidade da interposição de Ação Direta por Omissão (art. 103, §2º), instrumento de controle abstrato cuja finalidade é combater as omissões legislativas inconstitucionais, definidas por Gilmar Mendes (2008, p. 1187), com base na doutrina alemã, como "a inobservância de um dever constitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explícitos da Lei Magna como de decisões fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação".

Está-se diante, conforme anota Ivo Dantas (2010, p. 81), de verdadeira recepção legislativa externa, tendo em vista que o instituto inspirou-se nas constituições Iugoslava e Portuguesa.

Uma outra inovação em sede de controle concentrado prevista no texto originário da Carta de 1988 foi a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) (art. 102, §1º) [05]. Sua regulamentação, no entanto, só foi possível com a promulgação da Lei 9.982 de 1999 que previu as seguintes hipóteses de cabimento: a fim de "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público" (art. 1º, caput); e "quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição"(art. 1º, parágrafo único, I).

Trata-se de instituto que veio a suprir duas importantes lacunas do controle concentrado brasileiro a possibilidade a impugnação de ato normativo municipal, não contemplado pelos outros instrumentos de controle abstrato bem como a de atos normativos anteriores à Constituição, que de outra forma só poderiam ser apreciados pelo STF em sede de controle difuso.

Com o advento da Emenda Constitucional n°3 foi adicionado um novo instituto ao texto da Constituição: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) (art. 102, I, "a").

Aqui, busca-se "o reconhecimento expresso da compatibilidade entre determinada norma infraconstitucional e a Constituição, em hipóteses nas quais esse ponto tenha se tornado objeto de interpretações judiciais conflitantes"(Barroso, 2009, p. 230). Por força do disposto na Emenda Constitucional nº 45 de 2005, o rol de legitimados para propositura da ADC coincide com o da ADIn.

O instituto não é isento de críticas, tendo em vista que as normas gozam de constitucionalidade presumida. A propósito, Jorge Miranda (2001, p. 72) ensina que:

A declaração de não inconstitucionalidade não tem, na generalidade dos países, qualquer eficácia. Quando muito, produz caso julgado formal relativamente ao respectivo processo de fiscalização.

(...)

Contudo, na Alemanha admite-se declaração de constitucionalidade e no Brasil foi-se ao ponto de criar uma ação declaratória de lei ou ato normativo federal (...) Voltado para a certeza do direito e a economia processual, o instituto brasileiro apresenta-se bastante vulnerável: desde logo, porque, para tanto, bastaria atribuir força obrigatória geral à não declaração de inconstitucionalidade; depois, porque diminui o campo de fiscalização difusa; e, sobretudo, porque o seu sentido útil acaba por se traduzir num acréscimo de legitimidade, numa especie de sanção judiciária, a medidas legislativas provenientes dos órgãos (salvo o Procurador-Geral da República) a quem se reserva a iniciativa. Não admira que seja controvertido.

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A mencionada limitação do controle difuso, sob a justificativa de promover a segurança da ordem jurídica, talvez tenha sido o objetivo da criação da ADC, tendo em vista que "sua introdução no sistema jurídico nacional deveu-se, exatamente, às intenções do Poder Executivo de evitar demandas judiciais contra o Imposto sobre a transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (...)" (Dantas, 2010, p. 144).


7. Considerações Finais

A evolução do controle de constitucionalidade brasileiro evidencia a transição de um sistema baseado puramente no controle difuso ou americano (judicial review) para um sistema misto, no qual passou a haver espaço também para ferramentas típicas do controle concentrado ou europeu.

A introdução gradativa desta última modalidade de controle parece testemunar a favor da constatação de que o sistema difuso, nos moldes em que foi implantado pelo constituinte de 1891, continha uma deficiência latente: a ausência de um mecanismo de estabilidade, capaz de impedir a flutuação de entendimentos quanto a constitucionalidade de uma mesma norma, além de evitar a repetição de controvérsias já assentadas pelo STF.

No modelo constitutucional norte-americano, tal problemática foi solucionada pelo princípio stare decisis, íncito aos ordenamentos jurídicos de raíz anglo-saxã. Ausente tal característica em nosso ordenamento, foi necessária a introdução de uma fórmula que tentou, sem sucesso, contornar o problema, tendo em vista que o Senado Federal raramente fez uso da competência que lhe conferiram as subsequentes ordens constitucionais brasileiras.

Por outro lado, ao fortalecer o controle concentrado, o constituinte de 1988 deu prevalência a uma sistemática bem mais alinhada a nossa tradição jurídica romano-germânica, colocando a jurisdição constitucional brasileira em posição de destaque e apta a discutir os temas constitucionais de maior envergadura.

Ressalte-se, entretanto, que essa nova conformação do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade acabou por diminuir a importância relativa do controle difuso. Diz-se, inclusive, que nos últimos anos pode ser observada uma aproximação entre os dois sistemas que integram o modelo misto brasileiro, sobretudo no que tange à apropriação, por parte do controle difuso, de características ínsitas ao controle concentrado.


Referências

BARBI, Celso Agrícola. Evolução do Controle da Constitucionalidade das Leis no Brasil. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 1, n. 4, p.34-43, 1 abr. 1968.

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BITTENCOURT, Carlos Alberto Lúcio. O Controle Jurisdicional de Constitucionalidade das Leis.2. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.

DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2010.

MENDES, Gilmar. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.

______; COELHO, Inocência Martíres; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo VI: Inconstitucionalidade e Garantia da Constituição. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001.

MOTA FILHO, Cândido. A Evolução do Controle da Constitucionalidade das Leis no Brasil. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 86, p.273-279, maio 1941.

TUSHNET, Mark V.. Alternative Forms of Judicial Review. Michigan Law Review, p.2781-2802, ago. 2003. Disponível em: <http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/259/>. Acesso em: 14 abr. 2011.


Notas

  1. A grafia original das citações legislativas feitas ao longo do presente capítulo foi alterada a fim de compatibilizá-la com as regras ortográficas atualmente vigentes.
  2. Sem grifos no original.
  3. Tradução livre do original:
  4. The mark of weak-form review is not that the scope of judicial review is narrow. Courts in weak-form systems have the power to evaluate all legislation to determine whether it is consistent with all of the constitution's provisions without exception. Rather, the mark of weak-form review is that ordinary legislative majorities can displace judicial interpretations of the constitution in the relatively short run. Weak-form review responds to the concern that strong-form review allows courts with an attenuated democratic pedigree to displace decisions taken by bodies with stronger democratic pedigrees.

  5. Sem grifos no original
  6. Inicialmente prevista no art. 102, parágrafo único do texto originário.
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Sobre o autor
Mauro La-Salette Costa Lima de Araújo

Estudante de Direito da Universidade Federal de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Mauro La-Salette Costa Lima. A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil: da Constituição de 1891 à de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2928, 8 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19501. Acesso em: 28 mar. 2024.

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