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Responsabilidade socioambiental e a Eco Rio +20

09/07/2011 às 11:33
Leia nesta página:

1. Introdução

Confirmando a tendência mundial de fortalecimento da novel concepção de Estado Ambiental de Direito a Constituição da República impõe ao Estado e a toda a sociedade o dever de promover a informação, educação e a conscientização ambiental.

Diante deste cenário, e à luz dos princípios da participação e da precaução destaca-se a necessidade de divulgação da Eco Rio + 20, que ocorre duas décadas após o divisor de águas que representou a Eco Rio 92, mas que ainda não ganhou a atenção e divulgação proporcionais à sua importância.


2. O dever constitucional de informação, educação e conscientização ambiental

Estamos às portas de um evento de dimensões globais a ser realizado na nossa cidade do Rio de Janeiro em 2012. É a conferência Rio + 20, que dá sequência às reuniões realizadas em torno das questões do meio ambiente.

Tendo em vista que a Eco 92, vinte anos atrás, representou em termos mundiais um marco nas discussões sobre o meio ambiente e desenvolvimento sustentável, e já que a Conferência anterior, em Estocolmo, se restringiu ao enfoque das questões do meio ambiente urbano e a relação entre os recursos disponíveis e o crescimento populacional, é despiciendo falar da importância do evento por vir, diante do que se propõe e das suas implicações.

No entanto, em que pese a envergadura de tal evento, ao mesmo não têm sido dadas, pelos entes governamentais nem pelos meios de comunicação, a notoriedade e divulgação merecidas, o que gera o risco de restar fadado ao insucesso, ao menos na consciência da maioria dos brasileiros.

Assiste-se, portanto, neste particular, à inércia tanto do Estado quanto da sociedade, uma vez que segundo o que preconiza a Constituição Federal, a responsabilidade pela conservação do meio ambiente é compartilhada entre o poder público e os cidadãos.

A necessidade de engajamento no evento bem como na causa que o mesmo encampa, decorre, em âmbito nacional, dentre outros valores, do que dispõe o art. 225 caput da CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (grifamos)

A Conferência Rio +20 irá estabelecer normas a serem cumpridas no presente, mas que sem dúvida nutrirão repercussões por muitos anos, o que atende à dicção do preceito constitucional da necessidade de um olhar para o futuro, resguardando para o por vir os recursos naturais atualmente disponíveis.

Neste sentido, ressalte-se que a tutela das futuras gerações pode ser exercida no presente momento pelos respectivos interessados, sendo possível até mesmo o ajuizamento de ações em favor dos nossos descendentes.

No entanto, posturas mais simples como a propagação e o destaque para assuntos ligados ao tema do meio ambiente têm um relevante papel na imensa tarefa de possibilitar aos futuros habitantes da terra, no mínimo, as mesmas condições de vida que temos hoje.

Para a implementação das medidas de conservação ambiental a CF/88 institui instrumentos para a efetiva tutela do meio ambiente que estão dispostos no parágrafo 1º, dentre os quais pode se destacar o que está previsto no inciso VI:

Artigo 225 § 1º, VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (...) (grifamos)

Neste sentido é que acreditamos que o dever Estatal de promover a divulgação e o engajamento da sociedade na Conferência de 2012 estaria balizado no referido inciso, já que o evento em comento, além de ter o condão de estabelecer normas cogentes, se mostra como instrumento decisivo na tarefa de despertar a população em geral para adotar posturas que convirjam para o fim comum do cuidado com o meio ambiente. Afinal, a preservação global se faz de pequenas atitudes.

Se obtivéssemos do Estado uma postura atuante no sentido de fazer cumprir o artigo 225, § 1º, VI, a inteiração pelos cidadãos nos assuntos concernentes à Conferência de 2012 seria apenas inevitável consequência.

Chama-se atenção para o fato de que a divulgação do evento sob enfoque representa muito mais do que a simples transmissão de informações, mas antes de tudo um despertar da consciência socioambiental para os assuntos que dizem respeito à nossa própria sobrevivência, daí o seu significado e fundamento na própria Constituição Federal.

Destaque-se que a formação de uma consciência ambiental [01] e o exercício da cidadania de forma global são pilares do hoje tão aclamado Estado Ambiental de Direito [02], concepção que reúne as prerrogativas de um Estado de Direito, Democrático e Social, com um viés marcante no aspecto ambiental [03], cuja instituição principal é a natureza.

Neste sentido, o autor português Santos [04] de há muito já esclarecia que:

a edificação de um Estado de Ambiente importa a transformação global, não só dos modos de produção, mas também dos conhecimentos científicos, dos quadros de vida, das formas de sociabilidade e dos universos simbólicos e pressupõe, acima de tudo, uma nova paradigmática com a natureza, que substitua a relação paradigmática moderna. (grifamos)

Como norma constitucional alçada ao nível de direito fundamental, o direito ao Meio Ambiente equilibrado e seus desdobramentos, como é o caso do dever de educação e conscientização ambiental passam a ter sentido programático e não apenas preceptivo [05], ou seja, valem por si mesmos sem dependência de lei. Sendo que a sua posterior regulamentação pelo legislador ordinário apenas incrementa a sua exequibilidade, fator que evidencia ainda mais a mora do Estado no seu mister declarado no artigo 225, § 1º, VI.


3. Eco Rio +20 e o Princípio da Participação

O princípio da participação é outro corolário do mencionado Estado de Direito Ambiental [06], que fundamenta a necessidade de uma postura proativa do Estado e da sociedade no tocante à difusão das questões ligadas ao meio ambiente e sua preservação, quaisquer que sejam as suas manifestações.

Na Constituição Federal,oprincípio da participação está exemplificado em vários dispositivos. Destaque-se como exemplo a imposição de que todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade (artigo 5, inciso XXXIII).

Outro exemplo é o dispositivo que confere a qualquer cidadão o direito de propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (artigo 5º, inciso LXXIII).

Em âmbito infraconstitucional, a Lei 6.938/1981, em seu art. 9º, VII e XI, inseriu, dentre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a obrigação do Estado de produzir um cadastro de informações ambientais e de assegurar ao público a prestação de informações relativas ao meio ambiente.

Ademais disto, o Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, em relação à participação comunitária na tutela do meio ambiente, estabeleceu que:

a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar de processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser proporcionado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos.

Desta forma, pelo princípio da participação, deve haver um esforço conjunto entre o Estado e a sociedade para o combate às degradações ambientais, o que indubitavelmente se alcança mediante uma prévia conscientização, que por sua vez decorre da informação. Neste sentido, dispõe Édis Milaré [07] sobre a política ambiental:

o sucesso desta supõe que todas as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades, contribuam à proteção e melhoria do ambiente, que afinal, é bem e direito de todos.

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Esclarecedor neste sentido é o comentário de Michel Prieur [08]:

A efetividade do princípio da participação pressupõe o acesso adequado dos cidadãos às informações relativas ao meio ambiente de que disponham os órgãos e entidades do Poder Público. É que mais bem informados os cidadãos têm melhores condições de participar ativamente nas decisões sobre matéria ambiental, "tantôt comme auxiliaire de l´Administration, tantôt comme organe de controle.

E arrematam Morato Leite e Canotilho [09]:

A participação redunda na transparência do processo, e legitima a decisão ambiental, contribuindo de maneira profunda para conscientização da crise ambiental. Com efeito, através da participação, observa-se uma via de mão dupla: Administração e Sociedade Civil, considerando que o meio ambiente não é propriedade do Poder Público, exigindo máxima discussão pública e garantia de amplos direitos aos interessados. O apoio da coletividade nas decisões ambientais resultará em uma Administração mais aberta e menos dirigista. Contudo, a democracia ambiental participativa e solidária pressupõe, ainda, um cidadão informado e uma coletividade que detenha como componente indispensável a educação ambiental. (grifo nosso).


4. Eco Rio +20 e o Princípio da Prevenção

A educação e a conscientização ambiental atendem ainda a outro princípio do Estado Ambiental de Direito, qual seja, a prevenção, já que cidadãos bem informados e conscientes desenvolverão seus esforços muito mais no sentido de evitar que os danos ambientais aconteçam, mesmo porque, no dizer de Édis Milaré [10], "muitos danos ambientais são compensáveis, mas, sob a ótica da ciência e da técnica, irreparáveis".

Têm razão Canotilho e Moreira [11] quando afirmam que

as ações incidentais sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori.


5. Conclusão

Não restam dúvidas de que só serão atingidos os objetivos traçados nos dispositivos normativos para a proteção do meio ambiente quando houver o efetivo engajamento da sociedade como um todo.

Neste sentido, o dever de promoção da informação, educação e conscientização ambiental bem como os princípios da participação e prevenção do Estado Ambiental de Direito devem ser observados pelo Estado e pela sociedade numa conjugação de esforços visando a preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

É bom que se diga: 2012 também é o ano em que se expirará o prazo de cinco anos concedido aos países signatários do Protocolo de Kioto para que reduzam a expedição de gases antropogênicos na atmosfera. Um marco temporal destinado à verificação dos resultados obtidos e ao fomento da necessidade de adesão de novos países ao Protocolo mas que também passa desapercebido.

A questão do meio ambiente não deve ser tratada de forma isolada ou mesmo alienígena, mesmo porque num mundo globalizado decisões tomadas em qualquer parte do planeta são capazes de atingir a Terra como um todo, daí a necessidade de cultivarmos a consciência do nosso dever nessa seara, que redundará em ações positivas na sociedade.

Por fim, não se conseguirá a tão sonhada "mudança de atitude da civilização e dos seus hábitos predatórios" que para Portanova [12] representa o principal fator para a superação da crise ambiental, até mesmo acima da busca pelo desenvolvimento sustentável, sem o interesse adequado pelas questões ambientais únicas capazes de garantir não só o futuro das próximas gerações, mas o próprio equilíbrio do planeta.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELCHIOR, Germana Parente Neiva. A Balança teórica do estado de direito ambiental. Material da 2ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP/REDE LFG)

LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes (organizadores) Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 1. ed. 2. tiragem, São Paulo: Saraiva, 2007, (Vários autores). Capítulo 2, Parte II. Sociedade de Risco e Estado, pág 130 a 154. Material da 2ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP/REDE LFG

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2000.

NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6340>. Acesso em: 3 maio 2011.

PORTANOVA. Rogério. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.


Notas

  1. LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. (organizadores) Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 1. ed. 2. tiragem, São Paulo: Saraiva, 2007, (Vários autores). Capítulo 2, Parte II. Sociedade de Risco e Estado, pág 130 a 154. Material da 2ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP/REDE LFG). p. 17. Segundo Canotilho e Morato Leite dentre os objetivos do Estado Ambiental de Direito destaca-se o fomento da consciência ambiental.
  2. CAPELLA, Vicente, apud NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6340>. Acesso em: 3 maio 2011. p. 7. Teórico do EstadoAmbiental do Direito, ao conceituá-lo, salienta: "Neste marco surge o que temos chamado EstadoAmbiental, que poderíamos definir como a forma de Estado que propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social, para alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural".
  3. Ibidem. p. 8.
  4. SANTOS, Boaventura de Sousa, apud, BELCHIOR, Germana Parente Neiva. A Balança teórica do estado de direito ambiental. Material da 2ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP/REDE LFG).
  5. RAPOSO, Mário apud BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8643>. Acesso em 10 maio 2011. p. 21.
  6. Segundo Germana Belchior, "na medida em que a sociedade reclama por anteparos, em virtude dos problemas ambientais, o Estado e o Direito precisam se manifestar com o intuito de tentar resolver, ou pelo menos, elaborar possíveis soluções para combater os efeitos da sociedade de risco e lutar pela sobrevivência da humanidade, incluindo nesta as futuras gerações. Surge, pois, o paradigma do Estado de Direito Ambiental".
  7. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2000.
  8. PRIEUR, Michel apud, NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6340>. Acesso em: 3 maio 2011.
  9. LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. (organizadores). Op. cit.,
  10. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. A gestão Ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5. ed. ref, atual. e ampl., São Paulo: Editora RT, 2007, Capítulo III – O Direito do Ambiente; itens: 3. Conceito de Direito do Ambiente e 4. Princípios Fundamentais do Direito ao Ambiente, pág 758 a 780. Material da 3ª aula da Disciplina Direito Ambiental Constitucional, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Ambiental e Urbanistico – UNIDERP/REDE LFG.
  11. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital apud NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira, op cit., p. 8.
  12. PORTANOVA. Rogério. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
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Sobre a autora
Chalana Silva de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC, Bahia. Pós-graduanda em Direito ambiental e urbanístico- Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Tele Virtual em Direito Ambiental e Urbanístico – UNIDERP/REDE LFG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Chalana Silva. Responsabilidade socioambiental e a Eco Rio +20. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2929, 9 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19509. Acesso em: 19 abr. 2024.

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