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Legitimidade e eficácia da jurisdição constitucional.

A necessária adequação ao modelo jurídico adotado

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13/07/2011 às 10:31
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2.O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

O poder sempre encantou e desencantou a humanidade. Os conflitos e a busca de autoridade, bem como os desvios no exercício do poder, a corrupção, o corporativismo, a busca de espaço político e de influência, sempre permearam a história humana. Esse fato ocorre destacadamente no seio do Estado, porquanto, na condição de figura central e absorvedor dos temas coletivos, representa ele a posição de evidência e de destaque dentro da sociedade.

Por conta desse precedente, seria estranho se inexistissem conflitos e disputas por posições dentro da estrutura estatal. Tendo em vista a defeituosidade inerente ao ser humano, nascido de forma egoísta, sozinha e individualista no ventre materno, além de criado com todos os caprichos e atenção, ou recebendo essa dose de egoísmo da própria sociedade ou das dificuldades porventura enfrentadas no decorrer da vida, observa-se que essa individualidade e a busca de seus próprios interesses acabam ocasionando desvios em sua conduta.

Sendo a classe política extraída dentre o povo, composto justamente por essas pessoas inerentemente defeituosas, não causa espanto que ela carregasse consigo certa dosagem de egoísmo.

Ao ser criado o Estado, por esta classe política, há o conluio e as manobras para o estabelecimento e a promoção pessoal sob o manto do poder público, buscando os governantes sempre uma maior concentração de poderes nas mãos.

Estes desvios no exercício do poder levaram, na história humana, ao desprezo para com os indivíduos e ao absolutismo estatal. O constitucionalismo aparece para combater esse modelo de Estado e, mesmo após estabelecido o Estado de Direito, limitar essa ânsia de poder e de influência. A jurisdição constitucional, por sua vez, tem por função garantir e efetivar esses limites, podendo ratificar ou não um ato estatal.

Como dito no título anterior, não se pode esperar que a jurisdição constitucional não possua seu liame político. Afinal, suas decisões podem ter reflexos nos assuntos políticos. O que não pode ocorrer é se tornar centro de manobras políticas.

A política, de fato, não pode ser apartada da jurisdição constitucional, mas o que mudou, a partir do constitucionalismo, foi a posição de supremacia que passou da pessoa do governante para o Direito. A política teve de sucumbir aos interesses da ordem social, tendo em vista que passou a não mais ter a "liberdade dos monarcas ou parlamentos absolutistas, mas se sujeitava, ela própria, a vinculações jurídicas que deveriam garantir a justiça do direito criado pelo Estado" (GRIMM, 2006, p. 119).

Apesar de a origem do Estado não estar condicionada a nenhum ato jurisdicional, sua manutenção e estabilidade estão implicitamente ligadas ao trabalho da jurisdição constitucional, desde que ela seja legítima e exercida a contento, com competência, com qualidade, com lisura, sem jogo de interesses, nem influências externas. Que não seja corrompida. Que seja eficiente, célere, debelando rapidamente, por assim dizer, qualquer sinal de fogo destruidor que possa pôr em risco a estabilidade estatal ou social.

Criado o poder na estrutura do Estado Moderno e estabelecido o constitucionalismo e a supremacia da ordem constitucional, passando-se a entender que esta trouxe consigo a sua própria jurisdição, surgiu a questão sobre que pessoa ou órgão estatal deveria receber a incumbência de efetuar o controle de constitucionalidade.

Passou-se a indagar sobre quem deveria exercer esse controle, se essa designação deveria recair sobre um dos poderes estatais (legislativo, executivo ou judiciário), ou sobre o chefe do executivo, ou sobre um órgão colegiado diverso dos poderes típicos do Estado. Independentemente de quem recebesse a incumbência, seria necessário que as pessoas envolvidas tivessem a indispensável imparcialidade e independência, mantendo-se o mais afastado possível das influências políticas e dos interesses escusos. A jurisdição constitucional deve, portanto, se prender a uma "instância neutra, mediadora e imparcial na solução dos conflitos constitucionais" (BONAVIDES, 2003, p. 318).

Outro importante elemento para o correto exercício da jurisdição constitucional é a independência do órgão dela encarregado. Esta independência, conforme a abordagem do professor José de Albuquerque ROCHA, significa "a negação de sujeição a qualquer poder", enquanto que a imparcialidade implica em que o "juiz deve manter uma postura de terceiro em relação as partes e seus interesses". Tanto a independência quanto a imparcialidade "são meios para a realização de um mesmo valor: a sujeição do juiz unicamente à lei" (1995, pp.28, 30).

Deve-se frisar, contudo, que a imparcialidade não se confunde com a neutralidade, que se torna uma retórica na medida em que nenhum ser humano está imune à escala de valores que acompanham a sua vida. Mas isto não impede que o julgamento seja imparcial.

Entre a teoria e a realidade, entretanto, fazendo com que a independência e a imparcialidade se transformem em algo real, efetivo e eficaz, exige-se o implemento de "mecanismos capazes de impedir a atuação dos fatores reais do poder, principalmente os de natureza político-econômica, influentes, como sabemos, em qualquer processo decisório, portanto, também no judicial" (ROCHA, 1995, p.29).

Paulo BONAVIDES indica ainda um problema que ronda a jurisdição constitucional: a questão da legitimidade. Para ele, é preciso fazer a distinção entre a legitimidade da jurisdição constitucional e a legitimidade no exercício dessa jurisdição. E acrescenta: "A primeira é matéria institucional, estática, a segunda axiológica e dinâmica; aquela inculca adequação e defesa da ordem constitucional, esta oscila entre o direito e a política" (2003, p. 318).

É indiscutível a legitimidade da jurisdição constitucional, tendo em vista ser extraída da própria Constituição. No entanto, é questionável a legitimidade do seu exercício dependendo do órgão e do sistema escolhido, bem como de sua composição e forma de acesso.

De fato, a legitimidade do próprio sistema, como um todo, necessita de salvaguarda. Falando acerca da legitimidade da norma jurídica – que envolve os textos constitucionais por serem as normas primeiras do ordenamento – Arnaldo VASCONCELOS, estabelecendo o ponto de toque com a justiça (no sentido duplo de lei e aplicação da lei), abordando a legitimidade do poder institucional do Estado, faz menção à "primazia da instância da justiça sobre a instância da legitimidade", concluindo que "é a verificação da ausência de justiça, que conduz ao reexame da autoridade do poder institucional" (2002, p. 257).

A justiça, assim como a legitimidade, é instância de valor, sendo que a justiça deve ser verificada tanto na elaboração quanto na aplicação da norma jurídica (VASCONCELOS, 2002, p. 233). A resultante desses dois momentos acaba servindo também como fator de avaliação da legitimidade institucional do poder. Tais instâncias de valor – justiça e legitimidade – envolvem também a Constituição, posto ser a Norma Jurídica Maior do ordenamento. O exercício de qualquer poder, para ser legítimo, tem de estar equidistante entre dois polos: do anarquismo, que advém do individualismo exacerbado, e do despotismo, onde figura o poder ilimitado, a lei de um só para todos (2002, p. 236).

A legitimidade e a justiça, por sua vez, são instâncias valorativas que devem caracterizar a jurisdição constitucional, porquanto seus posicionamentos tenham influência sobre a sociedade. Isto porque, a ordem constitucional não cria, estrutura e representa apenas o Estado, sendo reflexo de toda a pluralidade social (DINIZ, 2002, pp. 180-191).

Essa grande responsabilidade e a elevadíssima função social da jurisdição constitucional tornam complexa a definição do sistema e do órgão dela encarregado, sendo necessário verificar a sua compatibilidade com o sistema jurídico adotado, além de ser imprescindível verificar a psicologia, a história e a tendência política do povo, para somente depois definir qual o melhor modo de organizar e definir o exercício dessa jurisdição.

Desse modo, passa-se à análise dos dois sistemas jurídicos que mais se notabilizaram na história da humanidade: o americano, com a common law, e o europeu continental, com o civil law.


3.MODELOS DE JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Na história da humanidade, é possível observar que foram desenvolvidos vários sistemas jurídicos, todos aplicados no interior dos diversos Estados, como o direito canônico, o direito hindu e o direito judaico. "Os diversos direitos exprimem-se em múltiplas línguas, segundo técnicas diversas, e são feitos para sociedades cujas estruturas, crenças e costumes são muito variados", sendo que, entre eles há elementos variáveis e elementos constantes do direito, além de possuir, cada sistema, suas características próprias, como certo vocabulário, certos conceitos, categorias, técnicas, concepção da ordem social, modo de aplicação, função própria (DAVID, 1998, p. 15).

Apesar de existirem variados sistemas jurídicos, poucas foram as famílias do direito que se desenvolveram, notabilizando-se os grupos da common law e da civil law, além da família dos direitos socialistas (DAVID, 1998, p. 17).

A jurisdição constitucional, por sua vez, na condição de área jurídica de resolução de conflitos constitucionais, precisa estar adaptada e em consonância com o sistema jurídico adotado. A existência de incongruências entre a jurisdição constitucional e o sistema no qual está inserida, pode levar à falta de legitimidade e à inefetividade de suas ações.

Daí ser importante abordar os dois mais adotados modelos de jurisdição constitucional, o americano (na common law) e o europeu (na civil law), porquanto os mesmos seguiram seus respectivos modelos jurídicos. Também pertine observar se é possível misturar a jurisdição constitucional de um com o modelo jurídico do outro. Primeiramente, devem-se verificar os dois modelos e suas escolhas de jurisdição constitucional.

Acerca dos modelos de jurisdição constitucional, tem-se o modelo de fiscalização política, do tipo francês, ainda seguindo os dogmas do constitucionalismo da França dos séculos XVII e XIX; o modelo de fiscalização judicial (judicial review) desenvolvido pelos Estados Unidos, a partir de 1803; e o modelo de fiscalização jurisdicional concentrada em um Tribunal Constitucional ou austríaco ou europeu (MIRANDA, 2009, p. 499).

O assunto tem plena ligação com o princípio da separação dos poderes e com o princípio democrático, além da confiança ou desconfiança histórica no trabalho do judiciário.

3.1Modelo americano: controle constitucional difuso pelo Poder Judiciário

No direito americano, o controle de constitucionalidade é realizado de modo difuso, ou seja, todos os juízes podem ser provocados a se pronunciar sobre a constitucionalidade das leis, cujo efeito do provimento se limitará às partes envolvidas. Essa difusão do controle, porém, é juridicamente coerente com o sistema adotado naquele país, no caso, a common law, modelo que dá maior margem de interpretação aos magistrados, tendo em vista se basear nos precedentes judiciais.

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Como todos os juízes, no sistema americano, são competentes para o exercício da jurisdição constitucional, frisa-se que o julgamento por eles efetuado "parece estar em um meio termo entre o trabalho de um juiz ordinário e o de um juiz constitucional" (ROSENFELD, 2007, p. 227).

O constitucionalismo americano nasceu da certeza de que a Constituição é a expressão direta da vontade popular, a encarnação do pacto social. Baseado na organização federativa, caberia à Constituição a função de regular as relações existentes dentro da federação.

No exercício do poder estatal, os americanos, diferentemente dos europeus, sempre confiaram mais no judiciário do que nos outros poderes, especialmente no legislativo. Vários fatores contribuíram para isso, como a doutrina do chamado "realismo jurídico" (que destacava o papel ativo do juiz na criação do direito); o aparecimento histórico do juiz como superior ao legislador; a desconfiança para com a assembleia inglesa, cujas leis eram consideradas arbitrárias pelos americanos; e a influência da common law inglesa, que é direito de origem judicial, apesar do declínio do judiciário na Inglaterra, fato não ocorrido em suas ex-colônias americanas após a independência.

O fato é que o modelo americano de controle de constitucionalidade não se deu por meio de estudos e da análise consciente acerca da melhor opção, mas sim de forma natural diante da prática de seus juízes (ROCHA, 1995, pp. 89-92).

De acordo com a família jurídica da common law, predomina sobre a lei a interpretação judicial. Por mais rica que seja a atividade do legislador, seus comandos necessitam de uma ratificação judicial, passando pelo crivo da aplicação prática. Com isso, há a supervalorização do trabalho dos juízes.

No direito americano essa proeminência e difusão judicial, que levou a uma grande confiança no poder judiciário, têm ainda outras razões. Uma de raiz sociológico-colonial, outra de natureza geográfica e a última de natureza jurídica.

A epígrafe sociológico-colonial diz respeito à inexistência de juristas, nas colônias americanas, especialmente no século XVII, o que inviabilizava a sistematização e adaptação da common law. Havia, portanto, a escassez de juristas e de magistrados devidamente treinados e com uma formação jurídica adequada. Num primeiro momento, como solução para o problema, pensou-se em realizar uma codificação, o que desnaturaria o pensamento jurídico inglês. No século XVIII, todavia, mudou-se o pensamento acerca da solução a ser dada ao problema, especialmente pelo surgimento da necessidade de um direito mais evoluído e amadurecido, que destinasse proteção às liberdades contra o absolutismo. A independência americana se deu neste mesmo século (XVIII) e trouxe consigo o ideal de autonomia do direito americano.

Juntando-se a independência com o movimento que já vinha se desenvolvendo no sentido de modificar a visão jurídica, valorizar a magistratura e formar os juristas próprios da América, mudou-se por completo o desenho jurídico americano. A resultante desse movimento de valorização da magistratura foi a difusão e a confiança no trabalho judicial, delegando-lhe, inclusive, a jurisdição constitucional.

A razão de natureza geográfica, que levou à difusão do trabalho judicial, é o fato da dimensão continental dos Estados Unidos da América que, diferentemente da Inglaterra, não poderia ter seus poderes muito centralizados.

E o motivo de cunho jurídico diz respeito à forma federativa de Estado, que permitia e exigia a difusão do poder, sendo também diferente da forma unitária do Estado inglês (DAVID, 1998, pp. 360-366).

Esses fatores contribuíram para a difusão, a valorização e a confiança no trabalho judicial americano. Mas o principal elemento justificador, que viabiliza essa difusão, incluindo a forma de interpretar e aplicar as leis, é o sistema da common law, que dá considerável margem de liberdade ao juiz para exercer seu mister jurisdicional.

A difusão do controle de constitucionalidade americano, contudo, não impede que determinado assunto seja decidido em última instância pela Suprema Corte. Mas esta, no uso de seu juízo de admissibilidade, pode não apreciar o caso, fazendo com que prevaleça a decisão derradeira do tribunal a quo. A Suprema Corte, no entanto, é órgão componente do Poder Judiciário, não tendo a mesma natureza do Tribunal Constitucional europeu.

Assim, no sistema americano é dado ao Poder Judiciário, de forma difusa, exercer o controle de constitucionalidade, havendo, para o correto desempenho dessa função, a liberdade interpretativa deixada pelo sistema da common law.

3.2Modelo europeu: tribunal constitucional (austríaco ou europeu)

Diferentemente do caso norte-americano, na Europa o judiciário passou a ser alvo de desconfianças, tendo ocorrido a sobrevalorização da atividade legislativa. Em vez de haver o controle judicial sobre a legislação, ocorre que o judiciário é que passou a ser alvo de limitações. Este fenômeno se deu, principalmente, com relação ao exercício da jurisdição constitucional, posto que o judiciário não foi dela encarregado, criando-se um órgão distinto e fora dos poderes estatais.

Pelo que parece, a desconfiança dos europeus para com o judiciário remonta ao pensamento revolucionário de 1789, porquanto, sob o antigo regime absolutista, os tribunais eram reacionários e corporativos, sendo parciais em proteger privilégios indevidos. O legislativo, na visão dos revolucionários, representava o povo (entenda-se, burguesia), diversamente da doutrina de Montesquieu, em que o legislativo era representante de uma casta privilegiada.

Outro aspecto que deve ser levado em conta no caso europeu é que, diante dessa hegemonia do legislador e da existência de uma só classe social, a Constituição não aparece como instrumento de estabilidade, tendo em vista que esta se encontra nas leis, não carecendo o legislativo de controle. Além disso, as constituições têm por meta conter o absolutismo e não o parlamento, resultando que este não necessita de limites.

No sistema constitucional europeu, portanto, havendo a proeminência do legislador, quem precisava ser limitado e controlado era o judiciário. Essa fiscalização passou a ser feita pelo legislativo, por meio de uma Corte de Cassação. Sob o império da lei, o judiciário se tornou um mero aplicador dos comandos legais, passando-se a viver dentro da estrita legalidade. Criou-se a "escola da exegese" e o "juiz boca da lei". Surge o fenômeno da codificação (ROCHA, 1995, p. 93-98).

Observa-se, então, o alijamento do poder criativo do juiz, partindo-se do falso pressuposto de que todas as situações eram previstas e reguladas na lei, não havendo a necessidade de que os magistrados fizessem qualquer interpretação mais extensiva, bastando a mera leitura gramatical do texto e a sua aplicação ao caso concreto. Com a desconfiança existente sobre o trabalho judicial, em que nem mesmo a lei poderia ser interpretada, mas tão-somente aplicada, a jurisdição constitucional passou longe da competência do judiciário.

A ideia de um Tribunal Constitucional como órgão jurisdicional não pertencente nem ligado a nenhum dos três poderes ganha força no segundo pós-guerra, especialmente com o novo constitucionalismo trazido em Weimar. Seu idealizador e primeiro doutrinador foi Hanks Kelsen. Sabedor de que não era possível importar dos Estados Unidos o sistema adotado naquele país nem mesmo o modelo da sua Suprema Corte, Kelsen defendeu a necessidade de criar um modelo de controle de constitucionalidade compatível o sistema jurídico romano-germânico (SOUZA JÚNIOR, 2002, pp. 109, 112, 113).

O sistema de direito da família romano-germânica traz consigo preceitos especialmente fundamentados nos ditames do direito civil, sendo que o fenômeno da codificação e do positivismo legislativo surgiu com as ideias iluministas e com as revoluções, notadamente da Revolução Francesa. Enquanto que a common law vale a sistemática do stare decisis, predominando os precedentes judiciais, sob a família romano-germânica prevalece o civil law. Enquanto que nos Estados Unidos a Constituição é sagrada; na Europa é a lei que é sagrada (VIEIRA, 2008, pp. 70, 71).

Para Hans KELSEN, se a Constituição havia de ser controlada, tal função não poderia ser entregue a um dos poderes que justamente deveriam ser alvo desse controle. Afinal, ninguém pode ser juiz em causa própria. E, como esse controle visa a proteger a Constituição de violações e o monarca era quem mais a ameaçava, necessário seria a criação de um órgão imune e abstraído dos poderes do Estado (2007, pp. 239-241).

Criava-se, então, o Tribunal Constitucional como encarregado de exercer a jurisdição constitucional e como meio mais compatível com o sistema jurídico romano-germânico, tendo em vista que este acaba tolhendo a liberdade criativa dos juízes. Esta Corte Constitucional não faz parte do judiciário e tem atribuições estritamente constitucionais.

O modelo kelseniano de Tribunal Constitucional é adotado em vários países, como Áustria, Espanha, Portugal, Peru, México, Chile, Equador e Uruguai, lembrando que não são todos os países da Europa que adotam este sistema (LIMA, 2009, pp. 142-150). O destaque maior desse modelo encontra-se na Alemanha.

3.3.Modelo francês: controle político

Dentro dos modelos de jurisdição constitucional, não se pode deixar de mencionar a existência de um terceiro modelo, menos usual, mas muito arraigado na França por conta do apego aos dogmas revolucionários e pela persistência de desconfiança sobre o trabalho jurisdicional fora do parlamento.

Assim, o modelo francês é do tipo político, sendo exercido pelo próprio parlamento por meio do Conselho Constitucional. Este sistema é também adotado na Holanda e em alguns países da Ásia e da África (MIRANDA, 2009, p. 499).

3.4A anomalia resultante da junção de modelos

Ao estudar os modelos jurídicos da common law e da civil law, é possível concluir que não é coerente que um possa utilizar o modelo de jurisdição constitucional do outro, porquanto as raízes da formação jurídica são diferentes para cada um deles, assim como são diversos os modos de resolução dos conflitos.

A formação jurídica na common law tem por base a liberdade interpretativa, mais liberta das amarras da lei, enquanto que, na civil law, prevalece o positivismo jurídico, submetendo-se o magistrado à vontade legislativa.

Com isso, o modo de resolução dos conflitos é também diverso para um e para o outro, porquanto é patente a margem de criação judicial do direito na common law. Não havendo o império da lei, coerente com ele é o sistema do controle difuso de constitucionalidade, posto a não prevalência do legislativo sobre o judiciário.

Do outro lado, como o juiz da civil law está ligado ao positivismo jurídico, sendo mais subordinado à lei, no caso, à vontade do legislador, não faria sentido a aplicação do sistema difuso de controle de constitucionalidade, tendo em vista que o magistrado não teria a independência necessária para julgar conflitos entre poderes.

A questão é a da busca de equilíbrio e controle no exercício do poder. Se ao judiciário, na condição de um dos poderes estatais, cabe a função do controle de constitucionalidade, não pode esta função ser submetida à vontade legislativa. Do contrário, não haverá efetivo e eficaz controle de constitucionalidade. Se o judiciário estiver sob o jugo da lei, não pode ele ser o encarregado do controle de constitucionalidade, devendo ser criado um órgão distinto dos poderes estatais para que esse controle seja legítimo e eficaz.

Assim, o controle de constitucionalidade difuso não é compatível com a civil law, não havendo lógica nem coerência na mistura entre um modelo jurídico de um com o modelo de jurisdição constitucional do outro.

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Sobre o autor
Michel Mascarenhas Silva

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR. Advogado. Professor da Universidade Federal do Ceará-UFC, da Universidade de Fortaleza-UNIFOR e da Faculdade Sete de Setembro-FA7.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Michel Mascarenhas. Legitimidade e eficácia da jurisdição constitucional.: A necessária adequação ao modelo jurídico adotado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2933, 13 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19527. Acesso em: 28 abr. 2024.

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