CONCLUSÃO
Resultante do estudo realizado é a conclusão acerca da importância da jurisdição constitucional para a manutenção e estabilidade das instituições que compõem o Estado de Direito.
Mas essa estabilidade não será mantida se a atividade dessa jurisdição não for realizada de maneira legítima, independente, democrática e compatível com o sistema jurídico adotado.
Qualquer anomalia ou influência danosa sobre o trabalho da jurisdição constitucional poderá retirar-lhe a eficácia e a efetividade, deixando a ordem constitucional vulnerável a crises e a manobras iníquas de natureza política, além de trazer uma paralisia nefasta na importante revitalização da ordem jurídico-constitucional.
Não restam dúvidas de que, no Brasil, há essa vulnerabilidade e essa paralisia, especialmente com a inserção da súmula vinculante. Assim, além de não existir um tribunal exclusivamente constitucional no país, compatível com o sistema jurídico adotado (da civil law), inseriu-se mais uma agravante – o poder normativo do Supremo Tribunal Federal, maior até do que o da função legislativa típica e até da própria Constituição da República. Este poder normativo sepultou por completo qualquer atividade criativo-interpretativa dos juízes e a sua indispensável independência.
Esse quadro deixa ainda mais à deriva a jurisdição constitucional brasileira, contanto falte ao Supremo Tribunal Federal a legitimidade como Corte Constitucional e, ainda mais, para exercer este poder normativo, sendo órgão de convergência de interesses políticos e mercadológicos.
Deveria o Supremo Tribunal ser transformado em instância última do Judiciário, deixando ele de ser a Corte Constitucional, e ser criado um Tribunal exclusivamente Constitucional, fora do Judiciário, encarregado do exercício do controle de constitucionalidade. Somente seguindo o modelo europeu de jurisdição constitucional, é que será possível, no Brasil, dar real estabilidade à ordem constitucional vigente.
REFERÊNCIAS
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Notas
- Somente na segunda metade do século XX é que o pensamento constitucional, pelo acúmulo de experiências e pelas reflexões até ali realizadas, chega a um grau de amadurecimento que permitiu estabelecer a Teoria da Constituição.
- Na Grécia antiga, a palavra constituição tinha sentido absolutamente limitado, sendo o vocábulo utilizado no sentido de legalidade e como sinônimo da pólis. Mais adiante, o uso romano da palavra constituto tinha o sentido de normas emitidas pelo imperador, mas que em nada se relacionavam com a estrutura do Estado. No obscurantismo da Idade Média, tendo havido grande estagnação filosófica e intelectual, a organização social se notabilizou pelos feudos, valorização dos dogmas religiosos e do teocentrismo, existindo, quanto ao Estado, o destaque ao absolutismo e a sua completa desestruturação (SALDANHA, 1982, pp. 13-16).
- O desenvolvimento do constitucionalismo e do pensamento constitucional, fazendo surgir o Estado de Direito moderno, teve como ponto vital o liberalismo, cuja doutrina não tem um momento histórico bem definido acerca de seu surgimento, sendo que alguns de seus traços já eram observados na Idade Média. O constitucionalismo se caracterizou, em seu início, pelo racionalismo, o laicismo, o individualismo burguês, o legalismo e a redução das intervenções estatais na sociedade. A base do Estado Moderno se deu, portanto, sobre o iluminismo e o liberalismo (SALDANHA, 1982, pp. 19-21).
- Competência tem o sentido de delimitação da área de trabalho, relacionada às possibilidades do exercício do poder, sendo definida, abstrata e previamente, por meio das regras jurídicas vigentes, enquanto que função se relaciona ao exercício da competência, correspondendo ao seu aspecto prático, a resultante da atividade exercida. Assim como na jurisdição comum, cujo trabalho é previamente delimitado pelas regras de competência, a jurisdição constitucional também deve possuir seu raio de atuação claramente estabelecido no ordenamento. Entendemos, porém, que a jurisdição constitucional tem uma única função, isto é, o resultado esperado de seu trabalho: proteção e revitalização da ordem constitucional vigente.
- A supremacia da constituição "resulta do fato de que, ao transformar Direito e política em fenômenos de mútua implicação, a Constituição representa uma estrutura normativa superior a todas as demais no interior da ordem jurídica, que estrutura juridicamente o Estado por meio das funções pelas quais ele atua e estabelece solenemente os fundamentos para a realização dos direitos fundamentais. [...]. Dentre os meios previstos nos ordenamentos jurídicos contemporâneos como técnicas de garantia da Constituição, destacam-se a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade" (DINIZ, 2002, pp. 100, 101).
- A interpretação da constituição e a mutação constitucional são dois aspectos de extrema importância, tendo em vista que é delas que ocorre a revitalização e atualização da ordem constitucional. O debate maior, em torno da interpretação e da mutação constitucional, diz respeito aos limites de seu exercício e de suas resultantes. Mencionamos os alemães Peter HÄBERLE e Konrad HESS, e o chinês Hsü DAU-LIN, como autores que se destacam na abordagem do tema.
- "Existem casos em que os inimigos da magistratura independente agem abertamente contra ela, mas há situações em que a destruição dessa independência é feita com disfarces mais ou menos sofisticados, podendo até assumir a aparência de homenagem a juizes e tribunais. E ocorrem situações em que os próprios magistrados, por ingenuidade ou leviandade, assumem a condição de cúmplices dos que promovem a desmoralização da magistratura, associando-se a demagogos e corruptos, acobertando ilegalidades de governantes, em troca de vantagens pessoais que nada têm a ver com a melhoria das condições de trabalho dos juizes e tribunais. Nesses casos os juizes é que são os principais inimigos da independência da magistratura" (DALLARI, 2008, p. 47).
- O professor ROCHA explicita o caráter autocrático para a escolha dos componentes dos tribunais como motivo adicional para a falta de independência funcional dos magistrados, sendo que essa autocracia tem vários reflexos indesejados: (1) é incompatível com o princípio democrático; (2) hierarquiza o Judiciário; e (3) induz-se a considerar as decisões dos tribunais mais importantes que a dos juizes singulares, acabando por influenciar as decisões destes, retirando-lhes a independência. A preocupação com as promoções pelo fenômeno do "carreirismo" e a ausência de liberdade para decidir acabam retirando do magistrado a independência e, por vezes, a própria imparcialidade (1995. pp. 42-51).