Artigo Destaque dos editores

Posse/porte de munição: crime de mera conduta que se consuma independentemente da apreensão conjunta de arma de fogo

22/07/2011 às 11:11
Leia nesta página:

Diuturnamente, como operadores do direito, vemo-nos diante de decisões judiciais e entendimentos doutrinários que aplicam o garantismo penal na sua vertente mais extrema. Em casos desse naipe, valem-se os estudiosos e aplicadores da lei de procedimentos intelectuais espúrios que deturpam a finalidade da norma penal, sob o argumento de que estão assegurando direitos ditos por eles constitucionais, mas que sequer constam expressa ou implicitamente no corpo de nossa Constituição Federal, ou que, quando amparados por princípios da Carta Magna, em razão do raciocínio por eles operado ser fruto de ilações abstratas, fogem dos exatos termos da norma penal.

Um dos exemplos mais expressivos do entendimento equivocado acima citado são as recentes decisões que anunciam ser indispensável para a configuração do crime de posse ou porte de munição a apreensão, em conjunto, de arma de fogo, posto que, para elas, a munição, por si só, não tem o condão de produzir qualquer lesão a bem jurídico tutelado pela norma penal, sendo sua apreensão isolada, portanto, mero irrelevante penal.

Peço vênia para transcrever duas delas, uma oriunda do Superior Tribunal de Justiça e outra advinda do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:

"Munição (porte ilegal). Arma (ausência). Potencialidade lesiva (inexistência). Atipicidade da conduta (caso). 1. A arma, para ser arma, á de ser eficaz; caso contrário, de arma não se cuida. Do mesmo modo, a munição necessita da presença da arma. 2. Assim, não comete o crime de porte ilegal de munição, previsto na Lei nº 10.826/03, aquele que, sem a presença da arma de fogo, carrega munição. Isto é, não há potencialidade lesiva. Recurso especial improvido. (STJ – RECURSO ESPECIAL; Resp 1113247 RS 2009/0059520-5. Órgão Julgador; T6 – SEXTA TURMA, Publicação: 30/11/2009)

"A posse ou porte de munição sem alcance à respectiva arma não tem capacidade para submeter a risco ou perigo concreto o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, impondo-se a absolvição por atipicidade da conduta. (TJRO, 0018367-08.2009.8.22.0022 Apelação, Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges, Revisor : Desembargador Valter de Oliveira, Publicado em 13/01/2011).

Todavia, não obstante o conhecimento jurídico ímpar dos prolatores e a sedução dos argumentos ostentados, ousamos discordar de seu conteúdo.

Antes de adentrar no cerne da questão, importante trazer a baila as razões da incriminação das condutas de possuir e portar artefatos bélicos, incluindo-se ai as munições.

Segundo as lições de Guilherme de Souza Nucci:

"(...) Observou-se, nos últimos dez anos, uma modificação essencial no quadro das leis de controle e repressão ao comercio e uso indevido de armas de fogo, com considerável melhora para a segurança pública. À época em que portar uma arma de fogo, sem autorização legal, era considerada mera contravenção penal, vislumbra-se uma situação caótica e havia a crescente popularização do uso de armas. Notava-se que a punição branda constituía um fator de incentivo a quem, embora cidadão honesto, resolvesse carregar ou manter em casa uma arma ilegal. Quantos não eram os crimes banais, cometidos em tolas discussões de correntes de acidentes de trânsito, pelo emprego de arma de fogo? Incontáveis. A falsa aparência de segurança, de quem portava arma, várias vezes, terminava em tragédia pelo uso indevido do instrumento vulnerante em brigas de bar e em casas noturnas. Era preciso tomar uma providência no campo legislativo, o que ocorreu primeiramente, em 1997, com a edição da Lei 9.437, transformando a contravenção penal de porte ilegal de arma de fogo em crime. Houve imperfeições na lei, que foi aprimorada pela edição do atual Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Buscou-se, inclusive, proibir por completo o comércio de armas de fogo no Brasil, invocando-se um referendo popular para aprovar ou desaprovar o art. 35, caput, da Lei 10.826/2003(...) Ocorre que, a proliferação incontrolada das armas de fogo pelo País pode levar à sensível piora na segurança pública, pois não somente o criminoso faz uso indevido desses instrumentos, mas também o pacato indivíduo que, pela facilidade de ter e usar uma arma de fogo, pode ser levado a resolver conflitos fúteis com a agressão a tiros, gerando homicídios e lesões corporais de toda especie cometidos de forma leviana e inconsequente(...) [01] (destacamos).

Fácil perceber, então, que a "mens legis" e "mens legislatoris", ao erigir as condutas de possuir ou portar artefatos bélicos como crime é única e exclusivamente tutelar a segurança pública, a paz coletiva.

Vai além esse doutrinador, ao comparar a criminalização dos artefatos bélicos com a tipificação penal das substâncias entorpecentes:

"(...) A mesma razão que leva o Estado ao controle rígido das substâncias entorpecentes, buscando preservar, na medida do possível, a saúde pública, também promoveu a edição da Lei 10.826/2003, almejando maior possibilidade de garantir a segurança pública e a paz social" [02]

Portanto, diferentemente do sustentado pelas decisões que ora debatemos, tem-se que o bem jurídico tutelado pelo delito descrito no artigo 12 da Lei Federal nº 10.826/2003 é a segurança pública, a paz coletiva e não a integridade física de um cidadão individualizado.

Situação idêntica é experimentada pelo crime de posse de drogas, quedado no artigo 28 da Lei Federal nº 11.343/2006, cuja objetividade jurídica não é a tutela da integridade física e psíquica do usuário isolado, que tem livre-arbítrio para fazer o que bem entender com seu próprio corpo, mas sim a saúde pública, a vida e integridade física da sociedade como um todo. Ao erigir tal conduta como criminosa, quis o legislador obstar, dificultar o uso da droga, tendo em vista a tutela da coletividade e não de uma pessoa só.

Assim, ao se prever no delito insculpido no artigo 12 do Estatuto do Desarmamento ser crime possuir munição, quis o legislador tutelar a coletividade, a paz social, a segurança pública e não a integridade física deste ou daquele indivíduo isoladamente.

Portanto, ao utilizarmos tais considerações como premissa, forçoso concluir que a tese ora guerreada, que sustenta a indispensabilidade da apreensão da arma de fogo junto com a munição para a configuração do delito de posse ou porte de arma cai por terra, pois tal crime, por ter como objetividade jurídica a tutela da segurança pública, da paz social, consuma-se com a simples conduta de portar ou possuir a munição, ou seja, trata-se, pois, de crime de mera de conduta ou de perigo abstrato.

Nestes termos, a lesividade jurídica está presente na simples posse da munição, pois adquirida, seja de forma paga ou gratuita, mediante comércio ilegal, figura esta que a lei pretende combater, conforme já citado alhures.

Em outras palavras, para se combater o comércio ilegal de artefatos bélicos, tem-se como condição "sine qua non" a repreensão daqueles que se valem dessa atividade, auferindo lucros ou não. Sendo mais claro, ao se repreender aquele que possui ou porta arma, munição e outros artefatos de forma irregular atua-se visando atacar o tráfico ilegal desses objetos e não só a conduta individualizada do possuidor ou portador, daí porque se sustentar que o crime em apreço é de mera conduta, tornando desnecessária, para sua consumação, a ofensa a bem jurídico individual.

Portanto, a lesividade jurídica, "in casu", está presente no simples fato do agente possuir ou portar a munição sem a autorização ou em desacordo com determinação regulamentar.

Nesse sentido, trago à baila vasta jurisprudência:

48355150 - APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. APREENSÃO DE 154,08G DE MACONHA E 20,64G DE COCAÍNA. PRISÃO EM FLAGRANTE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. REJEIÇÃO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. PENA. REDUÇÃO. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DA CONDUTA SOCIAL E DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA PARA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS OBJETIVOS NÃO ATENDIDOS. ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. REGIME INICIAL FECHADO IMPOSTO PELA LEGISLAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há nulidade, no caso dos autos, da prisão em flagrante, pois os policiais, investigando denúncia anônima sobre tráfico e uso de entorpecentes, observaram que o apelante comercializou droga em seu domicílio, o que autoriza o ingresso neste ainda que sem autorização judicial. Ademais, como os crimes de tráfico de drogas e de posse ilegal de munição de uso permitido são permanentes, sua consumação e, consequentemente, o estado de flagrância, se prolongam no tempo. Assim, havendo flagrante delito, o princípio da inviolabilidade do domicílio - que não é absoluto - fica mitigado, como autoriza o próprio artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal. 2. Estando a autoria do crime de tráfico de drogas devidamente caracterizada pelos depoimentos harmônicos e coesos dos policiais, tanto na Delegacia quanto em Juízo, e pela prisão em flagrante do réu, incabível a absolvição do apelante. 3. Descabida a desclassificação do crime de tráfico ilícito de drogas para o crime de porte para consumo próprio quando o condenado, além de ter sido surpreendido com mais de 150 gramas de maconha e 20 gramas de cocaína e com dinheiro distribuído em várias notas de diversos valores, é visto em atitude suspeita, entregando algo a terceira pessoa e recebendo dinheiro em troca. 4. A doutrina e jurisprudência consideram o crime de posse de munição como de mera conduta e de perigo abstrato, sendo irrelevante, para sua configuração, a ocorrência de resultado lesivo ou situação de perigo concreto. 5. Não pode a folha penal servir de base para a avaliação desfavorável da circunstância judicial da conduta social, a qual deve ser extraída da projeção do indivíduo enquanto ser social. 6. Deve ser afastada a avaliação negativa das circunstâncias do crime quando não apontados pela sentença quaisquer elementos que não aqueles ínsitos ao próprio tipo penal. 7. A incidência de circunstância atenuante não autoriza a redução da pena-base para aquém do mínimo legal. Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. 8. Não preenchidos os requisitos objetivos estabelecidos no artigo 44 do Código Penal, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 9. Considerando tratar-se de condenação pela prática do crime de tráfico de drogas, cometido em 28/7/2010, a eleição do regime prisional no inicial fechado decorre de expressa previsão legal (artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990) 10. Recurso conhecido, preliminar rejeitada e, no mérito, parcialmente provido para, mantida a sentença que condenou o apelante nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, e do artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, afastar, quanto ao primeiro crime, a avaliação negativa da conduta social e, quanto ao segundo crime, a avaliação desfavorável da conduta social e das circunstâncias do crime, reduzindo-se sua pena para 05 (cinco) anos e 09 (nove) meses de reclusão, 01 (um) ano de detenção, no regime inicial fechado, e 570 (quinhentos e setenta) dias-multa, no valor mínimo legal. (TJDF; Rec. 2011.01.1.002108-4; Ac. 495.133; Segunda Turma Criminal; Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati; DJDFTE 12/04/2011; Pág. 163) (destacamos)

"HABEAS CORPUS. POSSE DE MUNIÇÃO E ACESSÓRIOS DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. POTENCIALIDADE LESIVA DO ARMAMENTO APREENDIDO. IRRELEVÂNCIA. DESNECESSIDADE DO EXAME. CRIME DE MERA CONDUTA. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO MANTIDO. 1. O simples fato de possuir munição e acessórios de arma de fogo de uso restrito caracteriza a conduta descrita no art. 16, da Lei n. 10.826, por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto imediato é a segurança coletiva, configurando-se o delito com o simples enquadramento do agente em um dos verbos descritos no tipo penal repressor. 2. Ordem denegada" (HC 95604/PB 2007/0284093-2 Rel Ministro Jorge Mussi – 5ªT – Dje 03/05/2010 – STJ)

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 14 DA LEI 10.826/03. POSSE DE MUNIÇÃO. APREENSÃO DA ARMA DE FOGO. IRRELEVÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A posse de munição sem a devida autorização da autoridade competente configura o delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/03, sendo irrelevante a não apreensão da arma de fogo compatível com os projéteis. Precedentes. 2. Recurso especial conhecido e provido para, anulando o acórdão recorrido, restabelecer a sentença condenatória" (Resp 1119270/RS 2009/0013263-0 – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – Dje 03/05/2010).

"Informativo nº 457 – STF. A turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende, por ausência de potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido, o trancamento da ação penal instaurada contra denunciado pela suposta prática do crime de porte de munição sem autorização legal (Lei 10.826/2003, art. 14), sob o argumento de que o princípio da intervenção mínima do Direito Penal limita a atuação estatal nessa matéria. O Min. Eros G|rau, relator, não obstante seu voto proferido no RHC 81057/SP (DJU de 29.4.2005), no sentido da atipicidade do porte de arma desmuniciada, indeferiu o writ por entender que a interpretação a ser dada, na espécie, seria diferente, uma vez que se trata de objeto material diverso: porte de munição, o qual é crime abstrato e não reclama, para sua configuração, lesão imediata ao bem jurídico tutelar. Após, o Min. Joaquim Barbosa pediu vista. (HC 90075) (grifei)

"Informativo nº 497 – STF. A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que a Defensoria Pública da União sustenta que o simples porte de munição sem autorização legal não representa ofensa ao bem jurídico protegido pela Lei 10.826/2003, qual seja, a paz social. O Min. Joaquim Barbosa, relator, indeferiu o writ, no que foi acompanhado pelo min. Eros Grau. Ressaltando que a intenção do legislador fora de tornar mais rigorosa a repreensão aos delitos relativos às armas de fogo, considerou que o crime de porte de munição seria de perigo abstrato e não feriria as normas constitucionais nem padeceria de vícios de tipicidade. Enfatizou que a aludida norma tem por objetivo a proteção da incolumidade pública, sendo dever do Estado garantir aos cidadãos os direitos fundamentais relativos à segurança pública. Ademais, asseverou que, no caso, o paciente também fora condenado, em concurso material, pela prática do crime de receptação, não sendo o porte de munição um fato isolado. Assim, tendo em conta essas particularidades, concluiu no sentido da tipicidade material da conduta, aduzindo que, para se afirmar o contrário, seria exigível o revolvimento das provas dos autos, incabível na via eleita. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Cezar Peluso" (HC 92533). (destaquei).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Portanto, o delito em tela consuma-se independentemente da ocorrência do resultado naturalístico específico, bastando a posse ou o porte da munição para a incidência do tipo penal.

Ainda, importante destacar que o crime em comento abarca várias figuras típicas: possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo (1), acessório (2) ou munição (3). De molde que, na verdade, cria três condutas criminosas distintas, uma para cada figura, pois possuir/portar arma de fogo é distinto de possuir/portar acessório que, por sua vez, não se identifica com possuir/portar munição.

E a previsão legal da diversidade de artefatos foi intencional, pois quis o legislador, com isso, consignar expressamente que cada figura típica, muito embora esteja descrita no mesmo tipo penal, constitui um delito isolado.

Ora, e se é assim, ou seja, se o simples fato de possuir ou portar munição é expressamente considerado como crime, exigir a apreensão da arma de fogo em conjunto com a munição, como é o entendimento sustentado nas decisões debatidas, fato este (possuir/portar arma de fogo) que é considerado crime por si só, seria um contra-senso, tornando letra morta a previsão expressa da posse/porte de munição. E as leis não contém palavras inúteis, como bem propalado pela doutrina jurídica.

Em outras palavras, exigir para a configuração de um tipo penal (posse/porte de munição) um elemento (apreensão também da arma de fogo) que, por si só, seria suficiente para a consumação de um outro delito (posse/porte de arma de fogo), seria condenar de morte a figura típica inicial (posse/porte de munição), vez que essa seria desnecessária, posto que já consumado o outro delito (posse/porte de arma de fogo).

Certamente essa não era e não foi a intenção do legislador. Pelo contrário, ao prever vários artefatos bélicos no tipo penal, quis criar uma conduta criminosa para cada um deles, conclusão esta que não se coaduna com a posição exposta nas decisões guerreadas.

Ademais, se considerado penalmente atípico o fato de a munição ter sido apreendida sem o objeto que a aciona, igualmente seria atípica a conduta de portar droga sem seu respectivo "veículo" (v.g. seringas, cachimbo, papel-seda etc), pois apesar de conter princípio ativo, constatado por meio de perícia (equivalente à potencialidade lesiva da arma/munição), não haveria viabilidade de ministração da substância.

Assim, é equivocada a premissa de que a ausência do "veículo" leva à atipicidade da conduta.

Outrossim, a aferição da (in)eficiência passa necessariamente pela análise do art. 17 do CP, e considerando que "arma" e "munição" apresentam funcionamentos (e defeitos) diversos, é até possível que um ou outro apresente inviabilidade, e isso não necessariamente levaria à atipicidade da posse destes artefatos.

Mais. Ainda que apresente defeito, a perícia deve indicar se tal mal-funcionamento é superável; pois se for, a ineficácia não é absoluta, mas relativa, fugindo dos estritos termos do citado art. 17 do CP.

Portanto, com base em todas as argumentações acima expostas, temos que as decisões transcritas alhures, com o devido respeito, não merecem prosperar no mundo jurídico, devendo ser repelidas pelos operadores do direito, haja vista que os crimes em tela têm como objetividade jurídica a paz social e a segurança pública, bens estes solapados com a simples conduta de possuir ou portar munição em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Do contrário, a prevalecer o entendimento ora guerreado, desnecessário seria este tipo penal.


Notas

  1. In Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Ed RT, 1ª ed, pág, 249.
  2. ibidem
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Pablo Hernandez Viscardi

Membro do Ministério Público do Estado de Rondônia; Promotor de Justiça Curador do Meio Ambiente e Urbanismo da Comarca de Vilhena/RO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VISCARDI, Pablo Hernandez. Posse/porte de munição: crime de mera conduta que se consuma independentemente da apreensão conjunta de arma de fogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2942, 22 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19597. Acesso em: 2 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos