A matéria por mim escrita sobre o reconhecimento de firmas perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, anteriormente publicada, causou reação, especialmente, por parte daqueles que o defendem, preocupados, principalmente, com a segurança jurídica e com eventual responsabilização do órgão registrador em razão da existência de documentos maculados por assinaturas falsificadas.
Os que assim procederam o fizeram com fundamento no "caput" do artigo 1.153 do NCC, que estabelece que "cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados".
Cabe observar, de plano, que o citado artigo faz referência, exclusivamente, à verificação da autenticidade e legitimidade do signatário do requerimento, nada mencionando sobre os demais documentos trazidos a registro.
Quanto ao exame da autenticidade da assinatura do requerente, não me parece, "data maxima venia", que isso significa a volta da antiga exigência de reconhecimento de firma, perante tabelião de notas, da petição do representante legal, a qual não é mais prevista no artigo 121 da Lei nº 6.015/73, face a nova redação que lhe deu a Lei nº 9.042/95.
Entretanto, penso que não só a assinatura constante do requerimento, mas também as demais assinaturas (dos sócios) apostas nos documentos exibidos a registro (contrato social, alteração de contrato social, etc...) sejam merecedoras de atenção por parte do registrador.
Assim sendo, a meu ver, a averiguação da autenticidade dos signatários deve restringir-se à exigência de apresentação de documentação comprobatória de suas identidades, ficando cópia das mesmas arquivadas perante o órgão registrador competente, já que obrigatoriamente instruirão o pedido de arquivamento (artigo 37, V da Lei nº 8.934/04).
Não é essencial que venham, pessoalmente, à Serventia, bastando que seja efetuado, para verificação da autenticidade das assinaturas, um cotejo das cédulas de identidade com os documentos apresentados. Somente se houver dúvida fundada, poderá ser exigido o reconhecimento de firma junto ao notário, o qual poderá ser feito, inclusive, por semelhança (não necessariamente por autenticidade).
Quanto à legitimidade para a assinatura do requerimento, a terão os administradores, os sócios, e, ainda, terceiros interessados, nos termos do artigo 1.151 do NCC. Tal legitimidade, pelo princípio da boa-fé, deve ser presumida.
Tenho para mim que, mais importante mesmo do que a verificação da autenticidade e legitimidade do signatário do requerimento, tal como previsto no aludido artigo 1.153, é a constatação de que o documento a ser registrado observa as prescrições legais.
Ao comentar referido dispositivo legal, o professor Newton De Lucca (Novo Código Civil Comentado, Editora Saraiva, que após a morte do Deputado Ricardo Fiúza, passou a ter a coordenação da professora Regina Beatriz Tavares da Silva), chega à seguinte conclusão: "Pode-se concluir, assim, que o Código Civil, neste artigo 1153, manteve o cuidado, já anteriormente existente, de zelar para que apenas os documentos observadores das prescrições legais possam ser arquivados nos órgãos competentes. Mas terá ido longe demais, ao que parece, ao exigir a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento. Se os atos e documentos apresentados estiverem em estrita observância das prescrições legais e regulamentares, qual é a necessidade de reconhecimento de firma? Mais do que isso, qual é a necessidade de ser o requerimento assinado pelo sócio ou pelo administrador se tal tarefa pode ser cumprida por funcionário despachante da sociedade?...Diz-nos a respeito o Prof. Arnoldo Wald (Comentários ao Novo Código Civil, cit., p.780): "A legitimidade do signatário também deverá ser analisada. Entendemos como parte legítima para requerer o arquivamento, conforme já referido no art. 1151 do NCC, qualquer interessado, seja sócio, administrador ou mero funcionário da sociedade. Se o documento preenche as formalidades legais, a legitimidade deve ser presumida. Mas não parece que um determinado ato possa ter seu registro indeferido por falta de legitimidade do signatário do requerimento, cabendo ao órgão competente atentar mais às formalidades legais do que à legitimidade".
O professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto (Direito de Empresa – Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, Editora Revista dos Tribunais), sucessor de Rubens Requião na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, assim interpreta o artigo 1.153: "Há, na regra, duas verificações atribuídas ao órgão registrador para a efetivação do registro: (a) uma que diz respeito ao documento ou, mais amplamente, ao objeto que é submetido a registro (averbação, autenticação, arquivamento, inscrição ou matrícula); e (b) outra que se refere ao requerimento que o encaminha para tal fim.
No que se relaciona com o objeto do registro, há uma análise formal do cumprimento das prescrições legais que ele deve preencher. Nesse mister, as atribuições vão desde a mais simples verificação da estrutura de um documento até outras, bem mais complexas, referentes ao seu próprio conteúdo. Cumpre, por exemplo, à Junta Comercial ou ao Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas, ao qual é apresentada uma procuração outorgada por uma sociedade nele inscrita, verificar, apenas, se o signatário dela tem poderes para representar a sociedade; em se tratando de ato constitutivo de sociedade, no entanto, a análise envereda em seu conteúdo para conferir se estão presentes as cláusulas essenciais (CC, art. 997), se tal instrumento atende às exigências do tipo escolhido, se se trata, em razão do objeto da atividade, de sociedade que deve ser nele inscrita, se estão presentes as assinaturas de todos os sócios, se está previsto que todos os sócios irão participar dos lucros e das perdas, etc. Não se compreende nessa análise a apreciação de aspectos que digam respeito ao interessa das partes ou situados no âmbito do seu livre poder de disposição, por mais estranhos que possam parecer ao analista.
Já quanto ao requerimento, a atuação do órgão registrador limita-se a verificar se aquele que o assina enquadra-se entre as pessoas que a lei autoriza pleitear o registro, quais sejam: o próprio empresário individual, no que se relaciona com atos ou fatos de interesse de sua empresa, o administrador da sociedade ou, na sua falta, o sócio ou aquele que possuía interesse direto no ato (CC, art. 1.151). Nisso esgota-se a tarefa de aferir a legitimidade do requerente.
Também é obrigação do órgão registrador conferir se estão presentes todos os documentos necessários à prática do ato que lhe é requerido. Estando-se diante de uma inscrição de uma sociedade empresária, por exemplo, o requerimento deve ser dirigido à Junta Comercial em cuja circunscrição irá atuar, instruído (i) com o instrumento original de sua constituição; (ii) com a certidão criminal do registro de feitos ajuizados, comprobatória da inexistência da prática de infrações penais que impeçam aos sócios e/ou administradores participar da sociedade; (iii) com a ficha cadastral, segundo o modelo aprovado pelo DNRC; (iv) com a prova de pagamento do preço dos serviços de registro; e (v) com documento de identidade daqueles que irão administrá-la (Lei 8.934/1994, art. 37).
A norma objeto destes comentários alude, também, em redação infeliz, à obrigação de ser conferida autenticidade daquele que requer o registro. É evidente que não se insere nas atribuições dos órgãos registradores verificar se a assinatura da pessoa que formula o requerimento é autêntica, porque tal função exige conhecimento técnico especializado. Não se trata, portanto, de reconhecer a firma do signatário do documento – ato que se insere entre as atribuições dos tabelionatos de notas -, mas de conferir, formalmente, se a assinatura lançada no requerimento aparenta ser da pessoa que ali está indicada como sua autora. Assim, se o requerente é Fulano e a assinatura é de Cicrano, deve ser recusado seu recebimento; se a assinatura é ilegível, não há como fazer conferência mais profunda e o requerimento terá de ser reputado como firmado pela pessoa que se declara requerente. Também não se trata de reintroduzir a exigência de reconhecimento de firma por tabelião, pois a lei a dispensa.
O Projeto de Lei 7.160/2002, previa a supressão da obrigação de verificação da autenticidade e da legitimidade do signatário do requerimento sustentando justificar-se "a alteração proposta, diante do grande número de falsificações nos documentos levados a registro e da falta de legitimidade do órgão de registro para observar e fiscalizar tais formalidades". Apesar de ter sido arquivado, era elogiável ao propor a supressão da conferência da autenticidade, mas equivocado ao pretender subtrair das funções do órgão registrador o controle da legitimação aparente do requerente do registro. É evidente que não lhe cabe investigar para além do que está no papel e, por isso, não há qualquer risco de que assuma responsabilidade quanto a falsificações. Aliás, seria até um meio de inibí-las".
Em suma, me posiciono no sentido de que a verificação da autenticidade e legitimidade do signatário do requerimento, por parte do registrador, conforme previsto no artigo 1.153 do Código Civil, deve limitar-se à exigência de apresentação de documentação comprobatória de sua identidade e de sua condição jurídica. O mesmo raciocínio se aplica aos demais documentos.
Nada contra o reconhecimento de firmas por tabelião, que tem, até, se mostrado um aliado do órgão de registro sob o aspecto da segurança jurídica. O que não se pode, contudo, é burocratizar, exigindo o que a lei expressamente não prevê, lembrando que o registrador está sujeito ao princípio da legalidade pública, que difere da legalidade privada.
Falando em (des)burocratização, o Governador do Distrito Federal, seguindo os passos do Governador de São Paulo, instituiu, no âmbito da Administração Pública daquela localidade, por meio do Decreto nº 28.772, de 28 de janeiro de 2008, medidas desburocratizantes, dentre as quais a dispensa de reconhecimento de firmas ou de autenticações de cópias de documentos por órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional, os quais deverão ser exigidos somente quando houver expressa previsão legal.
Esta parece ser uma tendência nacional, já que precisamos acabar com a idéia de que nosso País é um dos mais demorados no tocante à abertura e encerramento de "empresas".
Ademais, a desburocratização, se tiver que acontecer, ela atingir a ambos os órgãos registradores das pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, o Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) e o Registro Civil das Pessoas Jurídicas.