EXPEDIÇÃO DE ATESTADO DE ANTECEDENTES POLICIAIS E JUDICIAIS
Inobstante total desrespeito à todas as Constituições Brasileiras, exigir do candidato a vaga de trabalho que apresente não só o atestado de antecedentes criminais fornecido pelos Fóruns, mas também o atestado de antecedentes policiais fornecido pelas Delegacias Regionais, é ainda mais absurdo, uma vez que o art. 20 do Código de Processo penal prevê sigilo e seu parágrafo único veda em absoluto o fornecimento de qualquer informação sem que haja transito em julgado de sentença condenatória.
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior.
A Organização das Nações Unidas (ONU) preceitua à esse respeito em seu art. XI que "todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" resguardado no art. 5º da Constituição contemporânea em seu inciso LVII.
Não há, portanto, entendimento objetivo no requerimento de atestado policial de "boa conduta". Neste sentido, evidencia Guilherme de Souza Nucci:
[14]Não se quer, com isso, defender que o andamento de inquéritos façam parte do atestado de antecedentes, mas sim, que ele deixe de ser expedido pela autoridade policial, ficando a cargo do Judiciário o fornecimento de certidões para fins civis. Inexiste razão plausível para que a polícia judiciária expeça um atestado de conteúdo completamente inútil, pois nada do que ali possa constar já não é objeto da certidão expedida pelos órgãos judiciários.
Se é vedado o fornecimento de informações relativas à inqueritos em andamento, tampouco condenações sem transito em julgado ou cuja pena ja foi cumprida, servindo tão somente de lastro criminoso malicioso, caso alguém que deseje provar à um menos precavido, o que se demonstra explicito relativamente às empresas que solicitam tal atestado, este mesmo que responda a vários processos e inquéritos, ainda de crime hediondo e que ja tenham sido preso por diversas vezes, tera sempre um atestado de antecedentes policiais dizendo que possui "boa conduta", portanto, trata-se de documento sem valor real.
Além de tal vedação, há previsão no art. 93 do Código Penal do instituto da reabilitação, estipulando que esta "alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação."
Quanto ao prazo para requerimento das benesses da reabilitação, o Art. 94 prevê que a reabilitação pode ser requerida após 02 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, ou finda sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, desde que não haja revogação.
Com advento da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal, tornou-se desnecessário o pedido de reabilitação, pois o art. 202 assegura que "cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei", nesse sentido o sigilo sobre os antecedentes desde 1.984 passa a ser tácito, independente de requerimento do apenado.
Ressalte-se que "casos expressos em Lei", temos somente como requisito para comprovação da "boa conduta", o requerimento de atestado de antecedentes para funcionários ocupantes de cargos públicos concursados, e atualmente, como temos acompanhado na imprensa a Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, que rege as hipóteses de inelegibilidade visando proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato, vulgarmente conhecida como "ficha limpa".
Neste liame, por que é fornecido o atestado positivo de antecedentes, ou ainda, qual o fundamento jurídico para uma empresa privada requerer tal documento certificando a "boa conduta" do indivíduo?
PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Há previsão no art. 27 do Código Penal de que "os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial", reforçada pelo art. 104 do Estatuto da Criança e do adolescente, sob mesma previsão, sendo considerada a idade do adolescente à data do fato para responsabilização.
Na aplicação de medidas quando do cometimento de ato infracional, fica ressalvada a privacidade das informações como forma de respeito à intimidade, direito a imagem e reserva de sua vida privada.
Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas:
V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Ainda quanto ao sigilo das informações relativas ao cometimento de ato infracional, o art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente assim preceitua:
Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
Ainda no mesmo diploma legal, quanto à publicidade dos atos relativos ao cometimento de ato infracional por criança ou adolescente, o art. 143 "é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional". E o parágrafo único reforça que "qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome."
Já o fornecimento de atestado de antecedentes, quer seja policial ou judicial, só poderá ser emitido se demonstrado o interesse e justificada a finalidade, todavia, somente após deferimento da autoridade judiciária, conforme art. 144 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que significa que uma empresa só poderia requerer aos adolescentes essa certidão, mediante autorização judicial para cada um deles e devidamente fundamentada, o que inviabilizaria por completo a contratação de adolescentes para o trabalho.
OFENÇA MORAL AO CIDADÃO
Cumpre inicialmente conceituar que "são morais os danos e atributos valorativos (virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade(como, v.g., a honra, a reputação e as manifestações do intelecto)" [15], em outras palavras, "dano moral é o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico". [16]
A solicitação, ou melhor, a exigência dos atestados de antecedentes (boa conduta) por parte dos empregadores aos candidatos a emprego e sua vinculação direta e condicionante à vaga de emprego, tem revelado uma tendência histórica inscrita na materialidade do mundo empresarial e em sua reprodução.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos aduz em seu preâmbulo que:
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Em plena vivência de um Estado democrático de direitos, devemos abandonar algumas subculturas da sociedade burguesa que perdurou durante o período de "recessão" em nosso país, tal como é a exigência do atestado de antecedentes (boa conduta).
Nesse contexto, a necessária releitura do direito penal, a partir da Carta Constitucional, é tarefa que deve ser efetivada num ambiente de mudanças de modelo de estado, notadamente da passagem do modelo de estado liberal para o estado democrático de direito, que exige de todos, inclusive dos particulares, a vinculação aos direitos fundamentais. [17]
Deve-se cultivar na sociedade atual a "Cultura da Paz", onde a proteção dos direitos fundamentais, políticos, sociais e econômicos possa ser a realidade nas macro e micro relações sociais e institucionais.
No dia a dia do atendimento na 6ª Delegacia Regional de Polícia de Criciúma (SC), acompanha-se o visivel constrangimento dos cidadãos que vão solicitar uma confirmação de que possuem "boa conduta", como documento obrigatório para apresentar em entrevista de empresa privada para concorrer à uma vaga de emprego. Raros são os casos em que consta qualquer conduta dita "criminosa", sendo em sua maioria, cidadãos honrados e de moral ilibada. Há casos ainda, de pessoas que nunca entraram em uma delegacia, e que se assustam em descobrir que o documento que estão requerendo visa demosntrar não serem "criminosos".
Não menos oneroso, o constrangimento repete-se quando o cidadão é informado de que há uma taxa Estadual no valor de R$ 6,10 (seis reais e dez centavos) para expedição de tal documento, e constantemente há a negativa de contratação, fazendo com que o requerente retire diversas vezes essa documentação até conseguir um novo emprego.
O direito ao pleno emprego não é uma questão puramente econômica, é, sobretudo, social ou humanística. A massa marginalizada, punida pela estigmatização social, é uma alcatéia e sempre agirá como cão raivoso. Se houver perpetuidade dessa cultura como característica em nossa sociedade, haverá conseqüências desastrosas para a própria sociedade. Ao longo da história, têm-se diversos exemplos de reflexos negativos dessa estigmatização, como o aumento da criminalidade e da violência e os altos índices de reincidência criminal, que são as piores marcas.
METODOLOGIA
Foi desenvolvida pesquisa bibliográfica e doutrinária sobre a história constitucional dos direitos fundamentais, princípios constitucionais e de direito penal e do princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
Utilizou-se também o método de abordagem indutivo, baseado na experiência diária de estágio não obrigatório, realizado dentro do Programa "Novos Valores" instituído pelo Decreto nº 2.113/2009, conforme contrato junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, desenvolvendo os trabalhos de aprendizado na 6ª Delegacia Regional de Criciúma – SC, sendo observada a rotina de expedição dos "atestados de antecedentes" ou de "boa conduta".
CONCLUSÃO
Propõe-se com o exposto, uma mudança necessária e indispensável na efetividade do direito de igualdade entre os cidadãos que buscam as mesmas condições de oportunidade na contratação para o trabalho, disponibilizando suporte e devida orientação às empresas privadas, quanto a pratica do procedimento discriminatório aplicado quando da requisição de atestados de antecedentes judiciais e policiais dos candidatos as vagas de trabalho.
A não estigmatização do apenado é medida que se impõe como forma de manutenção da segurança pública, a fim de evitar a reincidência e a marginalização do cidadão de direitos.
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Notas
-
CARVALHO, S. de; CARVALHO, H. B.
de. Aplicação da pena e Garantismo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2004.p.15.
- CARVALHO, M. D. L. de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1992. p.44.
- PALAZZO, F. C. Valores Constitucionais e Direito Penal. Um estudo comparado. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Fabris Editor,1989.p.30.
- KREBS, P. Teorias a respeito das finalidades da pena. Revista Ibero-Americana de Ciências Criminais, Porto Alegre, n. 5, Janeiro/abril de 2002. p.103.
- KREBS, op. cit. p. 103
- KREBS, op. cit. p. 110
- LESCH, H. H. La función de la pena. Traducción de Javier Sánchez-Vera Gomes- Trelles. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2000.p.18.
- LUISI, L. Princípios Constitucionais Penais. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.p.174.
- LUISI, op.cit. p.186.
- CARVALHO, op.cit. p.44.
- FERRARI, E.. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.92.
- LOPES, M. A. R. Princípios políticos do direito penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 254.
- TAVARES, A. R. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 134.
- NUCCI, G. de S. Código de processo penal comentado. 5. ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p.122.
- BITTAR, C. A. Tutela dos Direitos da Personalidade e dos Direitos Autorais nas Atividades Empresariais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 24
- SILVA, W. de M. O dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993, p. 13.
- FONTANA, M. A sanção penal na perspectiva dos direitos fundamentais: finalidade e aplicação. Veritas: Canoas, 2006. p.15.