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Suspensão do direito de dirigir.

Inconstitucionalidades e ilegalidades da Portaria nº 1.385/2000 do diretor do Detran

Leia nesta página:

I – A introdução

Muitos motoristas ficaram surpresos quando tiveram ciência da suspensão do seu direito de dirigir pela Portaria nº 1.385, de 21.12.2000, do Diretor do Departamento Estadual de Trânsito do Estado de São Paulo.

Nesta Portaria consta os nomes dos motoristas que deverão entregar até o final do mês de janeiro de 2001 as suas Carteiras Nacionais de Habilitação – CNH à repartição de trânsito competente, para que sofram a penalidade da suspensão do direito de dirigir, em decorrência de terem praticados infrações de trânsito que já transitaram em julgado na esfera administrativa.

Em decorrência de serem a maioria das notificações realizadas via correio, o seu extravio e não recebimento pelos motoristas infratores ocasionou negativa do exercício ao direito à ampla defesa e contraditório contra os autos de infração.

Como restará demonstrado, tanto a Portaria nº 1.385/2000 quanto os processos administrativos que resultaram a suspensão do direito de dirigir são nulos, em face da falta de notificação pessoal dos infratores e por outras razões expostas neste trabalho.


II.1 – O Princípio do Devido Processo Legal e o artigo 265 do CTB - necessidade de notificação pessoal

Para os motoristas que não foram notificados pessoalmente das infrações de trânsito praticadas, não há como se negar que tanto a Portaria nº 1.385/2000, como os processos administrativos das infrações que acarretaram a suspensão da CNH são flagrantemente inconstitucionais, uma vez que para serem válidos deveriam ter garantido o direito à ampla defesa e contraditório contra as autuações de trânsito pela apresentação de defesa administrativa.

Como se não bastasse, em decorrência da falta de notificação pessoal, também foi-lhes negado o direito de comunicarem que seus veículos estavam sendo conduzidos por outras pessoas nos dias das infrações, como faculta o §8º do artigo 257 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).

O direito à ampla defesa e contraditório está consubstanciado no Princípio do Devido Processo Legal previsto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que acarreta a nulidade insanável dos atos administrativos quando não permitirem o seu exercício.

A notificação pessoal é condição necessária para a validade das autuações de trânsito, sempre que a residência do infrator for conhecida, como acontece no caso para a maioria dos motoristas pelas informações contidas no registro de seus veículos.

O Colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu que o infrator de uma infração de trânsito deve ser notificado pessoalmente, salvo se sua residência for desconhecida, sob pena da nulidade da penalidade imposta conforme comprova a seguinte ementa de decisão:

"Mandado de Segurança. Renovação de licença. Ocorrência de multa imposta sem notificação do infrator.

II- Não prevalecem até que seja regularmente intimado. Dita intimação é pessoal, salvo se desconhecida a residência do infrator"(1ª T do STF. Recurso Extraordinário nº 89.072-6. Relator Ministro Carlos Thompson Flores. j. 15.05.79 – DJ de 15.05.79).

Na mesma acepção é o entendimento do STJ no Recurso Especial nº 6.228-0, que deu posteriormente deu origem a Súmula nº 217 assim redigida:

"É ilegal condicionar a renovação de licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.

II.1.1 – O artigo 265 do CTB

A nulidade da Portaria nº 1.385/2000 e dos processos administrativos na situação exposta alhures, não somente tem origem na inconstitucionalidade por afronta aos incisos LIV e LV do artigo 5º da CF/88, uma vez que ambos também são ilegais por desrespeitarem o artigo 265 do CTB.

O artigo 265 do CTB dispõe que:

"As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamenta da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa".

Neste sentido, como o precitado dispositivo legal "assegura" ao infrator amplo direito de defesa, não há como se negar que se este direito "não for assegurado", a penalidade de suspensão estará sendo aplicada de forma ilegal.

Isto porque, repita-se, para que a suspensão seja válida, necessariamente, deverá ser permitida a ampla defesa do infrator antes de sua aplicação, sob pena de se fazer tábula rasa do que estabelece o artigo 265 do CTB.

Deve ser destacado que, a defesa permitida pela Portaria nº 1.385/2000 no prazo de 30 dias não ilide a sua ilegalidade por afronta ao artigo 265 do CTB, vez que, este dispositivo, deve ser interpretado no sentido de que antes de ser aplicada a penalidade, há que ser permitida a ampla defesa do infrator, pois será inócuo se a penalidade for aplicada anteriormente, aliás, como acontece na citada Portaria.

Ressalta-se ainda que, se a defesa apresentada nos termos da Portaria nº 1.385/2000 garantir a nulidade da pena de suspensão em decisão futura, o Estado de São Paulo se responsabilizará pelos prejuízos sofridos pelos motoristas que não puderam dirigir no período? Claro que não, o que mostra a falta de legalidade de se aplicar pena antes de ser possível a ampla defesa, que no caso dos motoristas não notificados não foi garantida na esfera administrativa.

Esta interpretação não poderia ser diferente, pois adota o entendimento do STF de interpretar as normas infra-constitucionais conforme a Constituição Federal, para que seus efeitos sejam sempre válidos perante o ordenamento jurídico pátrio.

Com efeito, se a Lei Maior abriga o Princípio do Devido Processo Legal conforme demonstrado alhures, do qual resulta a necessária intimação pessoal do infrator de infração de trânsito, a única interpretação válida do artigo 265 do CTB é a de que se não for garantida a ampla defesa a aplicação da penalidade será nula.


II.2 – A notificação pessoal é condição de validade das autuações – artigo 280 do CTB

Como se não bastasse, são nulos os autos de infração que deram origem aos processos administrativos dos quais resultaram a suspensão da CNH dos motoristas não notificados, viciando não somente eles, como a própria determinação da Portaria nº 1.385/2000.

Tal fato deve-se ao descumprimento da notificação pessoal do infrator por meio de sua assinatura, como um dos requisitos de validade dos autos de infração, conforme estabelece o inciso IV do artigo 280 do CTB:

"Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:

.....................................

VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração".

Como a residência dos motoristas são geralmente conhecidas no documento de registo do veículo é totalmente possível a sua notificação por assinatura – pessoal. Aliás, este direito está confirmado nas precitadas decisões do STF e STJ, que decidiram pela necessidade da notificação pessoal do infrator para a validade da aplicação da multa quando a sua residência for conhecida.

Somente não será possível a assinatura do infrator, nos casos em que sua residência for desconhecida ou se o veículo estiver em nome de pessoa jurídica, fatos que nitidamente não ocorreram na situação de vários motoristas penalizados com a suspensão da CNH.

Neste sentido, como era possível a assinatura do infrator nos termos do artigo 280 do CTB, não há como se negar a ilegalidade dos processos administrativos e da Portaria nº 1.385/2000 em relação aos motoristas não notificados, por terem origem em ato administrativo nulo representado nas autuações que não cumpriram as formalidades necessárias para sua validade.


II.3 – Os Princípios da Razoabilidade, da Proporcionalidade e da Publicidade dos atos administrativos

A Portaria nº 1.385/2000 afronta ainda o Princípio da Razoabilidade, pelo qual as autoridades do poder público devem elaborar normas razoáveis no sentido de permitir que as suas determinações tenham uma razão de ser perante os valores estabelecidos pela Constituição Federal.

A falta de razoabilidade desta Portaria é nítida, quando se verifica que inúmeros motoristas estão sendo penalizados com uma séria, sem que tenham tido a possibilidade de exercer à ampla defesa e contraditório garantidos não somente pela Lei Maior como pelo próprio CTB.

O Supremo Tribunal Federal vem admitindo a aplicação deste Princípio para declarar a inconstitucionalidade de legislação não razoável, como é a que aplica penalidades sem observar direitos garantidos pelo ordenamento jurídico pátrio, merecendo serem transcritas as palavras do Ministro Celso de Mello:

"A essência do subtantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, como o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal"(ADIN nº 1.407-2-DF).

Da mesma forma, a Portaria nº 1.385/2000 também desrespeita o Princípio da Proporcionalidade, pelo qual deve existir proporcionalidade entre os meios de que a Administração Pública se utilizada para garantir um fim.

Realmente os motoristas que não respeitarem as determinações legais devem ser penalizados, todavia, somente existirá proporcionalidade se a pena for imposta no fim de um processo administrativo que garantiu o direito à ampla defesa e contraditório.

O fim (suspensão de carteira) somente será proporcional quando o meio (processo administrativo) permitir o exercício de todos os direitos previstos na Constituição Federal e na lei (como é a apresentação de defesa após notificação pessoal), sob pena de ser inconstitucional o ato administrativo por desrespeitar o Princípio da Proporcionalidade.

Por outro lado, a Portaria nº 1.385/2000 também é nula por ser a sua determinação de suspensão dos motoristas não notificados originada em processos administrativos nulos, uma vez que como são uma série de atos administrativos visando um efeito final, somente teriam validade caso respeitassem todos os atributos para a validade dos atos administrativos previstos nos Princípios acostados no caput do artigo 37 da CF/88, como é o da publicidade pela ampla divulgação dos atos praticados pela administração.


II.4 – Artigo 261 do CTB – inconstitucionalidade por afronta ao Princípio da Legalidade

Mesmo que todos os motoristas citados na Portaria nº 1.385/2000 tivessem cometidos as infrações e notificados para apresentação de defesa, apenas para argumentar, jamais poderia ser-lhes imposta a penalidade de suspensão de suas CNHs, tendo em vista a flagrante inconstitucionalidade dos dispositivos do CTB que tratam desta penalidade.

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Isto porque, não há como se negar a inconstitucionalidade do artigo 261 do CTB por afronta ao Princípio da Legalidade previsto no inciso II, do artigo 5º da CF/88, porque por não ser norma em branco, jamais poderia ter conferido ao CONTRAN o poder de estabelecer o prazo de suspensão das CNHs. Segue a redação deste dispositivo do CTB:

"Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência, no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN".

Tais critérios estão previstos na Resolução nº 54/98 do CONTRAN, na qual foram dispostos os diversos prazos de suspensão em vista das infrações praticadas pelos motoristas, comprovando que o montante da penalidade de suspensão não é aplicada na forma da lei, mas diante de determinações não legislativas em desrespeito ao Princípio Constitucional da Legalidade.


II.5 – O Princípio da Proporcionalidade acarreta a inconstitucionalidade da pena de suspensão para algumas atividades

Como já demonstrado, o Princípio da Proporcionalidade tem relação com a necessária proporção entre os meios de que a Administração Pública se utilizada para garantir um fim.

Sob este prisma, sem considerar os argumentos expostos anteriormente, a suspensão da CNH para algumas atividade somente será possível após a análise da situação individual de cada motorista, porque os seus efeitos poderão não guardar a devida razoabilidade e proporção com as infrações cometidas, acarretando a inconstitucionalidade de sua aplicação.

Caso persista a suspensão da CNH de alguns motoristas, estar-se-á negado à eles o direito de exercerem devidamente a sua atividade profissional, garantirem a sua subsistência e de sua família, mormente quando o automóvel é instrumento essencial de trabalho (p.ex. advogados, médicos, vendedores etc.)

Os motoristas têm o direito a aplicação do Princípio Constitucional da Individualização das Penas previsto no inciso XLVI, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, pois somente assim a pena de suspensão terá sido aplicada de forma "individual", no sentido de se verificar a desproporção ou não entre seus efeitos e as infrações praticadas.

Esta situação é semelhante a que acontece na área do Direito Tributário, na qual se entende que a inexistência de individualização da pena e a desproporção entre o seu efeito e motivo acarretam a inconstitucionalidade da sanção tributária (pena), como demonstra a lição do jurista Helenilson Cunha Pontes:

"... Contudo, a aplicação desta sanção pode afigurar-se inválida, por ofensa ao princípio da proporcionalidade, se, considerando as características peculiares do indivíduo infrator, a efetiva imposição daquela sanção acaba resultando, por exemplo, no completo aniquilamento da sua atividade econômica" (PONTES, Helenilson Cunha. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E O DIREITO TRIBUTÁRIO. São Paulo: Dialética, 2000. pág. 137).


III – A Conclusão

Por tudo o que foi exposto, entendemos que os motoristas penalizados com a suspensão de suas CNHs têm o direito de ajuizarem ações judiciais, com o fim de cancelarem os efeitos da Portaria nº 1.385/2000 do DETRAN e dos autos de infração lavrados indevidamente pelas autoridades de trânsito.

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Sobre o autor
Fernando Dantas Casillo Gonçalves

advogado em São Paulo, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV, especialista em Direito Empresarial Internacional pelo CEU/SP, professor no Curso de Gestão Estratégica de Impostos na Trevisan/SP e do Curso de Direito Tributário Aplicado na IOB-Thompson/SP, membro-fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT) e do Conselho Consultivo da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), membro do Conselho Editorial das Revistas IOB de Direito Administrativo e de Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Fernando Dantas Casillo. Suspensão do direito de dirigir.: Inconstitucionalidades e ilegalidades da Portaria nº 1.385/2000 do diretor do Detran. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1969. Acesso em: 22 nov. 2024.

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