O recurso à guerra ou o uso da força (como denominado na Carta), é, dentro das normas modernas do Direito Internacional, um ato ilícito.
A guerra e diversos conflitos sempre estiveram presentes na órbita dos relacionamentos humanos e como consequencia dos choques entre os vários grupos de indivíduos existentes no planeta.
O Holandês Hugo Grotius, em sua obra "De jure Belli ad Pacis" de 1625, retratou a guerra como um acontecimento natural entre os indivíduos já formados em Estados, uma vez que os mesmos tinham o direito de se defenderem na conservação de seus territórios ante à ameaça de invasões de outros Estados.
O Jus ad bellun (o direito à guerra) foi um direito existente até o início do século XX, atribuindo ao uso da força um meio legítimo de defesa.
A guerra, desde então, começou a trilhar um caminho de banimento das condutas dos Estados com os dispositivos legais introduzidos pela Sociedade das Nações em 1919, anterior à Primeira Guerra Mundial, em seu artigo 12 onde instituiu o chamado "Pacto Moratório", cuja finalidade era de forçar os Estados, quando existir uma controvérsia capaz de causar rupturas, a submeterem a controvérsia à arbitragem ou a solução judiciária (exercida pela Antiga Corte Permanente de Justiça Internacional – atualmente Corte de Justiça Internacional), e podendo recorrer à guerra somente três meses após a decisão arbitral ou judiciária ou até mesmo do Relatório do Conselho da Sociedade.
Ao longo da história, vários documentos internacionais foram produzidos a respeito da guerra, sendo um dos mais importante a dar contornos de proibição ao uso da força foi produzido em 17 de agosto de 1928, em Paris e dando origem ao "Tratado de Renúncia à Guerra", amplamente conhecido por " Pacto Briand Kellog" em homenagem ao Secretário de Estado americano Frank B. Kellog e o Chanceler Francês Aristid Briand, e cuja disposição proibia definitivamente a guerra como recurso dos Estados para resolverem seus conflitos e como um novo aspecto na política internacional, devendo estes usar sempre dos meios pacíficos para que a paz seja alcançada, conforme artigo 2º, §3º do referido tratado.
Esta disposição foi adotada pela Carta das Nações Unidas que fez uso de outra nomenclatura, ao contrário da palavra "guerra"; fez-se uso do termo "uso da força" conforme disposto no artigo 2º, §3º da Carta.
A guerra, hoje, é um ilícito internacional e com sérias conseqüências para o Estado que insistir em violar esta regra pois este, quando ingressa como membro das Nações Unidas, aceita cumprir todas as determinações da Carta, sob pena de sanções.
Porém, a Carta faz a uma única exceção e autorizando o uso da força: no caso de legítima defesa, seja individual ou coletiva, na forma de seu artigo 51 e em clara exceção à regra inserida no citado artigo 2º.
O direito à legítima defesa segue-se a uma série de pressupostos para dar legitimidade aos atos de repulsa promovidos pelo Estado: quando o Estado for vítima de um ataque armado, contra um membro da ONU e até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e segurança internacionais.
Desta forma, a prática da legítima defesa denota alguns requisitos de caráter imediato e temporal: o uso da força deve ser o mínimo necessário a fim de reprimir o ato e até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias para cessar aquele distúrbio.
O uso da legítima defesa esteve presente na agenda internacional, principalmente depois dos atentados ao World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Diante de tais eventos, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 1.368 onde conferiu autorização ao Governo dos Estados Unidos a dar uma "resposta armada" aos ataques terroristas em seu território em nome da legítima defesa.
A partir disto, quando o terrorismo se tornou uma nova ameaça internacional, e, como nova tática de política internacional do Governo Norte Americano, este, em nome da legítima defesa, desferiu vários ataques ao Afeganistão, a fim de caçar e liquidar Osama Bin Laden, chefe da Al Qaeda, e em 2003 invadiram e atacaram o Iraque em ato não autorizado pelo Conselho de Segurança sob o motivo de estarem ali escondidas diversas armas químicas e de destruição em massa por ordem do Governo de Sadam Hussein e cujo uso ameaçaria a população da região e até mundial.
Tais manobras iniciadas pelos Estados Unidos geraram um clima de preocupação internacional onde, sob a alegação de que tais ataques estariam justificados com base na legítima defesa para defender os interesses das nações e invadir os territórios dos países e macular sua soberania, os outros Estados também estariam autorizados a iniciariem diversas operações militares contra os diversos Estados opositores sob aquela justificativa, mergulhando o mundo novamente no caos da guerra.
Pela sistemática da Carta, o uso da força só está autorizado quando justificado pela legítima defesa a um ataque armado já existente contra um Estado e, diante desta regra, é possível a existência da figura da "legítima defesa preventiva"?
A doutrina não chega a um consenso. Para alguns, o uso da legítima defesa só é possível em face da existência a um ataque atual, como prescreve o artigo 51 da Carta. Os que apóiam esta tese dizem ser ela um meio garantidor para que não haja ou perdure uma situação que seja capaz de quebrar a paz e segurança internacional.
A Corte Internacional de Justiça já decidiu no caso da Nicarágua x Estados Unidos, que o uso da força só nasce para o Estado agredido: "A legítima defesa quer seja individual ou coletiva só pode ocorrer na seqüência de uma agressão armada" 1.
Neste julgamento, a Corte faz menção à "legítima defesa coletiva" e somente sendo esta possível para repelir um ataque contra um agressor na existência de um Tratado entre as partes que vá declarar que a agressão contra uma delas constitui agressão contra um ou contra todos os outros Estados partes no referido Acordo.
No sistema das Nações Unidas, as questões dos conflitos travados no Oriente Médio por palestinos e israelenses poderia levar a crer na existência da legitima defesa preventiva quando dos ataques ocorridos feitos em nome dela.
Em 2003, quando da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, a justificativa para tal manobra foi o uso da legítima defesa preventiva.
O artigo 2º, §4º da Carta conclama aos membros a evitar a ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a qualquer tipo de ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas, assim não vê legalidade na legítima defesa preventiva, pois o uso da força permitido unicamente existe ante a ameaça de um ataque e não uma fática situação que leve a crer existir um intenção de provocar conflitos e o seu uso configura ilícito internacional 2.
È importante observar, antes de tudo, de que mesmo sendo a legítima defesa um recurso lícito e permitido pelas Nações Unidas, as medidas de auto-defesa podem se transformar em medidas ilegais se não cumprirem as regras básicas do direito de se aterem à proporcionalidade.
Desta forma, pelas regras do atual Direito Internacional e pelo sistema das Nações Unidas, o uso da força contra um Estado só é permitida através da legítima defesa, seja individual ou coletiva.
O uso da legítima defesa preventiva caracteriza a utilização de um método ilegal e proibido pelo ordenamento jurídico internacional, em face dos diversos tratados internacionais feitos para o total banimento do uso da guerra, ou dos conflitos armados, pelos Estados resolverem as suas diversas controvérsias frente a outros Estados.
Notas
1 Nicarágua versus United States of America, disponível em https://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&code=nus&case=70&k=66. Acesso em 31 de maio de 2011.
2 Cf. Valério de Oliveira Mazzuoli. Curso de Direito Internacional Público. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pg. 961.