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A tutela judicial do princípio da eficiência

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07/08/2011 às 08:33
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3. A TUTELA JUDICIAL DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA PAPEL DO ESTADO

A importância da definição do conteúdo e dos contornos do princípio da eficiência reside justamente na possibilidade de seu controle, tanto pelos próprios órgãos administrativos, como pelo judiciário. E é sobre este controle e interferência do judiciário que se tecerão algumas linhas.

A constitucionalização do princípio da eficiência, e a compreensão de que este texto legal possui normatividade plena, corrobora o entendimento de grande parte da doutrina de que o Poder Judiciário possui competência para controlar a eficiência da conduta administrativa. Tanto é assim que "o reconhecimento dos princípios como verdadeiras normas abriu uma nova perspectiva em relação ao controle do poder, pois estabeleceu os limites do controle judicial sobre os atos legislativos e administrativos" [37].

Some-se a isso a lição de que "qualquer ato, legislativo ou administrativo, que contrarie um princípio jurídico é inválido. Isso significa dizer que uma política pública, adotada em desconformidade com as vigas mestras previstas na Constituição, pode ter sua constitucionalidade analisada pelo Poder Judiciário" [38].

Assim, o ato (ou a omissão) que ferir o princípio da eficiência, deve ser considerado ilegal, abrindo-se a possibilidade de reparação pela via judicial. Até porque, "temos que admitir como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente" [39].

Consequencia deste fato é a possibilidade de se controlar (e cobrar) judicialmente a atuação eficiente da administração pública e de seus agentes. Alexandre de Moraes [40] comunga deste raciocínio ao considerar que "dentro dessa nova ótica constitucional, um reforço à plena possibilidade do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), em defesa dos direitos fundamentais e serviços essenciais previstos pela Carta Magna, garantir a eficiência dos serviços prestados pela Administração Pública".

E arremata:

"A proclamação constitucional do princípio da eficiência pretende solucionar, principalmente, o clássico defeito da administração pública na prestação dos serviços públicos e do Poder Judiciário em analisar a eficiência da administração. (...) O princípio da eficiência vem reforçar a possibilidade do Ministério Público, com base em sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promover as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, a sua garantia (CF, art. 129, II)" [41].

Marcelo Harger [42] também considera que "as metas, valores e procedimentos devem ser concomitantemente observados para que uma política pública possa ser considerada constitucional. (...) Essa espécie de controle pode ser realizada pelo Poder Judiciário sempre que o núcleo desses princípios estiverem em jogo". E conclui no sentido "de que o controle das políticas públicas, por intermédio da aplicação de princípios constitucionais, pelo Poder Judiciário é possível, mas que esse controle somente pode se dar no limite dos núcleos conceituais constitucionalmente albergados" [43].

Ademais, é assente na doutrina e na legislação pátria a capacidade de se recorrer ao judiciário para evitar ilegalidades nos processos e decisões administrativas. As ações constitucionais (como ação popular, ação civil pública e mandado de segurança) são exemplos de remédios processuais possíveis para se controlar externamente a atividade administrativa.

A dificuldade reside justamente na mensuração da eficiência, e na possibilidade (indesejável) de o Poder Judiciário interferir no mérito administrativo. Diogo de Figueiredo Moreira Neto [44] manifesta sua preocupação neste sentido, ao ponderar que "preocupa, contudo, a possibilidade real de o Judiciário se imbuir da função de guarda da moralidade pública e, a pretexto de exercê-la, avançar ao fundo do mérito, da oportunidade e conveniência de atividade da Administração Pública".

Dinorá Adelaide Musetti Grotti [45] também expressa esta inquietação, mas reflete que o Judiciário não pode quedar-se omisso diante de ineficiências executivas e legislativas. Segundo seu ensinamento, não se "pretende colocar o Judiciário acima dos demais poderes, pois, ao contrário, foi outorgada ao Executivo e ao Legislativo a tarefa de proporcionar a efetivação da Constituição; contudo, quando tal mister não foi cumprido, não pode o juiz ser co-autor da omissão e relegar a Constituição a um nada jurídico".

Até porque, entendendo-se o Judiciário como poder comprometido com os ideais constitucionais do Estado, em se constatando a "ausência de cumprimento da Constituição, mediante a omissão dos poderes públicos, que não realizam as devidas políticas públicas determinadas pelo pacto constituinte – a via judiciária se apresenta como a via possível para a realização de direitos que estão previstos nas leis e na Constituição" [46] [47], e aí se enquadra o princípio da eficiência.

Pedro Manoel Abreu [48], de igual forma, ensina que a Justiça não caminha mais isolada da política; ao contrário, o substrato volitivo do juiz deve estar em consonância com os anseios da sociedade e a realização dos direitos e garantias previstos constitucionalmente. "A justiça moderna não pode ser apolítica, mesmo porque é inarredável o reconhecimento de que o poder judiciário é governo". Questões governamentais e "assuntos habilmente circunscritos à arena política estariam sendo objeto de decisões judiciais", tendo o Poder Judiciário se imposto aos demais poderes "como uma agência indutora de um efetivo checks and balances e da garantia da autonomia individual e cidadã" [49].

E, desta feita, reconhece-se que "o constitucionalismo democrático conduz a uma crescente expansão do âmbito de intervenção do Judiciário sobre as decisões dos demais Poderes. Com isso, põe-se em evidência o novo papel do Poder Judiciário na vida coletiva, justificando o manejo da expressão ‘democracia jurisdicional’" [50] [51].

Nota-se então, o crescimento desta busca pelo judiciário para a decisão de causas políticas e administrativas. E no tocante ao princípio da eficiência, a jurisprudência tem tomado um caminho em torno de dois grandes argumentos, que de certa maneira se complementam: o primeiro, que aceita a eficiência como razão única de decidir, ainda que não exista regra específica para o caso, tendo em vista a normatividade plena do princípio; o segundo, que sem adentrar no mérito das decisões administras, cabe ao judiciário o controle da atuação da administração quando esta é manifestamente ineficiente, especialmente na concessão de prazo razoável para a solução administrativa.

Um exemplo do primeiro argumento pode ser encontrado no Mandado de Segurança 12847/DF, julgado pelo STJ, Ministro Relator Hamilton Carvalhido, publicação no DJe 05/08/2008. Neste acórdão, percebe-se a utilização do princípio da eficiência como razão de decisão, uma vez que constatada a demora injustificada para a solução administrativa, e por não existir regra que delimite prazo específico, o Ministro se apóia no referido princípio e considera ferida a eficiência, e conseqüentemente ilegal da mora administrava, determinando a conclusão do procedimento administrativo no prazo de 60 dias.

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE ANISTIA INDEFERIDO. RECURSO. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

1. A dilação probatória é estranha ao âmbito de cabimento do mandado de segurança.

2. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo.

Acerca do segundo argumento, um exemplo pode ser visto no julgado do STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial 1143129, Ministro Relator Humberto Martins, publicação DJe 25/11/2009, cuja ementa segue:

TRIBUTÁRIO – PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 49 DA LEI N. 9.784/99. POSSIBILIDADE – PRECEDENTES.

1. O STJ, em homenagem aos princípios da eficiência e moralidade previstos na Constituição Federal, tem admitido, na falta de previsão legal, a possibilidade de se estabelecer prazo para o encerramento da instrução do processo administrativo quando sua apreciação se mostrar morosa e injustificada. Precedentes.

2. Não está o Poder Judiciário apreciando o mérito administrativo, apenas dando interpretação sistemática ao ordenamento jurídico, daí não se há falar em ofensa ao princípio da separação de poderes.

Como se observa, sem adentrar no mérito administrativo e ferir o equilíbrio da tripartição de poderes, o Poder Judiciário detecta a ilegalidade consistente na falta de eficiência para a conclusão do processo administrativo em um prazo razoável, e determina a conclusão deste em prazo estabelecido.

Outro exemplo bem presente de causas que chegam ao Judiciário por ineficiência do trato administrativo diz respeito aos pedidos de concessão de Rádios Comunitárias. E novamente o judiciário se mostra contrário à possibilidade de se substituir ao órgão competente para o ato, mas fixa prazo razoável para a decisão administrativa, quando se depara com processos demasiadamente demorados, e que ferem a moralidade e eficiência. Julgado do STJ, Embargos de Divergência em Recurso Especial 1100057/RS, Ministra Relatora Eliana Calmon, publicação DJe 10/11/2009. Acompanha ementa:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - ADMINISTRATIVO - SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO - OUTORGA DE RÁDIO COMUNITÁRIA: LEI 9.612/98 E DECRETO 2.615/98 - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE – DEMORA INJUSTIFICADA - OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA EFICIÊNCIA - PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO - SOLUÇÃO VIÁVEL NO CASO ESPECÍFICO.

1. A Lei 9.612/98 criou novo sistema de radiodifusão, facilitando a concessão, mas exigindo para funcionamento autorização prévia.

2. A falta do serviço de autorização, na linha da jurisprudência desta Corte, com base nos princípios da moralidade e da eficiência, permite, excepcionalmente, a intervenção do Poder Judiciário.

3. Intervenção que não aceita a substituição do Legislador pelo Juiz, que se limita a assinar prazo para que a Administração delibere sobre o processo administrativo. Precedentes.

Desta feita, conclui-se o presente trabalho pela possibilidade de se tutelar judicialmente a eficiência administrativa, especialmente pela verificação de eventual ineficiência, que torna a atuação administrativa ilegal e passível de reparação. A partir da constitucionalização do princípio da eficiência, os tribunais pátrios passaram a dispor de um elemento concreto para fazer cessar a má conduta administrativa, até porque "o exercício regular da função administrativa, numa democracia representativa, repele não apenas o capricho e o arbítrio, mas também a negligência e a ineficiência, pois ambos violam os interesses tutelados na lei" [52].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tutela judicial da eficiência administrativa ainda é tema espinhoso no mundo jurídico. A dificuldade de se delimitar o exato conteúdo e os contornos do princípio da eficiência ainda possibilita atuações administrativas deficientes, que devem ser repelidas do mundo jurídico.

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Contudo, especialmente após a inserção da eficiência no texto constitucional, o Poder Judiciário se muniu de um importante instrumento para controlar externamente a atividade administrativa. E ainda que seja difícil determinar uma atuação eficiente, ou mesmo exigir graus de eficiência, as ineficiências podem ser atacadas e afastadas judicialmente.

E esta foi a intenção deste trabalho. Apresentar a eficiência como princípio jurídico em busca de máxima otimização, inclusive judicialmente, mas inserido em um contexto de relação com outros princípios e garantias. A eficiência encontra-se inserida no capítulo que rege a administração pública, e esta é impensável se afastada de outros princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Defende-se assim um regime jurídico-administrativo com o princípio da eficiência como filtro tanto da produção legislativa, como da atuação administrativa. Não se deve buscar a eficiência como fim único da administração, assim como não se pode deixá-la de lado, daí a correlação com todos os outros princípios, e o necessário uso da proporcionalidade para se definir a adequação do agir público.

E, em caso de flagrante ineficiência, surge o Poder Judiciário como guardião dos direitos da sociedade, com poderes para controlar externamente a eficiência da atividade administrativa, ainda que não adentre no mérito das decisões públicas. Respostas judiciais como a concessão de prazo para soluções administrativas acabam sendo os remédios possíveis para se afastar inércias e ilegalidades. A força normativa do princípio possibilita decisões com espeque exclusivo na eficiência, possibilitando assim o cidadão exigir uma atuação mais qualificada dos órgãos administrativos, ainda que não existam regras específicas para tal.

E conclui-se no sentido de que a jurisprudência ainda pode avançar nesta seara, desde que voltada para o interesse púbico e o bem comum. Nesta quadra da história, com recursos tecnológicos avançados e servidores cada vez mais capacitados, é inadmissível se aceitar serviços públicos ineficientes e de baixa qualidade, cabendo, se necessário, aos juízes e tribunais o controle da eficiência administrativa.


REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

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Sobre o autor
Octaviano Langer

Mestre em Ciência Jurídica pela UNIVALI. Especialista em Direito Processual pela UNESC. Aluno Regular do Curso de Doutorado da Universidade de Buenos Aires - UBA. Oficial de Justiça Federal em Itajaí/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANGER, Octaviano. A tutela judicial do princípio da eficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2958, 7 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19726. Acesso em: 5 nov. 2024.

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