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Uma análise da Súmula 294 do TST à luz do princípio da norma mais favorável

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09/08/2011 às 08:12
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3.PRESCRIÇÃO TOTAL E PARCIAL E O PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL.

Conforme visto até aqui, a entrada em vigor da súmula 294 cancelou o entendimento anterior mais favorável ao obreiro previsto na súmula 168, e isto no que diz respeito ao direito de se postular, parcialmente, os créditos da relação de trabalho, independente de sua origem. Com efeito, o novo entendimento esposado pelo TST na referida súmula está assim consignado: "Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei." Já a súmula 168 assim preconizava: "Na lesão de direito que atinja prestações periódicas, de qualquer natureza, devidas ao empregado, a prescrição é sempre parcial e se conta do vencimento de cada uma delas e não do direito do qual se origina."

Escrevendo sobre a dualidade prescricional instituída pela súmula 294, Mauricio Godinho preleciona:

Distingue a jurisprudência trabalhista, finalmente, como visto, entre prescrição total e prescrição parcial [...]. A distinção jurisprudencial produz-se em função do título jurídico a conferir fundamento e validade à parcela pretendida (preceito de lei ou não). Entende o verbete de súmula que, conforme o título jurídico da parcela, a actio nata firma-se em momento distinto. Assim, irá se firmar no instante da lesão – e do surgimento conseqüente da pretensão –, caso não assegurada a parcela especificamente por preceito de lei (derivando, por exemplo, de regulamento empresarial ou contrato). Dá-se, aqui, a prescrição total, que corre desde a lesão e se consuma no prazo qüinqüenal subseqüente (se o contrato estiver em andamento, é claro). Consistindo, entretanto, o título jurídico da parcela em preceito de lei, a actio nata incidiria em cada parcela especificamente lesionada. Torna-se desse modo, parcial a prescrição, contando-se do vencimento de cada prestação periódica resultante do direito protegido por lei. [...] essa dualidade entre prescrição total e parcial, segundo o título jurídico correspondente à parcela trabalhista pleiteada, tem merecido críticas. De um lado, ela importaria no acolhimento de diferenciação não sugerida pela Carta de 1988 (art. 7°, XXIX), acentuando, através da chamada prescrição total, o efeito prescricional constitucionalmente firmado – em afronta à conduta interpretativa sugerida pelo princípio da norma mais favorável. De outro lado, a teoria civilista ensina que as parcelas de trato sucessivo (como as derivadas do contrato de trabalho, independentemente do título jurídico instituidor da parcela) submetem-se à prescrição parcial, incidindo o critério total essencialmente naquelas obrigações que se concentram em um único ato [20].

De acordo com o referido autor, a distinção jurisprudencial entre prescrição total e parcial criada no âmbito trabalhista estaria a conferir interpretação não recomendada acerca da prescrição instituída no âmbito constitucional. Desse modo, haveria uma perceptível ofensa ao princípio da norma mais favorável, e isto no que diz respeito ao critério interpretativo sugerido pelo referido princípio.

Todavia, para Gustavo Filipe Barbosa, a mudança no entendimento do Tribunal Superior do Trabalho acerca da prescrição sobre as prestações trabalhistas eliminou um problema de interpretação quanto à prescrição qüinqüenal prevista na Constituição. Citando o exemplo de um trabalhador que tem a percentagem de sua comissão (parcela não legal) reduzida ao longo do contrato de trabalho o autor explica:

Nessa situação, assim como em diversas outras, freqüentes no quotidiano trabalhista, a questão é se, uma vez respeitada a prescrição bienal (contada da extinção contratual), a prescrição qüinqüenal é parcial ou total. São dois os possíveis entendimentos: 1) passados cincos anos da lesão originária de direito (no exemplo acima, a alteração da percentagem), opera a prescrição total; 2) como a lesão do direito se repete no decorrer do vínculo, a cada nova violação tem-se o surgimento de uma nova pretensão, sujeita a prazo prescricional distinto (prescrição parcial). [...] O problema, no entanto, é saber, efetivamente, quando se está diante do verdadeiro ato único patronal, em uma relação jurídica que produz efeitos seguidamente. [...] Neutralizando essa incerteza, a súmula 294, acima transcrita, traz critério definido e objetivo, oferecendo certa segurança na distinção da prescrição parcial e total. Se o direito à parcela estiver também assegurado por preceito de lei, a prescrição é parcial. Caso contrário, a prescrição é total, ainda que se refira a prestações sucessivas, decorrentes de alteração do pactuado [21][...].

Não parece que a melhor interpretação da prescrição qüinqüenal estabelecida pela Carta Magna deva ter como parâmetro a origem do crédito trabalhista. Neste sentido, a primeira consideração a fazer sobre o tema requer uma análise mais detida do texto contido no preceito sumular em debate.

3.1 Prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado

A primeira parte da súmula 294 do TST reza que: "Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado..."

Pois bem. Ao se referir a prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a súmula 294 deixa bem clara a idéia de habitualidade no recebimento de tais prestações pelo trabalhador. Sendo assim, e em muitas situações, as prestações pagas sucessivamente passam a integrar o salário do obreiro, verbi gratia, as comissões pagas habitualmente, gratificações ajustadas, gorjetas, e etc., logo, a supressão dessas parcelas sem qualquer justificativa de ordem econômica, acarreta sérios prejuízos ao trabalhador, o qual possui no salário, a "única fonte de subsistência [22]."

Desse modo, o critério prescricional a ser adotado, se parcial ou total, não deve levar em conta somente a origem do crédito, posto que a habitualidade no recebimento das prestações, mormente quando ajustadas anteriormente ao pacto, propicia ao trabalhador certa estabilidade financeira, e sua supressão abrupta, sem razões plausíveis, pode constituir-se em patente alteração contratual lesiva ao trabalhador.

Como bem destaca Mauricio Godinho [23], as parcelas trabalhistas que se vencem mês a mês não podem ser igualadas àquelas decorrentes de ato único do empregador, logo, o critério prescricional total adotado sobre parcelas trabalhistas de trato sucessivo, com base no título jurídico, apenas, não encontra guarida na teoria geral civilista, muito menos na seara laboral.

De fato, soa incoerente aos princípios do direito do trabalho o agravamento de um instituto que por si só gera efeitos bastante prejudiciais ao obreiro. É de ver-se que, dificilmente um trabalhador que sofra a redução do percentual de comissão no curso do contrato de trabalho, e que continue na empresa nos cincos anos após a lesão a esse direito, buscará a reparação judicial, sendo que, somente o critério parcial da prescrição poderia favorecê-lo, e isto quando viesse a ser despedido.

Sobre essa passividade do trabalhador diante de uma lesão sofrida no curso do contrato de trabalho afirma Estêvão Mallet:

Em matéria trabalhista, porém, ainda que formalmente possa o empregado, verificada a lesão, exigir de pronto a reparação correspondente, se o fizer, colocará em risco, não sendo estável, a continuidade de seu contrato de trabalho [24].

A toda evidência, no entanto, poderia o trabalhador, após o ato de despedida, valendo-se da prescrição qüinqüenal prevista na Carta Magna, postular o recebimento das diferenças salariais dos últimos cincos anos, com prazo de dois anos após a extinção contratual. Destarte, a melhor interpretação e mais favorável ao trabalhador sugere que enquanto a prescrição bienal é sempre total, a qüinqüenal, em regra, é parcial, desde que o direito à parcela não decorra de verba instituída pelo empregador sem caráter de habitualidade. Desse modo, uma parcela avençada, de trato sucessivo, mesmo sem correlato na legislação, e desde que paga com habitualidade, deve considerar a prescrição qüinqüenal parcial, e não a total, e isto sob pena de interpretação das normas trabalhistas de maneira menos favorável ao trabalhador. Esta, aliás, foi a conclusão a que chegou o desembargador Esequias de Oliveira em julgamento envolvendo prescrição total e parcial:

[...] DA PRESCRIÇÃO TOTAL. O autor postulou o seu enquadramento no nível dezessete do cargo de Técnico Bancário, nos termos dos parâmetros fixados no Plano de Cargos e Salários implantado pela empresa recorrida em setembro/90. O banco reclamado, por seu turno,  requereu a aplicação da prescrição total, consoante a orientação traçada pelo Enunciado n. 294 do C. TST, no que restou atendido pelo julgado de primeiro grau, conforme se pode extrair às fls. 706 deste processo. Nesse passo, recorre o autor, buscando seja afastada a prescrição e julgada procedente a reclamatória no que tange ao tema em epígrafe. E razão lhe assiste, pelo menos em parte. O já aludido regulamento empresarial previu expressamente avaliações curriculares periódicas destinadas a se apurar a curva de maturidade, de forma a se proceder o enquadramento dos empregados  regidos por tal sistema. Não se cogita, portanto, de ato único e isolado do empregador, em relação ao qual se tenha, de pórtico,  que investigar a validade para, somente após isso, configurar-se o direito do empregado. Trata-se, sim, de norma  reconhecida pelo banco recorrido, e que, doravante editada, passou a incidir na  relação contratual, beneficiando o obreiro. Assim, se a norma regulamentar incidiu de forma contínua ao longo do tempo, força reconhecer que a prescrição deva incidir tão-somente de forma parcial na espécie, de vez que o direito à avaliação  de maturidade para definição do enquadramento se renovou a cada período aquisitivo previsto segundo a diretriz emanada do Plano de Cargos. Neste particular, divirjo parcialmente da orientação do verbete sumular acolhido pelo juízo de primeiro grau, na medida em que  não vejo razão para se diferenciar o benefício previsto em lei daqueloutro  instituído em norma da empresa, que atuou na relação de emprego, de forma contínua e com força de lei entre as partes. À vista das razões suso expendidas, a hipótese é de aplicação da prescrição parcial [...]. Processo 0048800-22.2002.5.05.0003 RO, ac. nº 008705/2005, Relator Desembargador ESEQUIAS DE OLIVEIRA, 5ª. TURMA, DJ 16/12/2006. (grifos nosso)

A discordância quanto ao verbete sumular manifestada pelo desembargador Esequias de Oliveira na decisão supra mencionada, apenas corrobora o entendimento de que, a dualidade prescricional instituída pela súmula 294 possui interpretação menos favorável ao obreiro, tendo em vista que diferencia prescrição total e parcial tomando por base, somente, a questão da origem das parcelas trabalhistas pleiteadas. Ora, essa não parece ter sido a intenção do constituinte ao estabelecer o prazo prescricional qüinqüenal para se postular os "créditos resultantes das relações de trabalho [25]."

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Efetivamente, e em que pese o caráter genérico da prescrição qüinqüenal instituída no âmbito da Constituição, sua incidência total sobre verbas trabalhistas somente se justifica quando se persegue parcela paga sem natureza habitual, cuja prestação se encerra num único momento. Todavia, para aquelas parcelas que se sucedem no tempo, renovando-se a lesão mês a mês – e isto pelo simples e inafastável fato de haverem integrado o salário obreiro após longo período de pagamento – a interpretação mais favorável ao trabalhador, acerca da prescrição qüinqüenal, é aquela que entende ser parcial os efeitos de sua incidência, independentemente da origem dessas prestações.

3.2 Alteração do pactuado e ato único

A segunda observação a ser feita em relação ao texto contido no verbete sumular n. 294 do TST também gira em torno de sua primeira parte, e diz respeito à expressão, "alteração do pactuado." Com efeito, o texto da referida súmula dispõe que: "Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei." (grifo nosso)

Como deixa antever a própria denominação, por alteração do pactuado entende-se o momento em que o empregador resolve alterar o pacto anteriormente firmado. No exemplo dado alhures acerca da comissão, essa alteração refere-se àquele momento em que há uma redução do referido benefício. Nesta senda, uma importante questão avulta em relação à prescrição total e parcial. É que, conforme a jurisprudência trabalhista, a alteração pactual de parcela não garantida por lei representa ato único do empregador, portanto, a prescrição a ser observada é a total.

Todavia, nem toda parcela contratual ou decorrente de regulamento de empresa exaure seus efeitos com o ato único do empregador. Sendo assim, nem toda alteração do pactuado de parcela não originada em lei, ainda que considerada ato único, possui o condão de espancar direitos que, dada a habitualidade com que são pagos, integram-se ao salário contratual, passando mesmo à condição de direito adquirido, conforme se verifica em trecho do acórdão abaixo reproduzido:

PRESCRIÇÃO TOTAL. Consignou o v. acórdão, às fls. 536/537: A r. sentença adotou a tese de que a lesão ao direito dos autores está contida na norma coletiva do trabalho, assinada em 8 de março de 1997. Sendo assim, este seria o termo inicial para a fluência do prazo prescricional, em se tratando de prescrição total. Ajuizada a presente reclamação trabalhista em 06.11.2001, estaria prescrita. Acontece que os direitos vindicados estavam assentados em norma interna da empresa e por ela vinham sendo cumpridos, até a superveniente alteração promovida pela indigitada norma coletiva. Nestes casos, em que não paira dúvida acerca do direito subjetivo de uma das partes e do dever jurídico que corresponde a outra, o que prescreve são as prestações, que sucedem no tempo. Como de forma oblíqua o E. 327 do TST reconhece, embora faça ressalva descabida ao distinguir direito adquirido e consumado de direito adquirido e ainda não usufruído (E. 326), dando tratamento de ato único ao que não é. (...) Em se tratando de direito adquirido, o fato gerador do início da prescrição não se congela no tempo por se cuidar de prestações periódicas. Disso resulta que a discussão se projeta mês a mês, a cada inadimplência, posto que o direito se projeta em cada mês.- Assim, não obstante a fundamentação expendida nas razões recursais, verifica-se que o v. acórdão impugnado encontra-se consonante com o disposto no Enunciado n° 327/TST, sendo certo que quando aquela Colenda Corte adota, de forma iterativa e notória, entendimento acerca de determinado tema, há que se pressupor considerar a tese esposada em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Assim, inviável o apelo, seja por afronta legal ou por dissenso interpretativo, com fulcro no § 4° do artigo 896 Consolidado c/c o Enunciado 333/TST. (AIRR - 142700-45.2001.5.17.0008, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 24/09/2008, 5ª Turma, Data de Publicação: 10/10/2008). (grifos nosso)

Em que pese não ter sido possível ao relator modificar o julgado acima a fim de afastar a prescrição total – e isto pelo só fato de a decisão encontrar-se amparada pela iterativa e notória jurisprudência do TST – restou consignado que a dualidade prescricional instituída pela súmula 294, e que hoje serve de parâmetro para definir o tipo de prescrição incidente sobre parcelas trabalhistas, carece de uma revisão quanto ao critério diferenciador, visto que, mesmo não originados em preceito de lei, inúmeros são os créditos trabalhistas que incorporam a remuneração do trabalhador, para quem toda interpretação menos favorável quanto à prescrição qüinqüenal constitui-se em medida incompatível aos fins do direito do trabalho.

Como bem destaca o relator na decisão acima: "descabida" a diferenciação feita pelo TST em relação às súmulas [26] 326 e 327, visto que não se pode dar tratamento de ato único a um direito que, embora instituído por norma interna empresarial, assume o status de direito adquirido, e isto pela sucessividade de suas prestações no tempo. In casu, e talvez repensando os efeitos negativos da prescrição total diante de prestações sucessivas, ainda que decorrente de regulamento interno, o TST chega a desconsiderar a própria diferenciação atomizada na súmula 294 e conclui no verbete cristalizado da súmula 327 que: "Tratando-se de pedido de diferença de complementação de aposentadoria oriunda de norma regulamentar, a prescrição aplicável é a parcial, não atingindo o direito de ação, mas, tão-somente, as parcelas anteriores ao qüinqüênio."

Mas, não apenas a complementação de aposentadoria oriunda de norma regulamentar deve sofrer a incidência da prescrição parcial. Antes, todos os créditos resultantes da relação trabalhista que não se "concentrem em um único ato" [27]devem ser alvos dessa modalidade prescricional. Ora, se esse complemento é importante para a manutenção do poder aquisitivo do trabalhador aposentado, também o é, verbi gratia, as comissões e outras gratificações recebidas durante anos pelo trabalhador na ativa, as quais, uma vez incorporadas ao salário obreiro e a seguir supressas, reduzem significativamente a sua única fonte de subsistência.

Neste sentido, a lógica mais adequada para orientar a interpretação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho deveria ser buscada no apotegma latino, "ubi eadem est ratio, ibi ide jus", ou seja, onde há as mesmas razões, também deve haver o mesmo direito.

3.3 O princípio da norma mais favorável

A terceira e última observação a ser feita sobre o texto da súmula 294 tem como ponto de partida o inevitável confronto do conteúdo sumular com o princípio da norma mais favorável. Em que pesem os inúmeros comentários já espraiados sobre essa questão, faz-se necessário, doravante, trabalhar-se com as categorias definidoras e formadoras desse princípio, a fim de que seja possível rematar as considerações aqui aventadas sobre o tema, sem o distanciamento da proposta principal deste trabalho.

Nesta perspectiva inicia-se o debate com o doutrinador Amauri Mascaro Nascimento, para quem:

O princípio da norma mais favorável significa, num sentido amplo, uma regra de hierarquia. Havendo duas ou mais normas jurídicas trabalhistas sobre a mesma matéria, será hierarquicamente superior, e portanto aplicável ao caso concreto, a que oferecer maiores vantagens ao trabalhador, dando-lhe condições mais favoráveis, salvo no caso de leis proibitivas do Estado. De um modo geral é possível dizer que, ao contrário do direito comum, em nosso direito, a pirâmide que entre as normas se forma como vértice não é a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de um modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor [28].

Das ilações lançadas pelo jurista Amauri Mascaro Nascimento tem-se que o princípio da norma mais favorável atua como o pilar de sustentação de todo o arcabouço jurídico trabalhista. Com efeito, diante das constantes mudanças e alterações porque passa o direito do trabalho, esse princípio é quem contribui para que no caso concreto, prevaleça aquela norma ou interpretação que melhor efetive o princípio protetivo laboral, favorecendo o trabalhador em todos os momentos da praxe trabalhista.

A esses distintos momentos em que o princípio da norma mais favorável deve atuar como uma bussola a guiar os militantes da será laboral, Mauricio Godinho esclarece:

O presente princípio dispõe que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio da orientação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista) [29].

Destarte, o princípio da norma mais favorável constitui-se em princípio orientador e interpretativo de todo o conteúdo normativo trabalhista, de modo que, toda construção jurisprudencial ou legislativa, bem assim, toda atuação interpretativa das normas laborais, deve considerar a teleologia desse arcabouço jurídico, e não somente a finalidade da norma em seu momento de aplicação. Ora, tal exigência não se mostra absurda ou utópica, haja vista que ao direito do trabalho cumpre equalizar a balança da disparidade existente entre empregado e empregador. Essa equalização, todavia, vem sofrendo com as influências das chamadas tendências ou alternativas para o direito do trabalho, que, conforme anota Murilo Carvalho Sansão, podem ser agrupada em duas direções: liberalizantes e protecionistas, aduzindo o autor que:

[...] Este primeiro grupo sugere que as relações de trabalho devem ter uma maior liberalização na tutela do empregado, afrouxando ou diminuindo a proteção ou mesmo as vantagens estabelecidas na lei, ou nas estipulações coletivas de trabalho. Pregam, conseqüentemente, a prevalência da autonomia privada em detrimento da legislação trabalhista, sustentando que seria esta a única forma de garantir empregos diante da competitividade global e das novas formas produtivas. O posicionamento protecionista é ainda hegemônico, mas encontra-se mitigado por posições moderadas, que têm aceitado a flexibilização, a precarização e a terceirização de que observados certos limites. O fundamento deste protecionismo é originado diretamente na exploração do trabalho na sociedade capitalista que impõe ao trabalhador uma condição mais fraca e dependente [30][...].

É claro que o princípio da norma mais favorável não atua de maneira absoluta, a ponto de impedir que em momentos de crise empresarial haja certa flexibilização das normas trabalhistas. Neste sentido, Amauri Mascaro Nascimento pontua:

A aplicação da norma mais favorável tem outra exceção, além das derrogações de lei proibitiva do Estado, como as salariais de indexação orientadoras de diretrizes econômicas em períodos de inflação. É a que decorre de negociações coletivas que, para dar atendimento a situações emergenciais, cedem à necessidade de flexibilização dos imperativos rígidos normativos, pactuando reduções de salários ou a redução destes e da jornada de trabalho. Essas estipulações emergenciais são previstas pela Constituição Federal de 1988, art. 7°, VI e XIII. É o uso da negociação para administração de crises da empresa [31].

Mas, no que concerne à dualidade prescricional da súmula 294, as razões que relativizam a atuação efetiva do princípio da norma mais favorável parecem não se verificar, ao revés, constata-se que os motivos ali insculpidos tornam mais gravosa uma situação que de per si, já é bastante desfavorável ao trabalhador. Efetivamente, tendo os créditos trabalhistas natureza estritamente alimentícia, a prescrição, apesar da segurança que confere às relações jurídicas, constitui-se em medida extremamente prejudicial ao trabalhador, sendo que a dualidade prescricional criada pela súmula 294, apenas acentua os efeitos desse instituto, e cria diferenciação não sugerida pela constituição, conforme nos alerta Mauricio Godinho [32].

De mais a mais, e com base nos escólios de Amauri Mascaro Nascimento, a melhor aplicação do princípio da norma mais favorável,

pressupõe distinguir a natureza das normas que têm conteúdo igual, ressalvando-se, porém, a prioridade inquestionável dos dispositivos de natureza constitucional. Desse modo, entre direito constitucional e infraconstitucional, a prioridade é sempre daquele, a menos que dele emane uma autorização para que outra hierarquia se estabeleça [33].

Com efeito, não há qualquer comando constitucional que autorize se estabeleça diferenciação quanto à modalidade prescricional que deva incidir sobre créditos trabalhistas com origem em contrato ou norma regulamentar de empresa. Desse modo, a prescrição total qüinqüenal criada no âmbito jurisprudencial do TST surge na contramão da prescrição qüinqüenal parcial constitucional, agravando os efeitos da prescrição, e contrariando o princípio da norma mais favorável em sua orientação interpretativa.

Ademais, e conforme ensinamentos de Amauri Mascaro Nascimento, o "fundamento legal do princípio da norma mais favorável, no Brasil, está no artigo 7°, caput, da Constituição Federal que, ao estabelecer diretrizes fundamentais dos direitos dos trabalhadores, o faz como garantias mínimas [34]." Destarte, a interpretação a respeito dessas garantias mínimas jamais pode propugnar pelo enfraquecimento dos direitos trabalhistas, antes devem consolidá-las, seja sob a perspectiva da incessante criação legislativa, seja sob os auspícios do ativismo judiciário, que a propósito, já se encontra consolidado neste país.

Assim, pela enorme influência que exercem sobre o direito laboral, as súmulas e orientações jurisprudenciais emanadas do TST devem servir à Justiça do Trabalho como mecanismos consolidadores dos direitos constitucionais trabalhistas, e jamais como instrumentos flexibilizadores das normas de proteção ao hipossuficiente.

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Sobre o autor
Gilberto Soares

Advogado em Salvador (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Gilberto. Uma análise da Súmula 294 do TST à luz do princípio da norma mais favorável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2960, 9 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19729. Acesso em: 17 nov. 2024.

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