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O processo sincrético para cumprimento das sentenças condenatórias

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29/08/2011 às 10:11
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5 Tutelas Diferenciadas e a cognição sumária

O procedimento comum padrão, no qual a cognição é ampla e exauriente, resulta em um instrumento demorado e dispendioso, do qual nem todos estão dispostos ou podem se utilizar, surgindo, assim, o engendramento de novos modelos para as situações complexas de conflitos na sociedade contemporânea, diante do inegável escopo social do processo.

O novo Código de Processo Civil que está em trâmite no Congresso Nacional traz mecanismos de aperfeiçoamento do atual modelo, uma vez que não restam dúvidas de que estar em juízo vai muito além do exercício do direito de ação por meio do ajuizamento de um processo, e, nesse viés, as discussões do novo texto processual parte do ponto de vista da necessidade de adaptar o processo civil ao tipo de litígio, analisar as características que diferenciam um litígio de outro e o grau de complexidade de solução das lides.

Ovídio Baptista [20] questiona a lógica absolutizante do Processo de Conhecimento que suprime os juízos de verossimilhança, baseado na ideologia da ordinariedade, que tem como pressuposto de que a função jurisdicional seja exclusivamente declaratória com a exigência de juízos de certeza, nos seguintes termos

Se o direito, como qualquer outra manifestação do espírito, no domínio da criação científica, ou em qualquer outra expressão cultural, é função de ideologias comunitárias dominantes, ou ao menos por estas em grande medida influenciadas, como pretender que o Processo de Conhecimento – instituição forjada sob o pressuposto da separação dos poderes entre Sociedade e Estado, concebido para impedir a criação jurisprudencial do direito – possa ainda servir a uma sociedade de massas, sacudidas permanentemente por conflitos ideológicos profundos e por constantes transformações sociais e políticas?

Com as reformas processuais ocorridas após a Constituição Federal de 1988, o legislador vem introduzindo novos instrumentos, quebrando a utilização de um só paradigma, o procedimento padrão, fortalecendo e facilitando a utilização das tutelas diferenciadas, bem como da possibilidade da prestação de mais de uma espécie de tutela no bojo de um único processo. Ressalta-se nesse momento o retorno do processo sincrético.

A tutela definitiva, formada em procedimento necessariamente contraditório, nem sempre é capaz de garantir a eficácia da prestação jurisdicional, razão pela qual se faz necessária a utilização de medidas acautelatórias. Portanto, o sistema coloca paralelamente à disposição do jurisdicionado outra espécie de tutela jurisdicional, a chamada tutela diferenciada.

As tutelas diferenciadas, caracterizadas por sua provisoriedade, consistem, em regra, em dois tipos de providências, a saber: antecipadoras dos efeitos da tutela definitiva pretendida e de garantia para a futura execução. Nesse sentido Teori Zavascki [21] assim afirma acerca das características dessas tutelas

A primeira nota característica dessa espécie de tutela jurisdicional está na circunstância de fato que lhe serve de pressuposto. Ela supõe a existência de uma situação de risco ou de embaraço à efetividade da jurisdição, a saber: risco de dano ao direito, risco de ineficácia da execução, obstáculos que o réu maliciosamente põe ao andamento o normal do processo e assim por diante.

As providências tomadas antes do esgotamento das vias ordinárias se revestem, ainda, da característica da urgência em sentido amplo, quer seja, estão presentes nas situações de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição, que dão suporte à tutela provisória. Essas tutelas são também concedidas em caráter provisório, o que significa que têm eficácia limitada no tempo e serão sucedidas por tutelas definitivas.

A tutela jurisdicional diferenciada é concedida à parte antes da maturação do processo, portanto ocorre uma quebra da sequência lógica do procedimento padrão, trata-se de mecanismos aceleratórios da prestação jurisdicional.

Importante ressaltar a diferença entre cognição sumária e processo sumário, buscada em Teori Zavascki [22]

O processo sumário de conhecimento é autônomo, porque gera prestação jurisdicional definitiva, de cognição exauriente (embora, como se fez ver, não absoluta), apta a produzir coisa julgada material. A cognição sumária é própria da tutela jurisdicional não autônoma, de caráter temporário, inapta a formar coisa julgada material, sempre relacionada a uma tutela definitiva à qual serve. Nos processos sumários há cognição exauriente, embora limitada à natureza da situação controvertida e da redução – horizontal – do objeto cognoscível.

E continua o citado autor [23]se a cognição exauriente se presta à busca de juízos de certeza, de convicção, porque o valor por ela privilegiado é a da segurança jurídica, a cognição sumária, própria da tutela provisória, dá ensejo a juízos de probabilidade, de verossimilhança, de aparência, de fumus boni iuris, mas apropriados à salvaguarda da presteza necessária a garantir a efetividade da tutela.

A distinção necessária para entender a diferença entre medidas antecipatórias e medidas cautelares propriamente ditas é a dos elementos provisórios e temporários. A antecipação de tutela é provisória, porque destinada a durar até que seja sucedida pela tutela definitiva, já as cautelares são temporárias porque não serão sucedidas por outra medida de igual natureza.

Em síntese, a tutela definitiva, privilegia o valor segurança, tem as seguintes características: é formada em cognição exauriente com ampla defesa e contraditório e marcada pela imutabilidade própria da coisa julgada. Por sua vez, a tutela provisória, privilegia o valor efetividade, carrega as seguintes características: está relacionada a um pedido de tutela definitiva; tem pressuposto em uma situação de urgência em sentido amplo para resguardar a regular prestação da tutela definitiva; é admitida a formação à base de cognição menos aprofundada; tem eficácia limitada no tempo; por ser precária não se submete à imutabilidade da coisa julgada, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo.


6 Sentença condenatória e sincretismo processual

Conforme visto até agora, o módulo processual cognitivo é o destinado a uma definição de direitos, um acertamento, portanto seu objetivo será alcançado somente com uma sentença definitiva, capaz de resolver o mérito da causa.

A lei 11.232/05 alterou o conceito de sentença que constava do CPC e passou a estabelecer no art. 162, § 1º, do CPC, que a sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC.

Importante ressaltar que essas alterações se deram apenas para adaptar-se ao modelo novo teórico adotado para a execução de sentença, o processo sincrético, em que não é mais tratada como processo autônomo, mas como mera continuação do mesmo processo em que a sentença tenha sido proferida. Entretanto, há de se considerar que a sentença é ato final do juiz que põe fimao seu ofício de julgar um módulo processual, o cognitivo.

As sentenças podem ser classificadas emdefinitivas, quandocontêm resolução do mérito, nos termos do art. 269 do CPC, e são aquelas que acolhem ou rejeitam o pedido do demandante, bem como a sentença que homologa transação; e emsentenças terminativas,essasnão resolvem o objeto do processo, conforme art. 267 do CPC. Nesse estudo, interessa ater-se às sentenças definitivas.

A sentença definitivase classifica à luz da teoria trinaria da ação e segundo seu conteúdo em três espécies: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias.

Importante nesta seara entender a diferença entre conteúdo e efeitos da sentença. A sentença como ato jurídico peculiar tem um conteúdo. Além disso, a sentença é capaz, em regra, de produzir efeitos no mundo do direito. A aptidão para produzir tais efeitos é chamada de eficácia.

Os efeitos de um ato jurídico guardam correspondência com seu conteúdo, a esse fenômeno chama-se imputação. Portanto, o efeito não se confunde com o conteúdo do ato jurídico, uma vez que este se localiza dentro do ato, enquanto aquele é necessariamente extrínseco.

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As sentenças condenatórias são aquelas nas quais o juiz declara a existência do direito ou a da relação jurídica afirmada pelo autor, ou, ainda, declara ter havido a lesão alegada pela parte e determina a sanção correspondente à violação, consistente numa prestação devida pelo réu, passível de ser executada pelo demandante.

Com o alargamento do conceito de obrigação, a sentença de condenação funciona como título executivoe, ao contrário das sentenças meramente declaratórias e das sentenças constitutivas, não satisfaz, por si só, a pretensão do autor, pois este precisará mover o processo executivo para que o bem da vida requerido seja definitivamente entregue. O efeito dessa sentença seria, assim, condenatório.

O ordenamento jurídico brasileiro adota as espécies de execução baseado no direito material, levando em conta o tipo de obrigação cujo cumprimento se pretende exigir. Portanto, temos:

a)execução para entrega de coisa (certa ou incerta); - desapossamento.

b)execução das obrigações de fazer e de não fazer; - transformação.

c)execução por quantia certa (contra devedor solvente ou insolvente. – expropriação.

Nessa esteira, após as alterações produzidas pela Lei 11.232/05, a execução de título judicial de sentença para pagamento de quantia certa far-se-á no bojo dos próprios autos da ação conhecimento, prescindindo de ajuizamento de nova ação, uma vez que será somente mais uma fase do referido processo.

De toda sorte, seja como uma nova fase do processo, seja como era anteriormente, por meio de uma nova ação, para que o demandante alcance o bem da vida pretendido, a satisfação efetiva de seu direito, a sentença condenatória não se basta em si mesma se o obrigado não cumprir voluntariamente, serão necessários atos de sub-rogação, penhora, para a efetivação da prestação jurisdicional, quer seja, a efetiva realização da prestação jurisdicional.


Conclusões

O direito amplo à Jurisdição dignifica o próprio cidadão, tornando-se membro ativo perante o Estado e aos demais integrantes da sociedade, passando a lutar pelos seus direitos e consequentemente participar ativamente da vida política.

O princípio do direito de ação reafirma o direito de todos de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Adequada, no sentido de que atenda tempestivamente o interesse processual do jurisdicionado, podendo vir a ser acolhida ou rejeitada a pretensão.

Sem embargo, o momento é de crítica ao funcionamento do Judiciário, já que a noção de efetividade do processo está ligada ao tempo de tramitação do processo, e, para que se concretize, é necessário detectar os principais obstáculos e encontrar soluções práticas.

O processo judicial deve garantir a todos o acesso à justiça. É o instrumento da jurisdição e é através dele que o juiz pode e deve propiciar a ampla participação das partes, sempre com respeito ao princípio do contraditório e preservando a imparcialidade.

O princípio da razoável duração do processo é o norte do novo Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal de 1988. Ressalta-se que a questão do tempo no processo está atrelada à própria ideia de justiça, uma vez que o excesso de tempo na prestação jurisdicional traduz-se em verdadeira sonegação de justiça.

A noção de efetividade do processo está ligada à agilização da entrega do bem da vida pretendido pelo cidadão, e para que isso ocorra é necessário encontrar soluções práticas, desapegando-se de formalismos e, ao final, propiciar o efetivo acesso à justiça.

A adoção do sincretismo processual para o cumprimento de sentença condenatória para pagamento de quantia certa, dinheiro, é sem dúvida um grande passo para a realização da jurisdição.


BIBLIOGRAFIA

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006.

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DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I, 13ª ed.. Bahia: JusPODVIM, 2011.

REGO, Nelson Melo de Morais. Do juiz e do árbitro nas actiones civiles no direito romano clássico. Dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Coimbra, 2005. Disponível em: www.enm.org.br/.../Juiz%20e%20Arbitro%20no%20Proc%20Romano%20-%20PAPER%20MESTRADO.doc. Acesso em 28/05/2011.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição. In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,) São Paulo: Saraiva, 1993.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.


Notas

  1. Alguns esclarecimentos acerca dos processos no direito Romano, extraídos da dissertação de mestrado "DO JUIZ E DO ÁRBITRO NAS ACTIONES CIVILES NO DIREITO ROMANO CLÁSSICO", Nelson Melo de Moraes Rego, apresentado na Universidade de Coimbra, 2005: LEGIS ACTIONE: "Caracteriza-se por um sistema de ações, com prioridade da actio sobre ius , consagradas na Lei das XII tábuas. Foi a primeira forma em que a justiça privada foi ordenada sob a direção e o controle da autoridade estatal. Destinava-se a proteger direitos reconhecidos pelo ius civile. Apenas os cidadãos romanos, em Roma ou no raio duma milha da cidade, estavam legitimados para este processo. Estava dividido em duas fases, in iure, presidida pelo magistrado ou pretor, com jurisdição estatal que, depois de ouvir as alegações das partes, concedia ou denegava a actio solicitada pelo actor (demandante), na presença de testemunhas, ocasião em que se fixava os termos da lide (os limites do pedido) e as partes acordavam, por meio da litiscontestatio (um acordo entre demandante e demandado), submeterem-se à decisão do iudex ( um juiz privado e compromissado) que escolhiam ou era nomeado pelo magistrado. Perante aquele, recaía a incumbência de emitir uma opinião com força vinculativa, denominada sententia, após terem sido provados ou não os fatos deduzidos pelas partes, sendo esta a segunda fase, apud iudicem, que decorria na presença do juiz, árbitro ou colégio de juízes." Disponível em: www.enm.org.br/.../Juiz%20e%20Arbitro%20no%20Proc%20Romano%20-%20PAPER%20MESTRADO.doc. Acessado em 28/05/2011.
  2. Ibidem. O PER FORMULAS: A origem do processo formulário tem sido apontada na atividade do praetor peregrinus, instituído este em 242 a. C. para dirimir conflitos entre romanos e peregrinos.... Decorreu, então, que as solenidades orais da litiscontestatio foram substituídas por um documento escrito, a formula (mas permaneceu a litiscontestatio), com o que apresentava características próprias: a) é menos formalista e, portanto, mais célere; b) esvaziado o cáreter estritamente oral de que se revestiam as legis actiones; c) maior atuação do magistrado (pretor) no processo e d) extinção da condenação pessoal por dívidas, tornando-se exclusivamente pecuniária. O procedimento, em síntese, era o seguinte: depois de o demandante houver sido citado a juízo - de modo privado (in ius vocatio) - o demandado, e se este houvesse comparecido, o primeiro solicitava do pretor a concessão da ação – postulatio actionis. O pretor faz então uma cognição sumária da questão – causae cognitio – e concedia ou denegava a ação – datio/denegatio actionis – que se redigia por escrito em umas tabuinhas, no momento do acertamento do litígio ou da litiscontestatio, entregando-se estas tabuinhasao demandante. Com estes atos, terminava o procedimento in iure perante o pretor e seguia-se, a segunda parte perante o iudex privatus, a fase apud iudicem. Então, depois de receber as distintas provas apresentadas pelos litigantes , de ordinário com a intervenção de advogados, e de valorá-las, dava sua opinião, sententia, sobre a questão litigiosa. Para prolatar a sentença e assim concluir o processo, tinha o iudex um prazo de dezoito meses, desde a litiscontestatio até à sententia. Esta era inapelável, uma vez que inadmitia-se a recorribilidade para outro iudex privatus. Ainda convém registrar que a forma dos atos processuais era oral e sem quaisquer custas.
  3. Ibidem. A cognitio extra ordinem: os magistrados passaram a ser competentes para julgar questões civis relacionadas com delitos que, pelo poder de polícia que dispunham, lhes competia. Assim, verbi gracia, o praefectus urbi tornou-se competente para dirimir conflitos decorrentes de usurpações violentas, queixas de banqueiros contra clientes, questões relativas à ingenuidade e à liberdade e o praefectus uigilum dirimia litígios entre locadores e locatários, extra ordinem. Ademais, com a vigência da lex de imperium, o imperador tinha poderes para solucionar questões cíveis e criminais. No início, nos dois primeiros séculos do cristianismo os imperadores pouco se utilizaram, mas a partir do III século fizeram uso intenso, inclusive delegando poderes a funcionários imperiais, magistrados especiais... É característica deste novo sistema de cognição que a ação perde sua tipicidade e se converte em um modo genérico de pedir justiça. Mesmo que se conservasse a antiga nomenclatura clássica, era inevitável a confusão entre os distintos recursos processuais e « complementários» da nova jurisdição oficial. Ao desaparecer a bipartição processual, a litiscontestatio, ainda que se continue falando dela, perdeu sua eficácia; seus efeitos referem-se agora ao momento da demanda e outros sobre a consumação processual, a sentença definitva. A base convencional desparece e prevalece o ponto de vista da organização judicial, pois a jurisdição se converte em uma parcela da administração pública. A citação faz-se oficialmente – litis denunciatio – e desde meado do século V, dá-se o procedimento escrito do libelo – libellus convencionis e libelus contradictorius – o comparecimento se assegura pela cautio iudici sisti e o processo pode transitar em contumácia do demandado. Interessante observar ainda que o juiz, que representa a autoridade e potestade do imperador, se manifesta como condescendente para escutar os que pedem justiça; daí surge a palavra audientia. Contra as sentenças dos juízes estatais inferiores pode apelar-se aos juízes superiores. A tramitação faz-se preferencialmente escrita e protocolizada; surgem as custas processuais e os honorários para os oficiais judiciais. Ademais, o juiz pode acudir livremente às provas que estime necessárias.
  4. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 165.
  5. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 35.
  6. Op. Cit. Rego, Nelson Melo de Moraes. "Do Juiz e do Árbitro nas Actiones Civiles no Direito Romano Clássico". Importante trazer ao presente estudo a diferença entre jurisdictio-imperium e ius dicere, resgatando-a do trabalho citado: ." O primeiro é império, autoridade jurisdicional, atividade, condição própria do magistrado (pretor) e o segundo é função atribuída ao iudex privatus por aquele. Portanto, a palavra iurisdictio tem um significado próprio. O processo cognitio extra ordinem é todo ele jurisdicional, porquanto desenvolvido perante um juiz estatal, um magistrado ou o imperador ou ainda um magistrado com delegação de poderes. Também havia significações distintas para os termos Iurisdictio e Imperium, pois neste evidenciava-se o máximo poder público, assim, compatível com as atividades discricionárias, no âmbito administrativo estatal, e aquele significava a atividade jurisdicional, por excelência; verbi gratia, o praefectus urbis é investido de jurisdição em matéria civil, mas não detém o imperium em atividades policiais ou criminais, por não lhe estar afeta a chefia desta atividade. Outrossim, os interdicta e as cuationae não são atos tipicamente jurisdicionais. Por outro aspecto, o Imperador, em algumas competências, notadamente no período do cognitio extra ordinem, estava revestido tanto de jurisdictio e ius dicere quanto de imperium. Também há distinções no entendimento de imperium, por se tratar de poder com várias aplicações, por exemplo, o poder do magistrado, originalmente era ilimitado; posteriormente, com a criação da magistratura extraordinária, a qual se atribui poderes especiais, inclusive poderes de revisão ou recursais, a concepção de imperium infinitum maius passa por uma ulterior modificação; e com imperium maius surge somente o poder de interceder contra ato do collega minor. No ordo iudiciorum privatorum o magistrado pronunciava verba legitima, e sua função se exauria com esta pronuncia: dicebat ius. E a explicação da iurisdictio estava reservada para aplicação do que estivesse estatuído na formula, sem que houvesse adição de poder de comando ou sem a permissão de mais atribuições do que aquelas especificadas. Ius dicere indicava a forma com a qual aquela função se explicava, não o conteúdo dessa função. Neste segundo período, per formulas, a atividade do magistrado é menos chegada à observância de formalidades, sendo maior a sua importância para o processo, com o que constata-se o caráter público que o processo começa a assumir. Em consequência, o ius dicere vem a mudar de significado e a pressupor um certo exercício de poder discricionário, que não é apenas poder de comando e por força de que se refere mesmo à um conteúdo dessas verba pronunciadas pelo magistrado. Conceder a actio, nas legis actiones era uma atividade que os romanos diferenciavam de todas as outras formas de intervenção do magistrado na administração da justiça. Na época clássica, se observa com frequência, por exemplo a contraposição entre iurisdictio e iudicatio. Como também, qualifica-se de jurisdicional o processo extra ordinem, o qual é muito frequente designar com o nome de cognitio. Nesta época, começa em Roma o processo a assumir a forma de verdadeiro processo (nos moldes atuais), uma vez que, por exemplo, com a aparição das denuntiatones ex auctoritate, há nova regra relativa à contumácia do demandado e devido ao fato do magistrado poder modificar ou revogar a própria sentença, quando tivesse que assegurar um regular contraditório à outra parte. Note-se ademais que a regulamentação da cognitio extra ordinem é devido a uma maior importância que assume no ordenamento judiciário de Roma, com o que se verifica a perda, pouco a pouco, do caráter de intervenção extraordinária."
  7. Op.cit. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 19.
  8. Ibiidem, p. 9.
  9. Op.cit. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica, p. 37.
  10. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição, In: As Garantias do Cidadão na Justiça, Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.,) 1993, p. 31.
  11. BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006, p.45.
  12. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 3.
  13. Op. cit. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.
  14. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 41.
  15. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. I, 13ª ed.. Bahia: JusPODVIM, 2011, p. 311.
  16. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 22.
  17. Ibidem, p. 23.
  18. Ibiidem, p. 25.
  19. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.
  20. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 186 e 189.
  21. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 28.
  22. Ibidem, p. 33.
  23. Ibidem, p. 33.
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Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. O processo sincrético para cumprimento das sentenças condenatórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2980, 29 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19868. Acesso em: 19 mai. 2024.

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