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Mecanismos de solução de controvérsias no Mercosul e na União Européia.

Uma abordagem comparativa

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15/09/2011 às 09:03
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2.DO SISTEMA JURISDICIONAL DA UNIÃO EUROPÉIA

2.1.Tribunal de Justiça da União Européia (TJUE)

De acordo com o art. 13 do Tratado da União Européia [11], as instituições da União Européia são o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, o Conselho, a Comissão Européia (simplesmente designada por ‘Comissão’), o Tribunal de Justiça da União Européia, Banco Central Europeu e o Tribunal de Contas. Ao se analisar seu art. 17, verifica-se que cabe à Comissão velar pela aplicação dos Tratados e pelas medidas adotadas pelas instituições por força destes, bem como controlar a aplicação do direito da União. Se por um lado cabe à Comissão tal controle, por outro cabe ao Tribunal de Justiça da União Européia a sua fiscalização.

Criado ainda em 1952, o atual Tribunal de Justiça da União Européia (TJUE) busca, em sentido amplo, fiscalizar a legalidade dos atos das instituições da União Européia, assegurar o respeito, pelos Estados membros, das obrigações decorrentes dos Tratados e interpretar o direito da União a pedido dos juízes nacionais. Verifica-se, portanto, que para alcançar os objetivos a que se propõe, o Tribunal necessita da colaboração dos órgãos jurisdicionais dos Estados membros, a fim de se aplicar e interpretar de maneira uniforme o direito da UE. Cabe a eles estabelecerem as vias de recurso necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União. Assim dispõe o art. 19:

O Tribunal de Justiça da União Européia decide, nos termos do disposto nos Tratados:

a) Sobre os recursos interpostos por um Estado-Membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou coletivas;

b) A título prejudicial, a pedido dos órgãos jurisdicionais nacionais, sobre a interpretação do direito da União ou sobre a validade dos atos adotados pelas instituições;

c) Nos demais casos previstos pelos Tratados.

A competência do TJUE, de fato, engloba as funções oriundas de diferentes jurisdições. Atua não somente nos litígios que envolvem Estados membros e a interpretação e aplicação dos tratados, mas também como jurisdição constitucional e administrativa, e exerce a função de Suprema Corte com relação aos tribunais nacionais dos Estados membros dependendo da matéria em análise (GOVAERE, 1997).

A partir do Tratado de Nice [12] ocorreram importantes alterações no sistema jurisdicional da UE, incluindo tanto a denominação acima mencionada (Tribunal de Justiça da União Européia) como uma melhor distribuição das competências entre as duas instâncias até então existentes e, finalmente, a possibilidade da criação de câmaras jurisdicionais especializadas associadas ao Tribunal. Isso de fato ocorreu com a ulterior criação do Tribunal da Função Pública.

Até o Tratado de Nice, o Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Européias (TPICE) era ‘adjunto’ ao Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE). A partir da ratificação do Tratado, garantiu-se mais autonomia ao Tribunal de Primeira Instância (BLUMANN e DUBOUIS, 2004, p. 372). Houve ainda a alteração da denominação do Tribunal. A expressão ‘Tribunal de Justiça da União Européia’ passou a designar o órgão jurisdicional supremo. O antigo ‘Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Européias’ passou a se chamar ‘Tribunal Geral’. Conforme o art. 19 do Tratado da União Européia, o Tribunal de Justiça da União Européia (TJUE) inclui o Tribunal de Justiça (TJ), o Tribunal Geral (TG) e tribunais especializados.

2.1.1.Tribunal de Justiça (TJ)

De acordo com o que dispõe os tratados, o Tribunal de Justiça decide a) sobre os recursos interpostos por um Estado membro, por uma instituição, por pessoas físicas ou jurídicas e b) sobre a interpretação a título prejudicial do direito da União ou sobre a validade dos atos tomados pelas instituições. É composto por juízes e advogados-gerais. No que se refere aos juízes, o TJ é formado atualmente por vinte e sete magistrados, - um por Estado membro -, com mandato renovável de seis anos, de maneira a respeitar a proporcionalidade e a harmonia dentro do bloco (art. 253, TFUE). A indicação dos advogados-gerais (atualmente são oito) [13] é definida em conjunto pelos Estados, para atuação durante um período renovável de seis anos. O Presidente do Tribunal de Justiça é indicado pelos seus pares para o exercício do cargo por um período renovável de três anos. Ele é encarregado de dirigir os trabalhos e os serviços do Tribunal de Justiça e de presidir sessões e deliberações.

O Tratado de Lisboa previu a criação de um Comitê Consultivo composto por sete juízes a fim de emitir um parecer sobre a compatibilidade dos candidatos a juízes e advogados-gerais com as funções desempenhadas. Cabe aos advogados-gerais apresentar publicamente, de forma imparcial e independente, suas conclusões sobre os casos existentes perante o Tribunal. O quórum para os julgamentos no Tribunal varia de acordo com a importância do caso em análise. Nesse sentido, o Tribunal pode se reunir em sessão plenária, com a presença de todos os juízes, ou em seções compostas por cinco e até três juízes.

O Conselho geral (para litígios perante o Tribunal de Justiça) e um juiz-relator são responsáveis para analisar as diferentes questões que estão sujeitas ao Tribunal de Justiça. O advogado-geral apresenta suas conclusões sobre como o caso deve ser tratado e, em seguida, os juízes deliberam sobre a posição defendida pelo juiz-relator. A sentença definitiva é pronunciada em audiência pública e publicada no compêndio dos acórdãos do TJUE. É obrigatório para todos os Estados membros e válido em todo o território da União Européia.

Em sentido amplo, a principal atividade do Tribunal de Justiça é assegurar o respeito por parte dos Estados membros quanto à aplicação das normas comunitárias. Nesse sentido, destacam-se cinco medidas passíveis de utilização para garantir a obediência às normas comunitárias, quais sejam o recurso de anulação, o recurso por omissão, a ação por descumprimento, a ação de indenização e o reenvio prejudicial:

a)Os recursos de anulação estão fundamentados nos arts. 263 e 264 do TFUE e têm por objetivo cancelar um ato das instituições comunitárias. Essas ações podem ser impetradas pelos Estados membros interessados, mas também por outras instituições, tais como o Banco Central Europeu, o Conselho, a Comissão, o Parlamento Europeu e o Tribunal de Contas (SEINTENFUS e VENTURA, 2003, p. 193). Ademais, as ações podem ser propostas por pessoas físicas e jurídicas que foram diretamente afetadas pelo ato comunitário, e somente por elas. Trata-se de fato raro, na medida em que dificilmente a União Européia produz algum ato diretamente endereçado a uma pessoa ou grupo.

b)Os recursos por omissão estão previstos nos arts. 265 e 266 do TFUE. Elas são ajuizadas pelas instituições, Estados membros e pessoas físicas e jurídicas para que determinada terceira instituição, que deveria ter adotado uma providência, mas não o fez, assim o faça. Nesse sentido, o recurso por omissão somente é admissível se a instituição, o órgão ou o organismo em causa tiver sido previamente convidado a agir. Caso haja decorrido prazo de dois meses a contar da data do convite sem resposta por parte do demandado, o recurso pode ser introduzido dentro de novo prazo de dois meses.

c)As ações por descumprimento se referem às demandas de punição de um Estado membro que descumpriu uma obrigação da União como, por exemplo, a transposição de uma diretiva. Consoante os arts. 258 a 260 do TFUE, as ações podem ser interpostas pela Comissão Européia ou pelos próprios Estados membros. Neste último caso, os Estados membros devem submeter previamente o assunto à apreciação da Comissão, a qual formulará parecer fundamentado após consultas com os envolvidos. No caso em que o Estado membro já condenado não cumpra com as determinações do Tribunal, este último poderá infringir-lhe sanções pecuniárias a pedido da Comissão.

d)As ações de indenização estão previstas no art. 340 do TFUE e envolvem a responsabilidade da União devido aos danos causados por seus órgãos ou agentes. Os pedidos podem ser interpostos pelos Estados membros, pessoas físicas ou jurídicas (MEDEIROS, 1997, p. 166).

Convém destacar que os recursos contra os julgamentos e decisões do Tribunal são possíveis às partes que perderam a causa (ainda que de forma parcial), sejam elas Estados membros, instituições da EU e pessoas físicas e jurídicas. O recurso é limitado às questões de direito afetas à aplicação da lei pelos juízes do Tribunal, sendo-lhe vedada demanda que concerne reconsideração dos fatos. O recurso pode anular a decisão do Tribunal de Justiça no caso de aplicação incorreta de lei.

Em suma, o Tribunal exerce jurisdição sobre matérias de interpretação da legislação européia, sobretudo no que tange às acusações da Comissão Européia sobre a não-implementação de diretiva ou obrigação legal diversa. O Tribunal pode ainda julgar o excesso de autoridade da Comissão Européia em caso de acusação por parte de Estado membro. Convém, por fim, detalhar uma das principais atribuições do Tribunal, que é conhecer dos pedidos de esclarecimento da legislação comunitária por meio do instrumento do reenvio prejudicial.

e)O reenvio prejudicial foi adotado de maneira a auxiliar, de forma coerente, as jurisdições nacionais quanto à aplicação da norma comunitária. Trata-se de mecanismo fundamental para o funcionamento da União, na medida em que busca assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes do direito da UE em todos os Estados membros. De acordo com o art. 19, no. 3 alínea ‘b’ do Tratado da União Européia e o art. 267 do Tratado sobre o Funcionamento da União Européia, o TJ é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação do direito da União e sobre a validade dos atos adotados por suas instituições, órgãos ou organismos. Os tribunais nacionais são obrigados a reenviar ao TJ as decisões relacionadas ao direito da UE cuja possibilidade de recurso interno tenha se esgotado. A demanda do reenvio pode ser solicitada por uma das partes da causa, mas é a jurisdição nacional que tomará a decisão de instar o TJ, o qual somente age no sentido de ajudar na interpretação da lei e não para decidir sobre os fatos do litígio no âmbito nacional. O reenvio prejudicial constitui, assim, um reenvio ‘de juiz para juiz’. No que tange ao direito da UE que se submete à apreciação, compõe-no os tratados constitutivos, seus protocolos e anexos, atos de adesão, e os textos que constituem o chamado "direito comunitário primário", estatutos de organismos criados pelo Conselho, outros organismos e, inclusive normas contratuais (PAULILO, 2000, p. 129). A obrigatoriedade de reenvio a qual aqui se refere não ocorre, entretanto, caso haja jurisprudência sobre igual hipótese ou quando não haja dúvida interpretativa. Esta última eventualidade é conhecida como a ‘doutrina do ato claro’. Tais medidas se revelaram necessárias para evitar o reenvio de uma avalanche de processos ao TJ. Observa-se que, mesmo com as restrições supra à obrigatoriedade do reenvio, diante do crescimento legislativo e do processo de alargamento no âmbito da EU houve um aumento constante das matérias sub judice reenviadas pelos tribunais nacionais. De fato, entre 2005 e 2009 o número de reenvios prejudiciais aumentou de 221 a 302, uma variação de 36,65% no período. A participação dos reenvios prejudiciais no total de processos ajuizados junto ao TJ foi de 46,62% em 2005 (total de processos foi de 474), tendo havido um ligeiro aumento para 53,83% em 2009 (total de processos foi de 588). Por outro lado, o TJ tem conseguido diminuir o tempo médio de julgamento dos reenvios prejudiciais: em 2005 a duração média dos processos alcançou 20,7 meses, enquanto que em 2009 foi de 17,1 meses (ressalta-se que o processo originário na jurisdição nacional fica suspenso até a decisão proferida pelo TJ). Apesar da diminuição do tempo médio para análise do reenvio prejudicial, uma boa parcela deles ficam pendentes de julgamento: em 2005 havia um total de 393 (participação de 53,11% no total de processo pendentes), alcançando 438 em 2009 (participação de 59,11% no total de processos pendentes). [14] Com o Tratado de Lisboa houve a preocupação por parte dos Estados membros em desafogar o TJ. Estabeleceu-se, então, que algumas matérias específicas poderão ser reenviadas ao Tribunal Geral, consoante previsão contida no art. 256. no. 3 do TFUE. Entretanto, há pendência de regulamentação do Estatuto que disporá sobre as matérias que ficarão a cargo do Tribunal Geral, motivo pelo qual permanece o TJ com competência exclusiva para se pronunciar a título prejudicial.

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2.1.2.Tribunal Geral da UE

A competência do Tribunal Geral (TG) está basicamente adstrita a processos normalmente ajuizados por particulares ou empresas, no âmbito concorrencial. Trata-se de órgão independente, sendo que eventuais recursos ali interpostos são encaminhados para o Tribunal de Justiça. Haja vista o aumento do número de processos submetidos ao Tribunal Geral, o Tratado de Nice previu a criação de câmaras jurisdicionais para áreas específicas, que acarretou inclusive a posterior instituição do Tribunal da Função Pública da União Européia. Desde janeiro de 2007 o Tribunal Geral é composto por vinte e sete juízes, com pelo menos um de cada Estado membro, com mandato de seis anos renovável. Os membros do Tribunal Geral elegem o seu Presidente, bem como os Presidentes das seções compostas por cinco juízes, por um mandato de três anos renovável.

2.1.3.Tribunal da Função Pública

Conforme acima exposto, a existência do Tribunal da Função Pública foi possível graças ao disposto no Tratado de Nice, que previa a criação de câmaras jurisdicionais em determinadas áreas específicas. Em 02 de novembro de 2004 foi aprovada decisão pelo Conselho da UE que instituiu o Tribunal da Função Pública e, finalmente em 02 de dezembro de 2005 ele foi finalmente criado. Trata-se de tribunal especializado em litígios entre a UE e a função pública, aí incluídas as questões laborais e de regime de segurança social. Ademais, ele é igualmente competente para julgar os litígios entre qualquer órgão ou organismo da União e seu respectivo staff. O Tribunal da Função Pública é composto por sete juízes, sendo que eventuais recursos são encaminhados ao Tribunal Geral e, em casos excepcionais, se submetem à fiscalização do Tribunal de Justiça. Os litígios que ingressam no TFP têm representado cerca de 130 processos ao ano, conforme tabela abaixo [15]:

 

2005

2006

2007

2008

2009

Processos ajuizados

130

148

157

111

113

Processos findos

-

50

150

129

155

Processos pendentes

130

228

235

217

175

Como se vê, o sistema jurisdicional da UE é complexo, fruto de um processo evolutivo iniciado há mais de cinqüenta anos. Sua estrutura recepciona o conceito da supranacionalidade e elementos já discutidos do Direito Comunitário, notadamente a aplicação imediata, o efeito direto e a primazia. De maneira diversa se comporta o mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, amparado no conceito da intergovernabilidade, conforme exposto a seguir.

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Sobre o autor
Carlos Ricardo Caichiolo

Doutorando em Ciência Política na Université Catholique de Louvain la Neuve (Bélgica). Mestre em História das Relações Internacionais (Universidade de Brasília) e bacharel em Relações Internacionais (Universidade de Brasília) e em Direito (Centro Universitário de Brasília). Professor em programas de graduação e de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAICHIOLO, Carlos Ricardo. Mecanismos de solução de controvérsias no Mercosul e na União Européia.: Uma abordagem comparativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19982. Acesso em: 22 dez. 2024.

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