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Mecanismos de solução de controvérsias no Mercosul e na União Européia.

Uma abordagem comparativa

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15/09/2011 às 09:03
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3.SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

Doutrinariamente, o mecanismo de solução de controvérsias passou por quatro fases distintas desde o seu estabelecimento inicial. São elas a) o anexo III do Tratado de Assunção (1991), b) o Protocolo de Brasília (1991), c) o Protocolo de Ouro Preto (1994) e d) o Protocolo de Olivos (2002).

3.1.Anexo III do Tratado de Assunção

O funcionamento do sistema de solução de controvérsias foi inicialmente previsto no Anexo III do Tratado de Assunção [16], possuindo então um caráter ad hoc que acabaria perdurando além da fase de transição do bloco, inicialmente prevista para terminar ainda em 1994, quando então tal sistema seria substituído por um "Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum". Em linhas gerais, o funcionamento ad hoc se pautava na solução de controvérsias por meio de negociações diretas, c.à.d. que os Estados membros envolvidos realizariam consultas entre si para dirimir conflitos ou dúvidas que, eventualmente, surgissem. Esse foi, de fato, a forma mais utilizada não somente durante o período transitório ao qual nos referimos, qual seja até 1994, mas que também preponderou e prepondera até os dias atuais.

Ainda segundo o mecanismo originalmente previsto, caso as partes envolvidas não chegassem ao consenso sobre a controvérsia, caberia ao Grupo Mercado Comum (GMC) se manifestar sobre a solução da disputa em sessenta dias. Se o GMC assim não procedesse, o Conselho do Mercado Comum (CMC) seria responsável pela resolução do litígio.

3.2.Protocolo de Brasília (PB)

Com advento do Protocolo de Brasília ficou definido o âmbito de competência do mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, então delimitada às a) disputas entre os Estados membros sobre a interpretação, a aplicação ou o não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção; b) aos acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção; c) às decisões do Conselho do Mercado Comum; e d) às resoluções do Grupo Mercado Comum [17].

No PB foram previstas três fases de procedimentos para solucionar as controvérsias: negociações diretas, a intervenção do Grupo Mercado Comum e o procedimento arbitral. Como se vê, manteve-se o mecanismo da negociação direta que, de fato, prevaleceu durante em boa parte das disputas entre Estados membros por meio da Diplomacia Presidencial (MALAMUD, 2005). Prioriza-se, portanto a relação direta entre os Estados membros para resolução de conflitos, sendo que de acordo com art. 3º., § 2º. do PB, as negociações não podem exceder o prazo de quinze dias a partir da data em que um dos Estados membros levantar a controvérsia, salvo acordo entre as partes.

A segunda etapa prevista pelo PB em seu artigo 4º. e parágrafos – caso a primeira se revele totalmente ou parcialmente infrutífera - se refere ao envio da disputa ao GMC, o qual deverá atuar como uma espécie de conciliador, inclusive apresentando propostas ou recomendações para o encerramento do litígio no prazo máximo de trinta dias [18].

A última etapa prevista pelo PB é a arbitragem. De acordo com Resek (1991, p. 352), trata-se de "uma via jurisdicional, porém não-judiciária, de solução pacífica de litígios internacionais". No âmbito do Mercosul ela se dá a partir da instauração de um Tribunal ad hoc, composto por três árbitros, os quais fundamentarão sua decisão utilizando-se das disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados no âmbito do mesmo, nas decisões do Conselho do Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como nos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis na matéria [19].

Os referidos árbitros são oriundos de lista composta por dez nacionais de cada Estado membro depositada na Secretaria Administrativa do Mercosul. Na controvérsia, cada Estado indicará um árbitro para compor o tribunal. Já no que se refere ao terceiro árbitro, ele será designado por consenso entre as partes e não poderá ser nacional de nenhum dos Estados envolvidos [20]. Convém destacar que, pela peculiaridade do tribunal arbitral, previa-se que sua sede seria fixada, caso a caso, em algum dos Estados membros [21].

O laudo arbitral deve ser proferido por escrito no prazo de sessenta dias, prorrogáveis por mais trinta, prazo este que se inicia a partir da designação do Presidente do Tribunal. De acordo com o art. 20 do PB, o laudo "será adotado por maioria, fundamentado e firmado pelo Presidente e pelos demais árbitros. Os membros do Tribunal Arbitral não poderão fundamentar votos dissidentes e deverão manter a votação confidencial."

Este laudo é inapelável e a partir do recebimento da notificação ele terá força de coisa julgada, com prazo de cumprimento de quinze dias, exceto se o Tribunal Arbitral fixar outro prazo [22]. Ocorre que não há a certeza do cumprimento da decisão pela parte sucumbente, na medida em que não como impeli-la coercitivamente a tanto – nesse sentido, o art. 23 do PB, antecipadamente à factibilidade do descumprimento, estipula que

Se um Estado Parte não cumprir o laudo do Tribunal Arbitral, no prazo de trinta (30) dias, os outros Estados partes na controvérsia poderão adotar medidas compensatórias temporárias, tais como a suspensão de concessões ou outras equivalentes, visando a obter seu cumprimento.

3.3.Protocolo de Ouro Preto (POP)

No que se refere ao Protocolo de Ouro Preto, ele novamente previu a criação de um sistema permanente de controvérsias, de maneira similar ao referido no item 3 do anexo III do Tratado de Assunção e no próprio Protocolo de Brasília em seu art. 34. Infere-se que, de fato, a intenção inicial do Mercosul foi pela criação de um sistema permanente, pautado no exemplo europeu – entretanto, com o êxito da Diplomacia Presidencial (MALAMUD, 2005), que limitou consideravelmente o número de disputas entre Estados membros a serem decididas pelo Tribunal Arbitral, o caráter provisório do sistema se tornou mais adequado, de acordo com os representantes do bloco. Nesse sentido se manifestou Barral (2003, p.):

Desde o início, o Mercosul enfrentou-se com o debate sobre uma estrutura desejável para o sistema de solução de controvérsias. A aspiração inicial era de um sistema permanente, que deveria ser adotado quando no final do período de transição para o mercado comum. Durante o período de transição, seria aplicável o Protocolo de Brasília (PB), que somente existiria até que entrasse em vigor o sistema permanente de solução de controvérsias. Pode-se dizer que, após 1991, o caráter transitório do PB foi ganhando ares de crescente perpetuidade. Em primeiro lugar, porque a inexistência de litígios submetidos ao Protocolo de Brasília reforçava a posição dos que viam, num eventual sistema permanente, um dispêndio desnecessário de recursos de países em desenvolvimento. Em segundo lugar, pela oposição brasileira à instalação de um sistema permanente. Em terceiro lugar, pelas soluções exitosas alcançadas mediante negociações entre as partes, sobre as primeiras controvérsias surgidas, o que levava os representantes governamentais a louvar o caráter flexível do sistema. Nesta visão, a flexibilidade do sistema seria fundamental em momentos de crise, já que permitia alternativas menos formais para as negociações.

O POP definiu o iter procedimental para a realização de reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul [23], desde que, logicamente, afetas à sua competência. De acordo com o art. 2º. do anexo do POP, diante de reclamação de um Estado membro, a CCM deverá tomar providências necessárias para o debate da questão em reunião subseqüente; caso isso não ocorra ou não se chegue à uma decisão, o tema será levado para análise de um Comitê Técnico. Por sua vez, o Comitê Técnico emitirá parecer para avaliação da Comissão; caso ela não resolva a disputa, as propostas, parecer conjunto ou conclusões dos especialistas do Comitê Técnico serão encaminhados ao Grupo Mercado Comum, o qual deverá ser pronunciar a respeito no prazo de trinta dias [24]. Se não houver consenso novamente com a decisão tomada, cabe às partes acionar o mecanismo arbitral previsto no Protocolo de Brasília [25].

3.4.Protocolo de Olivos (PO)

Foi firmado em 18 de fevereiro de 2002, começou a vigorar em 2004 e rege o sistema de solução de controvérsias em voga. Apesar de ter derrogado expressamente o sistema anterior previsto no Protocolo de Brasília, ele manteve boa parte dos mecanismos ali previstos.

O Protocolo de Olivos estabelece que o procedimento para a solução das controvérsias continua sendo iniciado através da negociação entre os Estados membros envolvidos [26]. Da mesma forma, a disputa que não seja finalizada neste âmbito poderá ensejar a criação de um Tribunal ad hoc. Não há elemento novo no que tange à participação de particulares, o que se significa que a apresentação de suas demandas continua condicionada à atuação de seus Estados de origem, o conforme estipulado nos artigos 39 e 40 do PO [27]. Não há, igualmente, previsão de criação de instância judicial supranacional; de forma distinta, estabelece a criação do Tribunal Permanente de Revisão (TPR), que em verdade ratifica o caráter intergovernamental do bloco, na medida em que sua atuação não vincula ou obriga os Estados membros, conforme será exposto abaixo.

Três mudanças se destacam com a entrada em vigor do Protocolo de Olivos. A primeira se refere à composição do Tribunal ad hoc. Com o PO, ele continua sendo composto por três árbitros, mas o procedimento de escolha foi modificado, na medida em que dois membros permanecem sendo provenientes dos Estados partes envolvidos (agora escolhidos em uma lista de quarenta e oito nomes, sendo doze são indicados por cada Estado membro) e o terceiro membro será proveniente de uma lista composta por dezesseis árbitros, lista esta composta pela indicação de quatro candidatos por cada Estado membro (ao menos um dos árbitros indicados para esta lista não será nacional de nenhum dos países do Mercosul) [28].

Outra segunda mudança se refere à possibilidade do Estado membro demandante (ou de comum acordo com a parte demandada) de submeter a disputa a foro diverso para a resolução de conflitos. Isso se revela factível por meio da leitura do artigo 1º. § 2º. do PO [29]. Há, entretanto, a limitação de escolha de um único foro para a resolução do litígio, de maneira a evitar a duplicidade de decisões sobre um mesmo problema [30].

Finalmente, a maior novidade e principal inovação trazida pelo Protocolo de Olivos foi a criação do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR).

3.4.1.Tribunal Permanente de Revisão (TPR)

Colocado em funcionamento em 13 de agosto de 2004 e com sede na cidade de Assunção, o TPR é composto por cinco árbitros, tendo como função primordial abrir aos Estados envolvidos em controvérsias uma possibilidade de revisão dos laudos arbitrais proferidos pelo Tribunal ad hoc, revisão estalimitada às questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo arbitral [31]. Caso a querela envolva dois Estados membros, ela será julgada por três árbitros; havendo mais de dois Estados membros, ela será julgada pelos cinco árbitros [32].

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Outra questão relevante referente à atuação do TPR se refere às opiniões consultivas a ele encaminhadas, consoante artigo 2º. da decisão nº 37/03 do CMC. Ele dispõe sobre a legitimidade para solicitar opiniões consultivas. Nesse sentido, são quatro as hipóteses de competência para solicitação de opiniões consultivas ao TPR [33]:

a) todos os Estados-partes do Mercosul, atuando conjuntamente;

b) qualquer órgão com capacidade decisória do Mercosul;

c) os Tribunais Superiores dos Estados-partes com jurisdição nacional, nas condições que se estabeleçam para cada caso [34]; e

d) o Parlamento do Mercosul.

As opiniões consultivas têm como intuito a uniformização da interpretação e da aplicação das normas nos territórios dos Estados membros. Em caso de solicitação de opinião consultiva, o TPR se compõe de todos seus membros para designar o árbitro que atuará como relator para, após, avaliar a admissibilidade da referida solicitação. Caso a solicitação seja admitida, o TPR terá prazo de até 65 dias para emitir uma resposta, consoante recente modificação introduzida pelo art. 7º. da decisão Nº15/10 do CMC.

Convém destacar que, caso a opinião consultiva seja proveniente de um dos tribunais superiores dos Estados membros, há dois requisitos de sua admissibilidade pelo TPR. O primeiro é que a solicitação derive de um processo judicial ou jurisdicional em trâmite e o segundo é que o próprio tribunal superior a considere admissível. Este último requisito se refere à regulamentação dos procedimentos internos que cada tribunal superior adotará para a solicitação de opiniões consultivas ao TPR.

Os tribunais superiores dos Estados membros encaminharão as solicitações de opiniões consultivas ao TPR por intermédio de sua secretaria, sendo que também enviarão cópia para a secretaria do Mercosul e para os demais tribunais superiores dos outros Estados membros [35].

Ocorre que, por conta do caráter intergovernamental do Mercosul, o resultado das consultas serve, em verdade, como mera sugestão ou conselho jurídico, na medida em que não vincula ou obriga os Estados membros [36]. Trata-se, ainda, de um procedimento concentrado nas instâncias superiores, de maneira, portanto, distinta do que ocorre na União Européia, onde um juiz nacional, independemente de sua instância, pode solicitar diretamente auxílio na interpretação ou aplicação da norma comunitária. No caso do Mercosul, os juízes nacionais de primeira instância devem encaminhar eventuais consultas até o último grau de jurisdição para que, então, o respectivo tribunal superior envie a solicitação ao TPR. Como se denota, trata-se de um procedimento moroso e, eventualmente, inócuo, na medida em que, diferentemente do reenvio prejudicial na UE, não obriga o órgão jurisdicional demandante.

3.5.Fases do atual Mecanismo de Solução de Controvérsias do Mercosul

Cabe, finalmente, um resumo sobre as fases a serem seguidas pelo Estado demandante. Em grande parte das controvérsias entre os quatro membros do Mercosul, têm-se optado pela via da negociação direta entre os envolvidos na disputa. Após, caso não logre êxito nas negociações, submete-se a demanda à apreciação do Grupo Mercado Comum, desde que solicitado por um dos Estados partes envolvidos. Salienta-se, portanto, que tal solicitação não é obrigatória. Caso reste infrutífera a intervenção do GMC, ou se opte por não solicitar sua intervenção, a controvérsia pode ser encaminhada para os procedimentos arbitrais, por meio do Tribunal ad hoc. Aqui, convém destacar que, caso haja comum acordo entre os Estados envolvidos, pode-se submeter a lide diretamente e em última instância ao TPR [37].

Do laudo arbitral cabe recurso, opcional, ao Tribunal Permanente de Revisão; cabe, ainda, o recurso de esclarecimento, para fins de dirimir eventuais dúvidas sobre o seu conteúdo [38].

Após o resultado contido no laudo, aguarda-se o cumprimento de seu resultado – entretanto, caso isso não ocorra, cabe pedido de revisão de cumprimento da obrigação pelo Estado obrigado, a pedido do Estado beneficiado. Verificando-se o efetivo descumprimento, abre-se ao Estado beneficiado a possibilidade de adotar medidas compensatórias. Em atenção à ampla defesa e ao contraditório, há a possibilidade do Estado obrigado ingressar com recurso com relação às medidas compensatórias aplicadas [39].

Por fim, convém destacar que, sempre que houver a possibilidade da ocorrência de dados irreparáveis às partes envolvidas, o CMC excepcionalmente poderá estabelecer procedimentos especiais urgentes para atender a tais questões, consoante previsão contida no art. 24 do PO.

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Sobre o autor
Carlos Ricardo Caichiolo

Doutorando em Ciência Política na Université Catholique de Louvain la Neuve (Bélgica). Mestre em História das Relações Internacionais (Universidade de Brasília) e bacharel em Relações Internacionais (Universidade de Brasília) e em Direito (Centro Universitário de Brasília). Professor em programas de graduação e de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAICHIOLO, Carlos Ricardo. Mecanismos de solução de controvérsias no Mercosul e na União Européia.: Uma abordagem comparativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19982. Acesso em: 22 nov. 2024.

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