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A decisão do STF, o princípio constitucional da igualdade e a vedação de discriminação.

O afeto como paradigma norteador da legitimidade das decisões judiciais. A família contemporânea e sua nova formatação

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16/09/2011 às 15:57
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11. O COMPROMISSO DO PODER JUDICIÁRIO COM A DEMOCRACIA E OS DIREITOS HUMANOS

O Direito deve ser sempre uma tentativa de Direito Justo, por visar à realização de valores ou fins essenciais ao homem e à coletividade.

Miguel Reale

A natureza fez os homens tão iguais quanto às faculdades do corpo e do espírito. Embora às vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo ou de espírito mais vivo que outro, ainda assim, quando tudo é considerado em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é tão considerável para que um deles possa, por causa disso, reivindicar para si algum benefício ao qual outro não possa aspirar, tal como ele. No que tange à força do corpo, o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, por maquinação secreta ou pela aliança com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.

Quanto às faculdades do espírito, encontra-se igualdade ainda maior entre os homens. O que talvez possa tornar essa igualdade incrível é apenas a concepção presunçosa da própria sabedoria, que quase todos os homens acreditam possuir em maior grau do que os outros, isto é, em maior grau do que todos os homens menos ele próprio e alguns outros poucos que, pela fama ou por concordarem com ele, mereceram sua aprovação. Mas isso prova que os homens são iguais também nesse ponto, e não desiguais. Não há, em geral, maior sinal de distribuição igual de alguma coisa do que o fato de cada homem estar contente com a sua parte. Dessa igualdade de capacidade, origina-se a igualdade de esperança de atingirmos nossos fins (HOBBES, Thomas. Da condição natural da humanidade, no que diz respeito à sua felicidade e desgraça. In: MORRIS, Clarence (Org.). Os grandes filósofos do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002).

Como, então, negar a uma pessoa o direito de saber e descobrir quem é ela, qual sua real e verdadeira identidade, podendo ser diversa daquela que lhe informaram, que se exterioriza como única

?

Impõe-se, assim, ao juiz de nossos tempos adequar os instrumentos processuais antigos e, às vezes, anacrônicos às necessidades do direito material de hoje, já que, reconhecidamente, o direito processual não é um fim em si mesmo e só se justifica como instrumento de acesso e garantia da realização plena dos direitos que emergem da ordem jurídica material, de forma a buscar a concretização do direito maior de igualdade, pelo menos na possibilidade de que todos conheçam e possam desfrutar da convivência familiar.

Nessa perspectiva de estar vivenciando uma verdadeira revolução na aplicação do Direito, no aprimoramento da Justiça, busca-se aproximá-la do homem como centro de irradiação de todas as forças universais e a quem devem ser dedicados todos os esforços e dirigidas todas as ações para garantir a efetiva concretização de seus direitos fundamentais.


12. A PESSOA: VALOR-FONTE FUNDAMENTAL DO DIREITO

Garantir a liberdade dentro de uma sociedade solidária é o desafio que se coloca. Liberdade para todos e não apenas para alguns. Liberdade que sirva aos anseios mais profundos da pessoa humana. De modo algum a liberdade que seja instrumento para qualquer espécie de opressão.

João Batista Herkenhoff

Diante de tantas incertezas, revela-se fundamental a necessidade de uma reflexão crítico-construtivo desconstrutivista mais aprofundada em direção a um sistema jurídico liberto de distorções preconceituosas e estigmatizantes que, muitas vezes, impede-nos de pensar e de ver o que está diante de nós.

Essa necessidade se revela mais forte e premente quandoesses sistemas dizem sobre as relações pessoais consistentes na união de pessoas (sem qualquer preconceito como homem/mulher, casamento etc.) não só originadas na natural necessidade gregária do ser humano, mas também na propensão humana a socializar-se, unindo-se a seus iguais.

Ao longo do tempo, o homem vem incorporando esses valores de importância transcendental, deixando para trás a época em que era considerado apenas e tão-somente como força de trabalho, quando seu valor era maior ou menor, conforme seu potencial de produção.

A sociedade evoluiu, o homem se modernizou e galgou atingir o status central na ordem jurídica mundial, a despeito de uma série de situações em que se configuram o desrespeito, a agressão a seus direitos mínimos existenciais. Essas situações talvez sejam fruto de uma política globalizante, fundamentada no lucro e no consumo. De qualquer forma, a sociedade vem experimentando, ainda que a duras penas, a força preceptiva da Constituição Federal em seu objetivo de garantia dos direitos fundamentais, ainda que mínimos.

De qualquer forma, os movimentos internacionais voltados à preservação e à proteção dos direitos humanos vêm ganhando força e prestígio, a ponto de que, em diversos países, inclusive o Brasil, os tratados que contem com a adesão formal são incorporados pela ordem jurídica com status de norma constitucional. Da mesma forma, tais direitos vêm sendo reconhecidos e incluídos nos textos constitucionais de diversos países. Se, por um lado, tal fato pode pouco representar diante de forças atuantes que inviabilizam, impedem e dificultam sua concretização, de outro, rende ensejo a que movimentos organizados a partir da força popular exerçam pressão política cada vez mais eficaz.

A atuação eficaz do Poder Público se mostra fundamental para a plenitude do exercício e a preservação da democracia, que tem como elemento primordial o homem, e o Poder Judiciário, que deve atuar com independência e consciência de sua importância, de forma a tornar real, palpável e concreta a norma até então prevista apenas no plano da abstração.

A força da hermenêutica se faz presente no sentido de buscar a interpretação das normas legais e constitucionais de forma que propicie e possibilite o respeito aos direitos humanos e fundamentais, até mesmo como forma de tornar concreto o mandamento de que todo o poder emana do povo, que, em certos momentos, vem sendo solapado pelo que se passou a denominar de "reserva do possível".

Ao juiz incumbe a tarefa de efetivação dos direitos fundamentais, ainda que dele não seja exclusiva, preservando sempre os princípios da unidade da Constituição, sob o postulado da proporcionalidade. Alguns argumentam que, em tempos de crise, até mesmo a garantia de direitos sociais mínimos poderia colocar em risco a necessária estabilidade econômica, impondo-se o "embalsamamento" do Poder Judiciário. No entanto, é importante salientar, com Alexy, que, justamente em tais circunstâncias, uma proteção de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por menor que seja, revela-se indispensável. Talvez seja uma tarefa que melhor caberia a Deus, visto que:

Desde que Deus se retirou da vida política (e se despediu da história), seu cargo na estrutura funcional não foi declarado vago.

Assim como outrora ELE, o povo foi desde então usado da boca para fora e conduzido aos campos de batalha por todos os interessados no poder ou no poder-violência, sem que antes lhe tivessem perguntado. A diferença reside no fato de que o povo poderia ter sido perfeitamente consultado. Mas nesse caso os donos do poder deveriam ter se contentado com a população real, e nesse caso resultariam sempre desejos distintos, o caráter heteróclito das necessidades, a contraditoriedade dos interesses, a incompatibilidade das intenções, em suma, a situação real. Em vez disso, e provavelmente também por causa disso, a despedida de Deus não foi aceita sem ambigüidades. E o dono do poder (juntamente com os seus adversários que queriam tornar-se donos do poder) criou o povo conforme a sua imagem; conforme as suas necessidades e o seu gosto ele o criou.

E a democracia? Mesmo lá onde se pensou na população e se tentou instituir seu governo, a seletividade de cada invocação d"o" povo (e mesmo "d"a população) acabou por se impor diabolicamente: o deus evidenciou ser dificilmente exorcizável (diferenças de informação, de cultura, de camada, de classe, de linguagem; manipulação; estrutura de vigência jurídico-institucional). Por trás do lado vitrine do Uno Ponto de Convergência de todas as legitimações pel"o povo" pulula e atua o politeísmo real (i.é., dos constituent groups, das classes decisoras, dos que são capazes de articulação e poder-violência (poder) entre grupos). (MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o poder constituinte do povo. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 21-22)

Veja-se que, mesmo quando se cuida do soberano poder do povo, há que se voltar os olhos para o que existe por detrás, quais as forças que atuam e, eventualmente, se elas servem do povo apenas e tão-somente como massa de manobra. No entanto, com a evolução da espécie humana, com o maior acesso ás informações, com a conscientização de que o progresso de qualquer povo está a depender dele próprio, de sua força revitalizadora e, até mesmo, revolucionária, quando necessário, o que só ocorre com educação e cultura, buscar-se-á um sopro de esperança para a transformação do mundo, em definitivo, num lugar pacífico e apto à realização do sonho maior da humanidade de viver plenamente e em paz.

Neste clima de progresso e novos ares, a instituição familiar experimenta significativas e profundas mudanças, pugnando e vivenciando importante ruptura com os conceitos e parâmetros que a nortearam, ao longo dos séculos. Nesse processo, passou a ser vista e vivida como locus apropriado ao desenvolvimento do ser humano, quer sejam os filhos, quer os cônjuges, que, nesta versão moderna, romperam também com a necessidade do matrimônio formal, contratual e mesmo religioso, para que sejam considerados como verdadeiros parceiros, companheiros, enfim, pessoas que, de forma consciente e independente, resolveram viver juntas, dedicando suas atenções, carinhos e afetos, ao mesmo tempo em que dividem angústias, temores e decepções. Exatamente nesse terreno fértil de sentimento, de afetividade, de dedicação, busca-se o "enquadramento" do ser humano na condição de companheiro.

Inolvidável concluir-se, igualmente, que um novo conceito de união afetiva está sendo construído, fruto da crise caracterizada pelo fato de que os existentes já não mais atendem às características atuais dessa condição, nem dão conta de abarcá-las. Os conceitos existentes estão sendo desconstruídos, e há um questionamento das formas contemporâneas de surgimento. No dia-a-dia, uma vastíssima variedade de famílias está se constituindo pela união de pessoas que não necessariamente tenham vínculos jurídicos ou sanguineos, mas, mesmo assim, elas formam novos núcleos familiares – que têm como elo principal o afeto – e são passíveis, portanto de reconhecimento e tutela.

Diante das circunstâncias que passaram a regulamentar o matrimônio e sua desconstituição, com relativa facilidade, os segmentos mais conservadores da sociedade sentenciaram a desagregação total e completa da família, fruto da libertinagem, da liberdade sexual, da ânsia cada vez maior de buscar a tão propalada liberdade. Mas verificou-se exatamente o contrário. Após um primeiro momento em que esses receios podiam parecer justificados, passou-se a uma segunda fase, em que as famílias, já libertas das amarras do contrato, ou mesmo do receio de "queimarem no fogo do Inferno ou de serem excomungadas", passaram a formar novos núcleos, ligados exclusivamente, ou principalmente, por força do amor, da fraternidade, da solidariedade e do afeto.

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Porém, esse ingrediente, fundamental, importante, essencial para a manutenção de qualquer relacionamento, familiar, profissional, amoroso, contratual ou de qualquer outra ordem, é simplesmente ignorado quer pelo legislador ordinário, quer pelo constitucional. Na verdade o que se verifica é a tendência de o sistema positivado relegar ao plano da inexistência aquele que se apresenta como o mais forte e talvez o único elemento que possibilite a manutenção e o fortalecimento dos laços familiares.

No entanto, também respirando ares de modernidade, fruto do fortalecimento do regime democrático, alicerçado na Constituição Federal e na perseverança propulsora contida na efetividade dos princípios nela inseridos, demarca-se ordem jurídica que busca a Justiça, de forma constante e obstinada, alçando a pessoa humana à condição de fundamento e fim de todo o Direito, como professa Miguel Reale (A pessoa, valor-fonte fundamental do Direito. In: Nova fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 1990)

Por esse motivo, toda a normatização legal e os princípios constitucionais encontram sua razão e origem no homem e na sua liberdade, daí o papel fundamental do Direito enquanto técnica de convivência indispensável para a manutenção e reforma, quando necessária, da sociedade, fundamentadas em procedimentos que, enquanto legalidade, conferem qualidade ao exercício do poder, sendo por isso mesmo, indispensáveis, dada a relevância entre meios e fins e o nexo estreito que existe entre procedimentos e resultados. Não se fala, aqui, da liberdade fundada no princípio da igualdade formal, segundo a concepção do liberalismo clássico, que entendia que o Estado deveria abster-se de quaisquer intervenções na vida econômica e na vida social. A partir do momento que foram abolidos os privilégios, desigualdades artificiais, cada cidadão poderia desenvolver livremente as suas aptidões segundo as suas qualidades pessoais.

Estaria, assim, garantida a igualdade de oportunidades – a igualdade verdadeira, aquela que consiste em tratar igualmente coisas iguais e desigualmente coisas desiguais –, idealizada na República de Weimar e em sua Constituição de 1919, que inaugurou, na Alemanha, o Estado social de direito.

Esses ares solidários e protetivos se fizeram sentir no Direito norte-americano por meio da jurisprudência que se formou em torno da V Emenda da Constituição (1791), resultando no due process of law e com a inclusão, em 1868, da XIV Emenda da cláusula equal protection of the law, que viria a ser o suporte do controle e respeito pela igualdade.

Escreve a respeito Carlos Roberto Siqueira Castro:

O princípio da igualdade articula-se com o princípio da dignidade da pessoa humana, por seu significado emblemático e catalizador da interminável série de direitos individuais e coletivos sublimados pelas constituições abertas e democráticas da atualidade, acabou por exercer um papel de núcleo filosófico do constitucionalismo pós-moderno, comunitário e societário [...]. Nesse contexto de novas ordens e novas desordens, os princípios e valores ético-sociais sublimados na Constituição, com a proeminência do princípio da dignidade de homens e mulheres, assumiram o papel de faróis de neblina a orientar o convívio e os embates humanos no nevoeiro civilizatório neste prólogo do novo milênio e de uma nova era. [...] Afivelados estão os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, enquanto elementos de utopia concreta que atendem as perspectivas constitucional-humanitárias. Assim é que a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. II da CRFB) consta do rol dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. (apud ABREU, Sérgio. O princípio da igualdade: a (in)sensível desigualdade ou a isonomia matizada. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Orgs.). Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 253-267).

Assim, no plano jurídico e em tudo o mais, o homem é a medida de todas as coisas. Nunca pareceu tão oportuna a célebre frase do sofista grego Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são. (FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997).

Esse homem, centro dos direitos, ainda carrega o fardo do passado carcomido, fruto de um liberalismo que pregou e conduziu ao capitalismo selvagem, que o manteve por muito tempo, apenas como valor enquanto ser produtivo e consumidor. Quando já não mais pudesse ser uma coisa ou outra, era tratado como de nenhuma serventia e simplesmente relegado ao abandono e descartado. Ainda que atualmente se experimente o crescimento da visão social do Direito, não raro se vêem filas de velhinhos nas portas de repartições públicas, praticamente esmolando os direitos pelos quais pagaram a vida toda; filas quilométricas de pessoas em busca de um emprego, ainda que de reduzida remuneração; crianças exploradas em sinais de trânsito, em busca de uma migalha para comer, longe da escola, da família e das mínimas condições de concretização do sonho dourado de formar uma personalidade sadia, não lhes restando outro caminho ou alternativa que não seja o único trabalho que lhes será oferecido – a criminalidade.

Não obstante, constitui a dignidade um valor universal. A despeito das diversidades socioculturais perversas e de todas as diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, as pessoas são detentoras de igual dignidade, embora diferentes em suas individualidades. Elas apresentam, em função da humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais, e o respeito não pode ser considerado como generosidade, mas sim como dever de solidariedade imposto a todos pela ética, e não necessariamente pelo direito, pela religião ou por outra qualquer força estruturante.

Schopenhauer, em Sobre o fundamento da moral, escreveu:

[o] egoísmo humano é sem limites e comanda o mundo, pois o homem quer tudo dominar, o homem relacional pretende que tudo exista e gire em torno de seu interesse, ainda que esse interesse seja dirigido a uma recompensa a ser recebida fora deste mundo. A própria cordialidade entre homens nada mais é do que a mera hipocrisia reconhecida e convencional. (SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral.São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 85)

Apesar dessa visão pessimista, não há de se perder a esperança no homem.

De qualquer forma, a dignidade humana constitui princípio fundamental. Por esse motivo, independe de previsão legal (e até mesmo constitucional, pois é valor da humanidade) para que seja respeitada, mas, quando inserida no texto constitucional, ganha visibilidade e possibilidade de aceitação, até mesmo por aqueles positivistas mais arraigados à caolha e insuficiente visão de Direito.

Nesse caminhar, sendo o Direito também integrado por princípios gerais, escritos ou não, que dão suporte a todo o ordenamento jurídico, vem sendo propagada a idéia de que o Direito é um sistema não apenas de regras, mas também de princípios que operam, já não mais como fontes subsidiárias, mas sim primárias e prevalentes, sobrepondo-se inclusive aos textos legais. Esse movimento convida ainda a que sejam interpretados de forma abrangente e expansiva, alçando o intérprete e aplicador da norma à condição de responsável pela concretização dos direitos humanos.

É interessante assinalar que essa tendência só passou a ser aceita com um pouco menos de reação muito recentemente, sendo por demais relevante a corajosa contribuição de estudiosos (no exterior, citam-se Ronald Dworkin, Robert Alexy, John Rawls e J. J. Canotilho; no Brasil, Paulo Bonavides, Luís Roberto Barroso, Daniel Sarmento, Miguel Reale, João Herkenhoff, Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, entre outros) de uma escola progressista, humanitária e voltada à efetiva valorização do ser humano que se dispõe a lançar o desafio à reflexão, como feito por Luiz Edson Fachin: Recusar essa direção e contribuir para a sua superação significa reconhecer que consciência social e mudança integram a formação jurídica. Representa, ainda, um compromisso com o chamamento à verdadeira finalidade do ensino e da pesquisa jurídica, um desafio que questiona. (Virada de Copérnico – Um convite à reflexão sobre o Direito Civil brasileiro contemporâneo. In: FACHIN, Luiz E. (Coord.). Repensando os fundamentos do Direito Civil Brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 319).

Considerando, portanto, sua aplicabilidade direta e imediata, os princípios impregnam, com toda sua carga valorativa, as normas jurídicas, relacionando-se de forma mais próxima com os direitos da personalidade e os direitos fundamentais.

Pari passu com essas idéias, ganharam força as normas legais de conteúdo aberto, o enfoque do ordenamento jurídico permeável, necessitando sempre da complementação, integração e atualização, que são funções do intérprete. Deve-se admitir também que essa mudança de paradigma não ocorre sem muita e forte reação de um segmento reacionário, mas ainda majoritário, que atua no Direito. Não raro, quando o tema é posto em debate, ouve-se o argumento de que essa visão supostamente abstracionista acarretaria insegurança na aplicação das normas, rendendo ensejo ao arbítrio do intérprete. Porém, refletindo responsavelmente sobre o assunto, não se pode esquecer o fundamento de que também para esse sistema há regras de hermenêutica.

Assim, a concretização dos direitos fundamentais, entre os quais o princípio da dignidade humana, vem ganhando, a duras penas, fôlego e respaldo da doutrina mais oxigenada, embora haja forte, porém decrescente, reação da jurisprudência, fruto do tradicionalismo que domina os tribunais, não raro avessos a mudanças.

Exatamente essa forma de pensar e de agir põe o Poder Judiciário em xeque, afastado da sociedade, desconhecedor do jurisdicionado, com procedimentos arcaicos e ineficientes, com rituais extremamente longos e demorados, que geram desconfiança da população e lhe solapam a credibilidade. Nesse contexto, já se faz tardia a oportunidade de profunda e sensível reforma, não só nos procedimentos, mas, principalmente, na forma de pensar de seus componentes

.

Essa linha de argumentação indiscutivelmente demanda que se busquem e propiciem, cada vez mais, espaços de interlocução e possibilidade de pensamento dialético e inovador. Torna-se mister seguir os passos do legislador constitucional que iluminou e pavimentou o caminho posteriormente traçado pelo novo Código Civil, notadamente no que se refere à sua aplicação e interpretação, de forma a corresponder aos anseios dos cidadãos, servindo como sinalizador para a construção de uma sociedade mais igualitária, mais justa, menos preconceituosa e discriminatória, na qual a família seja um verdadeiro LAR: Lugar de Afeto e Respeito.

Esse debate inovador e, de certa forma, desafiador faz parte de uma forma diferente de pensar o Direito, não como conjunto de regras positivadas e impositivas, aplicadas pela fórmula da subsunção, mas como forma libertadora, resultante da educação continuada. Trazendo a lume as sábias palavras de Luiz Edson Fachin, cabe recordar que, "em todo campo do saber (daí a pertinência quiçá especial com a instância jurídica), há o desafio de conhecer para transformar, pois a educação que tão-só reproduz não liberta".

É pertinente invocar ainda os ensinamentos de Paulo Freire: A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 42).

Ácido, mas também, há que se reconhecer, absolutamente real e atual, é o posicionamento de Marilena Chaui:

as leis, porque exprimem os privilégios dos poderosos ou a vontade pessoal dos governantes, não são vistas como expressão de direitos nem de vontades e decisões públicas coletivas. O poder Judiciário aparece como misterioso, envolto num saber incompreensível e numa autoridade quase mística. Por isso mesmo, aceita-se que a legalidade seja, por um lado, incompreensível e, por outro, ineficiente (a impunidade não reina livre e solta?) e que a única relação possível com ela seja a da transgressão (o famoso "jeitinho"). Como se observa, a democracia, no Brasil, ainda está por ser inventada. (op. cit. p. 408)

Talvez a contribuição do Direito seja exatamente propiciar, estimular e mesmo forçar o fortalecimento do regime democrático, transpondo-o da teoria à prática e fundando novos paradigmas originados na relação sincera e solidária entre as pessoas. O Direito deve se transformar num espaço de diálogo e interlocução dotado de respeito e ter, na prevalência do homem e na preponderância dos direitos a ele relativos, seu valor maior.

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Sobre o autor
Mauro Nicolau Junior

Juiz titular da 48ª Vara Cível do Rio de Janeiro (RJ). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Cândido Mendes. Professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Mestre em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICOLAU JUNIOR, Mauro. A decisão do STF, o princípio constitucional da igualdade e a vedação de discriminação.: O afeto como paradigma norteador da legitimidade das decisões judiciais. A família contemporânea e sua nova formatação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2998, 16 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20006. Acesso em: 24 dez. 2024.

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