RESUMO
O presente estudo tem por objetivo a análise dos procedimentos concernentes às execuções de títulos extrajudiciais, dando enfoque aos princípios constitucionais e processuais relacionados à defesa do executado nesse tipo de procedimento. A metodologia aplicada consistiu em analisar a legislação vigente e pesquisar nos meios doutrinários como o instituto de defesa do executado é visto. Traçou-se, a partir daí, um paralelismo, buscando convergências e divergências dispostas ao objeto em questão: a defesa do executado nas ações de execução de título extrajudicial na atual legislação. O que se verificou no presente objeto de estudo foi que os princípios constitucionais que compõem o instituto da execução de título extrajudicial, na nossa atual ordem processualística, dão ênfase à celeridade processual e garantia do credor ao adimplemento da dívida exequenda, discorrendo de maneira menos efetiva sobre os meios de defesa do executado. Embora constatado tal fato, percebeu-se que o legislador ordinário preocupou-se, também, com tais prerrogativas, porém, necessitando o instituto de um aprimoramento, visando assegurar ao devedor, nesse tipo de ação, uma forma mais ampla e necessária ao seu direito de defesa. Constatou-se, na análise da legislação, que as atualizações do Código de Processo Civil trouxeram inovações ao instituto das execuções de títulos extrajudiciais, mas os aspectos da defesa do executado ainda carecem de uma maior efetividade à luz dos princípios elencados na Constituição Federal, segundo entendimento doutrinário sobre o tema tratado, e que prevalece nesse meio o pensamento no qual, na ordem processualística atual, deve figurar um direito processual voltado ao social, não mais arraigado a uma excessiva formalidade sob a qual esteve respaldado o Código de Processo Civil, nem tampouco pode prosperar a prevalência dos interesses do credor, sob a ótica da execução forçada relacionada aos títulos extrajudiciais, mas que predominem, sim, os interesses da sociedade e os princípios constitucionais no sentido de se buscar uma efetiva justiça, resultando por parte deste meio doutrinário o entendimento de que ainda são necessárias significativas mudanças na legislação que rege o instituto.
Palavras-chave: Título extrajudicial; execução; defesa.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DEFESA. 1.1. Os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório. 1.2. O Princípio da Segurança Jurídica. CAPÍTULO II – A DEFESA NO PROCESSO. 2.1. A Busca da Harmonização dos Princípios . 2.2. O Princípio do Devido Processo Legal .CAPÍTULO III – A DEFESA DO DEVEDOR NAS EXECUÇÕES DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL . 3.1. Embargos do devedor – Desnecessidade de garantia da execução . 3.2. Efeito suspensivo dos embargos à execução. 3.3. O recurso de apelação contra sentença de improcedência nos embargos. 3.4. Parcelamento do débito. 3.5. Outros meios de defesa. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve o intuito de contribuir para a compreensão do instituto da execução de título extrajudicial no aspecto referente à defesa do executado. A questão principal do presente estudo procurou nortear aspectos determinantes dos princípios constitucionais e processuais voltados para a defesa do réu em meio ao processo da execução forçada, inquirindo sobre o paradigma constitucional do devido processo legal, dos princípios da ampla defesa e do contraditório, bem como do princípio da segurança jurídica, além dos princípios voltados para o tipo de execução em questão.
A metodologia usada foi a pesquisa bibliográfica, e dentro dos limites que o presente trabalho se deparou, mormente à complexidade da matéria em análise, de forma sucinta, procurou-se estabelecer, no primeiro capítulo, linhas gerais sobre as garantias previstas na Constituição Federal para assegurar o devido processo legal, objetivando, com isso, trazer à discussão, no segundo capítulo, a questão da harmonização e concepção dos princípios constitucionais de defesa com as normas do Código de Processo Civil. Por fim, os aspectos da defesa do devedor na ação de execução de título extrajudicial, são tratadas no terceiro capítulo, tecendo considerações sobre o instituto da execução forçada nesse aspecto, onde o poder estatal surge como garantia ao credor, tendo este ao seu alcance os meios necessários para resgatar o crédito em posse do devedor inadimplente.
Buscou o presente estudo localizar, nos diversos conceitos que regem o instituto, quais procedimentos estariam, em tese, afetos à defesa do executado, que, não raro, nesta espécie de ação, distingue-se do credor pela hipossuficiência, pelo desequilíbrio econômico-financeiro que separa as duas partes em litígio.
Assim, procurou o presente trabalho dispor, de forma breve, a ótica doutrinária e legislativa do instituto, analisando os princípios constitucionais de defesa e os aspectos dos mesmos inseridos no atual Código de Processo Civil, para com isto, trazer à discussão a defesa do executado na atual sistemática processual relacionada ao procedimento da execução de título extrajudicial, e quais dispositivos legais inseridos nessa sistemática trazem as matrizes principiológicas de ordem constitucional e processual relacionadas ao direito de defesa do devedor.
CAPÍTULO I - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DEFESA
O legislador constituinte teve o cuidado de explicitar em nossa Carta Maior as garantias inerentes a todo cidadão, visando protegê-lo das ingerências estatais, criando mecanismos garantidores voltados aos diversos aspectos da vida cotidiana do mesmo. O artigo 5º da nossa Constituição mostra-se, por excelência, como um verdadeiro rol de garantias oferecidas pelo Estado Democrático de Direito ao cidadão brasileiro, procurando convergir os universos jurídicos do particular, da sociedade e do Estado como sistemas orbitando em torno de uma força maior, idéia trazida pelo Neoconstitucionalismo, que, para Pedro Lenza, tem como uma de suas características o Estado Constitucional de Direito, onde "supera-se a idéia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituição a ser o centro do sistema, marcada por uma intensa carga valorativa.". [01] A Constituição, com essa carga valorativa, busca encerrar, em espaços definidos, as órbitas jurídicas de cada um desses sujeitos de direito, relacionando e harmonizando o universo jurídico dos mesmos, para que possam conviver sem maiores conflitos em relação aos direitos e deveres a cada um atribuídos.
Partindo desse princípio, o legislador tratou de dar à Constituição os meios capazes de agregar e fazer valer o equilíbrio da sociedade, que a mercê de séculos de história, nos trouxe insofismáveis contradições, com períodos de avanço e retrocesso ao longo da trajetória humana.
Nossa Constituição elenca diversas garantias ao cidadão, trazendo em seu rol, princípios norteadores de todas as leis para que as mesmas estejam em consonância com um Estado Democrático de Direito. Nela, afiguram-se as gerações daqueles direitos fundamentais inerentes ao cidadão, lembrando a preferência da doutrina mais atual sobre a expressão "dimensões" dos direitos fundamentais [02]. Alexandre de Moraes menciona que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata" [03]. Diante do aspecto de aplicabilidade imediata das normas a eles relacionadas e da posição em que se situa a Constituição Federal em nosso ordenamento jurídico, tais garantias terminam por transformar esses fundamentos em verdadeiras diretrizes para que a estruturação das leis que pertencerão ao universo jurídico antes mencionado tome por base os princípios constitucionais. Essa percepção relacionada aos direitos fundamentais que vigora em nosso ordenamento jurídico também se encontra inserida nos aspectos vigentes dos sistemas jurídicos da maioria dos países ocidentais com constituições escritas: O Estado, a sociedade e o indivíduo devem conviver em harmonia, sob pena de não prosperar as conquistas sociais feitas nos séculos anteriores. Vê-se que a perspectiva que teve o legislador, no uso do Poder Constituinte foi justamente a de buscar o equilíbrio das forças sociais, fazendo com que existam nas esferas jurídicas de cada sujeito de direito, os meios capazes de preservar a carga axiológica da Constituição em sua teleologia atual. No dizer de Alexandre de Moraes, "O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado" [04]. Deve, por isso, buscar o legislador ordinário e os operadores do Direito a adequação do sentido das leis aos princípios constitucionais, atribuindo-os, manifestamente, às bases das garantias individuais e a ao Estado Democrático de Direito, na criação de um sistema jurídico onde prevaleça o respeito à ordem constitucional, visando garantir os direitos do indivíduo e a ordem social, buscando nos princípios relacionados à nova visão constitucional a carga axiológica necessária para tanto, "ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas", lembrando Alexandre de Moraes [05]. Dentre os muitos princípios constitucionais relacionados às garantias do cidadão, os que doravante serão abordados são voltados ao processo como ferramenta estatal de pacificação de conflitos e também relacionados à defesa do réu.
1.1.Os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.
Deveras importante foi o fato de o legislador trazer ao status de constituição os fundamentos dos Princípios da Ampla defesa e do Contraditório. Leciona o processualista Marco Aurélio Ventura Peixoto que tais princípios "também se apresentam como postulados essenciais de qualquer ordenamento jurídico e democrático" [06]. Convergem os sistemas jurídicos no aspecto da ordem processualística da maioria dos países ocidentais nesse ponto, considerado de vital relevância para proteção dos direitos e garantias constitucionais. Verifica-se que, em se tratando de litígio a ser resolvido, ou qualquer questão voltada aos interesses em evidência, a natureza humana é consonante com o mais básico dos instintos: O da proteção das coisas que lhe pertencem. Cria-se, assim, a resistência ao direito que o outro pleiteia, forma mais natural inerente ao ser humano para preservar seu patrimônio e preservar o poder sobre as coisas que possui. Para Humberto Theodoro Júnior, o processo como ferramenta estatal "É simplesmente o instrumento de realização do direito material atingido por agressão ou ameaça ilícita". [07], explicitando sobre a influência do processo no mundo material.
Nasce, então, o conflito, a resistência à pretensão, que se manifestará de diversas maneiras nas relações intersubjetivas, criando o mal estar e desequilíbrio entre as partes envolvidas. Desse aspecto de coisas, cuida o Direito na sua missão de pacificar o meio social através do processo na pessoa do Estado-juiz, usando os critérios da decidibilidade, característica eminentemente marcante na via processual, que traz na decisão a vontade da lei no caso concreto procurando solucionar o conflito. Tercio Sampaio Ferraz Júnior vê a "decidibilidade de conflitos como problema central da ciência dogmática do Direito" [08]. Em virtude dos diversos aspectos sociais e jurídicos que constituem o litígio, originado da pretensão resistida, o Direito precisa assegurar que as soluções buscadas sejam as mais justas possíveis; para isso, permite o Estado-juiz que os envolvidos expressem, da forma mais livre, suas argumentações sobre as razões que entendem de direito e sobre os fatos relacionados ao objeto em litígio na esfera processual.
É nesse amálgama social de relacionamento comportamental que o Estado-juiz, através da jurisdição, via processo como instrumento, vai agir, buscando a solução pacífica da lide. Para Grinover, Cintra e Dinamarco, "Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado." [09], assegurando o acesso a todos os meios de defesa possíveis aos litigantes, permitindo, dessa maneira, a exposição dos fatos, dos argumentos tecidos, das considerações, das provas, enfim, através do acesso ao judiciário é ofertada a via processual aos interessados para solucionar o conflito e para que sejam respeitados os seus direitos e suas garantias na forma mais plena. Essa plenitude permitida na ordem processualística é atribuída aos Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório, elencados na nossa Constituição Federal, em seu inciso LV do art. 5°, e são os mesmos direcionados a oportunizar aos interessados a possibilidade de argüição dos fatos acerca do objeto em litígio através dos meios legais. Para Marco Aurélio Ventura Peixoto, "O Direito existe, nesse contexto, como instrumento de composição, revelando-se como um meio de se dirimir os conflitos surgidos em meio social" [10].
O Princípio da Ampla Defesa assegura ao réu que no processo lhe seja permitido buscar todos os meios possíveis no Direito para amparar suas argumentações em relação ao que está sendo discutido na lide, defendendo as razões de ser sobre sua resistência à pretensão ao direito do autor. É a plenitude de defesa assegurada. Porém, no dizer de Alexandre de Moraes: "Logicamente, a plenitude de defesa encontra-se dentro do Princípio maior da Ampla Defesa, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal." [11]. Trata-se de imprimir ao rito processual a adequação do desejo humano de se ver ouvido, de que suas posições sejam direcionadas ao objeto em litígio e vinculadas às normas legais. O Princípio da Ampla defesa constitui-se, dessa forma, na adequação do procedimento disposto para a solução pacífica do conflito, ou seja, o processo, à liberdade de expressão e ao direito de acesso ao judiciário, de uma forma que este permita que o cidadão não só tenha a defesa, mas a defesa plena, no seu mais alto grau, sendo apenas limitada na legalidade, na permissão jurídica que irá definir até onde é possível argüir, provar, e com quais meios será exercida essa plenitude.
O legislador constituinte buscou trazer, com o Princípio da Ampla Defesa, o conceito de ação voltado para a argüição das partes, não como conflituosas em si, mas como colaboradoras do Estado-juiz no sentido de que venha o réu trazer aos autos todos os elementos possíveis e necessários ao direcionamento do conflito de interesses para uma decisão célere e justa, que, se não o termine, dê a solução mais razoável diante dos fatos e argumentos expostos no processo. Para Humberto Theodoro Junior, "O moderno processo traz em seu bojo significativa carga ética, tanto na regulação procedimental como na formulação substancial dos provimentos decisórios" [12]. Permeia-se, assim, no direito processual, a busca da verdade na sua matriz teleológica a servir como guia para a liberdade de averiguação dos fatos e de exposição das razões de direito das partes envolvidas no conflito. Para Marco Aurélio Ventura Peixoto, "O Direito Processual é aquele que se ocupa não do conteúdo propriamente dito, mas das formas e dos meios que possuem os indivíduos de deduzir as suas pretensões de Direito Material perante o Poder Judiciário ou a autoridade competente" [13]. Humberto Theodoro Junior acrescenta que "É importante, todavia, não se afastar do jurídico, para indevidamente fazer sobrepujar o ético como regra suprema e, portanto, anular o direito positivo" [14]. Corroborando o conceito e objetivo do Direito Processual definidos por Marco Aurélio Ventura Peixoto linhas acima.
A ampla defesa assegura, além da plenitude de defesa do réu, a concepção de que todo cidadão tem a prerrogativa de se expressar perante os órgãos do Poder Público, independentemente do litígio sobre a coisa, pois o Direito lida com pessoas, embora a questão envolvida na ordem processualística civil seja predominantemente, material, o bem da vida pretendido em juízo possui outros aspectos, como sentimentais e culturais do homem, e não somente aquele valor medido sob a forma de pecúnia.
De sorte que, o desenvolvimento processual tomará por base os procedimentos que visem corresponder, entre os outros aspectos legais voltados para a marcha processual, a disponibilidade para o réu de todos os meios inerentes à sua ampla defesa, atribuindo ao Princípio em tela, a garantia constitucional sobrevinda dos institutos jurídicos normativos dispostos no Código de Processo Civil voltados para o mesmo. De relevância não menos acentuada é o segundo Princípio mencionado: O Princípio do Contraditório, também previsto no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso LV. Não se pode olvidar a íntima relação que tem esse princípio com o Princípio da Ampla Defesa, uma vez que a ele é atribuída a questão da acareação das provas e de todos os fatos e fundamentos dispostos pelas partes na marcha processual. É sob esse prisma que o contraditório assegurado às partes permitirá que se construa o momento de contestação dos argumentos de um e outro. As questões trazidas ao processo, os fundamentos e fatos que são rebatidos pelas partes litigantes, trazendo o confronto dos argumentos. Humberto Theodoro Junior comenta que "o principal consectário do tratamento igualitário das partes se realiza através do contraditório". [15] Assemelha-se o Princípio do Contraditório ao Princípio da Ampla Defesa pela possibilidade de ser disponibilizada às partes envolvidas a argumentação em sentido contrário daquele que foi apresentado pelo oponente. É a liberdade garantida pelo Princípio da Ampla Defesa vista reflexivamente, pois o Princípio do Contraditório é a liberdade de se contestar, refutar os fatos e fundamentos com os quais se embasou a outra parte, garantidos pela ampla defesa, voltado também para a marcha processual, onde tais disposições desses fatos e fundamentos apresentadas em juízo e inseridas no contexto geral da ação irão condicionar o julgamento pelo Estado-juiz ao processo com base nas alegações apresentadas por ambas, pois o juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistantes delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra [16].
O Princípio do Contraditório, dessa forma, apresenta-se como uma defesa das partes aos fatos e fundamentos dispostos umas das outras em relação à lide, trazendo consigo a natureza jurídica de verdadeira defesa e de caráter absoluto, que no dizer de Humberto Theodoro Junior, "quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditório, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegurar às partes a regra de isonomia no exercício das faculdades processuais" [17]. Contradizer é refutar, opor-se, contestar o que foi apresentado, de sorte que, da combinação desses dois princípios, se configura a fundamentação legal para o processo na sua forma sistemática concebida pelo legislador ordinário em harmonia com os princípios constitucionais. Tais questões situam-se no desenrolar do processo, em qualquer de suas fases, tal sua importância. Os Princípios mencionados corroboram, assim, a idéia apresentada pelo legislador constituinte e apresentam-se no rol dos fundamentos da sistemática processual vigente, no intuito de harmonizar o aparato estatal, na pessoa do Estado-juiz, ao equilíbrio das partes envolvidas no processo, não permitindo que uma ou outra se sobressaia, mas tenham as mesmas, no aspecto quantitativo e qualitativo, a idéia de isonomia, fundamentadas no princípio da verdade real, que no dizer de Humberto Theodoro Junior, tecendo considerações sobre o princípio em tela, afirma que "o juiz, ao sentenciar deve formar seu conhecimento livremente, valorando os elementos de prova segundo critérios lógicos e dando a fundamentação de seu decisório" [18]
Em suma, das reflexões expostas, retira-se a convergência existente entre esses dois Princípios constitucionais, dispostos também na sistemática processual civil, que atrela qualquer resultado oriundo de um julgamento em um processo, o caráter de cognição delineado em todo o percurso do litígio. Para Celso Antônio Bandeira de Melo, "Estão aí, consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer seja" [19], definindo-lhes a posição soberana de atribuir aos aspectos processuais o caráter de liberdade e de apreciação das provas, dos fatos e fundamentos expostos pelos interessados na lide, sob pena de nulidade total dos atos processuais se não respeitados.
Oportuno lembrar, porém, que o direito ao contraditório e ampla defesa, embora absolutos na sistemática processual, pois não pode o magistrado conduzir o processo sem respeitá-los, como salienta Humberto Theodoro Junior, "Ninguém é obrigado a defender-se" [20], de sorte que cabe às partes a devida iniciativa de usá-los no momento processual oportuno que lhe é concedido na marcha processual.
1.2.O Princípio da Segurança Jurídica
No dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo:
Este princípio não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porém, da essência do próprio Direito, notadamente, de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo. [21]
O ordenamento jurídico visa proteger a estrutura do Estado e da nação, envolvendo os participantes do mundo social em um determinado momento histórico, trazendo para os personagens desse universo jurídico, os diversos conceitos normativos inseridos no plano concreto como reflexo delineado, nesse ponto, nos comportamentos, influenciados pelas leis que regem o sistema como um todo. No dizer de Tércio Sampaio Ferraz Junior, "O primado do centro político é um dado importante, sobretudo para o direito como poder e estabelecimento do equilíbrio social". [22] Os bens e valores, juntamente com seus aspectos peculiares em cada sociedade estão notadamente comungados pelo plano jurídico. Sobre o tema, expõe Hans Kelsen, "Se a norma geral deve ser aplicada, só uma opinião pode prevalecer" [23]. É ele, o plano jurídico em que se situa o Direito, que define o comportamento permitido naquele momento histórico, posto que, atribui-se ao mesmo a concessão de direitos e obrigações, e a uma cumplicidade inserida dentro do plano comportamental dos sujeitos de direito envolvidos, a magnitude da eficácia do rol de leis inseridas em determinada época, colocando num mesmo espaço jurídico o Estado, o indivíduo e a sociedade.
Dessa forma, a característica do sistema normativo de um povo muito depende da influência deste sistema em relação aos sujeitos de direito existentes como figuras daquela estrutura social naquele determinado momento histórico, pois o conjunto dos fatores que agem para compor o universo jurídico do qual todas elas participam, sofre influência da carga axiológica daquele contexto histórico onde as mesmas estão inseridas, pois Direito é ciência cultural, trazendo assim, essa carga axiológica, reflexos não só na característica do sistema normativo, mas também, influenciando a mesma na participação casuística dos eventos cotidianos, tendo como resultado o efeito transformador das coisas, afetando, por conseguinte, as bases do próprio sistema normativo em si, uma vez que, sob o efeito mutável do comportamento social, pode o sistema normativo modificar as próprias regras de direito positivo, uma vez influenciado por essa carga axiológica. De sorte que, aquilo que outrora era lei positiva, poderá vir a ser norma revogada frente ao fenômeno da dinâmica social. Com efeito, afirma Hans Kelsen que "A autoridade jurídica prescreve uma determinada conduta apenas porque ― com razão ou sem ela ― a considera valiosa para a comunidade jurídica dos indivíduos" [24]. Pode-se afirmar que essa dinâmica é inteiramente compreensível, pois a sociedade, advinda que é das caracterizações de uma conjuntura de fatos oriundos de diversos substratos sociais, não pode existir, na sua mais firme essência, sem que o fator mutabilidade a acompanhe. É essa dinâmica natural da ordem social vigente que permite à sociedade conviver com conceitos passados atrelados aos conceitos atuais, fundindo-se uns aos outros, de tal forma que a estrutura normativa e comportamental, onde se situam os sujeitos de direito nela inseridos, vivam em constante mudança e coexistência. Surgem a lei e os sistemas jurídicos na estrutura social, desta forma, pela necessidade intrínseca da segurança desses relacionamentos que perduram entre os sujeitos de direito mencionados, mas que também fazem parte da dinâmica da sociedade.
Logo, a ordem legal é que acompanha os fatos da dinâmica social atribuindo segurança à coletividade, pretendendo aquela trazer para o cotidiano desta os comportamentos definidos como relevantes à manutenção da ordem, e repelindo outros que, traduzam em si, qualquer ameaça à existência dessa enorme e complexa estrutura denominada sociedade. Ora, se a lei acompanha, ou pelo menos tem a pretensão de acompanhar a mutabilidade da sociedade dentro do aspecto comportamental, prescrevendo-os, precisa também garantir que tal mutabilidade, deveras inevitável, não se apodere daquilo que, por cumplicidade de todos os participantes da estrutura social foi definido como necessário, ou seja, a mudança deve trazer consigo o esse aspecto de segurança e conservação das coisas, deve trazer a preservação daqueles valores sociais aceitos dentro do plano de harmonia e equilíbrio daquele contexto histórico em sua carga axiológica, e que precisa o Estado garantir através do seu ordenamento jurídico, constituindo a eficácia das leis no plano concreto, o que nas palavras de Hans Kelsen, "Uma ordem jurídica é considerada válida quando as suas normas são, numa consideração global, eficazes, quer dizer, são de fato observadas e aplicadas." [25]
Para conceber essa estabilidade dos relacionamentos na dinâmica social, o aparelho estatal vai contar com um Princípio tão primordial e relevante que, a sua ausência tornaria impossível a coexistência dos universos jurídicos dos sujeitos de direito dantes mencionados, quais sejam, o Estado, o indivíduo e a sociedade. Hans Kelsen comenta que "A sua justificação está no suposto de que nenhum caso é perfeitamente igual a outro" [26]. Esse Princípio, em linhas gerais, compreende-se como a força existente no universo jurídico dotada da capacidade de permitir a harmonia entre a mutabilidade social e a estabilidade do sistema jurídico inserido nela mesma. Tal Princípio, regendo o universo de leis que acompanha a sociedade, é dotado da característica de possibilidade de mudança que a mesma requer, devido a sua própria natureza, sem que, com isso, seja ameaçada a ordem das coisas. Esse Princípio que é capaz de garantir o seu próprio equilíbrio, impedindo que suas bases sejam comprometidas, chama-se Princípio da Segurança Jurídica.
Tamanha sua importância, esse Princípio serve de base para a interposição e o estabelecimento de outros princípios que servem como fundamentos da Constituição e dos Princípios Gerais do Direito. Na verdade, quando se diz que o Estado dele faz uso, quer-se dizer que sem o mesmo, o universo jurídico não se sustenta, pois o equilíbrio da sociedade, a paz entre os sujeitos de direito, a pacificação que pretende o Estado obter, pondo fim aos conflitos, e até mesmo, a ordem jurídica que advém do Poder Constituinte Originário não podem subsistir. A Constituição e as leis devem garantir que a ordem jurídica seja preservada e obedecida, independentemente da dinâmica do meio social onde estão inseridas. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Junior, "Trata-se da idéia de que o direito atua como comandos que obrigam ou proíbem condutas, sendo limitações ao comportamento apenas à medida que a liberdade comportamental de um possa prejudicar a liberdade do outro." [27]
É o Princípio da Segurança Jurídica que vai dispor, em conjunto com outros Princípios Gerais de Direito, sobre a validade das decisões, o conceito da coisa julgada, a prescrição, os elementos necessários à exigibilidade do cumprimento de uma obrigação, a aplicabilidade das leis, a preclusão, a formalidade dos atos processuais, os elementos necessários à execução forçada, enfim, encontra-se o mesmo, imbricado na ordem jurídica nos mais diversos aspectos, e traduz o que de mais sólido existe nos aspectos do sistema normativo dessa ordem.
No dizer de Hans Kelsen:
"O princípio que se traduz em vincular a decisão dos casos concretos a normas gerais, que hão de ser criadas de antemão por um órgão legislativo central, também pode ser estendido, por modo conseqüente, à função dos órgãos administrativos.
Ele traduz, nesse seu aspecto geral, o princípio do Estado-de-Direito que, no essencial, é o princípio da segurança jurídica" [28].
O Princípio da Segurança Jurídica na esfera do direito processual será responsável pela garantia de efetividade e dicção das normas em seus diversos aspectos, inclusive, em qualquer instituto processual, seja ele qual for. Logo, também serão permeados pelos seus fundamentos, os conceitos e normas legais voltadas para a defesa do réu em todas essas esferas processuais, garantindo a solidez necessária ao rito, atribuindo ao instituto, a base necessária para a aplicabilidade dos preceitos constitucionais atuais voltados para a defesa. Para Humberto Theodoro Junior, "é no conjunto dessas normas do direito processual que se consagram os princípios informativos que inspiram o processo moderno." [29]