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Mudança no posicionamento da Secretaria da Fazenda quanto à decadência

29/09/2011 às 14:03
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Os Julgadores do TIT de São Paulo passaram a aplicar o artigo 173, I, do CTN, o qual prevê que o direito da Fazenda constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

O tema da decadência do direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário é assunto controverso, tanto para a doutrina pátria quanto no âmbito dos tribunais judiciais e administrativos.

O Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, por exemplo, recentemente modificou seu entendimento, tendo inclusive originado dois Ofícios Circulares expedidos pela Coordenadoria da Administração Tributária – CAT ao longo da evolução na discussão do assunto.

Justifica-se o acima exposto, uma vez que até o ano de 2010, diversos Julgadores integrantes do Tribunal de Impostos e Taxas proferiam suas decisões utilizando a regra de decadência contida no artigo 150, §4º do CTN (segundo o qual o prazo máximo para constituição do crédito tributário é de cinco anos a contar da ocorrência do fato imponível).

Registre-se que referido posicionamento era adotado nos casos em que não se verificava a ocorrência de ato praticado com dolo, fraude ou simulação, oportunidade na qual era reconhecido que o prazo máximo para que o Fisco procedesse com o lançamento de ofício era de cinco anos, contados da data na qual as operações relativas à circulação de mercadoria ocorreram, em conformidade com o dispositivo citado anteriormente.

Em razão das reiteradas decisões nesse sentido, a Câmara Superior do E. Tribunal de Impostos e Taxas realizou em setembro do ano de 2010, sessão monotemática, tratando exclusivamente sobre o tema.

Naquela oportunidade, a Câmara Superior decidiu por maioria que em razão da ausência de jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores, a regra de decadência aplicável aos lançamentos de ofício por creditamento indevido de ICMS, sem que haja comprovação de dolo, fraude ou simulação, era aquela contida no artigo 150, §4º do Código Tributário Nacional – CTN.

Referida decisão gerou grande repercussão junto à Administração Pública do Estado de São Paulo, originando inclusive a edição do Ofício Circular nº 002/2010, que assim dispunha:

O Coordenador da Administração Tributária, no uso de suas atribuições legais, considerando as decisões emanadas pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas acerca do prazo decadencial para constituição do crédito tributário decorrente de creditamento indevido do ICMS; considerando a relevância da matéria; considerando os princípios da eficiência e da economia processual e a necessidade de padronizar os procedimentos no âmbito das diretorias da CAT, resolve:

I – A Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas vem decidindo reiteradamente, em sede de Recurso Especial, que a regra de decadência aplicável aos lançamentos de ofício por creditamento indevido de ICMS, sem que haja comprovação de dolo, fraude ou simulação, é aquela contida no artigo 150, §4º do Código Tributário Nacional – CTN, segundo o qual a Administração dispõe do prazo de cinco anos para constituir o crédito tributário, contados a partir da ocorrência do fato gerador. Dezenas de processos já foram julgados nesse mesmo sentido.

II – Em face de tais decisões, a Fazenda Pública vem interpondo Pedidos de Reforma de Julgado, sustentando que as decisões proferidas em Recurso Especial divergem da jurisprudência consolidada no Poder Judiciário, no que diz respeito à regra de decadência aplicável aos lançamentos fiscais por creditamento indevido de ICMS. Nesses pedidos, a Fazenda Pública postula a aplicação do disposto no artigo 173, inciso I, do CTN para os casos da espécie, na qual o prazo de cinco anos começa a fluir a partir do 1º dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

III – Em sessão monotemática realizada no dia 16 de setembro de 2010, o órgão pleno do TIT procedeu ao Julgamento de vinte pedidos de reforma de julgado apresentados pela Fazenda Pública e concluiu, por expressiva maioria de votos, pelo não conhecimento dos pedidos, por ausência de pressuposto de conhecimento definido no artigo 50, inciso II, da Lei nº 13.457/2009. O órgão de julgamento entendeu que não há jurisprudência consolidada sobre a matéria nos tribunais superiores, no caso, o Superior Tribunal de Justiça, impossibilitando o conhecimento dos apelos. Nesse sentido, as decisões recorridas restaram inalteradas. Dos dezesseis juízes que integram a Câmara Superior, treze votaram pelo não conhecimento e três votaram pelo conhecimento.

IV – A decisão da Câmara Superior em sede de Pedido de Reforma de Julgado é definitiva no âmbito do contencioso administrativo tributário, dela não cabendo qualquer tipo de Recurso. Muito embora não signifique o fim das discussões jurídicas sobre o tema, esses julgados sinalizam forte entendimento do Tribunal de Impostos e Taxas e servirão de baliza para o julgamento dos demais processos versando sobre o mesmo tema.

V – Nesse sentido, até que sobrevenha eventual modificação do entendimentos dos Tribunais Superiores do Poder Judiciário no que se refere à matéria objeto deste ofício, observar-se-á o que segue:

1 – A Diretoria Executiva da Administração Tributária – DEAT – observará a jurisprudência da Câmara Superior do TIT sobre a matéria, no que se refere ao planejamento da ação fiscal e à lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa.

2 – A Diretoria da Representação Fiscal não deverá interpor recursos ou formular pedidos postulando a aplicação de regra diversa daquela fixada nos Acórdãos da Câmara Superior, especificamente no que se refere à matéria versada nesse Ofício. A medida se impõe em razão de que tais recursos não apresentam possibilidade de êxito em face da jurisprudência atual, retardando, inclusive, a cobrança de crédito tributário remanescente pela Fazenda Pública, dado que na grande maioria dos casos se verifica a manutenção das infrações em valores muito superiores aos itens cancelados por decadência.

A orientação acima transcrita era dirigida fundamentalmente para toda a estrutura da Administração Tributária Estadual, sendo certo, contudo, que com a evolução do assunto a própria Câmara Superior modificou o entendimento acima firmado, passando a adotar para os mesmos casos de creditamento indevido a regra de decadência prevista no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional – CTN, notadamente em razão da percepção da inaplicabilidade da regra contida no artigo 150, §4º, do CTN para os casos de crédito indevido do imposto.

Referida mudança no entendimento da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas teve por esteio o Aresto do E. Superior Tribunal de Justiça – STJ – no julgamento do AgRg REsp 1.199.262-MG, que decidiu por unanimidade que a decadência nos casos de creditamento indevido de ICMS, deve ser computada pela regra contida no artigo 173, I, do CTN.

Em que pese o respeito para com os defensores da primeira corrente (de que o prazo de decadência para os casos de creditamento indevido do ICMS é o previsto no artigo 150, §4º, do CTN), ouso me filiar a corrente contrária.

Justifica-se o acima exposto, uma vez que em meu entendimento, a regra acerca da homologação tácita contida no artigo 150, §4º, do CTN, pressupõe a existência de um fato gerador, assim entendido como o fato imponível que apenas quando materializado no plano dos fatos faz surgir a obrigação tributária, de forma que a condição prevista no dispositivo acima mencionado é vinculada à existência de uma obrigação (fato gerador ou fato imponível), sendo certo que esta (obrigação) não pode ser equiparada ao crédito do imposto relativo a operações anteriores, já que este (crédito) representa um direito.

A corroborar com o acima exposto, seguindo os ensinamentos do Ilustre Professor Paulo de Barros Carvalho, existem duas normas jurídicas aplicáveis aos casos de crédito indevido do imposto: a regra matriz de incidência do ICMS, e a regra matriz do crédito do imposto.

De acordo com o Ilustre Professor, o modelo que melhor se ajusta ao tema deste parecer indica de maneira mais clara a presença das duas regras, com seus dois antecedentes, e seus conseqüentes, de forma que quando um "estabelecimento A" recebe uma mercadoria de outro "estabelecimento B", junto com ele virá o valor do ICMS, e nesse momento instala-se a relação jurídica de direito ao crédito, ligando o "estabelecimento de A" ao Fisco "Fazenda do Estado de São Paulo".

Posteriormente, o "estabelecimento A" promoverá a comercialização dos produtos a um contribuinte "C", que convencionaremos ser consumidor final.

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No átimo da saída das mercadorias do "estabelecimento A", dar-se-á a incidência da regra matriz do ICMS, e, com efeito, este "estabelecimento A" figurará no lugar sintático de sujeito passivo, devendo pagar a "Fazenda do Estado de São Paulo" o valor do ICMS correspondente àquela operação.

Assim, não há como se admitir a equiparação da "obrigação" resultante do fato gerador do imposto previsto no artigo 150, §4º, do CTN com o "direito" ao crédito resultante da transferência de mercadorias.

Portanto, tendo em vista que o "direito" ao crédito não nasce de fato gerador (fato imponível), não há como contar o prazo de cinco anos da maneira estabelecida pelo artigo 150, §4º, do CTN para fins de apuração de infrações relativas ao crédito do imposto, por impossibilidade de se determinar o "dies a quo" do prazo em análise, não se mostrando possível a aplicação da regra especial contida no artigo 150, §4º do CTN, urgindo a aplicação da regra geral descrita no artigo 173, I, do CTN.

Deste modo, a Corte Administrativa acertadamente passou a entender que, por se tratar a infração de crédito indevido de imposto, o entendimento mais correto é pela aplicação deste dispositivo, uma vez que nestes casos não há como se precisar o exato momento em que fica constituído o crédito, originando inclusive a edição do Ofício Circular CAT nº 001/de 31 de março de 2011, abaixo transcrito:

O Coordenador da Administração Tributária, no uso de suas atribuições legais, sobretudo no que diz respeito à uniformização dos critérios de interpretação, orientação e aplicação da legislação tributária pelos órgãos da CAT, na conformidade da disposição do artigo 41, II, "a", do Decreto 44.566/99;

Considerando que o E. Superior Tribunal de Justiça – STJ – no julgamento do AgRg REsp 1.199.262-MG, publicado em 9 de novembro de 2010, à unanimidade, firmou entendimento no sentido da aplicação, em matéria de decadência de creditamento indevido de ICMS, da regra contida no artigo 173, I, do CTN;

Considerando, ainda, as recentes decisões emanadas pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, em sessões monotemáticas realizadas em 22 e 29 de março de 2011, com o alinhamento de sua jurisprudência no mesmo sentido da abrigada pelo STJ, ou seja, com aplicação do artigo 173, I, do CTN, para os casos de creditamento indevido de ICMS;

Considerando, portanto, que entre a produção da Portaria CAT nº 02/2010 e a presente data de publicação deste, houve manifesta modificação do entendimento do Poder Judiciário e do Tribunal de Impostos e Taxas, acerca da matéria de decadência do creditamento indevido do ICMS;

Considerando, por fim, a relevância da matéria; os princípios da autotutela, da eficiência e da economia processual,

Resolve:

Revogar o Ofício Circular CAT nº 02/2010, vez que o mesmo, em seu item V, estabelecera condição resolutiva de validade, vinculada à ocorrência de futura modificação do entendimento dos tribunais do Poder Judiciário no que se refere à matéria de referência.

Insta ressaltar que, se por um lado a mudança de entendimento que originou referidos ofícios teve, por sua vez, origem na busca dos órgãos julgadores em uniformizar certos entendimentos, proporcionando assim a maior eficiência e economia processual, a evolução do entendimento da jurisprudência, por vezes, culmina por trazer certa insegurança jurídica.

O eminente jurista Miguel Reale, discorrendo acerca da obrigatoriedade ou vigência do Direito, afirma que "a idéia de justiça liga-se intimamente à idéia de ordem. No próprio conceito de justiça é inerente uma ordem, que não pode deixar de ser reconhecida como valor mais urgente, o que está na raiz da escala axiológica, mas é degrau indispensável a qualquer aperfeiçoamento ético [01]".

Contudo, acredito que apenas mediante a evolução da jurisprudência é que poderemos alcançar a desejada "ordem estável", não apenas com relação ao instituto da decadência, mas também para os mais diversos temas debatidos no âmbito do Tribunais Administrativos e Judiciais, atingindo assim a padronização de procedimentos da Administração Tributária como um todo.


Notas

01Filosofia do Direito. São Paulo. Saraiva, 1996.

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Sobre o autor
Sylvio César Afonso

advogado tributarista e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de S. Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFONSO, Sylvio César. Mudança no posicionamento da Secretaria da Fazenda quanto à decadência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3011, 29 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20103. Acesso em: 13 nov. 2024.

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