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Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável

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01/10/2011 às 09:21
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CAPÍTULO II - CRIAÇÃO DE ÁREAS NATURAIS

2.1 Conservacionismo x Preservacionismo

O crescimento econômico que marcou os Estados Unidos no século XIX transformou radicalmente o espaço nacional. Por volta de 1890, os custos ambientais e sociais tornaram-se evidentes. A situação era tão grave que o Census Bureau, em seu famoso relatório de 1890, declarou que as fronteiras para novas expansões agrícolas estavam fechadas e que a maioria das terras devolutas governamentais haviam sido apropriadas. Tal cenário ocasionou uma preocupação crescente com a proteção ambiental. (DIEGUES, 2008, p. 27 e 28)

Nesse contexto marcado por tensão e dúvidas, surgiram duas visões de conservação do "mundo natural", que foram sintetizadas nas propostas de Gifford Pinchot e John Muir. (DIEGUES, 2008, p. 30)

Gifford Pinchot, engenheiro florestal (primeiro chefe do United States Forest Service), criou o movimento de conservação dos recursos, apregoando o seu uso racional. Ele acreditava que a conservação deveria basear-se em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos. O conservacionismo de Pinchot foi um dos primeiros movimentos teórico-práticos contra o "desenvolvimento a qualquer custo". (DIEGUES, 2008, p. 31)

Essas ideias foram precursoras do que hoje se chama "desenvolvimento sustentável", tornando-se importantes na década de 70, na Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972), na Eco-92, além de serem amplamente discutidas em publicações internacionais como a Estratégia Mundial para a Conservação, da IUCN/WWF (1980) e em Nosso Futuro Comum (1986). (DIEGUES, 2008, p. 31 e 32)

Em sentido oposto surgiu a corrente preservacionista que pode ser descrita como a reverência à natureza no sentido da apreciação estética e espiritual da vida selvagem (wilderness). Ela pretende proteger a natureza contra o desenvolvimento moderno, industrial e urbano. O preservacionismo norte-americano foi muito influenciado pelos escritos e pela obra de Henry David Thoureau que se baseavam na existência de um Ser Universal, transcendente no interior da Natureza. Outro autor importante para o preservacionismo foi Marsh, que escreveu "Man and Nature or Physical Geography as Modified by Humam Action" (1864), analisando pela primeira vez nos Estados Unidos, os impactos negativos da civilização sobre o meio ambiente. Marsh afirma que o homem se esqueceu de que a terra lhe foi concedida para usufruto e não para consumo ou degradação. (DIEGUES, 2008, p. 32)

John Muir foi o teórico mais importante dessa linha de pensamento. Segundo ele, a base do respeito pela natureza advém do reconhecimento de que o homem é parte de uma comunidade. Para esse autor, não somente os animais, mas as plantas, e até as rochas e a água eram fagulhas da Alma Divina que permeava a natureza. Essa ideia (depois chamada biocêntrica) ganhou apoio científico da História Natural, em particular da teoria da evolução, de Charles Darwin (1809-1882). O preservacionismo também sofreu influência de ideias europeias, como a noção de ecologia, cunhada pelo darwinista alemão Ernest Haeckel, em 1866, segundo a qual os organismos vivos interagem entre si e com o meio ambiente. (DIEGUES, 2008, p. 33)

A visão preservacionista continuou no início do século XX com os trabalhos de Aldo Leopold, nascido em 1887. Graduado em Ciências Florestais, tornou-se administrador de parques nacionais no ano de 1909. Em 1949 escreveu "A Sand County Almanac", que se tornou um dos livros mais importantes para os preservacionistas, no qual afirmou:

Uma decisão sobre o uso da terra é correta quando tende a comunidade inclui o solo, a água, a fauna e a flora, como também as pessoas. É incorreto quando tende para uma outra coisa. (Leopold, apud DIEGUES, 2008, p. 34)

Nos anos 50, os trabalhos de Krutch retomaram os aspectos éticos do preservacionismo americano. Segundo esse antropólogo, a vida selvagem e a ideia de vida selvagem é uma das moradas do espírito humano. Ele considerava que a modificação da natureza era benéfica até o ponto em que não interferisse drasticamente com o ecossistema como um todo. Tudo na natureza tem seus limites, incluindo o progresso humano. (DIEGUES, 2004, p. 33)

2.2 A origem da ideia dos Parques Nacionais e o surgimento da preocupação com as comunidades locais

A noção de área natural protegida surgiu com a criação do primeiro Parque Nacional do mundo, o Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos. A iniciativa ocorreu durante uma expedição exploratória de colonização à região do rio de mesmo nome. Motivados pela beleza cênica do local e considerando que inúmeros outros locais com características semelhantes haviam sucumbido ao processo exploratório corrente, os pioneiros julgaram justo preservar a área para que as gerações futuras também pudessem desfrutar de tais maravilhas. Em 1º de março de 1872 o Congresso Americano aprovou o ato de criação do Parque, proibindo qualquer exploração que alterasse as características naturais da área, destinando-o para a preservação, lazer e benefício das gerações futuras (MILANO et al., 2001, p. 6 e 7).

Outros países aderiram ao procedimento e iniciaram a criação de Parques e outras áreas protegidas: Canadá, em 1885; Nova Zelândia, em 1894; Austrália, África do Sul e México, em 1898; Argentina, em 1903; Chile, em 1926; Equador, em 1934 e Venezuela e Brasil, em 1937 (MILANO, et al., 2001, p. 7).

Como não havia critérios padronizados para seleção e manejo de áreas, a ideia de parque tomou características específicas em cada país. Para definir um conceito universal, realizou-se, em 1933, em Londres, a Convenção para a Preservação da Flora e da Fauna. Nela estabeleceu-se um conceito básico para parque nacional, definindo-se três características: a) são áreas controladas pelo poder público; b) para a preservação da fauna e flora, objetos de interesse estético, geológico, arqueológico, onde a caça é proibida; c) e que devem servir à visitação pública. Os conceitos de Reserva Nacional, Monumento Natural e Reserva Silvestre foram estabelecidos em outra convenção semelhante, em 1940, em Washington (MILANO, et al., 2001, p. 7 e 8).

Em 1962, em Seatle, nos Estados Unidos, realizou-se a 1ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais. Nela foram discutidos e aprofundados conceitos e critérios para atividades desenvolvidas em áreas protegidas e estabelecidas recomendações sobre políticas conservacionistas (MILANO, et al., 2001, p. 8).

A 2ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais ocorreu em 1972, em Yellowstone. Na ocasião, destacou-se a necessidade de ampliação do número de áreas protegidas no mundo, incluindo-se ecossistemas marinhos, insulares, polares e florestas tropicais (MILANO, et al., 2001, p. 8).

O 3º Congresso Mundial de Parques Nacionais, realizado em 1982, em Bali (Indonésia), enfatizou que as áreas naturais protegidas representavam uma contribuição indispensável à conservação dos elementos vivos e ao desenvolvimento. (MILANO, et al., 2001, p. 8) Estabeleceu-se que a estratégia de parques nacionais e unidades de conservação somente ganharia sentido com redução do consumismo nos países industrializados e com elevação da qualidade de vida da população humana dos países em via de desenvolvimento, sem o que ela seria forçada a superexplorar os recursos naturais. (BENSUSAN, 2006, p. 15).

Conforme destaca DIEGUES (2004, p. 100):

Começou a aparecer nesse Terceiro Congresso, de forma mais clara, a relação entre populações locais e as unidades de conservação. A degradação de muitos parques nacionais no Terceiro Mundo era tida como resultado da pobreza crescente das populações locais. O Congresso de Bali reafirmou os direitos das sociedades tradicionais à determinação social, econômica, cultural e espiritual; recomendou que os responsáveis pelo planejamento e manejo das áreas protegidas investigassem e utilizassem as habilidades tradicionais das comunidades afetadas pelas medidas conservacionistas, e que fossem tomadas decisões de manejo conjuntas entre as sociedades que tradicionalmente manejavam os recursos naturais e as autoridades das áreas protegidas, considerando a variedade de circunstâncias locais.

Apesar do avanço, afirma o autor que em nenhum momento se reconheceu explicitamente a existência de populações locais dentro dos parques nacionais dos países de Terceiro Mundo e nem dos conflitos gerados com a expulsão dessas pessoas. (DIEGUES, 2008, p. 103)

Em 1985, o debate sobre populações em parques já ganhava destaque. Nesse ano, um número inteiro da conceituada revista Cultural Survival (vol.9, nº 1, fevereiro de 1985) foi dedicada ao tema "Parks and People". O editor da revista, Jason W. Clay, iniciou a série de artigos criticando a expulsão das populações tradicionais, indígenas ou outras, das unidades de conservação, expondo que as áreas protegidas poderiam garantir a sobrevivência dos habitats e também das populações nativas e que as reservas poderiam preservar os modos de vida tradicionais ou diminuir o ritmo das mudanças a níveis mais aceitáveis e controlados pelos moradores locais (DIEGUES, 2008, p. 103).

Nessa mesma revista, publicaram-se as atas da Primeira Conferência sobre Parques Culturais, realizada em setembro de 1984, destacando-se que os valores dos modos de vida tradicionais devem ser reconhecidos e os associados com parques e reservas devem ser igualmente protegidos. Recomenda-se envolver os residentes tradicionais nas fases de planejamento e administração de parques e reservas, bem como assegurar a essas populações acesso aos recursos naturais das áreas em que vivem. Finalmente, afirma-se que a diversidade biológica e a da cultura devem ser igualmente protegidas. (DIEGUES, 2008, p. 103)

O 4º Congresso Mundial de Parques Nacionais e Áreas Protegidas, realizado em 1992, em Caracas, intitulado "Povos e Parques", refletiu uma nítida mudança em relação ao tratamento que se dava às populações residentes em áreas protegidas. Essa preocupação foi reforçada por um dado publicado pela União Internacional para a Conservação (UICN), em que se constatou que 86% dos parques da América do Sul têm populações permanentes. O workshop mais concorrido foi o "Populações e Áreas Protegidas". Um fenômeno interessante é que havia nessa reunião uma representatividade de países, sobretudo do Terceiro Mundo, muito maior que nos outros workshops. Essa reunião recomendou maior respeito pelas populações tradicionais; a rejeição da estratégia de reassentamento em outras áreas e, sempre que possível, sua inserção na área de parque a ser criada. (DIEGUES, 2008, p. 109 e 110)

Em 2003, no 5º Congresso Mundial de Parques, realizado em Durban, na África do Sul, formalizou-se um acordo fundamentado em dois pilares: áreas protegidas e populações tradicionais. Nele foram previstas nove linhas de ação:

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1- apoio significativo ao desenvolvimento sustentável;

2- apoio significativo à conservação da biodiversidade;

3- estabelecimento de um sistema global de áreas protegidas conectado às paisagens circundantes;

4- aumento da efetividade do manejo das áreas protegidas;

5- fortalecimento dos povos indígenas e comunidades locais;

6- aumento significativo do apoio de outras parcelas da sociedade.

Segundo BENSUSAN (2006, p. 16), esse acordo forneceu as bases para o Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas, adotado em 2004 pela Convenção sobre Diversidade Biológica.

A partir desse retrospecto, MILANO (2001, p.9) reflete sobre o início da criação das primeiras áreas protegidas e a evolução do seu conceito, ponderando que as preocupações com a conservação da natureza evoluíram, transcendendo o conceito original, um tanto emocional, de área silvestre.

O autor acrescenta que, além de preservar belezas cênicas e bucólicos ambientes históricos para as gerações futuras, as áreas protegidas assumiram outros objetivos como: a proteção de recursos hídricos; manejo de recursos naturais; desenvolvimento de pesquisas científicas; manutenção do equilíbrio climático e ecológico; preservação de recursos genéticos; e preservação in situ da biodiversidade como um todo. (MILANO, 2001, p.9)

Conforme constata MILANO (2001, p.9),

A existência de objetivos diversos de conservação, especialmente de objetivos conflitantes entre si, determinou a necessidade de criação de tipos distintos de unidade de conservação ou categorias de manejo, como genericamente se convencionou chamar. Assim, considerando-se a situação de cada país e o elenco de objetivos de conservação especificamente adotado, também é necessário que sejam adotados conjuntos de unidades de conservação de distintas categorias de manejo que, devidamente ordenados, sejam capazes de alcançar a totalidade dos objetivos nacionais de conservação. É dessa forma que evoluiu o conceito de sistema de unidades de conservação, sendo este entendido como o conjunto organizado de áreas naturais protegidas na forma de unidades de conservação que, planejado, manejado e administrado como um todo, é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de conservação.

2.3 História da elaboração da lei do SNUC

2.3.1 A necessidade da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação

No Brasil, até a década de 60, a criação de unidades de conservação (Parques Nacionais, Florestas Nacionais e Reservas Florestais) não obedeceu a nenhum planejamento mais abrangente. Segundo MERCADANTE (2001, p. 190):

As UCs foram estabelecidas por razões estéticas e em função de circunstâncias políticas favoráveis. Não havia até então uma política de criação de UC com a finalidade, por exemplo, de assegurar a conservação de amostras representativas dos ecossistemas brasileiros.

A preocupação em planejar a criação de UCs começa a amadurecer na década de 70, época em que foi concluído o trabalho "Uma análise de prioridades em conservação da natureza na Amazônia". O referido documento fundamentou a elaboração do "Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil" (primeira etapa publicada em 1979 e a segunda em 1982), cujos objetivos eram identificar as áreas mais importantes para a conservação da natureza, propor a criação de UCs para protegê-las e identificar as ações necessárias para implementar, manter e gerir o sistema. (MERCADANTE, 2001, p. 190)

Para alcançar esses objetivos, propunha-se a ampliação do número de categorias de UC então legalmente estabelecidas, quais sejam, Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica, Floresta Nacional e Parque de Caça, acrescentando-se as seguintes categorias: Monumento Natural, Santuário ou Refúgio da Vida Silvestre, Parque Natural, Reserva de Fauna, Reserva Indígena, Monumento Cultural, Reserva da Biosfera e Reserva do Patrimônio Mundial. (MERCADANTE, 2001, p. 191)

Conforme destaca MERCADANTE (2001, p. 191),

a preocupação com a planificação de um sistema nacional de UCs não era exclusiva do Brasil, mas um movimento mundial, influenciado pela evolução do debate internacional sobre os Parques e Reservas e a ação de organizações como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

2.3.2 O Anteprojeto de lei do SNUC

Em 1988, o antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF encomendou à Fundação Pró-Natureza - Funatura, uma avaliação crítica das categorias de UC então existentes e a elaboração de um anteprojeto de lei instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Participaram do grupo de trabalho Maria Tereza Jorge Pádua, Almte. Ibsen Gusmão Câmara, principal redator do anteprojeto, Angela Tresinari, César Vitor do Espírito Santo, Jesus Delgado, José Pedro Costa e Miguel Milano, como consultores, e Maurício Mercadante, no apoio técnico. (MERCADANTE, 2001, p. 193)

O anteprojeto apresentado pela Fanatura listou e conceituou as categorias de UC, estabeleceu os objetivos nacionais de conservação da natureza, definiu critérios básicos para a criação e gestão das UCs e previu a tipificação penal de ações danosas às áreas protegidas. (MERCADANTE, 2001, p. 195)

A Funatura propôs nove categorias de UCs, organizadas em três grupos:

- UCs de Proteção Integral: Parque Nacional, Reserva Ecológica (fusão da Reserva Biológica com a Estação Ecológica), Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre (absorvendo os objetivos da Área de Relevante Interesse Ecológico, que seria extinta);

- UC de Manejo Provisório: Reserva de Recursos Naturais; e

- UCs de Manejo Sustentável: Reserva de Fauna (e extinção do Parque de Caça), Área de Proteção Ambiental - APA (embora já criada pela Lei nº 6.902, de 1981, não era citada como UC) e Reserva Extrativista.

Aprovado pelo CONAMA, com poucas modificações, o anteprojeto foi encaminhado à Casa Civil, onde sofreu sua primeira modificação expressiva: os tipos penais foram substituídos por sanções administrativas.

Em 22 de maio de 1992, já na qualidade de Projeto de Lei nº 2.892/92, o documento foi encaminhado para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias para apreciação. O PL foi inicialmente distribuído ao deputado Tuga Angerami. No mês de dezembro foi redistribuído para o deputado Fábio Feldmann. (MERCADANTE, 2001, p. 195) Mercadante foi indicado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados para assessorá-lo.

Embora tenha incluído categorias como a Reserva Extrativista e a APA, a proposta original não fazia nenhuma menção das populações tradicionais ou da conservação em áreas mais densamente ocupadas. Para MERCADANTE (2001, p. 204) a explicação é simples: a proposta do Executivo herdou a concepção tradicional e a estrutura básica do Plano do Sistema de 1979/82.

Com base nessa concepção, os preservacionistas entendiam que a APA era apenas um instrumento de ordenamento do uso do solo e as Reservas Extrativistas eram formas de fazer reforma agrária, por isso, não deveriam ser consideradas unidades de conservação. (MERCADANTE, 2001, p. 205)

2.3.3 Substitutivo Fábio Feldmann

Em 1994 o deputado Fábio Feldmann apresentou sua primeira proposta de substitutivo ao PL do SNUC, introduzindo profundas modificações no texto original. Na ocasião, o deputado apresentou um robusto relatório em que justifica as modificações introduzidas, a seguir alguns trechos do documento (MERCADANTE, 2001, p. 196):

A despeito de sua inegável oportunidade, o Projeto [2.892/92], na forma proposta, padece os efeitos de uma concepção envelhecida sobre o significado e o papel das unidades de conservação, concepção esta que tende a desconsiderar as condições específicas de países pobres como o nosso, e que vem sendo paulatinamente revista e atualizada no mundo todo.

Na perspectiva tradicional, criar uma unidade de conservação significa, em essência, cercar uma determinada área, remover ou – alguns diriam -, expulsar a população eventualmente residente e, em seguida, controlar ou impedir, de forma estrita, o acesso e a utilização da unidade criada. A preocupação básica, quase exclusiva muitas vezes, é com a preservação dos ecossistemas.

Essa radical intervenção do Poder Público sobre o domínio e a utilização da terra é, em geral, motivada pela necessidade de se manter determinadas áreas intocadas, tendo em vista sua importância ímpar, em termos científicos, culturais e, inclusive, econômicos, para as presentes e, sobretudo, as futuras gerações. Esses motivos são inegavelmente legítimos, defensáveis e justos. O problema, entretanto, é que, no processo corrente de criação de unidades de conservação, incorre-se, via de regra, em um equívoco fundamental: as unidades de conservação são concebidas e criadas a partir de uma decisão unilateral, de cima para baixo, como se fossem entidades isoladas, alheias e acima da dinâmica socioeconômica local e regional. A visão conservacionista, a rigor, é incapaz de enxergar uma unidade de conservação como um fator de desenvolvimento local e regional, de situar a criação e gestão dessas áreas dentro de um processo mais amplo de promoção social e econômica das comunidades envolvidas. Consequentemente, as populações locais são encaradas com desconfiança, como se fossem uma ameaça permanente à integridade e aos objetivos da unidade, o que, nessas circunstâncias, isto é, nessa situação de isolamento e confronto, acaba se tornando verdade. A sociedade local, alijada do processo, sem possibilidades de participação e decisão – o que lhe permitiria conhecer e compreender melhor o significado e a importância de uma unidade de conservação -, percebe a intervenção do Poder Público como sendo um ato violento, autoritário, injusto, ilegítimo, e assume uma atitude de resistência, discreta algumas vezes, ostensiva outras.

[...]

Diante de situações como essas, vem se desenvolvendo uma concepção nova sobre o papel das unidades de conservação que procura redefinir o manejo dessas áreas protegidas tendo em vista assegurar, ao mesmo tempo, a conservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade de vida das populações humanas.

Essa nova concepção parte do princípio de que a conservação, como o desenvolvimento, destina-se ao homem. Garantir o bem-estar das gerações de hoje e de amanhã é o motivo essencial da conservação. Esta afirmação vai de encontro ao pensamento conservacionista tradicional que, de certo modo, tende a absolutizar o valor das espécies e dos ecossistemas, a despeito das exigências e necessidades humanas concretas, aqui e agora.

Segundo MERCADANTE (2001, p. 204), as principais modificações introduzidas pelo Substitutivo do deputado Fábio Feldmann no texto original foram as seguintes:

1- Acrescentou-se ao SNUC os seguintes objetivos:

- valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;

- proteger as fontes de alimentos, os locais de moradia e outras condições materiais de subsistência de populações tradicionais, respeitando sua cultura e promovendo-as social e economicamente;

- proteger e encorajar o uso costumeiro de recursos biológicos, de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação e uso sustentável;

- proteger e valorizar o conhecimento das populações tradicionais, especialmente sobre formas de manejo dos ecossistemas e uso sustentável dos recursos naturais.

2- Acrescentou-se ao SNUC um artigo estabelecendo os princípios que deveriam orientar a implementação do Sistema, introduzindo-se a preocupação com a participação da sociedade, especialmente da comunidade local na criação e gestão das UCs; a integração da UC na dinâmica social e econômica local; a proteção à população tradicional; a descentralização administrativa e a sustentabilidade econômica das UCs:

3- Inclusão da definição de "população tradicional": população culturalmente diferenciada, vivendo há várias gerações em um determinado ecossistema, em estreita dependência do meio natural para sua alimentação, abrigo e outras condições materiais de subsistência, e que utiliza os recursos naturais de forma sustentável;

4- Exclusão da categoria Reserva Biológica, mantendo-se apenas a Estação Ecológica;

5- Retomada da concepção do anteprojeto proposto pela Funatura quanto à criminalização das ações danosas à integridade das UCs.

Em maio de 1994, ocorreu o seminário "Populações, Territórios e Recursos Naturais", organizado pelo Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais – IEA. Na ocasião, os participantes manifestaram-se sobre o PL nº 2.892/92, reconhecendo o avanço dele em relação à proposta do Executivo, que era estritamente conservacionista. Mas, apontaram que o substituto do deputado Fábio Feldmann era falho no que diz respeito à participação das populações locais e de seus representantes na elaboração, implantação e gestão das UCs. Além de não prever espaços no SNUC para a participação de organizações da sociedade civil em nível regional e nacional. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

Meses depois, em novembro, em workshop sobre unidades de conservação, organizado pelo Ministério do Meio Ambiente, o substituto foi muito criticado por uns e muito elogiado por outros. A partir de então, evidenciou-se a profunda divisão entre os ambientalistas sobre o modelo de área protegida ou, em um sentido mais amplo, de conservação da natureza. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

De um lado temos os que eu chamo de conservacionistas, de outro lado os que podem ser denominados socioambientalistas. Os primeiros creem que para conservar a natureza é necessário separar áreas naturais e mantê-las sem qualquer tipo de intervenção antrópica (salvo as de caráter técnico e científico, no interesse da própria conservação). As populações que vivem dentro e no entorno da área protegida representam uma ameaça à conservação e devem ser removidas da área e controladas. O Estado deve manter um total e exclusivo controle sobre o processo de criação e manejo das áreas protegidas. Já os socioambientalistas (entre os quais me incluo, e digo isso para que fique claro que meu ponto de vista é absolutamente parcial), embora reconheçam que conciliar a conservação com as demandas crescentes das comunidades por recursos naturais é um desafio, entendem que as possibilidades de conservação são mais efetivas quando se trabalha junto com a comunidade local. A criação de uma área protegida deve ser precedida de uma ampla consulta à sociedade e sua gestão deve ser participativa. Uma concepção mais flexível de área protegida facilita a solução de conflitos, a negociação de acordos e o apoio da comunidade local às propostas de proteção da natureza. É preciso atrair, valorizar e apoiar o trabalho do produtor rural e da iniciativa privada em favor da conservação. [05]

Como resultado de cenário conflituoso, no final de 1994, ao término da legislatura 1990-94, o deputado Fábio Feldmann apresentou na CDCMAM um substitutivo, que abandonou todas as propostas que vinha defendendo, cujo texto era muito próximo ao da proposta original do Poder Executivo. (MERCADANTE, 2001, p. 209)

2.3.4 Substitutivo Fernando Gabeira

Em 1995, assume a condição de relator o deputado Fernando Gabeira. Nesse ano a CDCMAM, sob a presidência do Deputado Sarney Filho realizou-se concorridas audiências públicas sobre o PL nº 2.892/92 em seis capitais: Cuiabá, Macapá, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. O deputado Fernando Gabeira resgatou a proposta mais avançada do deputado Fábio Feldmann e acrescentou várias propostas novas provenientes das consultas públicas. (MERCADANTE, 2001, p. 210)

Em parecer, o deputado Gabeira expôs as ideias que orientaram os trabalhos desenvolvidos:

"Desde a elaboração do primeiro anteprojeto de lei sobre o SNUC, que data de 1988, - e que, na sua essência, corresponde ao Projeto encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em 1992 -, observou-se, no mundo todo e também internamente, uma expressiva evolução na concepção do significado e do papel das áreas naturais protegidas para a conservação da natureza e o desenvolvimento, com implicações importantes sobre o modo como essas áreas devem ser criadas e geridas.

A principal crítica à concepção tradicional das unidades de conservação é a de que essas áreas são criadas e geridas sem consulta à sociedade, especialmente às comunidades mais diretamente atingidas, vale dizer, aquelas que vivem dentro ou no entorno das unidades. Os parques e reservas permanecem assim isolados, sem se integrarem à dinâmica socioeconômica local e regional. As comunidades mais atingidas são sobretudo aquelas de menor poder aquisitivo, que vivem no local há várias gerações, cuja economia baseia-se em formas tradicionais de exploração dos recursos naturais, dos quais dependem diretamente para sua subsistência material e reprodução sociocultural. Essas populações, que em geral não possuem títulos de propriedade das terras onde vivem vêm-se, de um momento para o outro, desprovidas dos seus meios de vida e constrangidas a engrossar o contingente de marginalizados urbanos, já que as indenizações eventualmente propostas não são, nem de perto, suficientes para a aquisição de outras terras para trabalharem.

Hoje se reconhece que a expulsão das populações tradicionais é negativa não apenas sob o ponto de vista social e humano mas têm consequências danosas também no que se refere à conservação da natureza. Essas comunidades são, em grande medida, responsáveis pela manutenção da diversidade biológica e pela proteção das áreas naturais. Ao longo de gerações desenvolveram sistemas ecologicamente adaptados e não agressivos de manejo do ambiente. Sua exclusão, aliado às dificuldades de fiscalização dos órgãos públicos, muitas vezes expõe as unidades de conservação à exploração florestal, agropecuária e imobiliária predatórias. Com isso, perde-se também o conhecimento sobre o manejo sustentável do ambiente natural acumulado por essas populações. (Gabeira apud Mercadante, 2001, p. 210 e 211)

Segundo MERCADANTE (2001, p. 214 a 225), as principais propostas apresentadas pelo Deputado Fernando Gabeira, foram:

1. O termo "população tradicional" ganhou uma nova definição: "população vivendo há pelo menos duas gerações em um determinado ecossistema, em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental".

2. Foram acrescentadas quatro novas categorias de unidades de conservação:

- Reserva Produtora de Água, com o objetivo básico de proteger as fontes de água potável das populações humanas;

- Reserva Ecológico-Cultural, com o objetivo de proteger áreas onde populações tradicionais desenvolveram sistemas de exploração dos recursos naturais adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel chave na conservação da diversidade biológica;

- Reserva Ecológica-Integrada, com o objetivo de promover a gestão integrada de áreas ou unidades de conservação com diferentes objetivos de manejo; e

- Reserva Indígena de Recursos Naturais, para possibilitar uma política efetiva de conservação em terra indígena, com apoio oficial, e que pudesse servir também para ajudar na resolução efetiva da questão das sobreposições entre terra indígena e UC.

3. Reconheceu-se o problema da presença de população tradicional em UCs de Proteção Integral. Como solução para o problema foram estabelecidas três alternativas: o reassentamento da população (em condições negociadas), a reclassificação da UC e a permanência temporária da população (mediante contrato).

4. Passou-se a admitir a presença de população tradicional em Floresta Nacional.

5. As UCs de Proteção Integral passaram a dispor de um Conselho Consultivo. As APAs, à semelhança do que já estava previsto para as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, passaram também a ser geridas por um conselho deliberativo.

6. Realização de uma consulta pública, obrigatória, antes da criação de uma UC.

7. Introduziu-se o princípio da remuneração pelos produtos e serviços obtidos ou desenvolvidos a partir dos recursos naturais, biológicos, cênicos ou culturais das UCs. A empresa responsável pelo abastecimento de água ou que faça uso de recursos hídricos, bem como aquela responsável pela geração e distribuição de energia elétrica, que seja beneficiária da proteção proporcionada por uma UC, deve contribuir financeiramente para a proteção e implementação da unidade. Além disso, procurou-se assegurar na lei a regra que obriga a destinação de no mínimo 0,5% dos recursos destinados a um empreendimento de significativo impacto ambiental para a implantação e manutenção de uma UC de Proteção Integral.

8. Para acabar com a indústria das indenizações milionárias, introduziu-se dispositivo excluindo do cálculo das indenizações por desapropriação de imóvel rural para a criação de UC, as áreas de preservação permanente, as áreas de reserva legal que não estivessem sendo exploradas com base em plano de manejo florestal sustentado, as espécies arbóreas declaradas imunes de corte pelo Poder Público, as expectativas de ganhos e lucro cessante e o de cálculo efetuado mediante a operação de juros compostos.

9. Introduziu-se a possibilidade das UCs públicas serem geridas por ONGs ambientalistas.

Em 1996 ocorreram três eventos importantes: um workshop organizado pelo Instituto Socioambiental - ISA para analisar experiências concretas de conservação envolvendo populações tradicionais ou rurais, que contou com a presença, além de renomados especialistas, dos Deputados Fernando Gabeira e Fábio Feldmann; e dois seminários na Câmara dos Deputados, o primeiro, bastante polêmico, sobre a presença humana em UC e o segundo dedicado às Reservas Particulares do Patrimônio Natural - RPPN.

Nesse mesmo ano também foi constituída a Rede Nacional Pró Unidades de Conservação (de Uso Indireto), reunindo as ONGs preservacionistas contrárias ao Substitutivo do Deputado Fernando Gabeira. A Rede Pró-UC foi organizada para defender o modelo tradicional de UC e, consequentemente, combater as inovações propostas pelo relator ao PL 2.892/92.

No final de 1996, o relator ofereceu o seu substitutivo para ser votado pela Comissão. No entanto, a Casa Civil da Presidência da República mobilizou sua bancada e impediu a votação do projeto, alegando a existência de dispositivos inconstitucionais e outros fatores que implicariam em aumento de despesa por parte do Governo. Segundo MERCADANTE (2001, 226), na verdade, a decisão da Casa Civil foi motivada por pressões de setores do próprio Governo contrários ao substitutivo "socioambientalista" do Deputado Gabeira.

2.3.5 Mobilização da sociedade civil e negociação

O Governo se comprometeu a incluir o PL na convocação extraordinária de janeiro de 1997 e apresentar sua proposta, mas isso não aconteceu. O ano de 1997 foi marcado pelo impasse e pela inação, nas palavras de MERCADANTE (2010, p. 226).

No começo de 1998, o deputado Gabeira solicitou regime de urgência para análise do projeto de lei, mas a falta de decisão política impediu que ele entrasse na ordem do Plenário.

Nesse ano, por iniciativa do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável, entidades ambientalistas "preservacionistas" e "socioambientalistas" se reuniram para tentar encontrar uma proposta de consenso para o SNUC. As propostas apresentadas, que na verdade empurraram o pêndulo um pouco mais para o lado preservacionista, foram quase todas aceitas pelo relator. (MERCADANTE, 2010, p. 226)

Em 1999, algumas entidades ambientalistas, especialmente o Fundo Mundial para a Natureza – WWF, o ISA e o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), iniciaram uma mobilização em favor da aprovação do projeto. O deputado Gabeira negociou a inclusão do projeto na pauta da CDCMAM em 26 de maio. O Governo, mais uma vez, adiou a votação e, dias depois, apresentou sua proposta. As modificações sugeridas foram, no essencial, aceitas pelo relator. O pêndulo moveu-se mais uma vez no sentido "preservacionista". (MERCADANTE, 2010, p. 226)

Em 9 de junho de 1999 o projeto foi votado e aprovado na CDCMAM. No dia seguinte, ele foi votado e aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados, com uma modificação importante: uma área protegida agora só poderia ser criada por lei. (MERCADANTE, 2010, p. 227)

No Senado, a expectativa era de que não houvesse emendas, o que atrasaria por pelo menos mais um ano a aprovação do projeto que, só no Congresso, foi discutido por sete anos. O Governo, depois da aprovação na Câmara, manifestou a decisão de mobilizar sua bancada no Senado para aprovar o texto sem emendas. (MERCADANTE, 2010, p. 229)

Realmente, nem os ambientalistas e nem o Governo apresentou emendas no Senado, mas o representante dos interesses dos proprietários rurais apresentou cinco com o intuito de assegurar que, no caso de criação de UC ou limitação ao uso da propriedade em zona de amortecimento ou corredor ecológico, o proprietário fosse indenizado pelo maior valor possível. Para alívio de todos, as emendas do Senador Jonas Pinheiro foram rejeitadas pelo Senado. (MERCADANTE, 2010, p. 229)

Mas iniciava aí uma nova fase: a negociação do veto presidencial. Destacam-se os vetos à definição de população tradicional; ao inciso III, do §2º do art. 21, que abria a possibilidade de extração de recursos naturais em Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN; e ao art. 56 que obrigava o Executivo a reclassificar as áreas das UCs de Proteção Integral ocupadas por populações tradicionais, ou reassentar essas populações no prazo máximo de 10 anos. (MERCADANTE, 2010, p. 229 e 210)

Em 19 de julho, com a publicação no Diário Oficial, o PL do SNUC transformou-se, finalmente, na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.

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Sobre a autora
Roberta Leocádio Dias

Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Roberta Leocádio. Compensação ambiental em unidades de conservação de uso sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3013, 1 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20126. Acesso em: 22 nov. 2024.

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