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Maioridade penal e a impossibilidade de sua redução no Direito brasileiro

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04/10/2011 às 14:14
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05. A DEFINIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL.

Nem sempre legislação brasileira adotou a idade limite de 18 (dezoito) anos para a inimputabilidade penal, assim como também não adotou, tão somente, o critério puramente biológico para definir a imputabilidade penal das pessoas.

Temos que na história do Direito Penal brasileiro, no que tange a idade mínima de responsabilidade penal, houve um caminho diferente do que está sendo traçado, em face da discussão na sociedade brasileira da alteração da maioridade penal, ou seja, a redução da maioridade penal de 18 (dezoito) anos. Afirma-se isto porque, como será mostrado a seguir, com o desenvolvimento da legislação criminal desde o Império, a maioridade penal somente tem sido aumentada, sendo fato que esse mínimo cronológico de imputabilidade somente vem sendo dilatado, o que ocorre, principalmente, em virtude do maior grau de importância e incontestável reconhecimento que os direitos e garantias individuais ganharam no último século.

Na verdade, o Código Penal do Império de 1830 adotou o sistema que pode ser chamado de sistema do discernimento, com nítida inspiração no Código Penal Francês, determinando a maioridade penal absoluta a partir dos 14 (quatorze) anos,sendo que os menores abaixo desta idade poderiam ser considerados penalmente responsáveis se agissem com discernimento, utilizando-se, assim,o critério psicológico para determinar a imputabilidade ou não.

Todavia, se o agente praticasse os fatos definidos como crime, e fosse constatado que o mesmo praticou referido fato possuindo pleno discernimento, então ao agente poderia ser aplicada qualquer pena, inclusive a prisão perpétua, não importando, dessa forma, a idade que o agente possuía na data do fato, e sim se ele tinha condições de entender que o fato que iria praticar era ilegal e, a partir daí, se autodeterminando a praticá-lo, mesmo tendo consciência da sua ilicitude.

Com o nascimento do Código Penal Republicano, de 1890, surgiu também uma enorme dificuldade de aplicação dessa Lei, visto que era extremamente confusa e mesclava critérios para definir a imputabilidade penal do individuo, determinando a inimputabilidade absoluta até os 09 (nove) anos de idade incompletos, sendo que os maiores de 09 (nove) e menores de 14 (quatorze) anos estariam submetidos à análise do discernimento.

Todavia, em 1921 tal dispositivo do Código Penal de 1890 foi revogado, evidentemente por motivos de política criminal, instituindo-se, desde então, que a imputabilidade penal se daria a partir dos 14 (quatorze) anos, porém possuindo os maiores de 14 (quatorze) e menores de 18 (dezoito) anos de idade um processo especial no qual gozavam de algumas vantagens em relação aos maiores de 18 (dezoito) anos.

Com o surgimento do Código Penal de 1940, em vigor até hoje, contudo tendo sofrido diversas alterações na sua parte geral, trazidas pela Lei 7209/84, o legislador adotou o critério puramente biológico, no que se refere à inimputabilidade penal em face ao critério cronológico, impondo que seriam imputáveis as pessoas a partir dos 18 (dezoito) anos.

Vejamos o que esclarece o art. 27 do Código Penal.

Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são plenamente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Em 1988, a inimputabilidade penal é elevada à condição de garantia constitucional dos menores de 18 (dezoito) anos, por força do artigo 228 da Constituição Federal, que, com extremo vigor, impõe que as pessoas com menos de 18 (dezoito) anos são inimputáveis penalmente, respondendo por seus atos de acordo com a legislação especial. Deve ser, portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA a Lei a ser aplicada de forma a disciplinar as medidas sócio-educativas que os menores infratores sofrerão, no caso de praticarem algum ato infracional.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os menores de 18 (dezoito) anos que cometerem atos infracionais estão sujeitos às medidas nele previstas, ou seja, as crianças, consideradas assim as pessoas de até 12 (doze) anos, estão sujeitas às medidas de proteção, e os adolescentes, aqui as pessoas de 12 (doze) a 18 (dezoito anos), às medidas sócio-educativas, que poderão ser, dentre outras: advertência, liberdade assistida, semi-liberdade e internação.

A internação, medida privativa de liberdade, somente poderá ser aplicada nos seguintes casos: a) quando o ato infracional for cometido com violência ou grave ameaça; b) reiteração no cometimento de outras infrações graves; c) por descumprimento reiterado e injustificável da medida sócio- educativa anteriormente imposta;

Dispõe o artigo 122 do referido Estatuto:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

§1º. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.

Destarte, o que se percebe com a evolução do Direito Penal brasileiro, é que o mesmo ao longo do tempo tem se modernizado a fim de se humanizar mais, visto que o modelo contrário ao da humanização do Direito Penal iria de encontro às garantias fundamentais trazidas principalmente com a Constituição Federal de 1988. É, portanto, absurdo se admitir que se interprete o artigo 228 da Carta Maior sem dar a importância a ele conferida pelo Poder Constituinte Originário.


6.OS LIMITES E HIPÓTESES POSSÍVEIS DE ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL POR EMENDAS

A priori, é necessário dar-se um destaque especial à questão da interpretação correta das normas constitucionais, bem como da Constituição Federal como um todo, uma vez que referida interpretação do texto Constitucional, feita de maneira equivocada, pode levar o interprete à total desconfiguração axiológica e teleológica da real intenção do Poder Constituinte Originário.

Afirma-se isto porque se faz necessário, para a plenitude do Estado Democrático de Direito, que este não somente possua normas garantidoras dos direitos e deveres do cidadão em face dele próprio Estado, mas também que tais normas sejam interpretadas de maneira eloqüente, sob pena de se desnaturar a Constituição e a finalidade do Estado, enquanto Estado Democrático de Direito.

Em relação ao tema aqui discutido, Eduardo Rocha Dias, traz brilhante exposição. Vejamos:

Ressalta-se, inicialmente, o caráter extremamente complexo e conflituoso das sociedades modernas, que se reflete nas respectivas cartas constitucionais tanto na consagração do pluralismo político, quanto no reconhecimento de direitos fundamentais dotados de uma vis expansiva geradora de freqüentes colisões. Diante de tal quadro, a metodologia subsuntiva tradicional, originada no campo do direito privado, em que havia uma pretensão globalizante e não lacunar de disciplina da realidade, mostra-se insuficiente para dar conta da necessidade de concretizar conceitos indeterminados e abertos e articular direitos fundamentais e valores conflitantes. Alternativas que busquem fugir à idéia de sistema e fundar uma abordagem baseada na análise exclusiva dos casos concretos, como a tópica, correm o risco de originar insegurança e falta de controlabilidade. Parece mais adequada uma abordagem não baseada exclusivamente na subsunção e que permita integrar a linguagem aberta e lacunosa das normas de direitos fundamentais, sem que com isso se abandone uma idéia de justificação racional dos resultados. A partir das idéias de FRIEDRICH MÜLLER, a interpretação constitucional deve ser vista como tarefa de concretização, pela qual a norma jurídica não se limita ao seu texto, abrangendo também uma dimensão que supera os aspectos lingüísticos, relacionada com a realidade social. A normatividade deve ser concretizada mediante um processo estruturado e passível de verificação e justificação intersubjetiva. Ao mesmo tempo, no entanto, a aplicação de normas que revestem a natureza de princípios, por meio de um procedimento de ponderação, não pode cair no subjetivismo e no decisionismo, havendo de incorporar uma dimensão crítica que permita aos intérpretes e aos operadores do direito manter uma postura de vigilância. Somente assim os resultados poderão ser justificados perante a sociedade, conforme exigem os postulados do princípio do Estado de Direito Democrático. [11]

Tendo em vista o risco de que as normas maiores da Constituição sejam mal interpretadas e, por conseguinte, desrespeitadas, o Poder Constituinte Originário legislou, definindo, com clareza meridional, a imutabilidade de determinadas matérias, para assim não correr o risco de que fossem interpretadas contrariamente à sua vontade. Fez isso em relação ao tema da fixação da maioridade penal impondo, em sede Constitucional, o limite de 18 (dezoito anos), não deixando, dessa forma, qualquer espaço para dúvidas em relação a esse limite.

Ressalte-se, por oportuno, que o argumento de alguns que defendem a redução da maioridade penal no Brasil, no sentido de que o menor de 16 (dezesseis) anos já pode até votar e, portanto, já poderia também ser responsável penalmente pelos atos que pudesse vir a cometer, é totalmente desprovido de cientificidade, uma vez que vai de encontro à natureza dos direitos e garantias individuais, pois as mesmas podem, perfeitamente, ser dilatadas, como no caso de se permitir a participação no processo eleitoral, sendo impossível, todavia, a sua redução em prejuízo do ser humano, como seria no caso de se reduzir a maioridade penal.

Repise-se que não se pretende com este trabalho monográfico defender qualquer tese contrária ou a favor da redução da maioridade penal, discussão demasiadamente em voga Brasil. Muito pelo contrário. O presente estudo trata de focalizar a discussão que deve preceder àquela, que é a impossibilidade de se alterar, no atual regime constitucional brasileiro, a maioridade penal.

O grande desafio que se dever ter ao interpretar a Constituição Federal de 1988 é o de saber exatamente quais os artigos que realmente devem ser considerados cláusulas pétreas, uma vez que o Poder Constituinte Originário e toda a esmagadora doutrina pátria, afirmam que tais cláusulas são as de que tratam o artigo 60 da CF, todavia não fornecendo um rol taxativo de tais cláusulas, o que gera discussões em torno da natureza pétrea de determinados dispositivos Constitucionais, como a que tem se travado em relação ao artigo 228 da Carta Magna.

Estabelece o artigo 5º da Constituição Federal uma lista de direitos e garantias individuais, sendo dispensável a discussão se são ou não amparados pelo parágrafo 4º do artigo 60, visto que estão expressamente definidos na Constituição Federal de 1988.

Todavia, o parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988 nos leva à conclusão de que tais garantias e direitos individuais estão espalhados por todo o corpo do texto constitucional, e não somente no aludido artigo 5°, não sendo o seu rol taxativo.

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Desta feita, pode-se concluir também que os direitos e garantias relativos aos princípios da própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil integram os direitos e garantias individuais, mesmo que estejam fora da lista do artigo 5°, não se devendo permitir, de acordo com o disposto no inciso IV, do parágrafo 4º, do artigo 60, o extermínio ou redução de todo e qualquer direito ou garantia individual elencado na Constituição, não se podendo, portanto, fazer qualquer a ressalva de que aludidos direitos e garantias precisam estar previstos no artigo 5º para serem preservados em função da sua natureza, ou seja, para serem cláusulas consideradas pétreas.

Vejamos comentário de Alexandre de Morais sobre o tema trazido aqui à baila:

Lembremo-nos, ainda, de que a grande novidade do art. 60 está na inclusão, entre a inclusão ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais, que, por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5°, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. [12]

Por outro lado, tem-se que o Poder Constituinte Derivado-Reformador possui limites que são traçados expressamente, nos casos das cláusulas pétreas, bem assim implicitamente, como nos casos dos princípios constitucionais fecundados pelo Poder Constituinte Originário que também não podem ser objeto de alteração.

Veja-se ainda outra lição de Alexandre de Morais:

A existência de limitação explícita e implícita que controla o Poder Constituinte derivado-reformador é reconhecida pela doutrina, que salienta ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (CF, art. 60), pois, se diferente fosse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. [13]

Ademais, não se devem fazer diferenças entre os direitos e garantias individuais expressos na Constituição e os decorrentes dos princípios e tratados internacionais por ela acolhidos, sendo absolutamente impossíveis de serem alteradas, mesmo por emenda constitucional, as cláusulas que tratam desses direitos e garantias individuais.

Alexandre de Morais ainda traz a opinião de outro grande nome do Direito Constitucional da atualidade, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, sobre a impossibilidade de as cláusulas pétreas serem alteradas. Senão vejamos:

Analisando a questão das chamadas cláusulas pétreas e a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitucionais, Gilmar Ferreira Mendes aponta que tais cláusulas de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento, ou impliquem profunda mudança na identidade, pois a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do Estado de Direito democrático sob a forma da legalidade, evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a própria constituição. [14]

Importante também, nesse diapasão, é a clara posição de Eduardo Rocha Dias:

Como restrição deve-se entender qualquer ação ou omissão dos poderes públicos, aí incluídos o legislador, a Administração e o Judiciário, que afete desvantajosamente o conteúdo de um direito fundamental, reduzindo, eliminando ou dificultando "a vias de acesso ao bem nele protegido e as possibilidades de sua fruição por parte dos titulares reais ou potenciais do direito fundamental", bem como enfraquecendo "deveres e obrigações, em sentido lato, que da necessidade da sua garantia e promoção resultam para o Estado". Pode-se falar em restrição em sentido amplo, abrangendo, além de manifestações de conteúdo jurídico, as intervenções fáticas sobre direitos fundamentais e em sentido restrito, compreendendo as atuações normativas ou "leis restritivas", nos termos do artigo 18 da Constituição da República Portuguesa. Referido dispositivo, a exemplo do artigo 19 da Lei Fundamental de Bonn, que o inspirou, regula a aplicação dos chamados "limites aos limites" dos direitos fundamentais, ou seja, dos limites às restrições de referidas posições jurídicas. Na Constituição brasileira de 1988, por sua vez, não se prevê expressamente como se deve proceder à restrição de direitos fundamentais. A doutrina, porém, com base em dispositivos constitucionais e na jurisprudência do STF, vem identificando como "limites aos limites", além da legalidade (artigo 5o, inciso II, da CF/88), a proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade (fundado no princípio do devido processo legal na sua dimensão substantiva, tal como decorre do artigo 5o, inciso LIV, da CF/88) e a proibição de restrições casuístas (fundada no princípio da igualdade. As previsões do artigo 18 da Constituição portuguesa e do artigo 19 da Lei Fundamental de Bonn permitem concluir que a filiação teórica a eles subjacente é chamada "teoria externa" dos limites aos direitos fundamentais, ou "pensamento de intervenção e limites". Para essa corrente, e em termos resumidos, a função principal dos direitos fundamentais é a defesa do indivíduo ante atuações estatais, típica marca da teoria liberal dos direitos fundamentais, para a qual toda intervenção em referida esfera é excepcional e deve ser expressamente prevista. Ocorre que tal teoria pressupõe que o legislador constituinte tenha sido clarividente o bastante para introduzir reservas e restrições explícitas, já que, no silêncio da Constituição, não são admitidas restrições. Malgrado tal finalidade garantística, não é factível exigir que o legislador constituinte possa prever todas as possíveis hipóteses de colisão de direitos fundamentais, muito menos pretender que, dado o caráter expansivo de referidas posições jurídicas, não surjam conflitos entre direitos e bens jurídicos constitucionais fora das hipóteses expressamente previstas. Diante de referidas deficiências, a chamada "teoria interna dos limites dos direitos fundamentais" busca, basicamente, superar o caráter liberal e individualista da "teoria externa", pela afirmação de que a liberdade somente faz sentido no quadro da sociedade juridicamente conformada e ordenada e que o indivíduo não existe isolado da comunidade. A afirmação de tal caráter institucional e comunitário do direito leva a reconhecer o importante papel do legislador na efetivação e na conformação da liberdade, bem como que os direitos fundamentais não podem violar bens jurídicos de valor igual ou superior. Logo, os limites não seriam "externos" aos direitos fundamentais, mas seriam suas "fronteiras", afirmando-se desde "dentro", ou seja, seriam limites "imanentes". A eventual previsão destes últimos como reservas de intervenção do legislador ou como restrições teria, na verdade, o caráter de mera declaração. As leis, por sua vez, não constituiriam limites, mas simplesmente concretizariam, interpretariam e revelariam as fronteiras do conteúdo dos direitos. Contrariamente à teoria externa, o perigo da teoria interna é que ela desarma o cidadão ante o Poder Público, reforçando o âmbito de intervenção deste último, o que origina um défice no controle de sua atuação. Ademais, torna prescindível o recurso aos requisitos formais previstos na Constituição, como é o caso do artigo 18 da Carta portuguesa, para a restrição de direitos fundamentais. Diante de tais deficiências, costuma-se recorrer ao modelo dos direitos fundamentais como princípios como tentativa de estabelecer um procedimento adequado e controlável de argumentação e fundamentação jurídica, de forma a justificar as restrições aos direitos fundamentais, no caso a metodologia da ponderação. [15]

Defende-se no presente trabalho que, por trazer em seu bojo uma garantia individual, o artigo 228 da Constituição Federal, in verbis, é sim uma cláusula pétrea, não podendo sofrer qualquer tipo de alteração, nem mesmo por emendas constitucionais, sob pena de ferir mortalmente a vontade do legislador Constituinte originário.

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Ora, está absolutamente claro que o Poder Constituinte Originário desejou adotar a idade limite mínima de 18 (dezoito) anos para que se possa imputar criminalmente o cidadão pelos atos que cometer, uma vez que, se quisesse diferente, poderia ter adotado o limite de 16 (dezesseis) anos, ou até mesmo deixado o limite de idade para a lei ordinária.

Tem, atualmente, recebido duras críticas o fato de existirem conteúdos imutáveis na nossa Constituição Federal, sob a alegação de que não é possível uma Constituição imodificável, uma vez que geraria um engessamento jurídico, nascendo, portanto, uma diferença entre o querer constitucional e os anseios da sociedade. Todavia, vejamos a lição de J. J. Canotilho sobre o assunto:

A resposta tem de tomar em consideração a evidência de que nenhuma Constituição pode conter a vida ou parar o vento com suas mãos. Nenhuma lei constitucional evita o ruir dos muros dos processos históricos e, conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa. Mas há também que assegurar a possibilidade de as constituições cumprirem a sua tarefa e esta não é compatível com a completa disponibilidade da Constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário. (...) Assegurar a continuidade da Constituição num processo histórico em permanente fluxo implica, necessariamente, a proibição não só de uma revisão total (...), mas também de alterações constitucionais aniquiladoras de uma ordem constitucional histórico-concreta. Se isso acontecer é provável que se esteja perante uma nova afirmação do poder constituinte mas não perante uma manifestação do poder de revisão. [16]

O Poder Constituinte Originário é um poder que está acima e, portanto, fora da Constituição, uma vez que ela, Constituição, é a sua criação, sua obra e seu sentido existencial, tendo ele, natureza política, manifestando-se somente em momentos de mudança histórica de um Estado. Portanto, suas decisões são políticas e refletem o espírito do povo que representa.

Por outro lado, o Poder Reformador tem natureza eminentemente jurídica, estando inserido na Constituição, tendo sua atuação delimitada pela norma Constitucional que o criou, não podendo, desta feita, se insurgir de forma a querer destruir o ser, no caso a Constituição, que o insere e limita. Deve atuar somente nos períodos de normalidade constitucional, preservando o que o Poder Constituinte Originário impôs como imutável.

Destarte, na condição de Poder Constituinte Derivado-Reformador, deve respeitar as limitações impostas, pelo Poder Constituinte Originário, ao seu poder de modificação da Constituição. Tais limitações, como vistas acima, podem se dar de forma explícita, quando indicadas no próprio texto (cláusulas pétreas) e, também, de forma implícita, nascidas dos princípios que norteiam e são essenciais à Constituição.

Na verdade, o Poder Constituinte Derivado-Reformador exerce fundamental papel na renovação, de acordo com os novos anseios sociais, da Constituição. Entretanto, não pode servir de instrumento, em momentos de crise na segurança pública – como atualmente vivemos –, para lesionar cruel e mortalmente a vontade do Poder Constituinte Originário, pois, se assim for, as gráficas não darão conta de tantas novas edições do texto constitucional que terão que imprimir, como se fosse um periódico semanal, redigido e alterado conforme a crise que o país estiver enfrentando, além, é lógico, de se destruir as garantias que são a base do Estado Democrático de Direito.

Conforme assevera Paulo Bonavides:

O constituinte que transpuser os limites expressos e tácitos de seu poder de reforma estaria usurpando competência ou praticando ato de subversão e infidelidade aos mandamentos constitucionais, desferindo, em suma, verdadeiro golpe de Estado contra a ordem constitucional. [17]

Importante se faz, nesse ponto, a lição de Pedro Lenza, sobre os limites pré-determinados à atuação do poder constituinte derivado reformador no atual regime constitucional em que vivemos. Senão vejamos:

Em se tratando de manifestação de um "poder" derivado, os limites foram estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário. Muito se questionou a respeito dos limites. Teorias surgiram apontando uma ilimitação total; outras apontando a condicionalidade da produção da revisão desde que o plebiscito previsto no art. 2° do ADCT modificasse a forma ou sistema de governo. A teoria que prevaleceu foi a que estabeleceu como limite material o mesmo determinado ao poder constituinte derivado reformar, qual seja, o limite material fixado nas "cláusulas pétreas" do art. 60, §4°, da CF/88, vale lembrar, a proibição de emendas tendentes a abolir: - A forma federativa de Estado; Voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais." [18]

Nesse diapasão, esclarecedor se faz o comentário de Vicente Paulo sobre a possibilidade de afetação do núcleo da vontade do Constituinte Originário por alterações em dispositivos Constitucionais elaborados para serem considerados cláusulas pétreas, por trazerem em seu bojo garantias fundamentais individuais. Senão vejamos:

Assim, se por um lado é inaceitável a idéia de um direito constitucional absoluto, intocável mesmo de situações de interesse público, por outro, sereia absurdo admitir-se que a lei pudesse restringir ilimitadamente os direitos fundamentais, afetando o seu núcleo essencial, extirpando o conteúdo da norma constitucional, suprimindo completamente a garantia outorgada pela Constituição. [19]

Dessa forma, resta delineado com tinta indelével que ao Poder Constituinte Derivado-Reformador não cabe a possibilidade de alterar os dispositivos constitucionais que o Poder Constituinte Originário cravou de imutáveis, sendo, portanto, absolutamente vedado àquele alterar (mesmo que por emenda constitucional) os artigos que possuem natureza de cláusula pétrea, como é o caso do artigo 228 da Carta Magna de 1988, sob pena de se estraçalhar a vontade deste e, por conseguinte, a própria Constituição Federal.

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Sobre o autor
Daniel Maia

Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel. Maioridade penal e a impossibilidade de sua redução no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3016, 4 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20134. Acesso em: 26 abr. 2024.

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