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Servidor público não pode incorporar décimos de gratificação que ainda recebe

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Diante da inexistência de previsão na legislação local, não se apresenta como possível a incorporação de décimo, concomitantemente à manutenção da atribuição de gratificação de função a servidor público.

SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. ADI-CIONAL. INCORPORAÇÃO. Diante da inexistência de previsão na legislação local, não se apresenta como possível a incorporação de décimo, concomitantemente à manutenção da atribuição de gratificação de função a servidor público. Somente após a cessação do exercício da função gratificada poderá ser deferida pela Administração Pública a incorporação prevista no artigo 1º da Lei 2.850, de 28 de dezembro de 2000, requerida por servidor, e desde que, obviamente, preencha os requisitos legais para tanto. Sobrevindo disposição legal que preveja tal possibilidade, esta deverá estabelecer, para preservar a fiel observância do garantido no artigo 1º, da Lei nº 2.850, de 28 de dezembro de 2000, que à incorporação anual do décimo cujas condições forem implementadas, deverá corresponder proporcional redução na gratificação de função atribuída, para fruição concomitante.


CONSULTA

Encaminha-nos Prefeitura Municipal, por intermédio de seu Assessor Jurídico, após informar quanto ao regramento local acerca do assunto submetido, consulta nos seguintes termos:

"Indagamos: no caso de um servidor efetivo há mais de 5 anos que estiver recebendo uma gratificação de função, no valor de R$ 500,00, e que, após um ano a continue recebendo, receberá mais R$ 50,00, em decorrência da incorporação, mais o valor da gratificação (de vantagem)? Ou apenas quando deixar de exercer a função gratificada é que receberá a incorporação?"


PARECER

Esclarece a Assessoria Jurídica da consulente que:

"Segundo a legislação municipal pertinente à matéria, ‘o servidor com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo, emprego ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos’".

A legislação disponibilizada no sítio da "internet" da Câmara Municipal local, acerca do assunto, indica a existência de regramento nos seguintes termos:

1."Art. 135 – O servidor com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo, emprego ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos." (Lei Orgânica do Município, negritamos).

2."ARTIGO 1º - Conforme preceitua o artigo 135 da Lei Orgânica do Município, o servidor com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo, emprego ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença por ano, até o limite de dez décimos.

(...)

ARTIGO 3º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos à data da promulgação da Lei Orgânica do Município.

§ único - Ficam convalidados os atos e os benefícios que tenha sido concedido aos servidores municipais com fulcro no referido artigo 135 da Lei Orgânica do Município." (Lei 2.850, de 28 de dezembro de 2000, negritamos).

Inicialmente, torna-se indispensável o apontamento acerca de que a matéria foi indevidamente disposta na Lei Orgânica do Município consulente, pois se inclui, indiscutivelmente, dentro das reservadas, nos termos do artigo 61, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição Federal, e do artigo 24, § 2º, item 4, da Constituição do Estado de São Paulo, à iniciativa do Chefe do Poder Executivo local, tendo se configurado invasão de sua competência privativa pelos constituintes municipais, a merecer a oportuna adoção da competente medida saneadora.

É incontestável que matéria que discipline acerca do regime jurídico de servidor público situa-se dentro do âmbito da iniciativa privativa do Prefeito Municipal.

Considerando que mediante o artigo 1º da Lei 2.850, de 28 de dezembro de 2000, conforme visto acima, houve nova normatização em idêntico sentido daquela inadequadamente inserta na Lei Orgânica, sendo prevista ainda a convalidação de todos os atos praticados e benefícios concedidos a servidores públicos municipais com base no apontado artigo 135, independentemente das eventuais providências para retirada da eficácia do dispositivo apontado, aplica-se, no caso presente, a referida Lei ordinária. Entretanto, mesmo que não tivesse ocorrido este novo regramento, adequado ao parâmetro constitucional, enquanto não adotadas as medidas destinadas à retirada do mundo jurídico da disposição contida na Lei Orgânica Municipal, aquela seria aplicável, produzindo seus efeitos.

Resumida e simplificadamente, pode ser afirmado que o objetivo das disposições no sentido da que está ora sob análise, é garantir àquele servidor que assuma, transitoriamente, em face do caráter inerente ao cargo de provimento em comissão ou função gratificada, o exercício de atribuições normalmente revestidas de maior responsabilidade e onerosidade pessoal, e, consequentemente, percebendo maior retribuição salarial ou gratificação pelo exercício da função, mensalmente, quando vier a retornar ao exercício de seu cargo efetivo, tenha minorado o impacto da diminuição na sua remuneração, passando a ter incorporado à sua remuneração uma parcela, ou até mesmo a totalidade, da diferença entre as duas remunerações (proporcionalmente aos períodos anuais que implemente no exercício – de 1 até 10 anos/décimos – daquele cargo em comissão).

Para a adequada aplicação deste mecanismo, que não é inovação municipal, é indispensável o perfeito delineamento de seu embasamento, do qual decorrerá o afastamento de dúvidas ou incorretas concessões, em prejuízo dos cofres públicos ou dos direitos dos servidores públicos, ambos indesejáveis e, mesmo, inadmissíveis.

O mandamento assecuratório desse direito do servidor traz uma "equação" que deve ser mantida permanentemente. Para tanto, deve restar evidenciado que, ocorrendo aumento futuro da remuneração correspondente ao cargo de provimento em comissão ou função gratificada, que amplie a diferença entre ambas, deverá ser proporcionalmente aumentado o valor correspondente aos décimos incorporados, mesmo que o servidor não mais ocupe tal cargo ou exerça a função. Da mesma forma, havendo aumento da remuneração no cargo efetivo ocupado, com manutenção da remuneração do cargo em comissão ou gratificação da função inalterada, deverá ser, proporcionalmente àquela diferença, reduzido o valor pago a este título.

Diante da significativa gama de dúvidas acerca da aplicação prática do dispositivo, encontrável em quase totalidade dos operadores da matéria, tanto em nível municipal quanto estadual, apresenta-se como oportuna a apresentação de exemplos práticos, para tornar mais consistentes, visíveis, as soluções.

Imagine-se um servidor que perceba em seu cargo efetivo a remuneração (absurdo, e até ilegal, o referencial de valor que será utilizado, mas adequado para facilitação do entendimento) no valor de R$ 100,00 e passe a exercer um cargo em comissão ou função gratificada, cuja remuneração total resulte em R$ 200,00, durante um ano (também para facilitar a visualização), ao voltar para seu cargo de origem, poderá requerer a incorporação de 1 (um) décimo da diferença havida, passando a receber, a este título, o valor de R$ 10,00. Portanto, sua remuneração mensal passará a ser no importe total de R$ 110,00.

Imaginando-se, também, que futuramente a remuneração do cargo de origem não seja alterada, mas a do cargo em comissão ou função gratificada passe a ser de R$ 300,00, a diferença entre o valor pago em relação ao cargo efetivo será de R$ 200,00, o que implicará em que o valor correspondente ao décimo incorporado passe a ser de R$ 20,00. Isso resultará em uma remuneração mensal daquele servidor, correspondente a R$ 120,00.

Em outra hipótese, em sentido diverso, em que a remuneração do cargo em comissão ou da função gratificada não seja alterada e a remuneração do cargo efetivo passe a corresponder a R$ 150,00, a diferença entre tais valores será de R$ 50,00, o que implicará em um valor relativo ao décimo incorporado no valor de R$ 5,00. Nesta situação, a remuneração mensal final do servidor corresponderá a R$ 155,00.

Para o adequado atendimento à pretensão do legislador que estabeleceu o benefício, a possibilidade de sua incidência, ou seja, da percepção pelo servidor-beneficiário dos décimos da diferença entre ambas as remunerações, somente vai se concretizar a partir do momento em que cessar a ocupação do cargo em comissão, retornando o servidor ao seu cargo de origem, ato administrativo este do qual decorrerá, por um lado, a interrupção do pagamento do valor a maior (decorrente o exercício das atividades do cargo em comissão ou função gratificada), e por outro lado, o início do recebimento dos décimos incorporados. Esta a conclusão que se impõe, pela abrangência do direito posto, ou direito positivo [01], consubstanciado no artigo 1º, da Lei 2.850/00.

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Em pesquisa realizada relativamente à legislação municipal vigente [02] não foi identificada a existência de qualquer disposição ou regra que permita tal incorporação ainda no exercício do cargo em comissão ou de função gratificada.

Entretanto, por hipótese, mesmo que fosse admissível a implantação da incorporação enquanto o servidor estivesse no exercício do cargo em comissão ou da função gratificada, não o seria na forma pretendida ou com os resultados constantes do exemplo apresentado pela consulente. Isso porque deveria ser sempre mantida a proporcionalidade no valor do décimo em relação à diferença entre a remuneração do cargo de origem e a remuneração do cargo em comissão ou função gratificada, conforme exposto anteriormente, e a forma mencionada na consulta não o faz, resultando em afronta evidente e indiscutível à norma legal vigente.

Ainda buscando o maior aclaramento da situação prática, se a lei admitisse tal incorporação paulatina e concomitante com o exercício do cargo em comissão ou função gratificada, e adotados também valores fornecidos no exemplo da consulente, imagine-se um servidor que perceba remuneração de R$ 1.000,00 em seu cargo efetivo. Atribuindo-se-lhe uma gratificação de função de R$ 500,00, receberá uma remuneração total mensal de R$ 1.500,00. Passado um ano e implementadas as condições, efetuada a incorporação de 1 (um) décimo da diferença, a Administração passaria a remunerá-lo no importe de R$ 1.000,00 mais R$ 50,00, mas sua gratificação de função, concomitantemente percebida, deverá ser diminuída dos 10 % correspondentes à parcela incorporada, ou seja, passará a ser no importe de R$ 450,00. Continuará o servidor, portanto, a perceber, mensalmente, os mesmos R$ 1.500,00 (sendo R$ 1.050,00 como remuneração decorrente do cargo efetivo acrescido do décimo incorporado, e R$ 450,00 correspondente à gratificação de função, reduzida do décimo), pois em hipótese alguma a lei instituidora do benefício prevê a aplicação cumulativa.

Isto posto, esperando com os exemplos práticos ter aclarado suficientemente o espinhoso problema, e respondendo objetivamente à questão trazida, cabe estabelecer que, diante da inexistência de previsão expressa na legislação local, não se apresenta como possível a incorporação de décimo, concomitantemente à manutenção da atribuição de gratificação de função a servidor público. Somente após a cessação do exercício da função gratificada poderá ser deferida pela Administração a incorporação prevista no artigo 1º da Lei 2.850/00, requerida pelo servidor, e desde que, obviamente, preencha os requisitos legais para tanto.

Sobrevindo disposição legal que preveja tal possibilidade, esta deverá estabelecer, para preservar a fiel observância do garantido no artigo 1º da Lei 2.850/00, que à incorporação anual do décimo cujas condições forem implementadas, deverá corresponder proporcional redução na gratificação de função atribuída, para fruição concomitante.

É o parecer.


Notas

  1. O Direito Positivo é o direito escrito, a norma codificada. Difere basicamente do direito natural e, formalmente, do direito consuetudinário. No direito natural, as normas não são escritas, mas são de conhecimento geral com base na moral e no bom senso. Por outro lado, o direito dos costumes, consuetudinário, também não é registrado de forma expressa em normas ou regras, mas consiste-se num conjunto de preceitos que são seguidos por ficarem registrados em julgados, acórdãos e sentenças. As leis escritas e aplicadas consubstanciam o Direito Positivo. O Brasil adota o sistema de Direito Positivo, que apresenta-se como a mais adequada forma de assegurar as garantias constitucionais.
  2. Lei Complementar nº 01, de 22 de dezembro de 1993; Lei Complementar nº 22, de 28 de fevereiro de 2003; Lei nº 2.850, de 28 de dezembro de 2000, e nem mesmo nas disposições inconstitucionais da Lei Orgânica do Município, que seriam aplicáveis enquanto não declarada sua inconstitucionalidade ou revogados tais dispositivos.
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Sobre o autor
Guilherme Luis da Silva Tambellini

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é Chefe de Gabinete do Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (Gabinete Conselheiro Sidney Beraldo), foi Gerente Jurídico da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura e Rádio Cultura de São Paulo). Foi Dirigente da Controladoria Interna e integrou também o corpo Técnico-Jurídico da Coordenadoria de Assistência Jurídica, e Procurador Jurídico, todos da Fundação Prefeito Faria Lima/CEPAM. Foi Assessor Técnico dos Gabinetes dos Secretários da Fazenda e Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Chefe de Gabinete da Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo, além de Secretário Executivo e Membro do Conselho de Defesa dos Capitais do Estado-CODEC, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Foi também Membro dos Conselhos de Administração da CDHU/SP e da EMTU/SP e do Conselho Fiscal da COSESP/SP, assim como Dirigente da Consultoria Jurídica da Banespa - Serviços Técnicos e Administrativos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAMBELLINI, Guilherme Luis Silva. Servidor público não pode incorporar décimos de gratificação que ainda recebe. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3019, 7 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20166. Acesso em: 21 nov. 2024.

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