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Diálogos entre Democracia e Direito

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3. Democracia: Muito além de um termo aparente em um mundo de aparências.

Termos ou conceitos como ‘Democracia’ e, Direito, invocam a concepção de um governo justo. Justeza, portanto, é o fundamento valorativo inicial que se espera de um Governo, e, em especial do Estado Democrático de Direito, onde o ente estatal está preso a princípios do "Direito Moderno", que são forças invisíveis as quais, em tese, a tudo regula e a todos ampara. Para o dicionário Houaiss, justeza "é qualidade daquilo que é justo, conforme a justiça ou a razão, merecido, legítimo, adequado, exato, tal como deve ser".

Nesse diapasão, assinala o professor Canotilho,

O Estado de Justiça é também aquele em que há equidade (fairness) da distribuição de direitos e deveres fundamentais e na determinação da decisão de benefícios da cooperação em sociedade (Rawls). Estado de Justiça considerar-se-á ainda o "estado social de justiça" (justiça social) em que existe igualdade na distribuição de bens e igualdade de oportunidades (Marx). [21]

O ‘modelo’ de Estado – ente ficcional – que não apresenta a característica de ser justo, perde o seu sentido de existir e está, portanto, fadado ao fim porque os seus "súditos" não buscam, senão, neste ‘‘modelo’’ de Estado, um mínimo de justeza e, junto a isto, um acervo de Direitos que há séculos são considerados imprescindíveis à existência da coletividade. Assim sendo, os termos Direito, Justiça e Democracia, apesar de diferentes, ora aparecem como iguais, pois são interdependentes e se redefinem constantemente sem que a diferença conceitual se sobreponha aos sentidos reais que ambos estabelecem entre si.

"No Estado ideal de Platão, no qual o juiz pode decidir todos os casos segundo a sua apreciação inteiramente livre, isto é, não limitada por quaisquer normas gerais ditadas por um legislador, apesar disso cada uma das suas decisões é aplicação da norma geral que fixa os pressupostos sob os quais um indivíduo recebe autoridade ou competência para fazer o papel de juiz." [22]

A respeito do Estado, do Direito, e da Justiça, nos ensina o professor JJ. Gomes Canotilho que:"O direito que informa a juridicidade estatal aponta para a idéia de Justiça". E ainda, lança-nos a seguinte questão, o referido mestre que nos indaga e responde:"O que é que faz a diferença entre um estado direito e um estado de direito justo?A resposta, diz ele, "depende da esfera de justiça que se pretenda reconhecer. Estado de Justiça é aquele que se observam e protegem direitos (rights) incluindo os direitos da minoria (dworkin)." [23]

A Democracia, no ‘modelo’ que a conhecemos e entendemos é, também, fundada no Direito, no princípio do "dever ser". O "dever ser" reveste-se de forma imperativa e suscita a sua imediata aplicação de forma não distinta, mas igual. Trata-se de "mandamus", não de "facultas agendi"; éforça especial que está, até mesmo, no subconsciente e atua no momento em que dela necessitamos. Enquanto tal, sustenta-se na idéia de que é própria a legitimidade de sua razão de existir. Assim sendo, fica-nos a pergunta: Se a Democracia é um regime de governo fundamentado na Justiça e no Direito, enquanto aquilo que é reto, e, portanto, simbolicamente justo porque ela (a Democracia) encontra tanta dificuldade em se efetivar vez que seu fundamento é o bem estar comum, coletivo e pretende ter um raio de ação cada vez maior?

O sentido maior da Democracia está em si mesma, não somente em seu sentido latu-sensu, "governo do povo",ouna afirmação de Hobbes em seu ‘Leviatã’ ao dizer que: "Quando o representante é um só homem, o governo chama-se uma monarquia. Quando é uma assembléia de todos os que se uniram, é uma Democracia, ou governo popular." [24]. Tal compreensão se mostra inconsistente, pois em seu sentido real, Democracia diretamente abrange aqueles que se consideram e que são historicamente parte do processo decisório mas, também, aqueles que são e se sentem excluidos historicamente desse processo e que vivem esperançosos por atingí-la, porque sendo um ideal, é causa determinante para acirrar o conflito de classes e propor as revoluções de cunho democrático.

Destarte, uma Democracia, ao contrário do que acredita o senso comum, não é o que queremos, tampouco o que pretendemos, mas é o que ela pretende ser em termos de princípios, garantias e direitos previamente definidos em sua origem, ou seja, desde a sua proposta inicial lá da Grécia Antiga. É na Grécia onde a Democracia nasce enquanto conceito, porém restritiva enquanto instrumento de equidade e limitada aos poucos, à medida que, tão somente, garantia a uma determinada parcela da população – os cidadãos ou citadinos – o acesso ao que é comum, mas, entre os seus iguais, algo que se assemelha a uma aristocracia, embora os gregos entendessem que se tratava, pelo menos no plano teórico, de uma Democracia pois eram os cidadãos, de fato, a única classe possuidora e legitimadora de direitos.

Assim, a Democracia é, também, um ideal, um fim que pretende ser mas que, de fato, não é. A Democracia é compreendida hoje, no plano teórico enquanto um ‘princípio’ norteador, difundido enquanto solução ideal para os males que afligem a sociedade capitalista; um princípio que rege a si próprio porque já tem seu lugar no acervo conceitual de uma quase totalidade cultural. Enquanto princípio, aparece como único ‘modelo’ possível invocado nas horas em que qualquer discurso ou prática fere as liberdades e garantias individuais ou de um grupo bem definido enquanto categoria social decisória. Pois nos é válido lembrar que o termo liberdade, tem sentido simbólico igual ao de Democracia. E, como dissera Dilthey, "O idealismo da liberdade é a criação do espírito ateniense." [25]

Sobre o assunto Bobbio estabelece a distinção entre ‘Liberdade’ e ‘Liberdades’. Diz ele:

‘Liberdade’ significa ora a faculdade de cumprir ou não certas ações, sem o impedimento dos outros que comigo convivem, ou da sociedade, como complexo orgânico ou, mais simplesmente, do poder estatal; ora o poder de não obedecer a outras normas além daquelas que eu mesmo me impus. [26]


4. Estado, uma ficção normativa ou uma necessidade humana ?

O surgimento do Estado confunde-se com o surgimento das sociedades propriamente ditas. A idéia de um corpo social antecede ao aparelho estatal, mas exige-lhe o surgimento à medida que nasce a desigualdade. O que é o Estado senão uma criação? E para que ou para quem serve esta criação senão para autofirmar-se historicamente ?

Uma informação propedêutica, porém importante, precisa ser lembrada acerca dos governos no que tange às suas históricas classificações. A Ciência Política classifica os Estados: quanto à origem, quanto à organização e quanto ao exercício do poder, como nos ensina Darcy Azambuja ao interpretar o livro "La Démocratie", de Rodolphe Laun. Assim, leciona Azambuja, que, quanto à origem, os governos podem ser democráticos ou populares e governos de dominação; quanto à organização eles podem ser: governos de fato (hereditários), e de direito (eleitos); quanto ao exercício podem ser: absolutos e constitucionais. Tal classificação é e deve ser constantemente discutida, pois não se fecha em si, servindo-nos para fins meramente didáticos, e portanto, como proposta de iniciação à análise conceitual sobre o Estado.

Ao analisar o Estado, Habermas considerando a análise marxista, afirma:

Marx... tem em mente um estado futuro em que esteja dissolvida a aparência objetiva que é o capital e em que o mundo da vida, atualmente prisioneiro dos imperativos da lei do valor, possa readquirir a sua espontaneidade. Prevê, assim, que as forças do proletariado industrial, tão logo se disponham a se revoltar com essa situação, formem, sob a liderança de uma vanguarda ilustrada pela teoria, um movimento que se apodera do poder político com a intenção de revolucionar a sociedade: junto com a propriedade privada dos meios de produção, esse movimento destruirá os fundamentos institucionais dos meios de controle por meio dos quais se diferenciaram a economia capitalista, fazendo com que o processo de crescimento econômico autonomizado retorne ao horizonte do mundo da vida. [27]

O Estado – este ente que chamo de ficcional – sob a análise da concepção marxista, em especial, na definição de Stalin, corresponde a uma superestrutura, que, segundo ele, também corresponde às concepções políticas, e, por sua vez, `a ideologia dominante. [28]

Para Webber o Estado é "uma relação de homens que dominam seus iguais, matida pela violência legítima (isto é, considerada legítima) [29]". Ou seja, o Estado nada mais é que um Sistema composto de um aparato político e administrativo que detem o juspuniendi, bem como o Direito legítimo de administrar e conduzir a vida de um corpo social a partir das crenças dos indivíduos que o legitimam. A legitimidade, como dizia Weber, é a crença numa certa legalidade. É, portanto, a Lei fundamental, o fio condutor para legitimar as ações do Estado.

Já dizia Hobbes que,

Em todo Estado, lei fundamental é aquela que, se eliminada, o Estado é destruído e irremediavelmente dissolvido, como um edifício cujos alicerces se arruinam. Portanto lei fundamental é aquela pela qual os súditos são obrigados a sustentar qualquer poder que seja conferido ao soberano, quer se trate de um monarca ou de uma assembléia soberana, sem o qual o Estado não poderia subsistir, como é ocaso do poder da guerra e da paz, o da judicatura, o da designação dos funcionários, e o de fazer o que considerar necessário para o bem público. Uma lei não fundamental é aquela cuja revogação não acarreta a dissolução do Estado, como é o caso das leis relativas às controvérsias entre súditos. E é tudo, quanto à divisão das leis. [30]


5. Validade e Legitimidade do Discurso Democrático

As sociedades, dizia Kelsen, devem existir necessariamente para que o Direito exista e então o dever-ser, neste caso, a norma que não tem por fundamento o "ser", neste caso a relação social – a sociedade propriamente dita – mas, um outro dever-ser, e assim sucessivamente, até a existência de uma norma fundamental que se caracteriza por um dever-ser fundamental.

Portanto, o dever-ser atende muito mais à linguagem e ao discurso jurídico – e Kelsen assim entende – que propriamente à sociedade. Desta maneira, o discurso jurídico que propugna a Democracia não é, senão, a formalização do Direito positivado que uma vez posto, é validado e legitimado. No Estado a validação da norma escrita e sua legitimação, dão ‘segurança’ e a estabilidade necessárias ao discurso jurídico positivado, como se ela, a norma positivada fosse ‘irretocável’ e ‘sagrada’, impossível, portanto de ser constantemente refeita, desfeita ou rejeitada. Na mesma linha está a Democracia. Enquanto conceito aberto à uma compreensão universalista tornou-se autojustificável e ‘blindada’ aos seus críticos, sendo frequentemente revisitada, dada a sua evidente fragilidade.

Tocqueville afirmara que "É nossa forma de usar as palavras ‘Democracia’ e ‘governo democrático’ que cria a maior confusão. A menos que essas palavras sejam claramente definidas e haja concordância quanto à sua definição, as pessoas vão viver numa confusão inextricável de idéias, para grande vantagem dos demagogos e déspotas. [31]"

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Entender o pensamento democrático, porém, requer de nós, inicialmente, esse exercício de desapego a tudo o que ele inspira, representa e apresenta no plano teórico, mas, também e principalmente no plano prático. Primeiro, porque o termo em sua inspiração inicial surgiu em Atenas, na Grécia Antiga, e teve um de seus maiores difusores, o filósofo Aristóteles, especialmente em em seu livro A Política. Daí, explica-se a razão pela qual até metade do século XX, Democracia significava ‘Democracia política’. [32]

A Democracia grega consagrava o direito de os cidadãos gregos (excluindo-se as mulheres, os escravos e os estrangeiros que não eram considerados cidadãos) de participarem das discussões em torno de determinados assuntos e exercitarem a liberdade, tomando decisões, contudo, sem a necessidade de ter de escolher seus representantes.

Na concepção moderna de Democracia, surgida a partir do século XVIII, com as ditas "revoluções burguesas" (a Revolução Americana de 1776 e Revolução Francesa de 1789) que derrubaram as monarquias absolutistas, a Democracia recuperou o princípio da cidadania: os homens deixaram de ser súditos (subordinados a um rei) para se transformar em cidadãos, mas, ainda assim, de maneira limitada, porque a História nos revela o abismo existente entre a teoria, os princípios do Estado Democrático de Direitos e a profunda desigualdade nas sociedades humanas.

Ainda assim, a pedra angular do pensamento democrático moderno é o "direito", enquanto prerrogativa que tem os cidadãos de participarem dos assuntos de interesse coletivo a partir do voto, ou seja, de se fazerem presentes no processo político decisório de forma representativa.

Nas lições do professor JJ. Gomes Canotilho,

A representação democrática, constitucionalmente conformada, não se reduz, porém, a uma simples «delegação da vontade do povo». A força (legitimidade e legitimação) do órgão representativo assenta também no conteúdo dos seus actos, pois só quando os cidadãos (povo), para além das suas diferenças e concepções políticas, se podem reencontrar nos actos dos representantes em virtude do conteúdo justo destes actos, é possível afirmar a existência e a realização de uma representação democrática material. Existe, pois, na representação democrática, um momento referencial substantivo, um momento normativo, que, de forma tendencial, se pode reconduzir às três ideias seguintes:

(1) Representação como actuação (cuidado) no interesse de outros e, concretamente, dos cidadãos portugueses.

(2) Representação como disposição para responder (respon-siveness, na terminologia norte-americana), ou seja, sensibilização e capacidade de percepção dos representantes para decidir em congruência com os desejos e necessidades dos representados, afectados e vinculados pelos actos dos representantes.

(3) Representação como processo dialéctico entre representantes e representados no sentido de uma realização actua-lizante dos momentos ou interesses universalizáveis do povo e existentes no povo (não em puras ideias de dever ser ou em valores apriorísticos) [33]

O direito ao voto ou sufrágio universal tal como nos é apresentado enquanto mecanismo ou instrumento do processo político democrático, tem de fato, uma função principal e outra secundária. Falarei primeiro da secundária. Esta função é, na verdade, a função de validar o ato político do voto, com o propósito de não se comprovar o desinteresse da coletividade pelo voto. Quanto à função principal, esta é de dar a falsa idéia de legitimidade ao discurso democrático [34]de que será feita a escolha de representantes para uma maioria, ou seja, indivíduos eleitos – dentro de um corpo previamente determinado – que disporá de amplos poderes, que lhes foram delegados pelos cidadãos para cuidarem dos assuntos políticos interesse da comunidade, conforme já propusera contratualistas como Hobbes, e em especial, Rosseau, em seu "Contrato Social".

Vale lembrar que, para aquele pensador e filósofo iluminista, o que existe entre os ‘súditos’ ou ‘povo’ e uma ‘entidade superior’ a qual denominamos ‘Estado’, nada mais é do que um Contrato Social [35] com cláusulas previamente definidas, onde os súditos delegam ao Estado o direito de criar leis e decidir sobre os rumos de um amplo corpo social, a representantes mais habilidosos e capazes de os representar em termos coletivos.

Este tipo ou modalidade de representação, porém, é constantemente questionada dada numa esfera bem menor, mas é feita a partir da verificaçao de que é evidente a fragilidade com que os processos decisórios foram e são formulados no ‘modelo’ de Democracia que se nos apresenta em diversos países, inclusive, e principalmente, no Brasil, onde o voto tem por discurso ‘ser democrático’ mas não consegue se estruturar dentro de seus próprios princípios universalistas, pois não tem aceitação ampla, e, isto talvez resida, inicialmente, no fato de que o sentido do voto não nos inspira liberdade, ao contrário, seu sentido revela-se desastroso em razão da sua própria obrigatoriedade e ausência de atendimento a preceitos fundamentais ao exercício da liberdade de escolha, como por exemplo o fato de não nos ser dado o direito de ‘não votar’ dentro de nosso ordenamento jurídico. Acerca disto, leciona sobre o ‘princípio da liberdade de voto’ o nobre professor e doutrinador, J.J. Gomes Canotilho que nos ensina que este ‘princípio da liberdade de voto’,

Significa garantir ao eleitor um voto formado sem qualquer coacção física ou psicológica exterior de entidade públicas ou de entidades privadas. Deste princípio da liberdade de voto deriva a doutrina a ilegitimidade da imposição legal do voto obrigatório. A liberdade de voto abrange, assim, o se e o como: a liberdade de votar ou não votar e a liberdade no votar. Desta forma, independentemente da sua caracterização jurídica — direito de liberdade, direito subjectivo —, o direito de voto livre é mais extenso que a protecção do voto livre. Na falta de preceito constitucional a admitir o voto como um dever fundamental obrigatório, tem de considerar-se a imposição legal do voto obrigatório como viciada de inconstitucio-nalidade (cfr. art. 49.72, no qual se considera o voto como dever cívico e não como dever jurídico). [36]

Desta maneira, verificamos em nosso ordenamento jurídico, e, com especial atenção à matéria constitucional, que a ausência de liberdade de não participar do processo decisório, sob os moldes do processo eleitora, fere gravemente o princípio da liberdade de voto, sendo flagrante tal inconstitucionalidade, vez que esta foge ao consenso de uma maioria quase absoluta da coletividade que, além de não mais acreditar em nossas instituições: Estado, Justiça, Direito, Voto, Educação etc... também não possui a liberdade de não legitimar o ato político que é marcado pela representação de atores políticos que se travestem de personagens dispostos a defender interesses coletivos, mas que de fato, lá estão representando os interesses de suas categorias sociais..

Ademais, é visto que o voto, em qualquer regime, e em quase sua totalidade representativa, não significa o interesse real da maioria, mas sim, de um minoria que acredita poder, porém, que se encontra conduzida dentro de regras pré-estabelecidas. Já nos assinala Canotilho:

É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí.

Mas voltemos à questão das Liberdades. E falo no plural, porque é assim que devemos tratar o termo que aparece enquanto princípio, no singular. Liberdade enquanto princípio, evoca a outros, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana, tão discutido, difundido e em desuso. Como assinalara Rafael Augusto de Conti, sobre a ‘Crítica à filosofia do Direito de Hegel’,

Para o estudo do conceito kantiano de dignidade, importanos apenas a razão prática. Esta é constituída por um elemento que independe da experiência, ou seja, que é a priori. Tal elemento é a liberdade, e todos nós, enquanto seres dotados de razão, a possuímos. Esta liberdade é a estrutura que possibilita a existência de uma lei moral que está acima de qualquer particularidade e que, portanto, é universal. [37]

Assim, se para Kant, a idéia de liberdade está atrelada à questões estruturais de ordem moral coletiva, universal, também se está suprimindo a idéia de liberdade enquanto ação individualizada. Liberdade pressupõe muito mais o discurso de liberdade , enquanto possibilidade universal, mas nem sempre a prática da liberdade se exprime em caráter indivigual. Pensar liberdade dissociada de regras sociais de convivência é imaginar-se na ‘Ilha’ ficcional e utópica de Morus, ou mesmo no clássico literário Robinson Crusoé, onde as regras não precisam existir haja vista não haver ali uma sociedade de fato e de Direito.

Disto, infere-se que acreditar na possibilidade de exercício pleno da liberdade – e tudo o que ela representa, por todos os cidadãos – é, no mínimo, uma proposta inconsistente e irrealizável na estrutura conceitual da pós-modernidade, pois fere a ‘ordem’ estabelecida e consigo, a lógica dominante. Porque a ‘liberdade’, tal como postula o direito, é muito mais consagrada enquanto princípio fundamental que na prática possível realizável.

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Sobre o autor
Cleidivaldo de Almeida Sacramento

Mestre em História-UFBA;Pós-graduado em História-UEFS, Educação - FTC; Direito Administrativo-FIJ;Professor de Direito e Antropologia Jurídica das Faculdades São Salvador e UNIJORGE;Coordenador do Núcleo de Pesquisas da Faculdade São Salvador;Servidor público do Estado da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACRAMENTO, Cleidivaldo Almeida. Diálogos entre Democracia e Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3023, 11 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20213. Acesso em: 8 mai. 2024.

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