Artigo Destaque dos editores

O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.

Análise à luz de aspectos constitucionais

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17/10/2011 às 08:20
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3 A EVOLUÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA NO BRASIL

Este capítulo se debruça sobre o panorama histórico e os momentos sociopolíticos que foram determinantes para o desenvolvimento do Estado brasileiro. O objetivo é identificar os mecanismos jurídico-políticos utilizados, que culminaram com uma intensa briga de elites para obter vantagens pessoais e se manter no poder, principalmente por meio da manipulação de normas.

3.1 Período Colonial

O Período Colonial deve ser analisado pelo prisma do Brasil Colônia, momento em que a cultura e a economia do país eram dependentes de Portugal. Nessa época da histórica, vale dizer, não existiam partidos políticos.

Orides Mezzaroba (1995, p. 42), nesse sentido, assinala que: "[...] no Período Colonial brasileiro, existiam agremiações de tendência faccional, sem, todavia, constituírem-se em partidos políticos com estruturas estáveis e programas partidários definidos".

O sentimento generalizado da sociedade era de patriotismo. Todos tinham como maior motivação: a (in) dependência brasileira, não obstante, sem existir um movimento organizacional com fins políticos.

Segundo o relato de Sérgio Buarque de Holanda (2003, p. 61):

As agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas entre facções, entre famílias, entre regionalismo, faziam dela um todo incoerente e amorfo. O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente as qualidades ordenadoras, disciplinadoras e racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente.

Os movimentos políticos, assim, dividiam-se em dois grupos. De um lado os que se opunham a qualquer manifestação favorável à independência. De outro, o grupo se subdividia em três: primeiro, os que eram extremamente favoráveis à independência; segundo, os que defendiam a independência com a permanência da Monarquia; terceiro, os que defendiam a independência do Brasil no sentido de deixar de ser Colônia, porém mantendo um laço com Portugal.

Francisco Silva Assis (1992, p. 43) afirma que:

Na prática, o poder político continuou descentralizado em todo o período colonial, pois permaneceu concentrado nas mãos da elite latifundiária, classe dominante da qual faziam parte os próprios donatários. Em síntese, a centralização política existiu apenas formalmente.

Nesse contexto de grande patriotismo, paradoxalmente, nota-se o sentimento de manter a dependência com Portugal, que se consubstancia no Período Imperial.

3.2 Período Imperial (1822-1889)

Em 1831, Dom Pedro I renuncia, fato este que gera uma luta de interesses e forças pelo controle das Regências. Os grupos mencionados anteriormente se dividem, então, em três forças distintas: os monarquistas, os moderados e os radicais.

Segundo a lição de Orides Mezzaroba (1995, p. 43):

A fisionomia política do País durante a época da Regência Trina Provisória estava dividida entre: a) os antigos políticos mais ligados ao Imperador e que se retraíram momentaneamente; b) os antigos oposicionistas, desdobrados em duas frentes: os moderados ou chimangos, ocupando a posição de governo e exercendo uma missão pacificadora, e os exaltados ou jurujubas ou, ainda, os farroupilhas, que lutavam pela descentralização maior das Províncias, mas sem estarem no poder.

Os chimangos permaneceram no Governo durante o período da Regência Trina Permanente, nos anos de 1832-1835, enquanto na oposição ficaram os jurujubas, que defendiam a descentralização das Províncias. Nesse período, surgiu um novo agrupamento e seus integrantes – conhecidos como caramurus – objetivavam o retorno de Dom Pedro I.

No Período compreendido entre 1835-1837, denominado Regência Una, constituiu-se um novo grupo denominado de progressistas, a fim dar sustentação ao novo regente. Tal formação serviu de base para, mais tarde, a formação do Partido Liberal.

Não obstante, os jurujubas e os caramurus, oposicionistas do Regente, organizaram um novo bloco, que levava o nome de regressistas, e da mesma forma, deram alicerce à formação do Partido Conservador.

Sobre o Período Imperial, tem-se o seguinte registro:

Realmente, é possível que identifiquemos grupos e até associações políticas antes da Independência e da Constituição. A luta pela predominância de certos interesses sociais sobre outros, dentro do organismo do Estado, é sempre o regime instituído no mesmo Estado. Mas no sentido técnico constitucional, não poderemos chamar partidos a tais grupos, mas, apenas, facções. (FRANCO, 1948, p. 26).

Outra característica que merece ser mencionada se refere à presença do clero, que era incumbido de suprir a necessidade de movimentação política, pela interferência na política, e de promover a divulgação de candidatos nas eleições censitárias. Igualmente, observou-se a presença de coronéis que tratavam de política em busca de interesses próprios.

O projeto constituinte de 1823 representava bem as condições políticas dominantes, ou seja, afastava o "[...] perigo da recolonização; excluindo os direitos políticos das classes inferiores e praticamente reservando os cargos da representação nacional aos proprietários rurais [...]". (PRADO, 2006, p. 57).

A ideia de partido político como agremiação efetivamente organizada com ideologias próprias, surgiu no período que sucedeu a existência da Carta Magna regente no País e o funcionamento do Parlamento. Em tal período, houve ainda o choque de diferentes interesses e não ideologias, o que não gerava, no sentido prático e ideal, a representação necessária dada aos partidos.

3.3 Primeira República ou República Velha (1889-1930)

Poucas foram às mudanças sociais e ideológicas da época que marcou a Primeira República ou República Velha. Também não dedicou legislação alguma aos partidos políticos. Houve, na verdade, um retrocesso partidário fez com que, subitamente, fossem extintas as instituições partidárias já existentes, exceto o Partido Republicano, que assumiu o monopólio do poder. É como bem registra Samuel Dal-Farra Naspolini (2006, p. 138):

[...] coube ao poder militar desferir o golpe final sobre a Monarquia, fornecendo o Exército os primeiros presidentes da nova República e alçando-se as Forças Armadas à condição de poder decisório último nos casos de crises civis. A ausência prática de efetiva participação popular no processo de derrocada do regime monárquico ocasionaria a relativa apatia política nos primeiros anos da República, também bastante prejudicial ao associativismo político.

A proclamação da República foi uma ação militar que desvinculou qualquer relação com os denominados "partidos’. Havia grande hostilidade e aversão aos partidos cujas ideias divergiam dos militares.

Nota-se, novamente, um retrocesso político e partidário. O caráter nacional deixou de ser característica das facções, que passaram a representar interesses regionais. (MEZZAROBA, 1994).

Conforme previa a Constituição de 1891, o regime de "política de governadores", que dividia o país em estados, foi então adotado. Diante da insatisfação geral, devido à desilusão política por falta de motivação e de participação, nesta época, eclodiram diversas crises. Mas elas não foram suficientes para desestruturar o Partido Republicano, que se manteve no poder até 1930, com a famosa "política do café com leite", dominada pela aliança política que se travou entre Minas Gerais e São Paulo.

Afonso Arinos de Melo Franco (1948, p. 65) explica que: "Não podendo se valer dos partidos nacionais como instrumentos de Gôverno, é natural que o poder federal procurasse outros meios para a sua indispensável ação nos Estados. Êstes meios construíram a complexa ‘política dos governadores’".

O pensamento da nova elite republicana é, pois, francamente desfavorável aos partidos nacionais, tornando mesmo inúteis, sobretudo após a presidência de Campos Sales (1898-1902) e sua ‘política de governadores’, segundo a qual o arranjo político dominante se dá pelo apoio recíproco entre chefes executivos federais e estaduais que dispensam, para tanto, a intermediação de instituições partidárias. (NASPOLINI, 2006 p.139).

Com o início da industrialização no País, em meados de 189 nasceram diversas organizações operárias. Porém, logo entraram em vigor leis como a Celerada e a Lei Adolfo Gordo, que tinham como maior característica a repressão. A primeira lei tratava da imposição de penas aos que, mediante constrangimento ou ameaça, interrompessem os trabalhos ou se ausentassem dos locais onde foram empregados, a fim de impor aos patrões aumento ou redução de carga horária de trabalho. A segunda lei tratava da arbitrariedade do governo, que detinha o poder de fechar a qualquer momento as agremiações ou os sindicatos que incidissem contra a ordem, a moralidade ou a segurança pública. (MEZZAROBA,1995; NASPOLINI, 2006).

Como afirma Orides Mezzaroba (1995), daí por diante, as organizações políticas populares passaram a aparecer e a desaparecer ao sabor das circunstâncias, como forma de impedir que lutas ideológicas ou reivindicações classistas se projetassem por um horizonte mais largo na história do País.

Para o citado doutrinador: "No contexto da legislação, os Partidos Políticos não se incluíam no quadro eleitoral da primeira República como instrumentos programáticos e doutrinários, mas tão somente como meio de defesa de interesses de grupos minoritários". (MEZZAROBA, 1995, p. 48).

De outra banda, diante de tal contexto, anos mais tarde, em 1922, surge o Partido Comunista, que representou a fusão de diversas correntes políticas, no entanto, teve uma breve atuação, principalmente, devido à falta de liberdade.

3.4 Segunda República (1930- 1937) e Estado Novo (1937-1945)

A Revolução de 1930 trazia a esperança de avanços no âmbito do direito eleitoral, também como consequência de avanços na institucionalização partidária. Não obstante, observou-se que o governo do Presidente Getúlio Vargas corrompeu as agremiações políticas existentes, em especial, os partidos controlados pelas grandes oligarquias locais da época, como por exemplo, os partidos republicanos estaduais, com o mero interesse de centralizar o poder.

Segundo relata Fausto Boris (2003, p. 351):

A campanha eleitoral revelou um impulso na participação popular e na organização partidária. Muitos partidos, das mais diferentes tendências, surgiram nos Estados; alguns com bases reais, outros sem qualquer consistência. Com exceção dos comunistas na ilegalidade e da Ação Integralista, não se chegou a formar partidos nacionais.

Em 1930, insatisfeitos com o não cumprimento de Vargas de seus compromissos, surge o movimento que se manifesta pela convocação de uma Assembleia Constituinte, apesar da derrota nos campos de batalha. Em 1932, surge o primeiro Código Eleitoral brasileiro, o primeiro documento nacional que institucionalizava e reconhecia a existência do funcionamento dos partidos políticos.

A respeito, Samuel Dal-Farra Naspolini (2006, p. 139) anota:

Em seu art. 99, o referido diploma reconhecia três categorias de partidos, quais sejam, os partidos permanentes, devidamente constituídos e registrados conforme as normas civis que regulamentavam as associações; os partidos provisórios, que, mesmo sem personalidade jurídica definitiva, comprovassem o suporte mínimo de quinhentos eleitores; e, por fim, as associações de classe, cuja equiparação aos partidos apresentava-se como primeira etapa da instituição da representação corporativa ou profissional no Brasil [Grifo do autor].

O mesmo Código Eleitoral previa o registro de candidaturas avulsas para as eleições seguintes, desde que houvesse um número mínimo de eleitores, conforme ilustra Afonso Arinos de Melo Franco (1948, p. 73):

Por outro lado, a lei eleitoral do Governo Provisório infligia sério golpe aos partidos quando facultava, no art. 88, parágrafo único, o registro de candidato avulso, isto é, daquele candidato que não constava na lista de partido algum, desde que tal fosse requerido por um número mínimo de eleitores.

Com o texto da Constituição de 1934, apesar de estabelecer o voto secreto e a criação da Justiça Eleitoral, nota-se que a concepção que se tinha de partidos políticos é que não passavam de correntes de opinião. Por essa razão, eles não foram reconhecidos como entidades ideológicas.

De outra banda, no mesmo texto constitucional surge o Quarto Poder, que se sobrepunha ao Judiciário e ao Legislativo, composto pelos agrupamentos estaduais, a serviço do Executivo.

Conforme o relato de Orides Mezzaroba (1995, p. 48:

Em decorrência da falta de organizações políticas nacionais e dos sucessivos movimentos advindos desde a década de 20, surgiram nos anos 30 duas agremiações ideologicamente contrárias. A Ação Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança Nacional Libertadora (ANL), ambas refletindo as aspirações de uma nova classe média, que se encontrava deslocada do poder.

Enquanto a Aliança Nacional Libertadora buscava uma reforma das relações sociais e econômicas do País, com definição ideológica anti-imperalista e latifundiária, a Ação Integralista Brasileira era estruturada nos moldes dos movimentos nazifascistas europeus, pregava o antipartidarismo e buscava uma sociedade corporativa, que culminava o interesse comum com o interesse do Estado. (MEZZAROBA, 1995).

Nessa mesma época e sob a liderança de Luis Carlos Prestes, ocorre a Intentona Comunista, movimento que visava à tomada de poder como via principal, através dos militares para instituir um governo popular nacional revolucionário. O fracasso da Intentona, já que não houve muita participação popular, serviu para justificar o respeito à hierarquia e à disciplina e sagrar a aversão comunista. (MEZZAROBA, 1995).

As forças conservadoras, junto ao Presidente Vargas, e apoiadas pela Aliança Integralista Brasileira, deram origem à elaboração e divulgação do Plano Cohen, e logo após à instauração do Estado Novo.

No que tange ao Plano Cohen, tratava-se de um programa para dar maior aceitação popular do Estado Novo. Diante da conjuntura então estabelecida, Vargas baixou o Decreto-Lei n° 37, que dissolvia todas as organizações partidárias.

Pelo art. 3° do Decreto-Lei n° 37/37 ficou proibida a organização de Partidos Políticos seja qual fosse a forma de que se revestisse a sua Constituição, ainda que de sociedades civis destinadas a outros fins, quando se verificasse haver propósitos próximos ou remotos de transformá-las em um meio de propaganda de ideias políticas. O art. 4° do mesmo Decreto-Lei determinou ser facultativa a permanência das organizações partidárias então existentes, desde que para fins culturais, beneficentes ou desportivos, e que não o façam com a mesma denominação anterior. (MEZZAROBA, 1995, p.48).

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Portanto, além de ignorar a questão eleitoral e partidária, o Decreto Lei nº 37/37 desmotivava qualquer intenção de criação de novos partidos. Ademais, a Carta Magna previa pena de morte aos que tentassem, por meios violentos, revolucionar a ordem social e política, a fim de estabelecer uma ditadura de uma classe social ao Estado. (MEZZAROBA, 1995).

Essa época foi marcada pela submissão societária, visto o distanciamento de qualquer articulação política ou ideológica. Restava, pois, obedecer à lei.

Por fim, vale acrescentar o seguinte comentário: "Se não conseguiu estabelecer o partido único, o Estado Novo, entretanto, não se esqueceu de suprimir todos os outros". (FRANCO, 1948, p. 91).

3.5 Quarta República (1945-1964)

Com o fechamento do Parlamento e a extinção das organizações políticas, decorridos alguns anos, torna-se pública a carta intitulada "Manifesto Mineiro". Redigido por intelectuais da época, o documento partia em defesa da restituição da democracia e o fim do Estado Novo, isto por meio de convocação de eleições gerais. (MEZZAROBA, 1995).

Em resposta a tais manifestações, Vargas declara a reativação e a regulamentação do processo eleitoral, que elegeria o novo Presidente da República e os futuros Constituintes. Não obstante, antes da realização das eleições e no intuito de regulamentá-las foi publicado o Decreto-Lei n°7.586, conhecido como Lei de Agamenon, que manteve os princípios que regeram o Estado Novo.

Destaca Mezzaroba (1995, p. 48):

De acordo com o Decreto-lei n° 7.586/45, para habilitar-se às eleições previstas, a associação política deveria:

1°) obter o apoio de, pelo menos, dez mil eleitores, distribuídos em cinco ou mais Estados;

2°) possuir personalidade jurídica de acordo com Código Civil, e

3°) atuar em âmbito nacional.

Embora objetivando impedir a formação de organizações políticas regionais, essas medidas acabavam se tornando extremamente arbitrárias. (MEZZAROBA,1995, p. 56).

Como principal efeito ocorre o fortalecimento das instituições políticas que já detinham o poder, visto que em tal época os partidos não eram estruturados. São exemplos, o Partido Social Democrático (PDS), que fora fundado por Vargas, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), cuja base eram os movimentos sindicais.

O decreto em comento foi alicerçado em inspirações antipartidárias, visto que possibilitava ao candidato inscrição em mais de uma legenda nas eleições majoritárias (Presidência, Senado ou Governo de Estado), ou, ainda, em diversos Estados. Nota-se o paradoxo do Governo Vargas, que ora tentava fortificar as instituições políticas já existentes, ora incentivava o fortalecimento de lideranças individuais, que em breve propiciaria o confronto entre partido e líderes, com evidente prejuízo dos primeiros. (MEZZAROBA, 1995).

Em meados de 1946, foi publicado o Decreto-Lei n° 9.258, o qual considerava como partido político as associações distribuídas em cinco ou mais circunscrições eleitorais e que possuíssem no mínimo cinquenta mil eleitores. Aqueles que não atenderam tais requisitos tiveram os registros cancelados. (MEZZAROBA, 1995).

O cancelamento de registros também se dava aos que contrariassem os princípios definidos na Constituição. Não obstante a inovação deste Decreto, facultavasse o cancelamento de registro aos partidos que viessem a receber qualquer orientação ideológica, auxílio financeiro ou de qualquer outra espécie vindo do exterior.

Segundo Orides Mezzaroba (1995, p. 58):

Essas possibilidades de cancelamento do registro partidário geraram dois efeitos:

1°) um mais imediato, não permitindo o registro permanente de dezesseis partidos que já haviam obtido registro provisório; e

2°) a médio prazo, criando obstáculos para a organização legal dos partidos com ideologias radicais, não permitindo a participação em eleições.

Sobre a Constituição de 1946, o citado doutrinador também leciona:

A Constituição Federal promulgada em 18 de setembro de 1946 pouco acrescentou para a questão da organização e funcionamento dos Partidos Políticos. A principal novidade foi a incorporação da tese dos Partidos nacionais, assegurando-lhes a representação proporcional no parlamento, na forma da lei. [...] Esses preceitos, previstos anteriormente pelo Decreto-Lei n°9.258/46, foram dos raros momentos em que a Constituição de 1946 tratou das instituições partidárias. Entretanto, muito mais para impor restrições do que necessariamente para incentivar a sua formação. (MEZZAROBA, 1995, p. 59).

Novamente, a repressão às instituições partidárias, com cláusulas de barreira, faz com que o poder permaneça nas mãos das mesmas instituições políticas e que estas se fortifiquem cada vez mais.

3.6 Regime Militar (1964-1984)

Em meados da década de 1960, destacavam-se eleitoralmente somente três partidos políticos: o PSD, a UDN e o PTB. Porém, havia ainda mais uns dez partidos regulares, que, vale frisar, não dispunham de grande representação sociopolítica, visto que "[...] as disputas eleitorais concentravam-se basicamente no controle da máquina estatal e em práticas clientelistas". (MEZZAROBA, 1995, p. 62).

Nesse período da história política brasileira, segundo Fernando Henrique Cardoso (1993, p. 50):

Quase todos, vencidos ou vencedores, se surpreenderam com a forma como se deu a ruptura do sistema político brasileiro em 1964 e com o tipo de regime que se implantou subseqüente. Não me refiro apenas à falta de resistência do nacional-populismo e à rapidez de sua desagregação, mas à natureza e expansão tanto da intervenção militar como de suas conseqüências políticas.

A Lei n° 4.740/65, que viria a ser a primeira Lei Orgânica dos Partidos Políticos do Brasil, trouxe em seu seio regras mais rígidas. O objetivo era diminuir a quantidade de partidos políticos. Todavia, ainda apresentava o mesmo esboço ideológico constante nas legislações anteriores. É como afirma Orides Mezzaroba (1995, p. 63):

O seu conteúdo extremamente detalhista e inovador determinava tanto a organização interna como os procedimentos externos a serem tomados pelos Partidos Políticos, garantindo, assim, o controle do Estado sobre os mesmos.

Conforme a Lei Orgânica, somente seria mantido o registro do Partido Político sob as seguintes condições:

1°) possuir 12 (doze) deputados federais distribuídos por 7 (sete) Estados, pelo menos;

2°) votação de legenda, em eleições gerais para a Câmara dos Deputados, correspondente, no mínimo a 3% (três por cento) do eleitorado nacional, distribuídos em 11 (onze) ou mais Estados, com, no mínimo, 2% (dois por cento) em cada um.

Diante da nova conjuntura, não restariam mais do que cinco partidos. No que tange ao número mínimo de doze deputados, somente cinco partidos alcançaram a estimativa. Uma das inovações presentes na Lei nº 4.740/65 foi trazida pelo artigo 50. O fato é que:

De acordo com esse artigo, declarado o cancelamento do registro de um Partido, subsistem os mandatos dos cidadãos eleitos sob sua legenda, exceto se a decretação estiver baseada nas violações do regime democrático, da pluralidade partidária e da garantia dos direitos do homem. (MEZZAROBA, 1995, p. 63).

Não obstante, não teriam cassados os seus mandatos aqueles que notória e comprovadamente rejeitassem os preceitos de orientação partidária que originaram o processo.

Em razão do Golpe Militar de 1964, bem como da realidade política da época, com a vitória da oposição em dois dos principais estados-membros (Guanabara e Minas Gerais) e sem a base estável no Congresso, três meses após a publicação da lei em comento foi decretado o Ato Institucional n° 2, com o qual o Presidente Castelo Branco conseguiu a extinção sumária de todas as instituições políticas existentes.

Ao mesmo tempo em que foram extintos os partidos e cancelados os registros respectivos, o AI n°2 utilizou requisitos já propostos na Lei n°4.740/65 para a formação de organizações partidárias. Igualmente, a fim de definir regras para o novo sistema partidário, foi decretado também o Ato Institucional n° 4, estabelecendo o bipartidarismo compulsório.

Sobre o momento político, vale acrescentar o seguinte registro:

A pauta de assuntos políticos indica que se estão esgotando os objetivos de curto prazo que se traçou o governo revolucionário. Estendeu-se o domínio do governo, reforçaram-se as posições, definiram-se os campos com amplo predomínio do dispositivo civil preconizado e proposto pela revolução.

Pode-se dizer que desses objetivos táticos resta apenas um de importância a ser atingido: controle das situações nos onze estados em que a Constituição manda realizar eleições em outubro deste ano. O governo já decidiu que não haverá eleições diretas e que não serão eleitos governadores para mandatos de quatro anos. Teremos mandatos-tampões de um ano, por eleição indireta, por designação ou – a hipótese não pode ser considerada como definitivamente afastada – por prorrogação de mandato dos atuais titulares. (BRANCO, 2007, p. 160-161).

Portanto, a dominação política do cenário nacional se consubstanciou em unicamente dois grandes partidos. Para o governo era interessante o bipartidarismo, pois era a sua própria legitimação, oferecendo a oposição uma crítica motivadora. A propósito, o AI n° 4 determinava que por serem organizações provisórias não deveriam conter a palavra "Partido".

A respeito das novas organizações partidárias, leciona Orides Mezzaroba (1995, p. 64):

As novas organizações partidárias deveriam constituir-se a partir do parlamento, com pelo menos 120 (cento e vinte) deputados e 20 (vinte) senadores, num período de 45 dias, a contar da promulgação do Ato. Não poderiam ser utilizados os nomes, siglas, legendas e símbolos dos Partidos extintos. Entretanto, a severidade do Ato seria posteriormente abrandada, temendo o Governo que não se apresentasse um número suficiente de Parlamentares dispostos a arriscar a perda de seus mandatos para formar um partido de oposição.

Pois bem. Como no prazo de quarenta e cinco dias foi criado somente o bloco de apoio ao Governo, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), fez-se necessária a dilatação do prazo por mais quarenta e cinco dias e por meio do AI n°6, para a criação do bloco oposicionista, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Somente em 1966, ambos os blocos foram reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral como instituições partidárias.

A figura da sublegenda estava prevista no art. 9º do AI n° 4. Em suma, tal artifício permitia que concorressem ao mesmo cargo majoritário (prefeito, governador e senador) mais de um candidato, pelo mesmo partido político. Como consequência, a menor troca de partidos, principalmente para o de oposição, pouco estimulou o fortalecimento de novas instituições de representação política.

Diante de um contexto caótico e instável, no ano 1966, o MDB passou a questionar sua existência, haja vista a perda significativa de mais de quarenta políticos nos quadros nacionais, que apesar de deterem a representação tiveram os mandatos cassados. Como resposta a tal situação, cogitou-se a dissolução da referida agremiação, em protesto ao governo, que promovia um meio de legitimar o Estado e não de fomentar a discussão política e o avanço nacional. (MEZZAROBA, 1995).

A Constituição de 1967 trouxe novas diretrizes sobre a organização e o funcionamento dos partidos políticos. Segundo Orides Mezzaroba (1995, p.67):

Através da rigidez legal, procurou desmotivar e inviabilizar a formação de novas instituições político-partidárias. De acordo com o novo Texto constitucional, o funcionamento de um Partido estava condicionado ao apoio de 10% do eleitorado nacional, distribuídos em dois terços dos Estados, com no mínimo 7% em cada um deles, alem do apoio expresso de 10% dos deputados federais, pelo menos um terço dos Estados, e de 10% dos senadores.

No governo do Presidente Costa e Silva, um dos marcos da histórica política nacional foi a publicação do AI n°5, que se sobrepunha a qualquer Constituição, suspendeu diversas garantias constitucionais e concedeu poderes extraordinários ao Presidente da República. O rigor de tal medida extraordinária tornou impossível a iniciativa de se dar origem a qualquer organização política.

Em 1969, a Junta Militar, com o pretexto de combater a oposição interna contra o regime estabelecido, passou a governar o país estribada no Decreto-Lei n° 898, conhecido como Lei de Segurança Nacional (LSN).

Esse decreto legitimava total repressão a qualquer pessoa que se rebelasse contra o regime instaurado. Tipificou ainda como crime qualquer organização (in)direta de partido político e acabou por legalizar o que já vinha ocorrendo, ou seja, as ações violentas de repressão aos opositores.

Sobre tal período histórico comenta Paulo Evaristo Arns (1986, p. 290):

Nos últimos anos, a tortura foi prática disseminada especialmente em países governados sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional, prática que subverte o objeto essencial do Estado, que é o resguardo das liberdades individuais e a promoção do bem comum, À luz da Segurança Nacional, a tortura não decorre apenas do sadismo dos torturadores; ela é parte integrante do sistema repressivo montado pelo Estado a fim de sufocar os direitos e as liberdades de seus opositores. É a parte da estratégia de manutenção do poder.

A LSN considerava crime "subverter a ordem ou a estrutura político-social vigente no País, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de Partido Político, de grupos ou indivíduos [...]". Nota-se, assim, a impossibilidade de se construir qualquer pensamento político-partidário que partisse do seio da sociedade.

Mais adiante, a Emenda Constitucional n°1/69 ficou conhecida como a Constituição de 1969. O novo texto da lei permanecia com os pensamentos já estipulados pelo AI n°5 e concedendo mais poderes ao Executivo. No âmbito político-partidário, teoricamente, facilitou a criação de novos partidos, sem se desvincular do contexto legal dos últimos anos. No texto legal mencionado, previa-se a diminuição do quorum de eleitores distribuídos pelos Estados. É como lembra Orides Mezzaroba (1995, p. 69):

Não se exigiu mais um número mínimo de deputados e de senadores. Entretanto, a nova legislação não estabeleceu um período intermediário entre a organização e o funcionamento, isto, somada ao alto grau de repressão política existente, dificultou ao extremo a obtenção de registros partidários.

Concomitantemente aos preceitos trazidos pela EC nº 1/69, por ora, Constituição, foi publicada a segunda Lei Orgânica dos Partidos Políticos, a Lei n° 5.682/71, que tinha como objetivos:

1°) disciplinar de forma mais contundente a perda do mandato por infidelidade partidária, conforme previa o art. 152, parágrafo único, da Constituição de 1969; e

2°) estabelecer o centralismo e o controle de cima para baixo nas organizações político-partidárias, através do fortalecimento do diretório em detrimento da convenção.

O contexto nacional permanecia tenso. O governo militar, por seu turno, com o intuito de manter o bipartidarismo, ou o mantinha pela legitimidade nas eleições, assumindo os riscos que poderiam advir, ou promovia uma ampla reforma político-partidária. (MEZZAROBA, 1995, p.70).

Por óbvio, a opção foi editar inúmeras medidas de cerceamento do avanço oposicionista, momento em que surge Lei n° 6.639/76, conhecida como "Lei Falcão". Referida lei proibia qualquer divulgação de ideia partidária. Por causa disso, segundo Orides Mezzaroba (1995, p. 70-71): "A rigor, o processo eleitoral de 1976 ficou condenado ao mais absoluto silêncio, sem qualquer tipo de discussão política ou ideológica".

O crescimento da oposição continuava acelerado, quando então o governo militar de Ernesto Geisel, em 1977, decide fechar temporariamente o Congresso e edita um "Pacote Abril" de medidas. Foi quando surgiram:

[...] os senadores biônicos (representando 1/3 do Senado, e seriam eleitos por indicação das Assembléias Legislativas), os quais participariam do Colégio Eleitoral que elegeria os futuros presidentes da República. Posteriormente, as restrições da Lei Falcão sobre o uso de televisão e rádio, foram estendidas às eleições em todos os níveis.

Em 14 de abril de 1977, através do Decreto-Lei n° 1.541, o governo GEISEL estendeu a figura da sublegenda para as eleições de senadores e prefeitos. A medida permitiu, ainda, que um Partido lançasse até três candidatos para um mesmo cargo. Considerava eleito o candidato individualmente mais votado do Partido que obtivesse a maior soma de votos, consideradas as três legendas. (MEZZAROBA, 1995, p. 71).

Tratava-se o "Pacote Abril" de uma emenda constitucional e a publicação de diversos decretos-leis que modificariam por completo as eleições, além de estabelecer a extensão do mandato presidencial de cinco para seis anos, a manutenção de eleições indiretas para governador e o aumento da representação dos estados menos populosos no Congresso Nacional. (MEZZAROBA, 1995).

Otavio Soares Dulci (2204, p. 255), a respeito, relata:

Para consertar o rumo das coisas, o presidente Geisel outorgou o chamado ‘Pacote Abril’ em 1977, tornando a eleição indireta para uma das duas vagas do Senado, mantendo a eleição indireta para governadores por colégios eleitorais estaduais mnipuladados para favorecer a Arena e modificando as normas da eleição para deputado com o mesmo objetivo.

Em 1978, com a EC n°11, houve novas diretrizes para criação e funcionamento de partidos políticos, seguindo os preceitos que norteavam os antigos textos. Nesse sentido, Orides Mezzaroba (1995, p. 72) afirma que:

Na fase organizacional deviam ser respeitados os seguintes principios:a) regime representativo e democrático, baseado na pluralidade partidária e na garantia dos direitos fundamentais do homem; b) personalidade juridica, adquirida mediante o registro dos estatutos; c) inexistência de vínculo de qualqer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros; e d) âmbito nacional, sem prejuízo das funções deliberativas dos órgãos regionais ou municipais.

Não obstante o texto da EC nº 11 previsse o pluripartidarismo, em virtude das condições repressivas do Estado, permaneceu o bipartidarismo. Por forte pressão da sociedade e com o intuito de desmantelar a oposição, que se reunia em torno do MDB, foi feita a reforma partidária, que se consubstanciou com a edição da Lei n° 6.767/79. Como consequência imediata, houve a extinção de todas as instituições partidárias existentes. Assim, facultou-se aos que se mantinham no poder a possibilidade de migrar para uma nova agremiação, sendo membros da ARENA e acaso não se identificassem mais com os preceitos de sua agremiação, haja vista a sua impopularidade.

Confirmando, desta forma, a tese de que em períodos de crise da ordem política, a primeira preocupação é com a eliminação pura e simples das antigas organizações políticas, substituindo-as por outras com características parecidas. Haja vista que as ‘elites’ visualizavam as instituições partidárias como passageiras, voltadas essencialmente para a sustentação de novas ordens políticas. (MEZZAROBA, 1995, p. 73).

Com efeito, somente três organizações conseguiram o registro definitivo: o PDS, o PMDB e o PP. Cabe frisar, que a nova legislação obrigava o uso da palavra "partido". Pela mesma lei, ficavam proibidas as organizações que tivessem como denominação credos religiosos ou luta de raça ou classe, inviabilizando o registro do Partido dos Trabalhadores (PT).

A mesma lei definiu que a legenda apresentaria candidatos estaduais e o voto vinculado, aquele em que o eleitor somente poderia votar em candidatos da mesma legenda, em todos os níveis de representação, sob pena de nulidade do voto. Essa regra provocou um grande número de adesões dos partidos menores aos maiores, prejudicando programas e doutrinas. Ainda, o candidato ao governo só poderia renunciar acaso o "partido" retirasse todos os demais que estivessem no mesmo nível de candidatura.

Por fim, referida lei instituía a candidatura nata para senadores, deputados federais e estaduais e vereadores. Portanto, quem detivesse um desses cargos em eleição futura não precisaria mais se sujeitar à convenção partidária. Tratava-se da candidatura nata, que tinha como consequência a criação de políticos profissionais, combinado com a obrigação do partido em garantir legenda ao candidato.

3.7 O Processo Constituinte de 1988

A falta de credibilidade e o enraizamento social dos partidos políticos decorrentes de anos de história com cultura antipartidária, como já estudado, fez necessária uma reforma na legislação partidária, tudo isto com o respaldo do movimento "Diretas-Já".

Tal reforma era tarefa árdua e muito discutida por aqueles que eram titulares das cadeiras e que também não representavam o povo, mas sim um momento histórico de lutas e poder individuais. Partia-se, assim, de duas correntes básicas: os que acreditavam que os partidos deveriam ser autônomos em relação ao Estado e os que defendiam que os partidos deveriam sofrer o controle estatal.

Tanto foi assim que, em 1984, em várias capitais, milhões de brasileiros exigiram o restabelecimento das eleições diretas para Presidente da República. Momento da política que gerou os maiores comícios registrados na história do Brasil. (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1985).

No tocante à liberdade organizacional partidária, muitos foram os debates. Fabio Konder Comparato propôs que a extinção partidária deveria ser proibida e regulada pela Constituição. Francisco Weffort defendia não só mecanismos para a liberdade partidária, mas outros que a fortalecessem, como por exemplo, a destinação de recursos financeiros e acesso à opinião pública. (MEZZAROBA, 2004).

Nesse mesmo contexto, Antonio Citadini (1986) faz críticas à Justiça Eleitoral, que deveria se preocupar somente com o processo eleitoral e não com questões intrapartidárias como a fidelidade. O autor considera que não se deveria cobrar mínimo de votos ou distribuição de votos em circunscrições eleitorais, para que o partido político obtivesse o seu registro, pois assim exaltar-se-iam as instituições já fortificadas e impedir-se-ia o acesso da minoria.

Da análise de Fausto Boris (2003, p. 525-527) se extrai o seguinte:

Entre outros avanços, reconheceu-se a existência de direitos e deveres coletivos, além dos individuais. [...] Podemos considerar a Constituição de 1988 como o marco que pôs fim aos últimos vestígios formais do regime autoritário. [...] A desigualdade de oportunidades, a ausência de instituições do Estado, confiáveis e abertas aos cidadãos, a corrupção e o clientelismo são males arraigados no Brasil. Certamente, esses males não seriam curados da noite para o dia, mas poderiam começar a ser enfrentados no momento crucial de transição. O fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia por parte de quase todos os atores políticos facilitou a continuidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia. Desse modo, o fim do autoritarismo levou o país mais a uma ‘situação democrática’ do que a um regime democrático consolidado.

Pois bem. Criou-se então a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, conhecida ainda por "Comissão Afonso Arinos", que se subdividia em comissões menores, onde eram discutidos os embates doutrinários.

Vê-se, assim, que não houve qualquer requisito ou restrição para a criação dos partidos políticos. Entretanto, permanecia, de forma mais amena, o cancelamento de partidos que não atingissem a porcentagem estabelecida, em duas eleições. Mas houve a criação de uma proposta original no tocante aos partidos, por Paulo de Figueiredo (1984, apresentando todas as frentes ideológicas, respeitada a condição percentual para a sua criação. A proposta previa ainda a infidelidade partidária relativamente àqueles que não agissem conforme o programa partidário. (MEZZAROBA, 1995).

Com o advento da Constituição de 1988, desvinculada do regime militar, do bipartidarismo e dos restritivos alicerces legais, ficou garantida a liberdade de criação e funcionamento dos partidos políticos.

A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro texto normativo brasileiro que abordou expressamente um dos escritos mais avançados no que diz respeito à organização e ao funcionamento dos partidos de toda história brasileira.

A liberdade de organização partidária foi contemplada pela Nova Carta pela desburocratização na formação de partidos políticos. (MEZZAROBA, 1995).

Os partidos, além de alicerçados na Constituição Cidadã, têm leis ordinárias que lhes garantem o funcionamento, sem cláusulas de barreiras e com o financiamento estatal. É dado aos cidadãos o direito ao voto livre e secreto. A soberania nacional volta às mãos do povo, que escolhe quem o representa e participa da construção da evolução do Estado Democrático de Direito, como pretende o texto constitucional em vigor.

3.8 Princípios constitucionais balizadores do sistema político-partidário

A teor do que dispõe o art. 17 da Lei Magna, os partidos políticos têm liberdade de transformação e extinção, não podendo sofrer quaisquer interferências externa estatal, seja para suprimi-los, controlá-los ou agir de forma coercitiva. Defende-se, assim, a liberdade da pessoa humana, ideológica e de expressão, inerente ao Estado brasileiro contemporâneo.

Em que pese a liberdade partidária, não podem os partidos políticos descurar do respeito aos princípios constitucionais, sem o que não é possível garantir o regime democrático instaurado.

Nas seções seguintes, passa-se ao estudo dos princípios constitucionais balizadores do sistema político-partidário.

3.8.1 Soberania nacional

A soberania nacional consiste em assegurar a democracia. A gênese da soberania está no seio da sociedade, consoante se depreende do art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Referida soberania será mantida por meio do sufrágio universal, que trata da capacidade de votar independente de qualquer requisito, não há limitação, observado o requisito da capacidade civil.

Dispõe o art. 14 da mesma Carta Magna que: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular". Dessa disciplina se infere que os partidos políticos não poderão ser contrários à soberania nacional, tampouco lhes será permitido capitanear programas que enfraqueçam ou ponham em risco o Estado brasileiro.

3.8.2 Regime democrático

Um Estado democrático firma-se na dignidade da pessoa humana, na defesa e na garantia da vida, da segurança, da cidadania e da liberdade. Almeja-se, assim, uma sociedade estável, ou seja, desprendida de preconceitos, justa e livre.

Na interpretação de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1973):

Os partidos são chamados a cumprir na democracia uma função delicada e importante. São eles os incumbidos de mostrar ao eleitorado quais são as opções políticas possíveis, indicando, ao mesmo tempo, pessoas que afiançam serem capazes de realizá-las. Sua função constitucional, porém, nem sempre é bem cumprida, não passando eles, em muitos países, de máquinas para a conquista do poder. Na verdade, só podem eles cumprir essa função quando não são dominados por oligarquias, quanto têm disciplina interna, quando são passíveis de suborno por interesses escusos.

Cabe, portanto, aos partidos não só o comprometimento com tal princípio, mas também promover a sua disseminação.

3.8.3 Pluripartidarismo

Pluripartidarismo alude à "coexistência igualitária de vários partidos políticos concorrendo ao exercício do poder publico através das eleições" (SILVA, 2005, p. 1.048) e ultrapassa a diversidade de partidos.

A pluralidade de representantes visa a representar tanto as minorias quanto as maiorias e, nesse afã, expressar a pluralidade social e ideológica, mesmo porque a sociedade deve aderir ao sentido plural, que alude ao respeito à diversidade e às diferenças.

Uma lição importante dá conta que:

O pluralismo político encontra no sistema pluripartidarista um de seus eficientes instrumentos nos múltiplos papéis que empreende, de exclusivo cunho político, transpondo das vertentes da Sociedade, sortimentos de ideias, sentimentos, impressões e interesses extraídos das fermentações coletivos como fragmentos de pensamento que são maturados em conversações, debates, informações ou discussões, e depois começam a produzir reações de acolhimento ou rejeição, modificando-se, adquirindo novos ingredientes, em continuadas interações pessoais. (RIBEIRO, 1998 p.90).

Nessa trilha, o Estado não pode restringir nem se opor ao princípio pluralista. A criação de cláusulas de barreiras seria inconstitucional, vedando talvez a representação das minorias.

O pluripartidarismo fortalece, portanto, o caráter primordial dos partidos políticos, com a característica de aplicadores da democracia e representantes da vontade do povo.

3.8.4 Direitos fundamentais da pessoa humana

Os direitos fundamentais da pessoa humana compreendem as garantias constitucionais relativas a direitos individuais, direitos sociais, direito à nacionalidade e também direitos políticos.

Com efeito, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança figuram, entre outros, no rol de direitos fundamentais, sendo intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. Em outras palavras, não são passíveis de negociação, nem de renuncia e jamais deixam de ser exigíveis.

Outra lição sobre os direitos fundamentais da pessoa humana é oferecido por Alexandre de Moraes (2003, p. 60):

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição de responsabilidade civil ou pena l(...) [Grifo do autor].

Como visto, não obstante a história de supressão de garantias às agremiações político-partidárias e das reiteradas tentativas de obstaculizar a gênese destas instituições, notável foi o avanço que a Carta Magna de 1988 promoveu no cenário político brasileiro e não foi outro o intuito do legislador constituinte se não a defesa de princípios, como os ora analisados, para tornar factível a representatividade e o enraizamento social dos partidos com suas ideologias. Assim surge a legalização constitucional partidária.

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Sobre a autora
Caroline Vargas Barbosa

Advogada, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC e pos-graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC, em Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Caroline Vargas. O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.: Análise à luz de aspectos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20234. Acesso em: 23 nov. 2024.

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