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O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.

Análise à luz de aspectos constitucionais

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17/10/2011 às 08:20
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São analisadas as propostas de lei para tornar público o financiamento de campanhas político-partidárias. Há aspectos positivos (afastamento do abuso econômico como ferramenta de persuasão de eleitores) e negativos (falta de investimento em políticas públicas, e, quiçá, o financiamento da corrupção).

RESUMO

Este trabalho é resultado da investigação e discussão das propostas de lei no que tange às formas de financiamento público de campanha político-partidária, bem como da análise, concomitante, da crise de representatividade, enfoque de críticas contemporâneas. O objetivo buscar informações que balizam e alicerçam a discussão da representatividade e do Estado Democrático de Direito, com a finalidade de criar um pensamento critico quanto aos partidos políticos, suas funções, funcionamento e, como consequência, a pecúnia que os sustenta. Utiliza-se para tanto o método dedutivo, que se inicia de um contexto geral, para verificar um contexto específico, no caso o financiamento público e a evolução político-partidária, seguida do aporte das normas atuais e propostas de inovação. O trabalho está divido em capítulos. Após a introdução, o segundo capítulo apresenta conceitos de representação, seus fundamentos teóricos, os tipos de mandatos: imperativo, representativo e partidário. Por fim, explana sobre o Estado de Partidos e a função partidária, bem como a atual crise representativa. No terceiro capítulo, traça-se um esboço histórico político-partidário no Brasil e a partir daí analisam-se as normas e os contextos sociais vigentes em cada época, bem como as modificações trazidas pela Carta Magna de 1988 e os princípios balizadores aos partidos políticos. O quarto capítulo aborda os tipos de financiamento existentes e as respectivas críticas. Ainda, são analisadas todas as propostas de lei protocolizadas no ano corrente, com o fito de tornar público o financiamento de campanhas político-partidárias. Conclui-se, por fim, os prós do financiamento público como, por exemplo, o afastamento do abuso econômico como ferramenta de persuasão de eleitores e os contras, como a falta de investimento em políticas públicas, que garantem os direitos fundamentais do homem e, quiçá, o financiamento da corrupção. Nota-se, portanto, a necessidade de uma legislação que trate de sanções efetivas, concomitantemente com uma fiscalização eficaz.

Palavras-chave: Partidos políticos. Crise de representatividade. Estado de Partidos. Financiamento campanhas. Propostas de lei apresentadas em 2009.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO.2 DA REPRESENTAÇÃO. 2.1 Conceito. 2.2 Fundamentos teóricos da representação política. 2.3 Modelos de mandatos políticos. 2.3.1 Mandato imperativo. 2.3.2 Mandato representativo. 2.3.3 Mandato partidário. 2.4 Estado de Partidos. 2.4.1 Pressupostos para implementação do Estado de Partidos. 2.4.2 Mandato comissionado. 2.4.3 Sistemas de controle do mandato .2.5 A crise de representatividade. 3 A EVOLUÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA NO BRASIL. 3.1 Período Colonial. 3.2 Período Imperial (1822-1889). 3.3 Primeira República ou República Velha (1889-1930). 3.4 Segunda República (1930- 1937) e Estado Novo (1937-1945). 3.5 Quarta República (1945-1964). 3.6 Regime Militar (1964-1984) . 3.7 O Processo Constituinte de 1988. 3.8 Princípios constitucionais balizadores do sistema político-partidário. 3.8.1 Soberania nacional. 3.8.2 Regime democrático. 3.8.3 Pluripartidarismo. 3.8.4 Direitos fundamentais da pessoa humana. 4 O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS POLÍTICO-PARTIDÁRIAS. 4.1 Fundo partidário e acesso aos meios de comunicação. 4.2 Financiamento privado. 4.3 Financiamento público. 4.4 Financiamento misto. 4.5 Projetos de reforma do financiamento de campanha apresentados no ano de 2009. 4.5.1 Projeto nº 5.281/2009. 4.5.2 Projeto nº 5.277/2009. 4.5.3 Projeto nº 4.883/2009. 4.5.4 Projeto nº 4.634/2009. 5 CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como tema de pesquisa os partidos políticos e a crise de representatividade, esta atualmente tão discutida em todos os setores da sociedade. A partir da crise de representatividade A análise recai especificamente sobre o financiamento público de campanhas político-partidárias. Traça-se, assim, uma análise da Lei n° 9.504/97, conhecida como "Lei das Eleições", concomitantemente a Constituição Federal de 1988. O objetivo é evidenciar as lacunas e as falhas da legislação, que muitas vezes se tornam a via por onde trilham interesses escusos e atos corruptos.

O problema motivador desta pesquisa consiste na verificação e na investigação das raízes da crise de representatividade, justo para possibilitar o entrelaçamento dos questionamentos oriundos das possibilidades de sistemas de financiamento de agremiações político-partidárias, principalmente do financiamento público de campanha.

Ainda, justifica o esforço de pesquisa a crença de que este trabalho poderá colaborar para a mudança de entendimento de muitas pessoas acerca do espírito fundamental dos partidos políticos como prerrogativa de sobrevivência da democracia e, por extensão, do próprio Estado Democrático de Direito. Além disso, pretende-se instigar o tão questionado problema do financiamento de campanha político-partidária.

Dessa forma, a hipótese que se sujeita à verificação neste trabalho se exprime na função dos partidos políticos enquanto atores e agentes da democracia, uma democracia, vale dizer, que deve ser tratada como princípio intrínseco à Constituição Federal.

Assim, com o lastro democrático emanado da Carta Magna, sabe-se que os partidos políticos deveriam respeitar o princípio da soberania e bem representar os interesses do povo. Entretanto, atualmente, as instituições político-partidárias não conseguem atender a esse requisito imperativo.

Bem por isso, o tema proposto se apresenta atual e necessário, haja vista a intensa discussão nos meios políticos do país, no que tange a reformas para a melhoria do sistema e da garantia do Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, vem à tona o problema do financiamento de campanhas político-partidárias, que tem sido discutido frente ao desmantelamento de tantas redes de corrupção. Ainda, já se tornou lugar-comum nos meios midiáticos a notícia de que muitas dessas redes faziam uso de vultosas quantias em suas campanhas eleitorais, formando o "caixa-dois", inclusive, com o desvio de boa parte do dinheiro.

Para o alcance desses objetivos, utilizou-se como suporte de metodologia a pesquisa exploratória, o raciocínio dedutivo e a natureza bibliográfica. Os dados vêm de fontes secundárias, consoante a análise da legislação brasileira a respeito da situação política do Brasil, bem como de doutrinas e artigos especializados que tocam a problemática de estudo.

O trabalho foi organizado em cinco partes. A primeira se refere à Introdução e a última à apresentação dos resultados da pesquisa.

Então, com o conteúdo do segundo capítulo, pretende-se aduzir conceitos de representação, especificamente no âmbito jurídico, e as espécies de mandatos que outorgam os poderes desta representação. Após esta breve análise, expõem-se os conceitos e os requisitos necessários à formação do Estado de Partidos, ou ainda, a Democracia de Partidos. Por fim, faz-se uma breve abordagem sobre a crise de representatividade contemporânea, expondo o possível princípio e detectando os principais problemas.

Posteriormente, no terceiro capítulo, traça-se um esboço histórico da evolução político-partidária brasileira. O objetivo é esclarecer o vínculo direto e intrínseco dos partidos com a sociedade e com o contexto histórico em que se inserem. Após, apresenta-se uma análise histórica até, nos dias atuais, a Constituição Federal de 1988. Por fim, são estudados os princípios balizadores dos partidos: soberania nacional, regime democrático, pluripartidarismo e direitos fundamentais da pessoa humana.

No quarto capítulo, esclarecem-se os diferentes tipos de financiamento de campanha político-partidária, tecendo comentários sobre prós e contras de cada tipo: privado, público e misto. Em seguida, apresentam-se aspectos da reforma política, tão discutida atualmente. Por fim, o exame minucioso das seis propostas protocolizadas no ano corrente, todas com o fito de modificar o atual sistema de financiamento de campanha político-partidária para um sistema exclusivamente público.


2 DA REPRESENTAÇÃO

O capítulo que dá início a este trabalho de pesquisa trata da representação política. Para abarcar o seu objeto será necessário discorrer sobre o conceito, os fundamentos teóricos, os modelos de mandatos políticos, os aspectos pontuais do Estado de Partidos e, por último, fazer uma abordagem sobre a crise de representatividade.

2.1 Conceito

A existência de uma relação de representação pode gerar sentidos diversos. A representação, a priori, é a forma pela qual o representado transmite poderes a outrem para praticar certos atos ou exercer funções.

Outro entendimento sobre o vocábulo "representação" alude a:

[...] substituir ou agir no lugar de ou em nome de alguém; reproduzir, espelhar as características de alguém ou de alguma coisa; evocar simbolicamente alguém ou alguma coisa. [...] representar é uma ação segundo determinados cânones de comportamento [...] certas características que espelham ou evocam as dos sujeitos ou objetos representados. (COTTA, 2002 apud BOBBIO, 2002, p. 1.102).

Na Grécia Antiga havia a representação dramatúrgica, que se chamava "imitação da alma", visto que havia representação de emoções através da encenação. Qualquer forma de representação artística visa à transformação do subjetivo ou lúdico em algo visual e palpável. Como essa transformação depende daquele que a retrata, por vezes, dá-se gênese a diferentes prismas de realidade. (MEZZAROBA, 2004).

No âmbito da Filosofia, notam-se novamente inúmeros sentidos para o mesmo vocábulo. Do conceito aristotélico, segundo o qual a representação pode ser sensível ou intelectual, passa-se a Tomás de Aquino e a Santo Agostinho, que acreditavam ser a representação a "apresentação de um objeto intencional". Para Locke, "o vocábulo se traduz como pertinente ao próprio campo das ideias". (PEREIRA; MEZZAROBA, 2008, p. 36-42, 59-62).

Da Epistemologia ou Teoria do Conhecimento se retiram dois sentidos para a representação: "(1b) representação como conteúdo mental [...] e (2b) representação como aquilo que se representa no ato de representar, ou seja, como o objeto intencional de semelhante ato". (MEZZAROBA, 2004, p. 19).

De meados do século XIII vêm as primeiras ideias de representação no âmbito do Direito. Em um primeiro momento, aparece como a intenção da sociedade como aquisição de personalidade, poder de pleitear um direito, em segundo como a sociedade parte integrante de um juízo, representada por um procurador, através de mandato. (MEZZAROBA, 2004, p. 11).

No âmbito do Direito contemporâneo brasileiro, há, ainda, outras espécies de representação: a representação hereditária ou sucessória; a do ofendido na esfera penal, administrativa e comercial; a representação de categorias dos profissionais, voluntária ou contratual; e a representação de Estado estrangeiro. Esta ultima se refere a membros diplomáticos que representam países estrangeiros, diferente da representação nacional, em que o Chefe de Estado ou qualquer outro agente que represente o Estado Nacional. (MEZZAROBA, 2004, p. 12-14).

Contudo, é no direito político que surge a ideia de representação proporcional, tendo a seguinte explicação: representativa, por retratar a sociedade em geral como as minorias que não podem ser olvidadas; proporcional: no sentido da arrecadação de votos e número de cadeiras.

Elucida Orides Mezzaroba (2004, p. 13-14) na seguinte passagem:

A representação proporcional é, no Direito Político, instituto que garante, ao mesmo tempo, que a representação dos grandes partidos, também a possibilidade de espaço juridicamente protegido para as minorias partidárias. Da mesma forma, no Direito Público se opera com o regime representativo para qualificar, em sentido amplo, todo o governo que for escolhido livremente pelo povo através de processo eleitoral e no qual o Poder é exercido em seu nome. (Grifo do autor).

Portanto, o vocábulo da representação poderá ter diversos significados, os quais dependerão do prisma que serão analisados. Da Grécia antiga aos dias atuais, a representação foi se adequando às situações em que era analisada. Por fim, no âmbito do direito político, a idéia de proporcionalidade representativa é explorada até o ponto em que os partidos passam a representar a sociedade por meio dos votos.

2.2 Fundamentos teóricos da representação política

Para se traçar um esboço teórico da representação política é necessário, primeiramente, destacar suas três distintas formas: representação à autoridade, representação à confiança e representação como reflexo de algo. (MEZZAROBA, 2004, p. 57).

A representação vinculada à autoridade tem como idealizadores Hobbes e Rousseau. O ato de representar é um misto de poder de agir e de transmissão de direitos. Hobbes chama a atenção para a distinção entre a pessoa natural, aquela que age por si, e a fictícia, que é representada. (MEZZAROBA, 2004, p. 57).

Conforme a lição de Hanna Fenichel Pitkin (1985, p. 34-35):

Quando Hobbes denomina representante seu soberano, quer dizer que esse homem há de representar seus súditos e não somente fazer o que deseja. O mesmo conceito contém a ideia de que o soberano tem deveres. A definição que faz Hobbes sobre a representação - a presunção unilateral - assevera que, em ultimo caso, esses deveres não podem ser reclamados. Ao referir-se à definição de autorização, Hobbes poderia frustrar qualquer alegação segundo a qual os súditos poderiam se opor ao soberano se não os representa como deveria fazê-lo.[Tradução nossa].

A vontade geral é soberana, não podendo os representantes decidir de forma unilateral e definitiva. O poder decisório final está nas mãos dos representados, que definem as diretrizes para as quais serão representados. A representação se torna eficaz quando há uma maior alternatividade de representantes, bem como lealdade e comprometimento com a vontade dos representados no exercício de seu mandato. (ROUSSEAU, 2007).

Com relação ao mandato imperativo, que será abordado adiante, Rousseau (2007, p. 107), assim se manifesta:

A soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa: ela é a mesma ou é outra, não há meio-termo. Os deputados do povo, portanto, não são nem podem ser seus representantes, são apenas comissários; nada podem concluir definitivamente.

O jurista Edmund Burke (1980), que trata do modelo de representação com base na confiança, em sua obra, intitulada "Discurso aos Eleitores de Bristol", ao lecionar sobre o mandato virtual, afirma que nesta espécie de mandato os representados depositam sua confiança nos representantes. Estes, por sua vez, representam a nação em sua totalidade. Ao se depositar confiança no representante, dá-se autonomia decisória para ele, pensamento oposto ao de Rousseau, que entende que o representante deve buscar o bem geral, contrabalançando as desigualdades sociais e os diferentes anseios.

De acordo com Hanna Fenichel Pitkin (1985),

[...] a representação virtual é contemplada com um exemplo de elitismo burkeano: inclusive os locais e as pessoas que não votam estão representados se o Parlamento é verdadeiramente uma elite, já que estar representado, quer dizer simplesmente estar governado por uma elite. [Tradução nossa].

Para Bobbio (2002), o terceiro modelo usa a expressão "espelho" ou ainda representatividade sociológica. Refere-se ao que a sociedade deve refletir aos seus representantes, quais as posições políticas e ideológicas que trariam o bem comum.

No que tange à representação política propriamente dita, disserta ainda:

O elemento fundamental do mecanismo de garantia da representação é dado pelas eleições dos organismos parlamentares (e, em certos casos, de outros organismos políticos). A representação política pode definir-se então como uma representação eletiva. Não é suficiente, porém, um tipo qualquer de eleições. Trata-se de eleições competitivas e que ofereçam um mínimo de garantias de liberdade para expressão de sufrágio. (BOBBIO, 2002, p. 1.102).

Representação política não significa, pois, representação de um sujeito através de outro. Trata-se de representação de uma coletividade. Os poderes delegados não se limitam a certo número de atos descritos por um mandato.

Norberto Bobbio (2002, p. 1.102), a respeito, anota: "O sentido da representação política está, portanto, na possibilidade de controlar o poder político atribuído a quem não pode exercer pessoalmente o poder."

A representação, neste caso, consubstancia-se nas ideologias e nas atitudes já realizadas do representante, um bom motivo para o representado depositar esperanças. Assim, ao priorizar o bem coletivo, o representado deve saber optar pelos melhores atos, já que cada cidadão não pode, presencialmente, participar.

2.3 Modelos de mandatos políticos

No art. 1.288 da Lei Substantiva Civil de 1916, reza: "opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos, ou administrar interesses".

A representação política, nestes termos, caracteriza principalmente o exercício de um mandato. Mandato, por sua vez, é um termo cujo significado denota ordem, instrução ou ainda incumbência.

Bem por isso, percebe-se que no mandato há transmissão de confiança. Por meio do mandato o representado confia o que almeja ao representante e espera que este exerça tal função em nome dele.

O mandato ainda possui outra característica que merece destaque. O fato é que, por depender de acordo de vontades, o mandato tem natureza jurídica contratual. Sobre esse aspecto, leciona Orides Mezzaroba (2004, p. 15-16):

O mandato implica compromisso direto entre mandante e mandatário, de tal forma que este último tem o dever de agir com zelo pelos interesses do primeiro, podendo o mandato até ser revogado caso o mandante se sinta prejudicado pela infidelidade ou pelo abuso dos poderes representativos exercidos pelo mandatário.

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Na questão da representatividade política, o mandato está alicerçado em duas correntes: uma defendida por Rosseau (1762), na obra "O Contrato Social", que se funda no princípio básico do contrato social: vontade geral (que não é o somatório de vontades, o consenso). Essa ideia está traduzida na atual Constituição Federal, especificamente no poder constituinte. Para o célebre filósofo, não é possível representar as vontades individuais porque estas são intransferíveis, inalienáveis.

De outra banda, John Locke (1983) defende que as vontades individuais não devem prevalecer. Rosseau, diferentemente, diz que as decisões são tomadas pela maioria e esta impõe à minoria as suas vontades.

O pensamento de Locke, aperfeiçoado por Stuart Mill (1964), salientava que não é possível conceber que a maioria impõe à minoria a sua vontade, devendo, pois, haver uma representação baseada na proporcionalidade. O entendimento é que deveria haver representantes para as mulheres e para os trabalhadores, por exemplo.

2.3.1 Mandato imperativo

No modelo de mandato imperativo o representante se manifesta somente acerca dos temas estipulados por seus representados. Não se cede autonomia alguma ao representante. O mandato é do representado, o eleitor, no caso.

De acordo com Orides Mezzaroba (2004, p. 71):

Na atividade representativa vinculada ao mandato imperativo, todos os atos dos representantes estão sujeitos à aprovação prévia dos representados. O representante desempenha o limitado papel de sucedâneo imediato do representado, estabelecendo com este uma relação de estrita confiança.

Na Idade Média surge a noção de mandato imperativo, época em que os representantes assumiam a sua função delegada pelos burgos ou localidades de origem. Depois, no período dos Estados Gerais, os representantes recebiam uma proposta de queixas das quais as perguntas eram pré-selecionadas pelo rei ao convocar os Estados Gerais. O representante ficava limitado a defender os interesses que respondiam às perguntas das queixas. O representante ainda era indenizado por seus trabalhos e obtinha uma remuneração, que podia ser negada acaso os representados optassem pela insuficiência de desempenho. (MEZZAROBA, 2004).

O pressuposto base do mandato imperativo informa que todo o poder realmente emana do povo, sem o qual não é possível atingir a soberania de fato. Cada cidadão é concebido como parte integrante da sociedade, do todo, e carrega consigo a responsabilidade de ser partícula importante de opinião. Por isso, o mandato imperativo pode ser revogado a qualquer momento, bastando a insuficiência do representante ou a insatisfação do representado. (MEZZAROBA, 2004).

Atualmente, pode-se exemplificar este tipo de mandato com o recall norte-americano, em que basta a insatisfação de determinado número de cidadãos eleitores e um bom e justo motivo para que a revogação do mandato ocorra antes mesmo de expirar o prazo legal dos seus poderes. (MEZZAROBA, 2004, p. 74).

Na Constituição Federal de 1988 são encontrados alguns indícios de mandato imperativo e exercício da soberania, consoante se depreende da dicção do art. 85, in verbis:

Art. 85.São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Em suma, o mandato imperativo pode ser reduzido à noção de estrita confiança entre representante e representado. Aquele vincula todos seus atos e ações ao que este determina. Não obstante, nota-se a existência de uma relação de hierarquia, visto que o poder decisório é do representado; o representante somente transpassa o que foi transigido em assembleia com seus eleitores. É, pois, por essa razão que, inicialmente, o representante, recebendo pecúnia, por remuneração ou indenização, podia ser responsabilizado patrimonialmente, acaso não agisse de forma correta. Mais, caso não satisfizesse os anseios que lhe eram propostos, seu mandato poderia ser revogado a qualquer momento. (MEZZAROBA, 2004, p. 71-73).

2.3.2 Mandato representativo

O mandato representativo surge como antítese do mandato imperativo. É o modelo que prevalece na grande maioria das democracias. O representante é eleito e, virtualmente, representa a todos, o conjunto da sociedade; não existe um representado específico. Caracteriza-se, então, pela vontade do representado ao eleger o representante, mas a vontade deste deve ser respeitada, pois não significa submissão às instruções imperativas daquele que delegou os poderes. (MEZZAROBA, 2004, p.75-76).

Edmund Burke, na citada obra "Discurso aos Eleitores de Bristol" (1980), trouxe esse modelo de mandato à tona e já defendia que a vontade dos representados deveria ser respeitada e que ela, ao mesmo tempo, deveria estar de acordo com a vontade nacional. Desta feita, o representante não poderia pensar no indivíduo singular, mas sim na pluralidade de indivíduos, o que significa dizer que não obedeceria a orientação imperativa daqueles que o elegeram.

Hanna Fenichel Pitkin (1985, p. 188), a respeito, comenta:

Esse primeiro conceito de representação achado na obra de Burke é de caráter nacional e vê a representação como algo que o Parlamento realiza pela nação como um todo. O dever de cada membro do Parlamento é de racionar e julgar o bem da totalidade; os desejos egoístas dos diferentes integrantes da Nação, as vontades dos eleitores individuais não têm nada que ver com ele. O representante deve descobrir e realizar o interesse nacional. [Tradução nossa].

Ferreira Pinto (1973) destaca ainda como traços do mandato representativo, em um primeiro aspecto, a generalidade; o vínculo deixa de ser com o eleitor como indivíduo e passa a ser com a sociedade no sentido de coletividade nacional. O segundo aspecto que salienta traduz a liberdade e a independência dos atos do representante, sem que seja objeto de coação; o representante age conforme suas ideologias e juízos. O autor, por fim, disserta acerca da irrevogabilidade do mandato representativo, estando o representante imune de qualquer comando ou orientações dos seus eleitores.

De outra banda, no relatório que analisa o Projeto de Lei nº 3.453, de 2004, de autoria do deputado Wladimir Costa, atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania Nacional, o atual relator, citando o deputado Inaldo Leitão, deixou consignado que:

No mandato representativo, vigente nas modernas democracias, os mandatários estão subordinados às suas consciências. Dele é corolário a inviolabilidade dos parlamentares por suas opiniões, palavras e voto. Nos cargos do Poder Executivo, com mais razão não se pode exigir o fiel cumprimento de um programa de governo, uma vez que se tem de levar em conta a conjuntura econômica e as possibilidades orçamentárias que se seguirem à eleição, tanto no plano local, como no nacional e também no internacional. Estão os governantes ainda contingenciados pelo Poder Legislativo correspondente, que pode não ser receptivo às suas propostas. Os programas partidários dos candidatos podem servir de orientação à escolha dos eleitores. Prevê a Constituição Federal todo um sistema de controle externo e interno dos atos dos agentes públicos. [...] (BRASIL, PL Nº 3.453, DE 2004, 16.12.2008).

O mandato representativo tem como principal característica o livre arbítrio do representante em suas decisões, independente da vontade individualizada do representado. Portanto, deve o representante pensar no bem comum. Ao eleger o representante, o representado deposita a confiança nas ideologias daquele, para que, dentro do possível, possa representar com maior simetria o que foi almejado.

2.3.3 Mandato partidário

O mandato partidário é o sistema político que funciona por meio de partidos políticos; é o que se chama de Estado de Partidos. O precursor de tal modelo, Hans Kelsen, colaborou para que o partido político passasse a ser protagonista de uma Democracia de Partidos. O indivíduo passa a atuar no partido, expondo suas vontades e seus anseios. O partido reuniria tudo e criaria a vontade partidária, que seria defendida nos âmbitos político e legislativo. Haveria, assim, uma democracia intrapartidária.

Conforme prevê o art. 17 da Constituição Federal de 1988, o partido político deve ter mecanismos internos que respeitem o caráter nacional.

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I - caráter nacional [...].

Nesse sentido, Antonio J. Porras Nadales (1994, p. 34) raciocina:

A efetividade de uma teoria material do mandato de partido, que se sobrepunha reiterada vigência formal do mandato representativo constitucionalmente reconhecido, coloca-se a estas organizações sociais intermediadas por uma posição estratégica de protagonista ativo dentro do processo de representação, sendo, portanto, instrumentos que asseguram o paradigma mecanicista da racionalidade instrumental nas relações entre sociedade e Estado, assumindo uma vez a função criativa dos próprios conteúdos da representação. [Tradução nossa].

O representante é eleito conforme o voto dado ao partido. Este é que controla o mandato, podendo trocar as peças. Também seria possível lançar mão da ferramenta do recall, desde que a iniciativa partisse do partido e não do eleitor. Prevê-se, assim, a fidelidade partidária, em que o representante se adequaria e faria refletir as suas ideologias e convicções nas diretrizes partidárias já fixadas. O descumprimento dessas diretrizes poderia acarretar a revogação imediata do mandato. Por isso, faz-se de primordial importância a fidelidade partidária, sem o que não é possível a efetividade do Estado de Partidos. (MEZZAROBA, 2004, p.79).

Mais adiante, Antonio J. Porras Nadales (1994, p.45-46) também afirma:

A primeira delas segue o marco característico de um mandato representativo, em que, apesar de ser explicito em uns conteúdos específicos no programa eleitoral, o representante (neste caso o partido) conquista um notável caso de autonomia à margem de qualquer tipo de instrução imperativa, não cabendo em nenhum caso a revogação. Em troca, na segunda etapa, a que vincula o deputado eleito com um grupo político por aquele que o elegeu, a intensificação dos mecanismos de disciplina interna impostas pelo partido, que conta com elementos de controle suficientes sobre o deputado como para chegar a sua quase revogação, entendendo por tal, a expulsão do próprio grupo e por lógica a negação de qualquer tipo de apoio futuro no seguinte processo eleitoral. [Tradução nossa].

De acordo com a teoria do mandato partidário, o partido político é o órgão essencial da democracia; uma democracia pelos partidos políticos. Para isso, é desejável que todas as pessoas estejam associadas a partidos políticos. A sociedade está no partido. O controle do mandato seria do partido.

Nesse sentido:

CONSULTA. PARLAMENTAR QUE INGRESSA EM NOVO PARTIDO. PERDA DO MANDATO.

1. O mandato é do partido e, em tese, o parlamentar o perde ao ingressar em novo partido.

2. Consulta respondida positivamente, nos termos do voto.

(Relator: José Augusto Delgado, Dec. nº 22563, BRASÍLIA – DF 01/08/2007).

Em resumo, o mandato partidário pode ser considerado como a representatividade nas mãos do partido, sendo necessária a filiação partidária do cidadão, enquanto eleitor, para que, em conjunto com outros que partilham a mesma ideologia e as mesmas convicções, determinem as diretrizes partidárias. Ainda, as diretrizes partidárias devem servir de baliza para aqueles que se elegerem, uma forma de se manter a própria autonomia decisória.

2.4 Estado de Partidos

A expressão "Estado de Partidos" surge como balizadora de um Estado democrático. A democracia, entrelaçada com a liberdade, é uma forma de o Estado promover a participação coletiva e, por consequência, a vontade das massas. (MEZZAROBA, 2004).

Pois bem. Para discorrer sobre o Estado de Partidos é forçoso, antes, fazer um brevíssimo apontamento sobre a democracia.

A propósito, do dicionário se extrai o seguinte significado:

de.mo.cra.ci.a

sf (gr demokratía) 1 Governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo; democratismo. 2 A influência do povo no governo de um Estado. 3 A política ou a doutrina democrática. 4 O povo, as classes populares. (MICHAELIS, 2009).

Celso Ribeiro Bastos (2002) diz que a democracia é o governo do próprio povo. É certo que o povo não tem condições de exercer o governo diretamente, o que seria uma autêntica democracia direta.

Hans Kelsen (2002, p. 27) aponta no seguinte sentido:

Da idéia de que somos – idealmente - iguais, pode-se deduzir que ninguém deve mandar em ninguém. Mas a experiência ensina que, se quisermos ser realmente todos iguais, deveremos deixar-nos comandar. Por isso, a ideologia política não renuncia a unir liberdade com igualdade.

Para García-Pelayo (1986, p. 83), existem três formas de democracias: direta, representativa e a Democracia de Partidos. A primeira seria o tipo de democracia que se caracteriza pela ausência de mediador, denotando total cumplicidade entre representante e representado. Na segunda, a democracia representativa, só haverá eficácia jurídica se a vontade do representante se apresentar como vontade expressa do representado. A terceira forma seria a Democracia de Partidos, que serviria como mediador de interesses entre representantes e órgãos representativos e representados. Neste caso, os representantes estariam vinculando suas vontades às do partido.

O citado autor ainda comenta que:

[...] o deputado perdeu seu caráter genuíno de representante e, conseqüentemente, as eleições adquirem um caráter plebiscitário nas que o povo outorga sua confiança e capacidade de decisão para uma legislação dada ao partido como organização e não às pessoas incluídas nas listas eleitorais, salvo, naturalmente, aos que se referem ao líder ou a uma minoria de líderes deste ou daquele partido. Finalmente, o sistema de partidos está constituído pelo número de seus componentes, pelas magnitudes relativas a cada um deles e, sobretudo, pelas relações entre si as quais, mais que nenhum outro fator, condicionaram a estabilidade do regime e o Estado democrático. (GARCIA-PELAIO, 1986, p. 83).

Na avaliação de Orides Mezzaroba (2004), há uma quarta forma de democracia. O autor nomeia esta quarta forma como democracia representativa partidária e a identifica como aquela que almeja uma mediação dos partidos políticos, do representante e do representado.

Não obstante, a existência de partidos políticos não traduz a existência de efetividade da democracia. A importância dos partidos políticos é evidenciada pela capacidade de o Estado transmutar os anseios e as orientações da sociedade em realizações de política nacional. Para tanto, pressupõe-se uma base de organização concreta, bem como, estipulação de diretrizes bem definidas. Desta forma, pode-se dizer que há democracia representativa de partidos, pois é perceptível a mobilização social para agir participativamente no processo democrático. Para alcançar tal desiderato, é necessário que o partido possa catalisar a vontade de todos e construir uma democracia no interior dos partidos. A eleição, para tanto, passa a ser a manifestação tácita e expressa de confiança do representado aos partidos e seus programas. (MEZZAROBA, 2004, p.182).

2.4.1 Pressupostos para implementação do Estado de Partidos

Pensar em Estados de Partidos significa, primeiramente, preparar o Estado para tal concepção sociopolítica.

Com efeito, o processo de constitucionalização partidária é um dos requisitos necessários e primordiais ao Estado de Partidos. Há também a necessidade de serem reconhecidos constitucionalmente e que existam legislações infraconstitucionais que regulem o funcionamento e o domínio do campo partidário. De outra banda, em um segundo momento, é forçoso que não somente a legislação o conceba, mas que, ao mesmo tempo, esclareça a sua fundamental importância no âmbito do sistema político-democrático. (MEZZAROBA, 2004, p.158-160).

Para Leibholz (1980 apud MEZZAROBA, 2004, p.177), não há como se pensar em uma formação da vontade geral do povo sem a existência de partidos políticos. Os partidos seriam os aglutinadores de ideias, como por exemplo, em Estados de grande extensão territorial, sem que os milhares de eleitores tivessem um foco de ideais, pois defenderiam solitários, dispersos e desarticulados as suas ideologias. Os partidos políticos desempenham papel de articuladores, importantes no desenvolvimento e na execução de ações políticas efetivas.

Segundo García-Pelayo (1986, p. 68), esse pensamento influenciou o Tribunal Federal Constitucional Alemão, que, em 1951, assim se manifestou:

[...] na democracia do nosso tempo só os partidos têm a possibilidade de reunir os eleitores em grupos capazes de ação política. Se manifestam como porta-vozes do povo [...] para poder expressar-se e tomar decisões políticas [...]; são os últimos órgãos de criação de todos os órgãos [...] sem cuja mediação a massa inerte do povo não estaria em condições de dar vida aos órgãos do poder Estatal. Hoje, toda a democracia é necessariamente um Estado de Partidos [...], não são somente organizações políticas e sociológicas, são também organizações juridicamente relevantes [...], têm que ser reconhecidas como pertencentes ao âmbito interno da constituição [...] e exercem funções de um órgão constitucional quando cooperam para a formação da vontade política do povo. [Tradução nossa].

Antonio J. Porras Nadales (1994, p. 39), sobre o tema, opina:

É dizer, se são os partidos políticos os que vão assumir a tarefa de programação e projeção ativa dos políticos intervencionistas do Estado, devem explicar como podem ser capazes de formular projetos políticos globais suscetíveis de orientar ativamente a ação pública, uma vez, incorporados no Estado através da via representativa. Ele deve implicar uma concepção dos partidos como instrumentos suscetíveis de expressar não a velha ‘vontade geral’ sem ao menos uns interesses gerais que seriam os únicos capazes de legitimar a atuação do Estado. [Tradução nossa].

Sendo os partidos políticos órgãos de aglutinação e mobilização da vontade geral, também são eles os principais responsáveis pela absorção da ideia do eleitor, devendo canalizá-la de forma organizada como expressão de seu entendimento. Não fosse assim, o cidadão, sozinho e sem movimentação política, não poderia ter voz ativa, tampouco exercer influência sobre as medidas políticas estatais. A efetividade da democracia se consubstancia, pois, com a intermediação dos partidos, que detêm a representatividade da vontade popular. (MEZZAROBA, 2004, p.178-179).

García-Pelayo (1986, p.68) ratifica essa ideia com o entendimento manifestado pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão, qual seja: "[...] os partidos não pertencem a órgãos superiores aos Estados, são grupos livremente formados que enraízam na esfera sociopolítica chamados por ela a cooperar na formação da vontade política do povo e incidir na esfera da estabilidade instaurada". [Tradução nossa].

2.4.2 Mandato comissionado

Mandato comissionado denota a incumbência que tem o partido político de representar conforme as diretrizes partidárias a qual pertence.

Como é cediço, quando uma parte da sociedade motivada ingressa em determinado partido e no seu interior manifesta os seus pensamentos e as suas vontades, em rigor ela que se ver representada perante o Parlamento. O conjunto dos partidos políticos existentes em determinado Estado democrático catalisa, assim, os pensamentos da sociedade como um todo. A tarefa de deliberar as propostas e diretrizes consubstancia a representação política.

De acordo com Orides Mezzaroba (2004, p.180):

O mandato do representante no modelo de representação política em tela passa a ser do Partido Político, por isso recebe a designação de mandato partidário ou mandato comissionado.

Nesse caso, não se trata propriamente de um mandato imperativo, no qual os representados detêm o monopólio de revogação dos mandatos. O mandato é comissionado pelo vínculo direto com o Partido ao qual ficam sujeitos os representantes. No caso de inobservância das diretrizes partidárias, cabe ao Partido a revogação do mandato.

O Supremo Tribunal Federal, no acórdão de julgamento do MS n° 26.604-DF, da relatoria Min. Cármen Lúcia, assentou:

[...] voto no sentido de conceder, em parte, a ordem para reconhecer o direito líquido e certo do Impetrante de ser reconhecido como titular dos mandatos de Deputado Federal obtidos pelo partido nas eleições de 1° de outubro de 2006, e que já não estão sendo providos por Deputados filiados ao partido, que dele se tenham desligado após as eleições, por manifestação livre de sua vontade [...].

O Tribunal Superior Eleitoral publicou a Resolução n° 22.610, que disciplina, no art. 1º, inciso III, o seguinte:

Art. 1º. O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

[...]

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. (BRASIL, TSE, Resolução nº 22.610, 2007).

Ainda, o art. 23 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, conhecida como Lei dos Partidos Políticos, dispõe que:

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.

§ 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar o punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Portanto, o mandato comissionado tem vínculo direto com o partido, os representantes ficam sujeitos ao partido. Os representados devem aderir às diretrizes partidárias e no interior dos partidos exercer a função de controle dos representantes.

2.4.3 Sistemas de controle do mandato

Um dos métodos de controle do mandato comissionado é a fidelidade partidária. Tal instituto prevê que o representante não deve deixar o partido pelo qual foi eleito, também não se pode opor a diretrizes estabelecidas dentro do respectivo partido. A fidelidade partidária está intimamente ligada à ética do representante. (MEZZAROBA, 2004, p. 180-182).

Outra característica primordial da fidelidade partidária é a que alude à prestação de contas, feita tão só ao partido e não diretamente aos representados.

Orides Mezzaroba (2004, p. 53-54) anota que:

A partir desse raciocínio, não há que se falar em proteção de mandato para os representantes infiéis, os quais muitas vezes incorporam os mandatos políticos como se fossem propriedades pessoais. Pela lógica do sistema eleitoral brasileiro, que admite também o voto de legenda, os mandatos daqueles representantes eleitos por esse recurso deveriam pertencer ao partido, cabendo este último resguardar a confiança do representante depositada pelos seus militantes e simpatizantes, através do acompanhamento permanente das ações legislativas postas em prática pelo parlamentar.

Com a recepção da Carta Magna de 1988, abriu-se a possibilidade de criação de novos partidos. A finalidade é aglutinar o maior número de interesses e formar a vontade partidária, que deveria ser representada e defendida na esfera Estatal.

Importante mencionar que a Constituição Federal em vigor não prevê a cassação do mandato por infidelidade partidária, somente pelos motivos previstos no seu art. 15, o qual se transcreve:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

Reza no art. 25 da já citada Lei n° 9.096/95 que:

Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.

Quadra alertar que não se pode confundir fidelidade partidária com submissão partidária. O representante deve manter seus valores e dignidade no exercício de sua função. Os valores tanto de representante quanto de representado devem ser similares e servir como balizadores recíprocos. O inverso, quando o partido deixa de atender as diretrizes por ele estipuladas, pode sim, fazer com que o representante que se opôs a tais diretrizes, permaneça com seu mandato, mesmo se desfiliando de determinado partido.

De outra banda, a democracia intrapartidária trata do segundo mecanismo de controle do mandato e se dedica, por este prisma, exclusivamente à observância da formação da vontade geral. Por meio da democracia intrapartidária se unificam as vontades individuais ou corporativistas. As decisões tomadas em assembleias ou convenções valem obrigatoriamente para todos, ou seja, atingem também os órgãos executivos do partido.

Bem a propósito, Samuel Dal-Farra Naspolini (2006, p. 164) ressalta que:

[...] a preservação do regime democrático pelos partidos políticos não se dá somente mediante apresentação e candidaturas aos pleitos eleitorais, mas, de igual forma, na vivência democrática interna, ou seja, na instituição de mecanismos democráticos de participação e tomada de decisões no interior do partido [...].

Continuando o estudo, Orides Mezzaroba (2004) elenca direitos que devem ser atendidos no interior dos partidos, como por exemplo: participação com direito a voto em convenções ou decisões de qualquer nível; revogabilidade e alternatividade de qualquer cargo; garantia que os órgãos decidam de maneira colegiada não monocrática e que prevaleça o sistema majoritário; direito de ampla defesa em sanções internas; direito de informação sobre quaisquer assuntos de relevante interesse da organização; liberdade de expressão, entre outros.

Para manter a prática democrática intrapartidária prevê-se o instituto do plebiscito, instituto que alude à faculdade que os cidadãos têm de definir as deliberações as quais o representante pode e deve realizar, enquanto durar o exercício do seu mandato. Acontece que no Estado de Partidos a vontade da maioria está dentro do partido, já manifestada em todas as decisões, bem como no programa partidário.

Assim, verifica-se a existência de uma importante diferença entre o Estado de Partidos e a democracia representativa partidária, tendo em vista que o poder decisório das questões que afetam o quotidiano dos interessados é, por eles mesmo, deliberado, e não pela vontade do representante. (MEZZAROBA, 2004, p.183-185).

2.5 A crise de representatividade

A contemporaneidade vem apresentando déficit no que tange à representação política e à integração social. Apesar de a Constituição Federal em vigor garantir os princípios de propriedade privada, da igualdade e da liberdade, ao exercer a cidadania e votar em um representante, direito conferido pelo sistema democrático, ao cidadão é cerceado o direito de participar direta e eficazmente nas decisões políticas e na condução da administração da coisa pública.

Segundo Antonio J. Porras Nadales (1994, p. 38):

É dizer, o problema da governabilidade se planta doutrinariamente desde uma só perspectiva, a da integração centrípeta da sociedade sobre o Estado através do sistema político de partidos (concentrando-se na estabilidade parlamentar) e não desde a perspectiva da ação do próprio Estado sobre a sociedade através das políticas públicas, conforme certo paradigma mecanicista de duvidosa validez por suas cotas substanciais de governabilidade ou de eficácia na ação de governo. [Tradução nossa].

Nesse mesmo sentido, Luis Felipe Miguel (2005, p.26-27) oferece a seguinte análise:

São ao menos três problemas fundamentais, estreitamente ligados entre si: (1) a separação entre governantes e governados, isto é, o fato de que as decisões políticas são tomadas de fato por um pequeno grupo e não pela massa dos que serão submetidos a elas; (2) a formação de uma elite política distanciada da massa da população, como conseqüência da especialização funcional acima mencionada. O ‘princípio da rotação’, crucial nas democracias da Antiguidade – governar e ser governado, alternadamente –, não se aplica, uma vez que o grupo governante tende a exercer permanentemente o poder; e (3) a ruptura do vínculo entre a vontade dos representados e a vontade dos representantes, o que se deve tanto ao fato de que os governantes tendem a possuir características sociais distintas das dos governados [...].

A atual crise política que se instaurou nos três Poderes, diuturnamente desmascarada e alertada pela mídia, bem como a onda de corrupção, vem deixando o cidadão representado desacreditado e mesmo incrédulo diante de tamanho vexame nacional.

Não somente o desapego com os programas partidários, mas, por vezes, até mesmo contrário ao que foi pregado em época de campanha, o discurso político faz com que os representantes percam a credibilidade, gerando um quadro nacional de apatia política.

Na interpretação de Andrew Arato (2002, p.89-90):

A condição normal da democracia representativa moderna é a desconfiança e não a confiança. Ainda assim, é um truísmo empírico que exista realmente confiança nos líderes carismáticos e plebiscitários de partidos e governos. Carl Schmitt refere-se a isso como identidade, mas seria melhor falar de identificação. Trata-se, na verdade, de um processo através do qual os líderes eleitos superam a sensação de distanciamento entre eles, o regime representativo e os representados. A identificação funciona porque em contextos de mobilização as motivações do povo são influenciadas pelos líderes e porque o desejo de ser liderado torna-se uma motivação importante. Entretanto, como todos sabemos, desde Weber, sob condições modernas, a liderança carismática e a mobilização popular têm curta duração. A suspeita justificada de que o líder seja diferente do que parece ser está sempre presente, lado a lado com a identificação, e a democracia populista quase sempre se torna autoritária, pois nas condições modernas uma parte da população não se identifica tão facilmente. (Grifo do autor).

Tal apatia é caracterizada pelo ato eleitoral, que nada mais do que o cumprimento de obrigação que gera uma sanção pecuniária. Perde-se o valor que o cidadão tem como agente de modificação e determinante de cidadania.

Bernard Manin, Adam Stokes e Susan C. (2006, p. 133-134), a respeito, anotam:

Mesmo se as responsabilidades forem claramente assinadas, os maus governos puderem ser castigados e os bons eleitos, os eleitores forem bem informados sobre a relação entre políticos e interesses específicos e o comportamento dos políticos em busca de rentabilidades estiver sujeito a escrutínio cuidadoso, a eleição não é um instrumento suficiente de controle sobre os políticos. Os governos tomam milhares de decisões que afetam o bem-estar individual. E os cidadãos têm apenas um instrumento para controlar essas decisões: o voto. Não é possível controlar milhares de metas com um instrumento.

Os partidos políticos, por este viés de análise, acabam por se transformar em simples agremiações de políticos de carreira, caracterizando a antidemocracia intrapartidária, tendo como contrapartida a inércia e o descrédito da população. Esse status quo também não abre espaço para a participação popular, vital na criação de diretrizes e programas partidários.

Em outra análise doutrinária sobre o tema extrai-se o seguinte entendimento:

Desde o princípio, também, a rationale da representação foi invertida. Na prática política, os cidadãos comuns não escolhem um representante para promover seus interesses, formulação que lhes concede o papel ativo. Ao contrário, eles apenas reagem diante das ofertas que o mercado político apresenta (ver Bourdieu, 1990 [1984], 1986). O desenvolvimento dos partidos políticos, que paulatinamente passam a ocupar a posição de protagonistas, cria o fenômeno do duplo mandato, já que o representante presta contas a seu partido, tanto ou mais que a seu eleitorado. (MIGUEL, 2003 p.130).

Sob tal contexto surgem os movimentos sociais, que visam suprir o vazio deixado pelos partidos. Com características próprias, esses movimentos buscam a solução de controvérsia específica e, não raro, obtém resultado mais rápido. Os partidos políticos, no entanto, deveriam ser os maiores aglutinadores e reais instrumentos de realização política.

Característica também que vale ser ressaltada é a da concentração de poder e autoritarismo nas mãos do Executivo, que acaba por mitigar a função constitucional do Legislativo. Em rigor, é o Poder Legislativo que tem a incumbência de responder aos anseios da sociedade com a criação de normas, porém é cerceado ante a escusa de ausência de técnica no poder decisório político. (BONAT, 2004, p. 82-84).

Na interpretação de Débora Bonat (2004, p.86):

A quantidade de atribuição de competência para o Executivo desencadeou uma vasta expansão burocrática que tinha como objetivo a busca por uma maior neutralidade nas decisões políticas, já que elas passaram a ser competência de especialista. Contudo, essa despolitização da burocracia é impossível, já que é o próprio Executivo quem nomeia e propõe alterações no funcionamento de muitos órgãos. A burocracia aumenta a distância entre a participação através do controle e da fiscalização popular sobre o governo, impondo diversas barreiras de acesso à informação, a documentações e a postulações a serem realizadas pela população organizada.

Geraldo Mesquita Junior (2003, p. 48) também opina:

As críticas que faço são decorrência natural de nosso imobilismo e resultam de dados incontrastáveis, quando se analisa o papel do Congresso e sua contribuição ao desenvolvimento nacional, à estabilidade da ordem jurídica e à promoção e defesa dos interesses dos cidadãos. Ou nos aproximamos daqueles que temos o dever constitucional de representar, ou vamos continuar estimulando a descrença, a desconfiança e o desapreço pela instituição a que pertencemos.

Assim, ocorre a transmutação de competências entre Executivo e Legislativo, em que o primeiro legisla, não raro, para atender a interesses que não representam a vontade da maioria, desfazendo o sentido de leis abstratas e gerais.

Nesse sentido, Pedro Simon (2003, p. 42) já proferiu:

A diminuição do número de leis que V. Exa. apresenta pode ser analisada em comparação com o número de medidas provisórias aprovadas e que vêm aumentando desde a Constituição de 1988. De lá para cá, na verdade, quem tem legislado neste País é o Presidente da República. E nós somos meros auxiliares dele. E tem mais, as leis de iniciativa do Congresso Nacional são muito poucas, como diz V. Exa. As leis de iniciativa do Presidente da República também são muito poucas. O que há são medidas provisórias, baixadas e repetidas pelo Presidente da República. Isso entulhou e modificou o sistema federativo brasileiro.

Outro aspecto da crise de representatividade se refere aos modelos de financiamento de campanha. O modelo misto, que é o sistema de financiamento atual, dissemina a desigualdade financeira e de oportunidades, criando facilidades para aqueles que têm maiores influências e são patrocinados por empresas privadas e não financiados.

Portanto, a crise de representatividade reflete a insatisfação decorrente de anos de história de corrupção e de sucessões de escândalos, caracterizando o menosprezo com os anseios da vontade do conjunto da sociedade. Torna-se algo intrínseco à sociedade a exigência de mudanças no âmbito normativo, principalmente no que tange a sanções aos infratores. Porém, os representados devem, também, exercer função fiscalizadora, ao questionar o desempenho dos políticos e seus mandatos.

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Sobre a autora
Caroline Vargas Barbosa

Advogada, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SC e pos-graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC, em Processo Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Caroline Vargas. O financiamento público de campanha político-partidária e a crise de representatividade contemporânea.: Análise à luz de aspectos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3029, 17 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20234. Acesso em: 23 dez. 2024.

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