5. Seringueiro: benefício de pensão mensal vitalícia do "soldado da borracha"
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), cerca de 100 mil brasileiros, em sua grande maioria nordestinos flagelados da seca, foram aliciados ou atraídos pela promessa de melhoria de vida formulada pelo Governo e recrutados para a extração do látex e produção da borracha na tropicalíssima Amazônia, contribuindo com o suado produto de seu trabalho como seringueiros para o esforço de guerra, pois a Ásia, dominada pelos japoneses, já não fornecia borracha suficiente para o Ocidente, voltando-se os olhos da comunidade internacional em guerra para o Brasil, que passou a fornecer mais do que fornecia antes do conflito para os países aliados. Essas pessoas ficaram conhecidas como "soldados da borracha".
O art. 54, caput,do ADCT/88, estabeleceu uma pensão especial no valor de dois salários mínimos aos seringueiros recrutados nos termos do DL 5.813/43, que aprovava o acordo sobre recrutamento, encaminhamento e colocação de trabalhadores para a Amazônia, celebrado pelo Coordenador da Mobilização Econômica e pelo Presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington com a Rubber Development Corporation (art. 1º), e amparados pelo DL 9.882/46, que autorizava a elaboração de um plano para a execução de um programa de assistência imediata aos trabalhadores encaminhados ao Vale Amazônico, durante o período de intensificação da produção da borracha para o esforço de guerra (art. 1º), vale dizer, para os "soldados da borracha", desde que sejam carentes.
O sobredito benefício de pensão mensal vitalícia se estende também aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial, desde que também sejam carentes (art. 54, §1º, do ADCT/88). Em outras palavras, estende-se aos seringueiros que já estavam na Amazônia e lá permaneceram durante o período da mencionada guerra, os quais, registre-se, eram a grande maioria e seus esforços é que definiam verdadeiramente a produção da borracha, motivo por que a eles também se convencionou usar indistintamente a designação de "soldados da borracha".
Logo, trata-se de um benefício de natureza assistencial e não previdenciária, sendo devido aos carentes, independente de recolhimento de contribuição previdenciária. Daí porque não gera o pagamento de gratificação natalina, [42] assim como o benefício assistencial de prestação continuada (art. 203, V, da CF, e art. 20, da Lei 8.742/93) não gera o referido pagamento. Calha referir, neste ponto, que apesar de o benefício ser nominado pensão, trazendo por isso mesmo à memória uma regra quase automática de que "pensão não gera pensão", a pensão mensal vitalícia do seringueiro pode ser transferida aos dependentes, desde que estes também sejam carentes, nos termos do art. 54, §2º, do ADCT/88, e do art. 2º da Lei 7.986/89, que regulamenta o referido dispositivo constitucional.
Para efeito deste benefício de legislação especial, é de ser considerado carente aquele que não possui meios para sua subsistência e da sua família. Tenho para mim que não se pode aplicar aqui, para efeito de verificação da hipossuficiência econômica, o critério previsto especificamente para o benefício assistencial de prestação continuada, vale dizer, ¼ do salário-mínimo como renda familiar per capita, nos termos do que dispõe o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93. Isso porque, muito embora o Plenário do STF tenha considerado legítimo esse critério, por ocasião do julgamento da ADI 1.232, [43] o referido critério só prevalece para o benefício assistencial de prestação continuada regulamentado pela Lei 8.742/93, de modo que para os demais benefícios assistenciais, incluindo a pensão mensal vitalícia ora em análise, vale o critério estabelecido no art. 5º, I, da Lei 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, e no art. 2º, § 2º, da Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, ou seja, ½ do salário-mínimo como renda familiar per capita, mesmo porque mais consentâneo com a realidade e com o princípio da dignidade da pessoa humana. [44]
Vale salientar, neste passo, que têm direito à pensão vitalícia todos aqueles que participaram, durante a Segunda Guerra Mundial, do esforço de guerra para produção de borracha, ainda que há época não tivessem preenchido o limite mínimo de idade, seja para o serviço militar (18 anos), seja para o trabalho com carteira assinada (14 anos) [45]. De fato, tão comum como hoje é viver até os 75 anos, do mesmo modo era comum há 75 até 50 anos atrás, a criança com cerca de 10 ou 12 anos de idade já ter responsabilidades para com o sustento da família, ou seja, não havia adolescência naquela época, como existe hoje, até porque naqueles tempos a expectativa de vida era bem menor e o amadurecimento do jovem ocorria bem mais cedo.
A propósito da comprovação da qualidade de "soldado da borracha", calha referir que, muito embora a MP 1.663-15/98, convertida na Lei 9.711/98, tenha alterado o art. 3º da Lei 7.986/89, passando a exigir início de prova material para efeito do recebimento da pensão mensal vitalícia, tal alteração deve ser interpretada com bom senso, ou seja, com os pés na realidade, de maneira a não inviabilizar a vontade inequívoca do Constituinte. Isso porque, em muitos casos, não há como se exigir prova material (lançamentos em conta corrente do armazém/barracão do empregador, carteira de trabalho, documentos emitidos pela Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia - CAETA, carteira de seringueiro, etc) do exercício de uma atividade desenvolvida, por pessoas que sequer sabiam ler, [46] há mais de cinqüenta anos, nos confins da selva amazônica e em regime de trabalho que tangenciava o crime tipificado no art. 149 do CP, qual seja, a redução à condição análoga a de escravo, particularmente considerada a interpretação autêntica dada a posteriori pelo legislador à referida norma, por meio da Lei 10.803/2003. [47]
Impende salientar, neste passo, que embora não haja vinculação do valor de benefício previdenciário ao número de salários-mínimos, pois não há previsão de equivalência entre os indexadores do salário-mínimo e os índices de reajuste dos benefícios previdenciários, o que ocorreu excepcionalmente tão-só no período de vigência do art. 58 do ADCT/88, tal ilação não á válida para a pensão mensal vitalícia do "soldado da borracha". Com efeito, o referido benefício especial tem seu valor vinculado ao salário-mínimo, de modo que deve corresponder sempre e sempre a dois salários-mínimos, reajustando-se seu valor destarte na mesma data e pelos mesmos índices do salário-mínimo, não se lhe aplicando pois os índices de reajuste dos benefícios previdenciários em geral (IPC-r, INPC, IGP-DI, etc).
A IN INSS/PRES nº 20/2007, que disciplina procedimentos a serem adotados pela área de Benefícios, veda a percepção cumulativa da pensão mensal vitalícia com qualquer outro benefício de prestação continuada mantido pela Previdência Social, ressalvada a possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso (art. 619). Ocorre que essa restrição - a qual se justificaria em tese na presunção de que a percepção de benefício previdenciário exclui a situação de carência para o seu titular - não encontra respaldo legal, sendo por isso mesmo ilegítima, pois não pode a Administração, por meio de ato regulamentar, inovar no mundo jurídico, impondo restrição inexistente na lei. [48] Desse modo, é possível a cumulação da pensão mensal vitalícia com aposentadoria rural por idade - como ocorre na maioria das vezes -, até porque os fatos jurígenos de uma e de outra são diversos. Entretanto, não se pode admitir, por exemplo, a cumulação com uma aposentadoria por tempo de serviço no valor hipotético de R$ 1.500,00, pois aí não há sequer a situação de carência a justificar a concessão da pensão mensal vitalícia, nos termos do que dispõe o art. 1º da Lei 7.986/89.
6. Ex-SASSE
A Lei 3.149/57 instituiu o Serviço de Assistência dos Economiários - SASSE (art. 1º), tornando segurados (chamados pela lei de "associados") obrigatórios desta autarquia federal todos os que, sob qualquer forma, exerciam atividade no Conselho Superior e nas Caixas Econômicas Federais (art. 2º), permitindo a filiação facultativa aos diretores do Conselho Superior e das Caixas Econômicas Federais, bem assim aos funcionários das Caixas Econômicas Estaduais (art. 3º). O art. 8º versava sobre os benefícios, merecendo destaque a aposentadoria, nas mesmas bases concedidas aos funcionários públicos federais e a pensão por morte, no valor mínimo de 60% (parcela fixa do benefício, sendo a outra parcela variável, correspondente ao número de componentes da família do servidor) para seus dependentes.
Posteriormente, a Lei 6.430/77 extinguiu o SASSE, transferindo os economiários segurados obrigatórios deste regime previdenciário especial para o regime geral de previdência social - RGPS, então regido pela Lei 3.807/60 - LOPS, assegurando, outrossim, a esses segurados e respectivos dependentes, sem solução de continuidade, o direito às prestações do regime especial de Previdência Social determinado na Lei 3.149/57, bem assim o direito adquirido em relação aos benefícios não requeridos (art. 1º, §4º). Em relação aos servidores das Caixas Econômicas Estaduais, então segurados/associados facultativos do SASSE, a referida lei também determinou sua filiação obrigatória ao RGPS, salvo se estivessem vinculados a regime próprio de Previdência Social (art. 3º). O reajuste dos benefícios tranferidos segue os índices do RGPS (art 1º, §3º) [49].
Aluda-se que, como a Lei 1.711/52, então Estatuto dos Servidores Públicos civis da União, permitia a aposentadoria com proventos integrais (leia-se, iguais aos vencimentos da ativa), ainda hoje existem alguns benefícios ex-SASSE mantidos e cujo valor é superior ao teto do RGPS, sem que isso implique malferimento a qualquer norma jurídica, desde que obedecido o teto constitucional do serviço público, a partir de fevereiro de 2004, não havendo que se falar em qualquer limitação anterior, em observância ao princípio da reserva legal, tampouco em direito adquirido a continuar recebendo acima do teto, mercê do art. 17 do ADCT/88 e do art. 248 da CF/88, introduzido pela EC 20/98, e considerando a inexistência de direito adquirido a regime jurídico.
7. Empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT: complementação de benefício previdenciário
A Lei 8.529/92 instituiu a complementação da aposentadoria do pessoal do extinto Departamento de Correios e Telégrafos - DCT, garantindo a complementação da aposentadoria paga na forma prevista pela Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS, aos empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT que tenham sido integrados nos seus quadros até 31 de dezembro de 1976 (art. 1º). Essa complementação é constituída pela diferença entre o valor da aposentadoria paga pelo INSS e o valor da remuneração correspondente à do pessoal em atividade na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, com a respectiva gratificação adicional por tempo de serviço, sendo paga pelo INSS à conta da União (art. 2º, caput, art. 5º e art. 6º). O reajuste do valor da aposentadoria complementada obedece aos mesmos prazos e condições em que for reajustada a remuneração dos empregados da ECT em atividade, de forma a assegurar a permanente igualdade entre eles (art. 2º, parágrafo único). Essa complementação se estende à pensão (arts. 1º e 5º do Decreto 882/93).
Daí bem se vê que essa complementação de aposentadoria aos empregados da ECT muito se aproxima daquela complementação de benefício previdenciário prevista para os ferroviários, já estudada acima. Portanto, aplicam-se as mesmas ilações lá desenvolvidas, guardadas as devidas proporções, especialmente sobre a necessidade de litisconsórcio passivo entre o INSS e a União [50].
Impende salientar, finalmente, que a despeito da entrada em vigor da Lei 8.529/92, em 15 de dezembro de 1992, somente veio a ser regulada por meio do Decreto 882, de 28 de julho de 1993, de maneira que o INSS iniciou o pagamento da complementação em novembro de 1993, após a Lei 8.695/93 abrir o Orçamento da Seguridade Social para o crédito destinado a fazer frente a essa despesa. Ocorre que os atrasados referentes a dezembro de 1992 até outubro de 1993 foram pagos pelo INSS somente em fevereiro de 1994 sem a devida correção monetária. Desse modo, a maioria das ações judiciais em torno desse assunto versa o direito à correção monetária das complementações de dezembro de 1992 até outubro de 1993 pagas com atraso, direito esse que já foi placitado nos termos da jurisprudência tranqüila [51].
8. Juízes classistas temporários da Justiça do Trabalho e juízes da Justiça Eleitoral nomeados na forma do art. 119, II, e art. 120, §1º, III, da CF/88
A CF/88, na sua redação originária, numerava a Junta de Conciliação e Julgamento entre os órgãos da Justiça do Trabalho (art. 111, III), composta de um juiz do trabalho, magistrado de carreira que a presidia, e dois juizes classistas temporários, representantes dos empregados e dos empregadores (art. 116). Também havia representantes classistas nos Tribunais Regionais do Trabalho (art. 115, III) e no Tribunal Superior do Trabalho (art. 11, §1º, II). O mandato dos representantes classistas, em todas as instâncias, era de 3 anos (art. 117). A EC 24/99 extinguiu os representantes classistas temporários em todas as instâncias da Justiça do Trabalho, bem assim as Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecendo no lugar destas as Varas do Trabalho, cuja jurisdição passou a ser exercida por um juiz do trabalho singular .
Em relação à Justiça Eleitoral, cumpre referir que não possui um quadro próprio de magistrados, valendo-se de juízes provenientes de diversas carreiras da magistratura, bem como de diferentes graus hierárquicos: Ministros do STF e do STJ, desembargadores dos Tribunais de Justiça e Juízes estaduais e federais, bem assim advogados, que são investidos na judicatura eleitoral por dois anos, podendo haver recondução consecutiva somente para mais outro biênio. Daí não se extrai a ilação de que a Justiça eleitoral funcione periodicamente: antes e pelo contrário, funciona de modo permanente (como as demais Justiças), tanto no período de eleições como nas épocas intermédias.
A Lei 6.903/81 dispôs sobre uma aposentadoria especial para os juízes classistas da Justiça do Trabalho, bem assim para os advogados que atuavam como juízes na Justiça Eleitoral, enfim, para aqueles que atuavam temporariamente nas Justiças Trabalhista e Eleitoral, sem serem magistrados de carreira (art. 1º), vinculando-os ao mesmo regime previdenciário dos servidores públicos civis da União. A aposentadoria podia ser por invalidez, compulsória, aos 70 anos de idade, e voluntária, após 30 anos de serviço, computado o tempo de atividade remunerada abrangida pelo RGPS, com proventos integrais ou proporcionais (arts. 2º e 3º).
A Lei 9.528/97 revogou a Lei 6.903/81, determinando que magistrados classistas temporários da Justiça do Trabalho e os magistrados da Justiça Eleitoral nomeados na forma do art. 119, II, e art. 120, §1º, III, CF/88, permanecessem abrangidos pelo regime jurídico a que pertenciam antes do exercício da judicatura, mantida a referida vinculação previdenciária durante o exercício do mandato (arts. 5o e 15). Outrossim, o aposentado de qualquer regime previdenciário que exercer a magistratura nos termos deste artigo vincula-se, obrigatoriamente, ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS (art. 5º, §1º).