9. Pensões especiais
Já ficou dito lá no início que os benefícios especiais foram criados para conceder prerrogativas a algumas categorias profissionais ou para atender a demandas sociais geradas por fatos extraordinários, de grande repercussão nacional, sendo que, neste caso, o benefício tem caráter indenizatório ou assistencial. As pensões especiais ora analisadas se enquadram nessa segunda categoria. Ressalte-se, outrossim, que as pensões especiais de ex-combante e do "soldado da borracha" já foram analisadas acima.
9.1. Síndrome da Talidomida
A Lei 7.070/82 criou uma pensão especial aos portadores de deficiência física conhecida como "Síndrome da Talidomida". A talidomida é um medicamento desenvolvido na Alemanha (como também o foi a famosa aspirina) para ser usado como sedativo. Em 1960, ficou comprovado que, consumida por gestantes, a talidomida provocava o encurtamento dos membros junto ao tronco do feto, motivo por que foi proibida sua comercialização em 1961, sendo que esta proibição no Brasil só se deu a partir de 1965. Esta ineficiência do governo em retirar do mercado o medicamento, implicou diversas ações judiciais em que se pleiteava indenizações contra a União, as quais, somadas à opinião pública, culminaram com a edição da referida lei.
A pensão especial aos portadores da Síndrome de Talidomida, que é mantida pelo INSS por conta da União (art. 4º), tem natureza indenizatória, por que é inacumulável com qualquer outra indenização pelo mesmo fato paga pela União, inclusive o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF/88, e art. 20, da Lei 8.742/93 - LOAS, mas pode ser acumulada com outros benefícios de natureza previdenciária (art. 3º, caput e §1º) [52]. Essa pensão é devida aos deficientes portadores da Síndrome da Talidomida nascidos a partir de 1º de janeiro de 1957 - data do início da comercialização da droga denominada Talidomida, inicialmente comercializada com os nomes comerciais de sedin, Sedalis e Slip, nos termos do art. 610 da IN INSS/PRES nº 20/2007, que disciplina procedimentos a serem adotados pela área de Benefícios -, desde que comprovada por laudo médico pericial a relação de causalidade entre a deficiência apresentada e a ingestão do referido medicamento por sua progenitora no período gestacional, sendo que sua renda mensal inicial - RMI é calculada com base nos pontos indicadores da natureza e no grau da dependência resultante da deformidade física, à razão, cada um, de metade do maior salário mínimo (art. 1º, §§ 1º e 2º) [53].
O beneficiário desta pensão especial, maior de 35 anos, que necessite de assistência permanente de outra pessoa e que tenha recebido pontuação superior ou igual a 6, faz jus a um adicional de 25% sobre o valor deste benefício (art. 3º, §2º, incluído pela MP 2.187/01). Há também outro adicional de 35% para o beneficiário que tenha: [i] vinte e cinco anos, se homem, e vinte anos, se mulher, de contribuição para a Previdência Social; ou [ii] cinqüenta e cinco anos de idade, se homem, ou cinqüenta anos de idade, se mulher, e contar pelo menos quinze anos de contribuição para a Previdência Social (art. 3º, §3º, incluído pela Lei 10.877/2004). Finalmente, esta pensão não gera pensão, sendo instransferível (art. 1º, caput).
9.2. Hemodiálise de Caruaru
A Lei 9.422/96 instituiu pensão especial, retroativa à data do óbito, no valor de um salário mínimo, ao cônjuge, companheiro ou companheira, descendente, ascendente e colaterais até 2º grau das vítimas fatais de hepatite tóxica, por contaminação em processo de hemodiálise no Instituto de Doenças Renais, sediado em Caruaru/PE, no período compreendido entre fevereiro e março de 1996, tragédia de repercussão nacional (art. 1º). Havendo mais de um pensionista habilitado ao recebimento da pensão, o rateio obedece as regras do RGPS (art. 2º).
Esta pensão tem natureza indenizatória. Daí, duas conclusões. Primeira: pode ser cumulada com outros benefícios previdenciários ou assistenciais. Nesse sentido é expresso o art. 630 da IN INSS/PRES nº 20/2007, que autoriza a cumulação desta pensão especial com o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93 - LOAS. Segunda: no caso de a Justiça sentenciar os proprietários do Instituto de Doenças Renais de Caruaru com o pagamento de indenização aos dependentes das vítimas, cessa imediatamente seus efeitos, por expressa determinação do art. 5º da referida Lei 9.422/96.
Finalmente, este benefício, que é pago pelo INSS por conta da União (art. 6º), é intransmissível, extinguindo-se com a morte do beneficiário (art. 4º).
9.3. Acidente nuclear com o césio 137 em Goiânia
Do mesmo modo como ocorreu com a tragédia da hemodiálise em Caruaru, ensejando a sobredita Lei 9.422/96, o acidente com o Césio 137 ocorrido em Goiânia, quando dois catadores de sucata removeram, do antigo Instituto Goiano de Radioterapia, a peça de uma máquina de raio-x abandonada, com a intenção de vender o chumbo que a compunha, ensejou a instituição de uma pensão especial às vítimas desse acidente que é registrado como o maior acidente nuclear do Brasil e o maior em área urbana do mundo, por meio da Lei 9.425/96.
Nos termos da Lei 9.425/96, a pensão especial é personalíssima e instransferível (art. 1º), sendo que seu valor inicial varia entre 150 e 300 UFIR, conforme haja ou não incapacidade funcional ou laborativa decorrente da irradiação ou contaminação, o grau de contaminação e a anomalia de descendentes de pessoas irradiadas ou contaminadas (arts. 1º e 2º). A comprovação de ser a pessoa vítima do acidente radioativo ocorrido com o césio 137 deverá ser feita por meio de junta médica oficial, a cargo da Fundação Leide das Neves Ferreira, com sede em Goiânia, e supervisão do Ministério Público Federal (art. 3º). Havendo condenação judicial da União ao pagamento de indenização por responsabilidade civil em decorrência do referido acidente, o montante da pensão especial será obrigatoriamente deduzido do quantum da condenação (art. 4º) [54]. O pagamento deste benefício é feito por conta da União e sob a supervisão do Ministério da Fazenda (art. 5º).
Cumpre registar que também o Estado de Goiás, reconhecendo sua parcela de responsabilidade no acidente, editou a Lei Estadual 10.977/89, concedendo pensão especial às vítimas do acidente com o Césio 137 ocorrido em Goiânia, valendo advertir que não existe qualquer restrição no recebimento cumulativo das pensões especiais instituídas pela lei federal, a cargo da União, e pela lei estadual, a cargo do Estado de Goiás.
9.4. Portadores de hanseníase
A Lei 11.520/2007, conversão da MP 373/2007, dispõe sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase [55] que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios. Essa lei veio para reparar os efeitos causados por ações do Estado embasadas por teorias científicas vigentes à época e que causaram danos irreversíveis a essas pessoas.
De fato, a legislação sanitária brasileira da Primeira República previa o isolamento de pessoas com hanseníase em colônias construídas especificamente para esse fim. Ademais, os portadores de hanseníase não submetidos a isolamento, o que ocorria em virtude de as colônias serem em número insuficiente, eram marginalizados, não podiam trabalhar e, sem condições de subsistir, mendigavam pelas ruas. A partir de 1930, o combate à hanseníase foi ainda mais disciplinado e sistematizado. Reforçou-se, então, a política de isolamento compulsório que mantinha os doentes asilados em hospitais-colônia. Quando se concluiu a rede asilar do País, o isolamento forçado ocorreu em massa, sendo que muitos doentes foram capturados ainda na juventude, de forma violenta e internados compulsoriamente. Os anos se passaram, e o Brasil, seguindo a tendência mundial, começou a pôr fim ao isolamento compulsório mantendo um regime de transição semi-aberto. A internação compulsória foi abolida formalmente em 1962, mas ainda existem 33 hospitais-colônia ativos, dado que, apesar da consolidação da cura da hanseníase por meio da poliquimioterapia no início da década de 80, realizada sem necessidade de internação, esses estabelecimentos passaram a asilar antigos doentes que não possuíam mais vínculos familiares ou sociais, aqueles que, mesmo curados, continuavam dependentes de tratamento por conta de seqüelas, além de ex-pacientes que saíram, mas retornaram por não terem condições de sobreviver fora da instituição.
Nos termos da Lei 11.520/2007, a pensão especial no valor de R$ 750,00 é instransmissível e seu processamento e pagamento cabe ao INSS (art. 1º), por conta da União (art. 6º), após concessão por ato do Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, ouvida previamente a Comissão Interministerial de Avaliação (art. 2º). Essa pensão especial pode ser cumulada com benefícios previdenciários, mas não é cumulável com indenização que a União venha a pagar decorrente de responsabilidade civil pelos mesmos fatos, ressalvado direito de opção (art. 3º).
9.5. Pensões especiais de efeitos concretos
As pensões especiais ora analisadas se caracterizam por serem instituídas mediante lei de efeitos concretos, i.e., lei no seu sentido formal, mas ato administrativo em seu sentido material ou ontológico.
Cláudio Villas Boas e Orlando Villas Boas, este já falecido, foram sertanistas que prestaram relevantes serviços à causa indígena brasileira, entre os quais se pode citar a criação da Fundação Nacional do Índio - FUNAI. A Lei 9.793/99 concedeu a eles, em reconhecimento destes serviços, pensão especial vitalícia equivalente à remuneração prevista para o NS-A-III, inerente às categorias funcionais de Nível Superior da tabela de vencimento do funcionalismo público federal, sendo que, devido à morte de Orlando Villas Boas, a referida pensão reverteu a sua esposa Marina Lopes de Lima Villas Boas (art. 1º). Este benefício especial, que tem natureza assistencial, não pode ser acumulado com quaisquer outros benefícios recebidos dos cofres públicos (previdenciários ou assistenciais), por expressa vedação do art. 2º, que ressalva outrossim o direito de opção. Estas pensões especiais, embora custeadas pelo orçamento do INSS (art. 4º), são reajustadas de acordo com os reajustes dos servidores públicos federais (art. 3º).
Em relação às vítimas de atentados terroristas promovidos por motivações políticas durante o regime militar, podem-se citar três leis (praticamente idênticas) que instituíram benefícios especiais. A Lei 10.705/2003 concedeu pensão especial, mensal e vitalícia, no valor de R$ 500,00, a Luiz Felippe Monteiro Dias, filho de Lyda Monteiro da Silva, secretária da OAB-RJ, que faleceu, em 27 de agosto de 1980, ao abrir uma carta-bomba endereçada à Presidência da OAB-RJ, então exercida interinamente pelo Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal SEPÚLVEDA PERTENCE. A Lei 10.724/2003, por sua vez, concedeu pensão especial, mensal e vitalícia, no valor de R$ 330,00 (posteriormente aumentada para R$ 1.140,00 em razão da Lei 11.257/2005), a Mário Kozel e Terezinha Lana Kozel, pais do soldado Mário Kozel Filho, que faleceu em junho de 1968, em decorrência da explosão de um carro-bomba que atingiu a guarita onde prestava sentinela, no Quartel-Geral do Exército, em São Paulo. Finalmente, a Lei 10.923/2004 concedeu pensão especial, mensal e vitalícia, no valor de R$ 500,00, a Orlando Lovecchio Filho, vítima de atentado, ocorrido em 19 de março de 1968, que resultou perda de membro e incapacidade funcional laborativa permanente. Estas pensões são reajustada pelos índices do RGPS e as importâncias pagas devem ser deduzidas de qualquer indenização que a União venha eventualmente a desembolsar em razão do acontecimento, tendo em vista sua natureza indenizatória (art. 1º).
De se mencionar, finalmente, a Lei 10.706/2003, que concedeu indenização de R$ 52.000,00 a José Pereira Ferreira, adolescente que havia sido submetido à condição análoga à de escravo e sofrido lesões corporais, na fazenda denominada Espírito Santo, localizada no Sul do Estado do Pará, em setembro de 1989, sendo que o pagamento desta indenização exime a União de efetuar qualquer outro ressarcimento ao beneficiário (art. 1º). Embora tal indenização não se enquadre no conceito de pensão especial propriamente dita, considerao seu pagamento em prestação única (modalidade que também está presente na reparação econômica do anistiado político, cf art. 4º da Lei 10.559/2002), vale o registro no bojo deste trabalho, mercê de sua origem: trata-se do cumprimento de uma condenação a reparação infligida ao Brasil pela Corte Interamericana dos Direitos do Homem, sediada em São José da Costa Rica, que bem mostra a sensibilidade do Governo em relação aos compromissos assumidos no âmbito internacional. Outra indenização em prestação única que pode e deve ser mencionada foi a instituída pela Lei 10.821/2003, que concedeu indenização às famílias das vítimas do acidente ocorrido no dia 22 de agosto de 2003 com o foguete VLS-1, no Centro de Lançamento de Alcântara - MA, expressamente arroladas no art. 1º, caput. Essa mesma Lei 10.821/2003, no seu art. 5º, estendeu o benefício aos dependentes legais do subtenente do Exército Alcir José Tomasi, que fazia a segurança de um dos filhos do Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, tendo sido executado em serviço por ladrões que roubaram o carro deste filho, em junho de 2003 - o que é, diga-se en passant, um triste retrato da violência no Brasil.
10. Epílogo
Muitos dos benefícios especiais acima estudados foram criados sem a respectiva contrapartida dos beneficiários, o que, antes de traduzir um aspecto negativo, muito pelo contrário, representa o ônus da atuação efetiva do Estado na concretização dos objetivos fundamentais da República, que há de ser muita vez repartido com toda a sociedade, especialmente naqueles benefícios oriundos de fatos extraordinários de repercussão nacional. E a ilação tanto mais se reforça quando olhamos para o passado recente e lembramos que o saldo absolutamente positivo no início da previdência brasileira - assim do regime geral como dos regimes próprios - foi utilizado para outras finalidades, a exemplo da construção de Brasília, da Companhia Siderúrgica Nacional, da hidrelétrica Itaipu Binacional, carteiras de crédito do Banco do Brasil, o atual Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social etc. Não se pode negar a importância da destinação desses recursos. Do mesmo modo ou por uma questão de paralelismo, não se pode negar a importância dos benefícios ora estudados, considerada sua função social em detrimento do aspecto meramente financeiro.
Nesse sentido, vale salientar que as poucas linhas dedicadas aos referidos benefícios não pretendem esgotar o assunto, o que seria impossível no contexto naturalmente limitado do presente trabalho, mas servem de estímulo e ponto de partida para uma reflexão mais profunda dos operadores do direito sobre o tema que, mercê de representar pouco, em termos quantitativos, na prática forense, não é abordado comumente pela doutrina, implicando destarte um esforço maior para a atuação profissional, nos casos concretos, com a qualidade e eficiência que demanda a sociedade brasileira nesses tempos modernos.