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Reparação de danos e consumo

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15/10/2011 às 10:21
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4. A Efetividade do Direito do Consumidor à reparação de danos.

Ocorre que não se pode falar em direito à reparação de danos sem pensar na efetividade desse direito. E essa efetividade se dá, logicamente, mediante a aplicação de mecanismos processuais eficazes, que produzam no processo um ambiente favorável ao consumidor, permitindo que esse direito aconteça verdadeiramente na realidade dos fatos.

Verificamos três os mecanismos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor para tornar efetivo o direito à reparação dos danos:

(i). a facilitação do processo para o consumidor com a inversão do ônus da prova, presente no artigo 6°;

(ii). a desconsideração da personalidade jurídica, presente no artigo 28; e

(ii). a aceitação de todos os mecanismos e ações judiciais para a defesa dos direitos do consumidores, presente no artigo 83.

De nada adiantaria invocar o direito, efetivo e integral, à reparação de danos nas relações de consumo, se no processo o fornecedor continua a exercer uma posição de privilégio ("dono das armas"). Nos processos oriundos das relações de consumo, não há respeito ao princípio da igualdade das armas, já que as partes em litígio já chegam ao processo em desequilíbrio. Há necessidade de aplicação dessa regra de facilitação exatamente para tentar tornar a relação processual mais equilibrada, viabilizando o processo para o consumidor.

Convém observar que o fornecedor tem muito mais condições de custear o processo e de fazer prova daquilo que alegar. Ele é naturalmente mais capacitado financeiramente para conduzir o processo (que como se sabe tem um custo financeiro alto) e tem mais condições de produzir a prova, já que é o detentor da técnica.

Assim, o Código deve dotar o consumidor de mecanismos processuais ágeis e eficientes para que essa barreira inicial seja ultrapassada. Ganha destaque, nesse sentido, a inversão do ônus da prova, que consititui instrumento de facilitação da produção da prova em favor do consumidor, desde que preenchidos determinados requisitos.

Outra forma que o Código encontrou para auxiliar o consumidor na sua busca pela efetiva e integral reparação dos danos é a desconsideração da personalidade jurídica. Sob o manto da separação do patrimônio da empresa e do sócio, a reparação de danos tornava-se inviável, já que a pessoa jurídica, muitas vezes, consistia naquele obstáculo intransponível do qual falamos há pouco.

Inovando no assunto, o Código de Defesa do Consumidor criou autorização legal para que a personalidade jurídica do fornecedor seja derrubada, atingindo o patrimônio do sócio, a fim de que a reparação de danos aconteça tal como determinado no artigo 6°, inciso VI, do referido diploma.

Ao permitir, em determinados casos, a invasão do patrimônio do sócio, o Código de Defesa do Consumidor avança na tentativa de viabilizar a desejada efetividade da reparação de danos nas relações de consumo.

Por fim, o último mecanismo encontrado no Código para viabilizar a vontade do consumidor de ver-se ressarcido na hipótese de ocorrência de danos é a ampla gama de ações aceitas como viáveis para a defesa dos interesses dos consumidores. O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor é claro ao afirmar que serão aceitos todos os mecanismos e ações judiciais para a defesa dos direitos dos consumidores.

A nosso ver, os mecanismos, apesar de corretos e adequados, ainda são insuficientes. Deve o nosso legislador munir o consumidor de um maior numero de mecanismos para que aquela barreira seja ultrapassada e o processo não seja – como hoje é – um obstáculo para a efetiva e integral reparação dos danos.


5. Alguns Temas Polêmicos:

5.1. Espécies de responsabilidade subjetiva (o profissional liberal).

O Código de Defesa do Consumidor tem como regra a responsabilidade civil objetiva, diante do qual a culpa é deixada de lado na apuração da responsabilidade pelos danos causados no mercado de consumo.

Ocorre, contudo, que o mesmo diploma legal criou uma exceção dirigida aos profissionais liberais, que não celebram contratos de consumo. Nesta hipótese, a responsabilidade civil é subjetiva e dependerá da apuração da culpa do agente causador do dano. Como exceção que é, deverá ser interpretada restritivamente, podendo ser aplicada tão somente nas hipóteses previstas na lei.

A regra foi criada, objetivamente, para as hipóteses do exercício da profissão em caráter personalíssimo, do fornecedor solitário, cujo conhecimento é a ferramenta de sua sobrevivência.

Ao dizer dessa forma, pretende-se restringir a aplicação desse dispositivo somente àqueles profissionais, cujo exercício da profissão se dá em caráter exclusivo, levando em consideração as características particulares de cada profissional.

O afastamento se dá somente em relação à responsabilidade objetiva. Isso quer dizer que o profissional liberal continuará com o dever de provar que não agiu com culpa na condução do negócio que gerou o dano ao consumidor. Em outras palavras: não foi afastado o ônus da prova.

Considerando que a regra de responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, quando profissional liberal atuar em contrato de consumo de resultado, a responsabilidade será objetiva.

Enfim, quando o profissional liberal atuar em contratos de consumo, de massa, com adesão a condições gerais, será aplicada a regra geral do Código de Defesa do Consumidor. Quando o profissional liberal atuar em contratos negociados entre as partes, a aplicação também será do mesmo diploma legal, impondo-se, nesse caso, a presença da culpa (o que torna a responsabilidade, tão somente para essa segunda hipótese, de natureza subjetiva).

5.2. Defeito e Vício.

Questão que toma espaço na doutrina é a eventual diferença entre defeito e vício. Doutrinadores questionam se há, ou não, diferença entre eles e se essa diferença deve, ou não, ser destacada e estudada pela doutrina das relações de consumo.

Parte da doutrina, com o que não concordamos, entende que não há diferença entre esses dois conceitos, já que ambos designariam uma hipótese de desvalor do produto ou do serviço [20]:

Ontologicamente, não há diferença entre os conceitos de defeito e vício de qualidade, pois ambos significam a qualificação de desvalor atribuída a um bem ou serviço. De resto, a julgar por diversos julgados do STJ, o pretendido discrime não tem sido acolhido em nossos tribunais.

Ocorre, no entanto, que o regime jurídico previsto e aplicado para as duas hipóteses de desvalor é diferente, conforme dispõem os artigos 12 e seguintes do Diploma Consumerista. O defeito está relacionado com o acidente de consumo, é exterior ao produto e causa danos ao consumidor ou a terceiros. O vício, por sua vez, está ligado diretamente à imprestabilidade do produto ou do serviço, sem causar danos ao consumidor ou a terceiros.

Vejam que o defeito está ligado diretamente à produção de danos ao consumidor. É a extensão do vício "para fora do produto". No caso do vício, o desvalor é intrínseco e não atinge seu adquirente, tampouco terceiros. Ambos, obviamente, contêm vícios de imprestabilidade, mas somente o defeito traz consigo carga de insegurança, que provocará danos que deverão ser reparados pelo fornecedor.

Em resumo: na hipótese do acidente de consumo, cujo regramento jurídico está presente nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, o produto além de conter um vício, é inseguro, e, portanto, tem potencialidade para causar danos ao consumidor ou a terceiros; o vicio, por sua vez, cujo regramento jurídico está presente nos artigos 18 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, o produto é somente defeituoso, não colocando em risco a saúde e a segurança do seu adquirente.

Inteligente distinção para as hipóteses de defeito e vício e que, comprovam a nosso ver tratarem-se de situações diferenciadas, é o fato de que na forma prevista pelo artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, os danos ocorridos superam o limite valorativo do produto ou serviço, atingindo a saúde, segurança e o patrimônio do consumidor ou de terceiros.

No caso do vício de produtos e serviços, tal como previsto nos artigos 18 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor, os danos restringem-se ao limite valorativo do produto ou serviço, permanecendo na sua própria órbita, não atingindo o próprio consumidor ou terceiros.

5.3. Os Riscos do Desenvolvimento.

Sobre esse tema, duas são as posições: uma sustenta que haveria responsabilidade do fornecedor, uma vez que estão presentes todos os requisitos para a responsabilização objetiva; e a outra não admite a existência de responsabilidade, haja vista a inexistência de defeito no produto, já que, no momento de sua colocação no mercado, era impossível a sua constatação.

Compartilhamos da posição adotada por Cavalieri Filho:

(...) seria extremamente injusto financiar o progresso as custas do consumidor individual, debitar na sua cota social de sacrifícios os enormes riscos do desenvolvimento. Isso importaria em retrocesso de 180 graus na responsabilidade objetiva, que, por sua vez, tem por objetivo a socialização do risco – repartir o dano entre todos já que todos os benefícios do desenvolvimento são para todos. A fim de se preparar para essa nova realidade, o setor produtivo tem condições de se valer de mecanismos de preços e seguros – o consumidor não -, ainda que isso venha a se refletir no curso final do produto. Mas, se a inovação é benéfica ao consumo em geral, nada impede que todos tenhamos que pagar o preço do progresso.

O Código de Defesa do Consumidor positivou, pela primeira vez no Brasil (depois foi seguido pelo Código Civil de 2002), a boa-fé como princípio geral que deve reger todos os contratos e relações privadas. Boa-fé corresponde a cumprir expectativas, quer dizer que os contratantes não podem ser surpreendidos no cumprimento do contrato, já que tudo o que foi acertado deve ser cumprido.

A existência da boa-fé como princípio que deve reger os contratos de consumo é fundamental para a conclusão pela responsabilidade dos fornecedores de produtos nas hipóteses de risco do desenvolvimento. Ao adquirir um produto, o consumidor razoavelmente espera que esse produto não apresente vício algum, podendo dele usufruir ao fim a que se destina sem que lhe cause qualquer dano.

Assim, não há que se falar em isenção de responsabilidade se o fornecedor constatar, posteriormente à colocação no mercado de consumo, que o produto encontra-se viciado, é a regra geral estampada no artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor.

Nem se diga que o fato de o estado da ciência da época não permitir a constatação do vício, geraria uma excludente de responsabilidade. O fornecedor assume o risco quando resolve desenvolver determinada atividade no mercado de consumo e deve suportar ônus desta atividade.

No Brasil, é majoritária a doutrina que entende pela existência de responsabilidade do fornecedor, mesmo na hipótese de não haver condições científicas de análise para aferição do risco (são eles: Sergio Cavallieri Filho, Adalberto Pasqualoto, Eduardo Arruda Alvim, Roberto Senise Lisboa, Marcelo Junqueira Calixto, Silvio Luis Ferreira da Rocha, Eduardo Gabriel Saad e Fabiana Maria Martins Gomes de Castro).

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A responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento de forma alguma impedirá ou reduzirá as pesquisas científicas. Pelo contrário, ao nosso ver, sabendo que será responsabilizado caso seja constatado um vício no produto, que à época da sua colocação no mercado de consumo, não seria possível sua identificação, o fornecedor, certamente, promoverá mais pesquisas a fim de minimizar ao máximo os seus riscos.

O fato é que o produto foi colocado no mercado de consumo viciado [21] e, por conta disso, deverá ser o fornecedor que será o responsável pelos danos porventura causados. Tal raciocínio é decorrência do fato de ter-se adotado no Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade pelo fato do produto, objetiva e com base na teoria do risco da atividade.

Não se pode imaginar que o consumidor deva assumir esse ônus. Tal conclusão encontraria óbice no próprio sistema trazido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Há quem sustente que não se poderia carrear tamanha responsabilidade ao fornecedor, sob pena de tornar-se insuportável a produção, de inviabilizar a pesquisa e o progresso científico, inviabilizando o lançamento de novos produtos. Sem saber quais são os riscos, o fornecedor não poderia bem calculá-los e reparti-los com os seus consumidores. Os defensores desta tese vão além, afirmando que ao imputar tal responsabilidade, estar-se-ia exigindo do fornecedor o impossível.

Todos esses argumentos desfavoráveis à responsabilidade são facilmente afastados. O fornecedor de produtos, certamente, não vai deixar de produzir, mesmo sabendo ser responsável pela constatação, eventual e futura, de vício no produto que possa acarretar acidente de consumo.

O direito brasileiro não adotou a teoria do risco do desenvolvimento como excludente de responsabilidade pelo fato do produto, tornando-se possível a reparação do dano causado ao consumidor, entre outros casos, nos medicamentos, nos alimentos transgênicos e nos produtos que são conservados com substâncias químicas industrializadas ou à base de substâncias agrotóxicas.


Conclusões.

O sistema implantado pelo Código de Defesa do Consumidor não admite que as vítimas de ações dos fornecedores fiquem irressarssidas. É ordem do sistema que a reparação de danos seja integral e efetiva.

Para que seja integral, o sistema ampliou o rol de obrigados a responder pelos danos causados aos consumidores, criando formas de responsabilidade solidária, a fim de que um número maior de pessoas seja obrigado a reparar os danos causados no mercado de consumo.

Por sua vez, para que a reparação de danos se dê de forma integral, o Código de Defesa do Consumidor objetivou, de forma concreta e real, a responsabilidade dos fornecedores, retirando deles o "benefício" da culpa. Como exaustivamente apontado ao longo desse trabalho, a apuração da culpa transformou-se numa forma eficaz de isenção de responsabilidade, já que a prova de sua existência seria quase impossível, levando em conta o fato de o fornecedor ser o dono da técnica e o consumidor, fragilizado que é, desconhecê-la por completo.

Visando à efetiva reparação dos danos, o Código de Defesa do Consumidor fez mais: implementou uma série de maneiras para tornar o processo de consumo, mais eficaz. Para que a reparação dos danos seja efetiva, o Código de Defesa do Consumidor criou formas de tornar o processo mais atraente, permitindo que consumidor procure a Justiça para fazer valer os seus direitos e mais eficaz, ao munir o consumidor de mecanismos que permitam que a reparação de danos se dê de forma concreta.

Reparação de danos é princípio. A reparação de danos é regra. No Código de Defesa do Consumidor, o dever do fornecedor de reparar os danos causados aos seus consumidores e outras vítimas do evento é principio que norteia todo o sistema legal por ele implantado. A reparação de danos é regra objetiva e de ordem pública, que não pode ser derrogada pelas partes quando da celebração dos contratos de consumo.

E a razão para que o Código de Defesa do Consumidor eleve em importância o dever do fornecedor de reparação dos danos causados aos seus consumidores está no fato de que é na integral e efetiva reparação de danos que o direito do consumidor encontra seu maior objetivo: o respeito à dignidade da pessoa humana; à dignidade daquele que se encontra em posição flagrantemente fragilizada na relação jurídica de consumo e que merece proteção efetiva e integral.

Utilizando palavras de José Fernando Simão, a conclusão a que se chega é bastante clara: qualquer que seja o fundamento buscado pela doutrina para justificar a responsabilidade independentemente de culpa, prevista no CDC, a regra decorre do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e lhe garante uma mais ampla reparação dos danos, de maneira mais simples, por está liberado dos ônus da prova da culpa do fornecedor [22].

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Sobre o autor
Luiz Fernando Afonso

Advogado em São Paulo; especialista em Direito Constitucional pelo IBDC e ESDC; especialista em Direito das Relações de Consumo pelo COGEAE/PUC-SP; mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFONSO, Luiz Fernando. Reparação de danos e consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3027, 15 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20249. Acesso em: 23 dez. 2024.

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