7. A exoneração por avaliação periódica de desempenho- Um delicado instrumento
É sabido que os servidores públicos federais adentram as esferas estatutárias, por intermédio da aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Este direito foi constitucionalmente assegurado por intermédio do artigo 37, inciso II da atual Carta Política.
O referido artigo traz ainda em seu bojo outras garantias constitucionais destinadas aos servidores públicos, as quais se destacam: a possibilidade de uso do direito de greve, a destinação das atribuições de direção, chefia e assessoramento, às funções de confiança exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e a exigência que certos cargos em comissão, sejam preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei.
Com efeito, a Constituição Federal traz dois institutos de avaliação de desempenho sobre os servidores públicos federais. O primeiro é a avaliação especial de desempenho. A exigência deste instituto se faz obrigatória para a aquisição da estabilidade, tendo natureza obrigatória, sendo realizada por comissão especial instituída para esta finalidade, com fulcro no artigo 41, § 4º da CF/88. O segundo instituto é a avaliação periódica de desempenho.
Os dois institutos, embora sejam parecidos, não se confundem. Esta última avaliação refere-se a uma das três hipóteses de perda do cargo de servidor público estável, insertas no artigo 41 da Constituição Federal de 1988.
"Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. "(grifos nossos)
Merece registro, o fato do primeiro instrumento (avaliação especial de desempenho), embora não com estes termos, estar disposto no artigo 20, da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. No entanto, verifica-se que a avaliação periódica de desempenho não está elencada entre as hipóteses legais de perda de cargo público inseridas na referida lei, conforme disciplina o artigo 41, § 1º da Constituição Federal.
Embora não presente no referido diploma, a avaliação periódica de desempenho está disciplinada na atual Carta Magna e é, sem dúvida, um instrumento de controle bastante utilizado pela administração pública.
Embora necessite de regulamentação própria, por meio de lei complementar, a avaliação periódica de desempenho é regulada em muitos órgãos públicos, por intermédio de resoluções internas.
Atualmente, existem diversas resoluções que tratam acerca da avaliação periódica de desempenho e sua utilização para fins de promoção a servidores públicos federais. No âmbito do Poder Judiciário, cite-se o exemplo da Resolução nº 22.582 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre o desenvolvimento nas carreiras, dos servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo dos quadros de pessoal dos Tribunais Eleitorais e dá outras providências.
Inicialmente, o procedimento de avaliação periódica de desempenho foi instituído na Carta Política, por intermédio da emenda constitucional nº 19/98, para listar as hipóteses de perda de cargo público do servidor público estável.
Posteriormente, a instituição da citada avaliação buscou adequar-se também para outras atividades da administração pública, como por exemplo, a utilização para fins de promoção e desenvolvimento na carreira de servidores públicos.
Com efeito, em alguns casos, o referido mecanismo vem sendo utilizado como forma de intimidação a servidores públicos, realizada por magistrados como instrumento de coação para a submissão de servidores e colegas de trabalho, que, por acaso, sejam testemunhas de atos de assédio moral.
Ademais, calha frisar que, usualmente, esta avaliação de desempenho é realizada pelo superior imediato, ou seja, pelo magistrado (agente assediador). Ao impor o seu uso como necessário para a progressão funcional, o Estado mune o assediador com instrumentos privilegiados de força e de pressão.
Nas secretarias judiciárias, este instrumento é bastante utilizado como pontuação para o preenchimento de chefias ou cargos de confiança.
Com isso, o assediador detém o meio certo e eficaz para prolongar a jornada de sofrimentos psicológicos, fazendo a vítima pensar, diversas vezes, antes de denunciar qualquer ato insidioso de assédio moral, afinal, esta terá muito mais a perder.
Em muitos casos, o assediador aproveita este instrumento para humilhar, subjugar, diminuir "em números" o trabalho do servidor, provando o quão distante são as relações de poder que os cercam, mostrando, com isso, a superioridade do cargo que ocupa, em detrimento do hipossuficiente e dependente de "pontos": servidor público.
8. Medidas assediadoras
O rol de atitudes caracterizadoras do assédio moral no serviço público não é taxativo, como exemplo, citem-se algumas ações: a negação do superior em orientar adequadamente seus subordinados quanto aos procedimentos de trabalho e de rotinas administrativas, o silêncio maldoso em não responder perguntas sobre o trabalho ou o ambiente organizacional, a realização de tarefas impossíveis de serem cumpridas ou com prazos extremamente exíguos, humanamente improváveis de conclusão.
Em alguns casos, verifica-se que depois do cumprimento da meta estipulada e a apresentação do resultado do trabalho, o superior hierárquico ignora consideravelmente o trabalho da vítima, riscando ou mesmo rasgando o seu objeto. Em alguns casos, colocando-o, até mesmo, em uma gaveta qualquer de seus gabinetes, sem a menor intenção de utilizar o trabalho posteriormente, usando-o, na melhor das hipóteses, como forma de exibição da incompetência da vítima para os demais subordinados.
No âmbito do Poder Judiciário, alguns magistrados utilizam suas prerrogativas constitucionais como escudo para ações insidiosas de assédio moral. Merece registro a utilização de gratificações como moeda de troca e barganha, como um instrumento de intimidação para diretores de secretaria, servidores comissionados, requisitados ou cedidos.
Negociam-se o silêncio e a honra, em nome de posição, promoção ou mesmo a "estabilização" de servidores. Na verdade, quem não quer galgar posições funcionais, também não quer regredir.
Vê-se também nas instâncias judiciárias ações assediadoras de transferência ex officio de servidores, a redistribuição com fundamentos técnicos não comprovados, a retirada de gratificações, funções de confiança ou cargos comissionados, com intuito puramente despótico e punitivo.
Ainda, em relação ao fenômeno do assédio moral no Judiciário, merece destaque a entrevista da psicóloga Lúcia Maria Amaral, inserta no Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005, intitulada "O assédio moral no Judiciário é gritante", afirmando que o assédio moral está disseminado no Judiciário Federal, mesmo que de formas sutis.
A citada psicóloga trabalhou como credenciada ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, de 1999 a 2004. Neste trabalho, acompanhou centenas de casos e relatos de assédio moral sofridos por servidores públicos federais do Poder Judiciário. Curioso observar que a psicóloga foi descredenciada logo após questionar um procedimento realizado pelo Departamento da Justiça Federal. Para aclarar o entendimento do assédio moral nas instâncias judiciárias, segue abaixo um trecho da entrevista da psicóloga:
As pessoas chegavam com queixas de depressão, que estavam ‘perdidas’, não sabiam o que fazer. Em geral, tinham medo de tudo, até de trabalhar. Essas eram as queixas principais. ‘Estou procurando você porque eu estou muito depressivo’. Alguns estavam com Síndrome do Pânico. A pessoa começa a somatizar e ter problemas emocionais. Até para justificar, ela precisa de ajuda, precisa gritar de alguma forma. Às vezes, a depressão ou somatização de doenças orgânicas é uma maneira do corpo pedir socorro. Mas nem isso é considerado, quando é caso de assédio moral, pela chefia. Ao contrário, quando a pessoa procura atendimento psicológico e esse chefe fica sabendo, começa a boicotar os horários, mesmo sendo um serviço que o tribunal disponibiliza para o funcionário. [...]
[...] Minha experiência teve haver mais com o acompanhamento aos casos no Judiciário. Aí foi gritante, realmente complicou. E é uma coisa que salta aos olhos, porque você pensa: ‘poxa, dentro do Judiciário, da Justiça? Como isso pode acontecer’. Acho que o assédio também pode ser caracterizado como no meu caso, quando se dispensa uma pessoa que presta um serviço direta ou indiretamente e que era competente no serviço por pelo menos seis, sete anos. É muito comum as pessoas chegarem e não encontrarem seu computador no local, ou sua mesa ou suas incumbências, enfim, retiram a sua identidade. E a pessoa pergunta para os colegas e não têm nenhuma explicação. Você não pode pensar. Tem que pensar como eles ou não faz parte do esquema.
Para coibir a prática abusiva do assédio moral dentro das repartições públicas judiciárias, no ano de 2008, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (FENAJUFE) lançou a cartilha "Venha para a luta contra o Assédio Moral" com tiragem de 30 mil exemplares, em comemoração aos 15 anos de luta em defesa dos interesses dos trabalhadores, além de lançar a campanha sobre o assédio moral nos locais de trabalho. Calha mencionar pequeno trecho da cartilha, acerca dos atributos do assédio moral no serviço público:
É importante considerar, entretanto, que o assédio moral apresenta contornos diferentes no serviço público, sendo uma das razões a garantia da estabilidade no vínculo funcional. Diante dessa situação e em face da difusão dessa espécie de prática, é relevante que o tema seja discutido por toda a sociedade e, especialmente pelos servidores públicos.(Cartilha sobre Assédio Moral da FENAJUFE)
Estas formas de mobilização de sindicatos de trabalhadores e de servidores públicos traduzem uma chamada de atenção para a utilização da informação direta como um mecanismo de defesa e de prevenção contra futuras ações assediadoras, haja vista que, enquanto não há a conscientização do mal, não há a cura deste. E se não se conhece o problema, não há como se combatê-lo com eficácia.
9. Ponderações finais
Com efeito, do presente estudo impendem-se diversas considerações.
O corolário ideológico de nosso arcabouço jurídico não admite que o interesse privado sobressaia-se, em face do primado do interesse público. Contra isso, não se fazem ponderações. O fato em que se cuida analisar é o de não existir reconhecimento do assédio moral como uma prática orquestrada, não apenas por empregadores particulares, mas em nome do grande empregador (Estado).
Sabe-se que o Estado é responsável pelo bem-estar social e também pelo efetivo e regular cumprimento das funções administrativas, não se olvidando da proteção e a garantia dos direitos humanos fundamentais.
O dever do Estado não se resume apenas ao poder de fiscalização, controle e observância dos preceitos da tutela coletiva, pois atua também frente ao desenvolvimento econômico e social de seus cidadãos, e os servidores públicos, entes de qualquer denominação, assim também os são.
Neste desiderato, ao serviço público cumpre a efetiva realização de todos os procedimentos legais em consonância com os princípios da Administração Pública e os princípios gerais do direito.
O que não se admite é o fato de os próprios agentes da Lei, serem acusados de condutas criminosas (não toleradas) de opressão, humilhação, violência moral e psicológica. E, ainda, em nome de uma supremacia de prerrogativas constitucionais presentes não em razão da pessoa, mas em razão do cargo que ocupam, e do papel institucional que desempenham na coletividade jurídica.
Os servidores públicos são os principais agentes que movem a grande máquina estatal, na busca da efetivação das políticas públicas de desenvolvimento público, sejam nas áreas de: saúde, educação, bem-estar, segurança pública. É a base organizacional da pirâmide.
Não é razoável que alguns agentes políticos do Estado (magistrados) se valham dos cargos para proporcionar verdadeiros acessos de fúria contra empregados inferiores. Não se deve tolerar qualquer atitude desta natureza. Seja no serviço público federal, estadual ou municipal. O papel da sociedade é de fiscalizar os serviços e cobrar a efetiva prestação jurisdicional do Estado, bem como o bom trato para com os seus servidores.
Os princípios da dignidade humana e o da supremacia do interesse público se colidem, na proporção em que são submetidos ao crivo do "permitido e tolerado" procedimento de assédio moral presente nas repartições públicas, especialmente no âmbito do Poder Judiciário. Este Poder, fechado em suas arestas é o responsável pelo cumprimento efetivo da Lei. Ab initio, constitucionalmente não lhe cabe a fiscalização, por já existir o Órgão Ministerial, porém, ao Poder Judiciário cabe o principal ato: dizer o Direito e fazer cumpri-lo, dentro e fora de suas arestas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, L. M. O assédio moral no Judiciário é gritante. Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005. Disponível no sítio<http://www.sintrajud.org.br> Acesso em 06 set. 2008.
BARRETO, Marco Aurélio Aguiar. Assédio moral no trabalho: da responsabilidade do empregador: Perguntas e Respostas- 2ª edição- São Paulo: LTr, 2009
BATALHA, Lílian Ramos, Assédio Moral em face do Servidor Público, 2ª edição. Editora Lumen Juris, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Senado Federal, 2008.
BRASIL. Decreto-Lei n.º 5.452/43. Consolidação das Leis do Trabalho. Congresso Nacional. Brasília: 1943.
BRASIL. Lei nº 8.112/90. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Congresso Nacional. Brasília: 1990.
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo,19ª edição, revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2008.
FRANCA, Inácia. O assédio moral no âmbito da administração pública. Disponível em:<www.google.com.br>, 20. maio.08. Acesso em 06/09/2008
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 11ª edição, Rio de janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2009.
Notas
01FRANCA, I. O assédio moral no âmbito da administração pública. Correio Forense, Paraíba, set. 2008. Disponível em:<http://www.google.com.br> Acesso em 06 set. 2008.
02AMARAL, L. M. O assédio moral no Judiciário é gritante. Jornal do Judiciário nº 224, de 23 de setembro de 2005. Disponível no sítio<http:// www.sintrajud.org.br> Acesso em 06 set. 2008.