06. A responsabilidade civil do empregador nas relações de trabalho
Todas as reflexões aqui procedidas servem, em última análise, para fixar apenas uma premissa: a responsabilidade patrimonial do empregador, no nosso direito positivo, não foge à regra da responsabilidade civil subjetiva, a qual imprescinde do dolo ou culpa do agente.
Assim sendo, não é possível se imputar a qualquer empregador uma responsabilidade por ato seu, sem que estejam presentes os quatro pressupostos básicos da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam:
a) ação ou omissão;
b) dano;
c) elo de causalidade entre ação/omissão e dano;
d) dolo ou culpa do agente.
Desta forma, por exemplo, a previsão do art. 7º, XXVIII ("seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa."), da Constituição Federal de 1988 traz, em verdade, duas regras distintas de responsabilização: uma objetiva (referente ao seguro contra acidentes de trabalho), por conta direta do órgão previdenciário (e de forma indireta, somente, pelo empregador); e outra de natureza subjetiva, com fulcro no velho art. 159 do Código Civil brasileiro, quando, aí sim, a responsabilização é integral do agente patronal lesionante.
Esta regra, porém, somente diz respeito à responsabilidade civil do empregador por ato seu.
Esta afirmação se mostra importante, pelo fato de que, tratando-se de ato do empregado, além da responsabilidade civil subjetiva deste agente, é possível se invocar a responsabilidade civil objetiva do empregador.
É o que veremos no próximo tópico, como arremate deste estudo.
07. A responsabilidade civil do empregador por ato do empregado
Encerrada toda esta reflexão sobre o instituto da responsabilidade civil, resta perguntar: qual é a responsabilidade do empregador pelos atos de seu empregado?
A resposta à esta questão se encontra expressa na previsão legal dos arts. 1.521 a 1.523 do Código Civil brasileiro, que dispõem, in verbis:
"Art. 1521. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele (art. 1.522);
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Art. 1.522. A responsabilidade estabelecida no artigo antecedente, nº III, abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial.
Art. 1.523. Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte." (grifos nossos)
Essa previsão legal afasta qualquer alegação de não responsabilidade do empregador pelos atos dos seus prepostos, não havendo motivo para não se incluir também em relação a lesões extrapatrimoniais.
A redação do art. 1.523 demonstra que esta responsabilização independe do dolo específico do empregador, satisfazendo-se com a culpa ("in vigilando", quando decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, ou "in eligendo", decorrente da má escolha do preposto), que, inclusive, engloba a negligência, explicitada no aludido dispostivo.
Contudo, vale destacar que a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria interpreta os dois dispositivos no sentido de que "É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto" (Súmula 341), o que demonstra cabal e inequivocamente esta responsabilização legal por ato de terceiros, o que responde a uma responsabilidade objetiva (ou, no mínimo, a uma responsabilidade civil com culpa presumível juris tantum).
Parece-nos, porém, ser medida de extrema justiça resguardar-se, sempre, a possibilidade da ação regressiva do empregador, pelos atos de seus empregados.
Vale destacar, inclusive, que alguns ordenamentos jurídicos, no Direito Comparado, albergam previsões, por exemplo, de responsabilidade patrimonial do empregado assediador, independentemente da responsabilidade patrimonial da empresa(20).
Esta é, na nossa opinião, uma medida das mais louváveis, do ponto de vista de justiça, uma vez que o efetivo violador da norma jurídica foi o empregado, e não diretamente a empresa empregadora.
Na Brasil, a sistemática do direito positivo trouxe previsão de responsabilização direta e com presunção de culpa do empregador pelos atos dos seus prepostos, conforme verificamos.
Todavia, isto não exclui, na nossa opinião, a possibilidade de uma ação própria, ainda que regressiva, do empregador contra o empregado assediante/assediador, para ressarcimento dos gastos que teve pelo ato imputável a este empregado.
Havendo previsão contratual específica, seja na admissão, seja na eventual apuração do fato na vigência da relação jurídica de direito material (o que é plenamente possível se tiver ocorrido um procedimento reclamatório interno sério), acreditamos que é possível, inclusive, a denunciação da lide do empregado assediante, na ação ajuizada pelo empregado assediado contra a empresa, de forma a verificar especificamente a delimitação de responsabilidades pelo ato discutido em juízo.
Este nosso posicionamento, inclusive, nos parece respaldado pela previsão do §1º do art.462 consolidado - que traz a regra geral sobre a possibilidade de descontos no salário do trabalhador ("Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositvos de lei ou de contrato coletivo.") – que expressamente preceitua: "Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado."
Não se deve erigir a grau absoluto a responsabilidade objetiva do empregador quanto ao assédio praticado nas relações de trabalho por seus agentes ou prepostos, pois isto seria instituir um enorme risco à atividade empresarial, estimulando uma verdadeira febre de indenizações, sem responsabilizar os autores diretos do atos considerados ilícitos, sob a perspectiva da liberdade sexual.
Assim sendo, recomendamos, inclusive, a inserção nos contratos individuais e/ou coletivos (convenções ou acordos coletivos) de cláusula específica sobre esta matéria, de forma a resguardar a responsabilidade da empresa pelo ato imputável diretamente ao empregado.
De fato, havendo previsão contratual específica, seja na admissão, seja na eventual apuração do fato na vigência da relação jurídica de direito material (o que é plenamente possível se tiver ocorrido um procedimento reclamatório interno sério), é plenamente possível a denunciação da lide do empregado assediante, na ação ajuizada pelo empregado assediado contra a empresa, de forma a verificar especificamente a delimitação de responsabilidades pelo ato discutido em juízo.
08. À guisa de conclusões.
Ante o exposto, podemos, a título de conclusões, sistematizar o seguinte:
a) embora existam previsões legais de responsabilidade civil objetiva, a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é a responsabilidade civil subjetiva;
b) no Direito do Trabalho, esta regra não é diferente, sendo a responsabilidade civil subjetiva o parâmetro básico para aferição da responsabilidade patrimonial do empregador;
c) No que diz respeito à responsabilidade civil do empregador por ato do empregado, a culpa é presumida, por força dos arts. 1521/1523 do vigente Código Civil e da Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal;
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d) Embora reconhecida a responsabilidade objetiva do empregador por ato de seus prepostos, a responsabilização subsidiária do empregado é medida da mais lídima justiça, devendo ser admitida, inclusive, a sua denunciação à lide.
Notas
1. Neste sentido, é o posicionamento de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil, vol. 7, 10ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1996, p. 3/4): "Toda manifestação da atividade que provoca prejuízo traz em seu bojo o problema da responsabilidade, que não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, mas de todos os domínios da vida social. Realmente, embora alguns autores, como Josserand, considerem a responsabilidade civil como ´a grande vedete do direito civil´, na verdade, absorve não só todos os ramos do direito - pertencendo à seara da Teoria Geral do Direito, sofrendo as naturais adaptações conforme aplicável ao direito público ou privado, mas os princípios estruturais, o fundamento e o regime jurídico são os mesmos, comprovando a tese da unidade jurídica quanto aos institutos basilares, uma vez que a diferenciação só se opera no que concerne às matérias, objeto de regulamentação legal - como também a realidade social, o que demonstra o campo ilimitado da responsabilidade civil".
2. No Direito Romano, para se fixar a stipulatio, fazia-se mister o pronunciamento dos termos dare mihi spondes? Spondeo, era o que devia responder aquele que se responsabilizava pela obrigação (vide DINIZ, Maria Helena, ob. cit., p. 29). Sobre a matéria, vale a pena conferir o excelente "Direito Romano", de José Carlos Moreira Alves (Vol. II, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p 139/140)
3. Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995, p. 679.
4. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986, p. 1389.
5. Savatier, René, Traité de la responsabilité civile em droit français, 2ª ed., v. 1, LGDJ, 1951, p. 5, 205 e s., 285 e 291 e s.
6. BITTAR, Carlos Alberto, Responsabilidade Civil - Teoria & Prática, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990, p.3;
7. No mesmo diapasão, encontra-se Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, vol. I, 3ª ed. universitária, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1992, p. 452/453): "Nesta análise cabe toda espécie de ilícito, seja civil, seja criminal. Não se aponta, em verdade, uma diferença ontológica entre um e outro. Há em ambos o mesmo fundamento ético: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente. Assinala-se, porém, uma diversificação que se reflete no tratamento deste, quer em função da natureza do bem jurídico ofendido, quer em razão dos efeitos do ato. Para o direito penal, o delito é um fator de desequilíbrio social, que justifica a repressão como meio de restabelecimento; para o direito civil o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem, e a reparação do dano sofrido é a forma indireta de restauração do equilíbrio rompido". Em sentido contrário, a título de curiosidade, confira-se Neves, André Luiz Batista, "Da Independência Ontológica entre a Ilicitude Penal e a Civil" in "O Trabalho - Doutrina", fascículo 21, Curitiba, Ed. Decisório Trabalhista, novembro/98, p. 503/504.
8. VALLER, Wladimir, A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro, 3ª ed., Campinas-SP, E. V. Editora Ltda., 1995, p. 17.
9. É o caso, por exemplo, dos acidentes de trabalho, em que a Lei nº 8.213/91, em seu art. 21, IV, equipara a acidente do trabalho, "o acidente sofrido pelo segurado, ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado." Como se vê, trata-se de hipóteses onde não se vai discutir o elemento "culpa" do empregador, mas que são considerados casos legais de acidente do trabalho.
10. Dispõem os artigos mencionados: "Art. 160. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.519 e 1.520). Parágrafo único. Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo." (...) "Art. 1.519. Se o dono da coisa, no caso do art. 160, II, não for culpado do perigo, assistir-lhe-á direito à indenização do prejuízo, que sofreu." "Art. 1520. Se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este ficará com ação regressiva, no caso do art. 160, II, o autor do dano, para haver a importância, que tiver ressarcido ao dono da coisa. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se danificou a coisa (art. 160, I)."
11. FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal - A Nova Parte Geral, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1985, p. 203.
12. DINIZ, Maria Helena, ob. cit., p. 30.
13. Sobre a responsabilidade penal objetiva, confiram-se as lições de Damásio E. de Jesus (Direito Penal, vol. 1, 12ª. ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1988, p. 397): "Dá-se o nome de responsabilidade penal objetiva à sujeição de alguém à imposição de pena sem que tenha agido com dolo ou culpa ou sem que tenha ficado demonstrada sua culpabilidade, com fundamento no simples nexo de causalidade material".
14. VALLER, Wladimir, ob. cit., p. 24. O próprio art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, ao preceituar que as "pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Para um aprofundamento da matéria, sugerimos a leitura de "Responsabilidade Civil do Estado", de autoria de Saulo José Casali Bahia (Rio de Janeiro, Forense, 1995).
15. MAYNEZ, Eduardo Garcia, Introducción al Estudio del Derecho, 4ª ed., México, Ed. Porrúa, 1951, p. 284.
16. MACHADO NETO, A. L., Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1975, p. 190.
17. NORONHA, E. Magalhães, Direito Penal, 1º vol., 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 1974, p. 92, os grifos são nossos.
18. BITTAR, Carlos Alberto, Reparação Civil por Danos Morais, 1ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 16.
19. Elucidativa é a seguinte explanação de Maria Helena Diniz (ob. cit., p. 7): "A sanção é, nas palavras de Goffredo Telles Jr., uma medida legal que poderá vir a ser imposta por quem foi lesado pela violação da norma jurídica, a fim de fazer cumprir a norma violada, de fazer reparar o dano causado ou de infundir respeito à ordem jurídica. A sanção é a consequência jurídica que o não-cumprimento de um dever produz em relação ao obrigado. A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato lícito".
20. "Na hipótese de o assédio sexual por chantagem ser praticado por prepostos (gerente, supervisor, etc.) do empregador, a legislação de alguns países (Austrália, Canadá, EUA, Reino Unido e Nova Zelândia) considera este último responsável solidário, por ter delegado poderes para aquele tomar decisões que afetem a situação do empregado no ambiente de trabalho, com efeitos tangíveis". (Barros, Alice Monteiro de, "O assédio sexual no Direito do Trabalho Comparado" in "Genesis – Revista de Direito do Trabalho", vol. 70, Curitiba, Genesis Editora, outubro/98, p.509).