4. A análise da responsabilidade solidária ou subsidiária
Consoante ressaltado por Magano(9), que muito bem expõe sobre o tema, as legislações que disciplinam a figura dos empreiteiros (intermediários) o fazem para evitar a fraude, usando, para tanto, de dois procedimentos: "ou consideram o intermediário como mero representante do empregador, a quem atribuem todos os encargos da contratação; ou impõem a ambos a regra da solidariedade.
A primeira orientação é a que prevalece no México, falando Nestor de Buen em ‘sub-rogação pessoal’; a segunda é a que tem voga na Argentina, assinalando Vasques Vialard que a lei não proíbe a indicada modalidade de contratação, limitando-se a tornar responsável, em forma solidária, tanto o que celebrou o contrato de trabalho, como aquele que recebeu a prestação respectiva".
A legislação brasileira, ao contrário do que ficou acima expendido, nada expõe acerca da responsabilidade do dono da obra, e quando se refere ao empreiteiro (exceto nas hipóteses em que a contratação se dá para o exercício de tarefas inerentes à atividade-fim do contraente, porque aí incide o preceito constante do art. 1518 do Código Civil, em decorrência do quanto expresso nos arts. 8.º e 9.º da CLT, como se verá a seguir), só o responsabiliza pelas obrigações do subempreiteiro quando este se torna inadimplente, independentemente do fato de estar extinto o vínculo empregatício celebrado entre o empregado/reclamante e o subempreiteiro (lembramos que deste plexo ficam excluídas as obrigações de fazer).
A interpretação do dispositivo insculpido no art. 455 consolidado, leva-nos a crer que restou estabelecida a solidariedade do empreiteiro principal no que tange às obrigações inadimplidas pelo subempreiteiro; solidariedade esta qualificada pelo benefício da ordem de excussão dos bens do devedor principal (o subempreiteiro). É como se a subsidiariedade surgisse na fase de execução, onde a constrição atingiria inicialmente os bens do devedor principal, findo os quais poderiam ser excutidos bens daquele que subsidiariamente garante a execução.
5. Relações entre empreiteiro e subempreiteiro constituindo ato ilícito.
Ainda buscando a interpretação do dispositivo inserto no art. 455, da CLT, causa-nos a impressão que a forma imperativa do verbo responder ("responderá") impõe ao subempreiteiro demandado a satisfação dos créditos trabalhistas eventualmente inadimplidos sempre que se tratar de subempreitada legalmente pactuada.
Para a inteligência desta afirmativa, mister se faz a caracterização de duas modalidades de empreitada (em sentido lato, também aplicável às subempreitadas, é óbvio), quais sejam, a empreitada legalmente avençada e a empreitada ilegalmente avençada.
A empreitada legal resta caracterizada quando o tomador do serviço realiza a contratação do prestador para a execução de serviços ligados a sua atividade-meio, o que se considera admissível, eis que não seria razoável exigir-se do comitente que contratasse empregados sempre que fosse realizar tarefas não habituais.
A empreitada ilegal, a contrario sensu, ocorre sempre que o tomador do serviço contrata o prestador para a execução de tarefas inerentes a sua atividade-fim. O mesmo raciocínio é aplicado em relação ao empreiteiro que contrata subempreitada para a prossecução de serviços ou tarefas próprias de sua atividade básica. Tal interposição é por nós considerada ilegal, consoante regra inserta no art. 9.º consolidado, eis que visa à fraude e ao desvirtuamento de preceitos trabalhistas, retirando do empregado vantagens que teria se mantivesse o vínculo diretamente com o empreiteiro (ou tomador).
Acerca deste assunto manifesta-se Valentin Carrion(10), intitulando a hipótese acima citada de "falsa subempreitada", no sentido de que o responsável pela angariação dos trabalhadores "os coloca simplesmente (ou quase) à disposição de um empresário, de quem recebem as ordens com quem se relacionam constante e diretamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador de serviço, muito mais do que no de quem os contratou e os remunera; o locador é apenas um intermediário que se intromete entre ambos comprometendo o relacionamento direto entre o empregado e seu patrão natural; em seu grau máximo, quando, sem mais, apenas avilta o salário do trabalhador e lucra o intermediário".
Nestes termos, caracterizada a falsa subempreitada, não há que se questionar, em função da incidência do já referido art. 9.º, da CLT, a nulidade do contrato celebrado entre o prestador e o tomador do serviço intermediado. Tal circunstância gera a fusão da titularidade patronal, ou seja, respondem, como se um só empregador fossem, o empreiteiro e o subempreiteiro. Trata-se de uma reflexão do preceito contido no art. 1518, do Código Civil, in verbis:
"Art. 1518. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo Único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art.1521."
Como resultado prático da mencionada reflexão, usando mais um vez das palavras do douto Valentin Carrion(11), "a sentença poderá condenar ambos solidariamente: a) declarando ou não a existência do vínculo empregatício com o tomador do serviço; b) conferindo ao trabalhador os direitos mais benéficos, da categoria do tomador ou do locador, quanto à jornada de trabalho, salário normativo etc.". Vale dizer: considerando a citada fusão da titularidade patronal, poderá o juiz, comparando as fontes de direito, aplicar a norma que lhe for mais favorável (teoria do conglobamento).
No caso sub oculis, a demanda poderá ser dirigida, apenas, contra um dos responsáveis pelo acima expendido ato ilícito, ficando o ônus probatório desta circunstância a cargo do autor. Vale dizer, poderá o empregado, na hipótese da falsa subempreitada, reclamar unicamente contra o empreiteiro, contra o subempreiteiro, ou contra ambos, cabendo-lhe, entretanto, provar a alegada interposição ilegal da subempreiteira.
É bom que se ressalte, em matéria de responsabilização, que a hipótese da subempreitada legalmente avençada difere da ilegalmente pactuada em virtude de não haver em relação a esta qualquer benefício de ordem na execução.
6. Conclusões.
A título de conclusão, o presente trabalho teve como objetivo demonstrar que:
1) o art. 455 da CLT versa acerca de responsabilidade solidária entre empreiteiro e subempreiteiro, com benefício de ordem de excussão em favor do primeiro;
2) a responsabilidade solidária (sem benefício de ordem de excussão) terá lugar exclusivamente se a ação praticada por empreiteiro e subempreiteiro constituir ato ilícito;
3) a intervenção de terceiros, na hipótese do art. 455 CLT, constitui uma peculiaridade do processo do trabalho que não desnatura o caráter laboral da demanda.
Notas
1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, São Paulo: Saraíva, 1989, pg. 212-213.
2. MAGANO, Octavio Bueno, Manual de Direito do Trabalho, v. II, São Paulo: LTr, 1988, pág. 86.
3. Neste sentido, Chiovenda in Instituições, vol 1, n.º 39-B, p. 261 e Lopes da Costa, Direito Processual Civil, vol. 1, n.º 470, p. 407/408.
4. BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v.1, Rio de Janeiro: Forense, item n.º 301, p. 164.
5. Holanda, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S/A, 1994, p. .
6. MARANHÃO, Délio, Instituições do Direito do Trabalho, v.1, São Paulo: LTr Editora, 1991, p. 258/259.
7. op. cit., p. 159.
8. Barbi, Celso Agrícola, op. cit., p. 170.
9. op cit., pág. 87.
10. CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 293-294.
11. op. cit., p. 294.
Bibliografia
BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao Código de Processo Civil, v.1, Rio de Janeiro: Forense, item n.º 301.
CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 21.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
Chiovenda Giuseppe, Instituições, vol 1, item n.º 39-B, São Paulo: Saraiva, 1965.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 3, São Paulo: Saraíva, 1989.
Holanda, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2.ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S/A, 1994.
Lopes da Costa, Direito Processual Civil, vol. 1, item n.º 470, 3ª ed., São Paulo, 1969.
MAGANO, Octavio Bueno, Manual de Direito do Trabalho, v. II, São Paulo: LTr, 1988.
MARANHÃO, Délio, Instituições do Direito do Trabalho, v.1, São Paulo: LTr Editora, 1991.