4. 4 - Desmembramento sindical e o custeio
O debate sobre o desmembramento sindical também passa pela seara do custeio sindical, a qual é atendida basicamente pelas receitas arrecadas por meio da Contribuição Sindical (fixada pela CLT), da Contribuição Confederativa introduzida pela CF/88, da Taxa Assistencial, prevista através de acordo ou convenção coletiva e Mensalidade Sindical paga por aqueles que voluntariamente se inscreverem como sócios ou filiados ao sindicato.
Mas o foco maior é a chamada contribuição compulsória (contribuição sindical), haja vista que tem sido ela apontada como uma das prováveis causas da acentuada onda de desmembramentos de sindicatos. “O imposto sindical, um bolo tributário de quase R$ 2 bilhões formados por um dia de trabalho por ano de toda pessoa que tem carteira assinada, alimenta um território sem lei. Os 9.046 sindicatos que dividem esse dinheiro não são fiscalizados”[215], noticia veiculada no jornal o Estado de São Paulo, edição do dia 31 de maio de 2010, que noticiou também “Os dirigentes sindicais admitem que o imposto está por trás da proliferação sindical, o que transforma alguns sindicatos em verdadeiros cartórios”[216].
Um outro Jornal, não menos importante, Folha de São Paulo, traz que: “em 2007, a contribuição sindical resultou em uma arrecadação de R$ 1,3 bilhões, dos quais, a maior parte, R$ 754 milhões, saiu do desconto de um dia de trabalho dos empregados, enquanto R$ 504 milhões foram pagos pelas empresas e R$ 42 mil pelos autônomos”.[217]
Se confrontarmos os valores arrecadados, divulgados pelos jornais mencionados, chegaremos a conclusão que a arrecadação com verbas referentes a contribuição compulsória praticamente triplicou em menos de três anos, e é possível que realmente isto tenha ocorrido, pois estamos vivendo os melhores anos para o mercado de trabalho, onde os índices de desemprego vem caindo consideravelmente, principalmente com relação aos trabalhadores com carteira de trabalho assinada.
Um outro dado muito importante foi apresentado pelo presidente da Coordenação Nacional de Lutas - Conlutas, Luiz Carlos Prates (o Mancha), por ocasião de evento promovido pela AATSP (Associação dos Advogados Trabalhista de São Paulo) no dia 08 de abril de 2010, ao expor que “hoje, o imposto sindical come 3,3% da remuneração anual do trabalhador”[218].
Nos dados apresentados por “Mancha” estão inclusas todas as formas de arrecadação financeira que os sindicatos se utilizam para captar recursos de seus associados e filiados, oficialmente.
José Cláudio Monteiro de Brito Filho, entende que:
“O patrimônio das entidades sindicais, hoje, é formado por todos os bens e receitas adquiridos validamente, independentemente de estarem relacionados no dispositivo, art. 548, da CLT, podendo a ele ser dado a destinação que for entendida como conveniente, mediante deliberação regular.”[219]
Por isso, em razão dessa liberdade de se criar fundos pela assembléia, inclusive esvaziada, como tem acontecido, ocorre é que, ao analisarmos que a remuneração anual do trabalhador brasileiro implica em 12 meses de remuneração mais o 13º (décimo terceiro salário) mais 1/3 constitucional, chegaremos a uma conclusão que o trabalhador brasileiro trabalha cerca de 15 dias por ano para o sindicato que o representa.
Conforme já citado no capítulo II, quando mencionamos os conhecimentos, José Cláudio Monteiro de Brito Filho mostra como são fatiados os valores entre todo o sistema sindical:
“60% do valor total é devido aos sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações, 10% para a “conta Especial Emprego e Salário”, e 10% para as centrais sindicais. No caso das centrais, o recolhimento será feito para a que for indicada pelo sindicato cuja representação gerou a contribuição, desde que, nos termos da lei citada, a central atenda aos requisitos de representatividade, como se verifica do art. 589, §§ 1º e 2º, da CLT, conforme acréscimos feitos pelo art. 5º da Lei n. 11.648/08”[220]
O que sobra dessa contribuição que poderá retornar ao trabalhador é 10%, que será destinada à Conta Especial Emprego e Salário, administrada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e integrado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, como vimos no II Capitulo.
O jornal Folha de São Paulo, publicou no dia 02 de maio de 2008, a notícia “O Ministério do Trabalho e Emprego estima que R$ 60 milhões de imposto sindical serão divididos entre as centrais sindicais que comprovarem representatividades neste ano. As centrais já falam em R$ 100 milhões”.[221]
Notícia mais recente publicada pelo mesmo jornal denuncia que
“Uma portaria do Ministério do Trabalho de 2008, exigia a partir deste ano, que uma central representasse ao menos 7% dos trabalhadores sindicalizados no país para ter direito aos recursos repassados pelo governo. Posto em prática, significaria o fim da benesse pra três das seis maiores centrais hoje reconhecida”.
Ao mesmo tempo, a lei que legalizou as centrais sindicais, também de 2008, prévia um piso de representatividade menor, de 5%, até dois anos depois de sancionada, quando passaria a valer a exigência dos 7%. O prazo vence em março.
A manobra do governo consiste em revogar o trecho da portaria que estipulava o limite maior já em 2010 e, simultaneamente, interpretar que o novo piso só passa a valer em 2011, já que o prazo de 24 meses da lei cai “no meio de um exercício”.
Enquanto isso, as centrais nanicas correm para incorporar novos sindicatos às siglas. É compreensível o esforço. Não há dados consolidados para 2009, mas, entre janeiro e julho, as entidades embolsaram R$ 74 milhões do imposto sindical.”[222]
A denúncia tem um caráter político, mas não implica que seja falsa ou mesmo que esteja contra as entidades sindicais; o que pesa na realidade é que elas são livres para gastarem como entenderem, pois a exemplo de todo o sistema confederativo brasileiro, as centrais também não são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União – TCU.
Alberto Emílio de Oliveira Neto observa que:
“Recentemente o Congresso Nacional tentou submeter o controle das receitas sindicais ao TCU por meio de emenda ao Projeto de Lei n. 1.990/07 apresentado pelo executivo para fins de reconhecimento das centrais sindicais. Entretanto, com a Mensagem de veto n. 139/08 o presidente da República acabou por vetar tal dispositivo:
“O art. 6º viola o inciso I do art. 8º da Constituição da república, porque estabelece a obrigatoriedade dos sindicatos, das federações, das confederações e das centrais sindicais prestarem contas ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos proventos da contribuição sindical. Isto porque a Constituição veda ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, em face do principio da autonomia sindical, o qual sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais””[223].
E isto acaba sendo um atrativo a mais para o aumento do desmembramento sindical, pois o mesmo pode se constituir como meio de se praticar lucrativos negócios com a “benção” e proteção de todo sistema, por previsão da Lei Máxima.
Assim, oportuna também é a analise feita pelo citado doutrinador, ao afirmar que:
“A contribuição sindical beneficia estruturas sindicais totalmente descompromissadas com os interesses dos trabalhadores e empregadores. Como o recurso oriundo independente de qualquer contra partida, muitas diretorias se perpetuam no poder em prejuízo dos interesses de seus representados”[224]
Em que pese a análise fazer menção à apenas a contribuição sindical, é possível estender seu comentário para as demais formas de contribuições que os sindicatos se utilizam.
Lembramos também, como já mencionamos no Capitulo II, que algumas empresas dentro do espírito de responsabilidade social, acabam repassando verbas para sindicatos, mesmo de empregados, com o objetivo de custear atividades sociais na comunidade em que está localizada, como educação (curso de formação, alfabetização) Lazer (campeonato), saúde (saúde da terceira idade) e alimentação (distribuição de leite). O Estado também tem encontrado nos sindicatos, especialmente os mais distanciados, um parceiro para atingir as pessoas das comunidade com os seus serviços, como os já citados. Outros sindicatos maiores, federações, confederações, e até mesmo as centrais sindicais, acabam passando verbas para sindicatos menores com o intuito de mantê-lo em suas estatísticas de aliado de políticas sindicais, tendências e até partidária. As Organizações Não Governamentais – ONGs também repassam verbas mediantes projetos sociais, (como alfabetização de adultos), que os sindicatos acabam criando como meio de angariar verbas
4. 5 - Desmembramento sindical e a estabilidade provisória do dirigente
Uma outra atenuante apontada para o “fenômeno” do desmembramento sindical é o número de dirigentes sindicais que passam a usufruir da estabilidade provisória após serem escolhidos em assembléia.
Antes de adentrarmos na polêmica, se faz necessário lembrar do comentário de Nivaldo Pessini sobre a estabilidade provisória:
“A estabilidade provisória não é um benefício dirigido ao trabalhador dirigente sindical (não obstante seja ele beneficiário pessoal da proteção a este direito), mas, sim, dirigida à proteção do livre exercício da representação, que deve ser altaneira, sem constrangimentos, na defesa dos direitos dos representados.
Assim, o instituto jurídico da estabilidade provisória de dirigente sindical, protege por via derivada, a pessoa do dirigente que exerce aquela representação, de modo a fazê-lo sem riscos de oposição, revide, perseguição ou mesmo de despedida arbitrária ou sem justa causa, seja: sem constrangimentos, na defesa sos direitos dos representados”.[225]
O estudioso deixa claro que a garantia não é pessoal do representante do sindicato devidamente eleito em assembléia, mas uma prerrogativa que revestirá o mesmo na função para qual foi eleito, para que desenvolva de forma livre defendendo os interesses do coletivo que o escolheu.
No tocante a quantidade, independentemente da abrangência da instituição, a CLT (artigo 522) prevê que a administração do sindicato será exercida por uma diretoria de no mínimo três e no máximo sete dirigentes, devidamente eleitos pela assembléia geral.
A CF/88 (artigo 1º) veta a interferência e intervenção do Estado na organização sindical e garante estabilidade ao dirigente sindical.
Diante destas duas previsões, os sindicatos entenderam que a Lei menor não poderia determinar o número de dirigentes de um sindicato, seja ele maior ou menor, pois se isto acontecesse implicaria em infligir ao princípio da não interferência do Estado nas organizações sindicais, prevista na Lei Maior.
Além disso, sindicatos com competência de ação em grandes jurisdições, com inúmeros sindicalizados, ou de âmbito intermunicipais, estaduais, interestaduais ou nacionais, teriam a sua representatividade prejudicada e até comprometida com o número reduzido ao máximo de sete dirigentes.
Com entendimento da não intervenção e a própria conveniência da estabilidade provisória, a quantidade de dirigentes sindicais, era escolhida pela necessidade, mas muitas vezes o que prevalecia mesmo era a conveniência e a comodidade que trazia ao representante a estabilidade provisória.
Amauri Mascaro Nascimento ao comentar o assunto conclui que:
“É difícil compatibilizar essa limitação com as necessidades atuais das organizações sindicais. Os sindicatos não observam esses limites, e as empresas agem de dois modos. Oficiam ao sindicato, pedindo o nome dos dirigentes eleitos, para considerar não estáveis os excedentes. Aos despedidos a lei faculta ingressar com ação de reintegração com pedido liminar. Esta pode ser reapreciada, pela via do mandado de segurança, pelo Tribunal Regional. O sindicato patronal e a empresa têm legitimo interesse em discutir a questão, uma vez que a estabilidade afeta o contrato individual de trabalho.”[226]
Sem dúvida, diante de realidades sindicais que temos no nosso sistema, alguns sindicatos ficaram realmente com o problema a ser sanado e preferiram repassá-lo para as empresas, que se assim se sentissem prejudicadas exercessem o princípio de acesso livre à justiça, garantido à todos pela Constituição Federal.
Portanto, com o intuito de conseguir estabilidade para um número maior de dirigentes sindicais, os sindicatos acabavam abusando da norma, o que fez tanto empresas como sindicatos empresarias se socorrerem da justiça e evitarem os abusos praticados pelos sindicatos com relação ao número excessivo de dirigentes sindicais que buscavam tão somente a estabilidade provisória. Isto levou tanto o Tribunal Superior do Trabalho como o Supremo Tribunal FederaL a colocarem em posições de que houve recepção do artigo 522 da CLT pela Constituição Federal de 1988, conforme já mencionamos em capitulo anterior.
Vale salientar que algumas empresas, mesmo cientes da irregularidade, preferem fazer “vistas grossas”, para evitar um possível revide da categoria que venha implicar em um prejuízo de ordem financeira maior para a empresa.
Lembrando também que as organizações sindicais são livres para se organizarem internamente, o Estado não pode interferir, portanto elas podem ser constituídas por quantas diretorias forem necessárias para o seu funcionamento, desde que devidamente deliberada em assembléia. Porém o número de dirigentes está limitado à sete para gozo das prerrogativas da estabilidade provisória no emprego.
Tem sido esse o entendimento de José Cláudio Monteiro de Brito ao mencionar que “cada entidade sindical, então, depende do número de filiados e da base geográfica de atuação, (base territorial). Além de outros fatores, é ela que deverá decidir quantos membros são necessários para cada um de seus órgãos internos”[227]
Para Nivaldo Pessini:
“Claro está que, para os efeitos da organização sindical, cada sindicato pode possuir tantas diretorias, quanto queira (e, aí, a liberdade constitucional de se organizar no art. 8º, I, da CF/88). Mas, para efeito de reconhecimento do Estado, ao exercício efetivo da função pública ou da razoabilidade, se impõe), visto que o número excessivo de dirigentes passa a ser um problema social do Estado. Problema que afeta a outros sujeitos de direito, e não apenas aqueles circunscritos ao exercício de representação sindical, razão porque tem-se decidido que o limite imposto não viola o citado inciso I, do at. 8º da CF/88”[228].
Assim, o desmembramento sindical nos casos em que a lei autoriza, vem sanar o defeito na imposição da própria norma, conquistando o direito de ter mais dirigentes sindicais gozando das prerrogativas da estabilidade sindical, conforme prevista na Constituição Federal de 1988, artigo 8º, VIII; e CLT, artigo 543, § 3º.
Mas, no geral, a situação continua caótica. As organizações sindicais legalmente constituídas travam disputas jurídicas com aquelas que pretendem formar-se seja por meio original ou por desmembramento.
Mas na analise de Rudimar Roberto Bortolotto, “o que se verifica, em regra, é que a disputa ocorre em razão de serem as entidades formadas sem cunho representativos”[229].
E aponta, como sendo conseqüências dessas disputas:
“- mandatos de diretoria além de qualquer limite legitimo ou moral (verifica-se sindicatos com mandatos de dez e até quinze anos);
-dirigentes sindicais vitalícios (existe entidades sindicais com presidentes com mais de trinta anos no exercício do cargo);
- sindicatos de “gaveta”, formados somente para concorrer aos cargos de representação previstos na legislação;
- dirigentes sindicais comprometidos com os interesses particulares, especialmente em relação à ascensão a cargos públicos;
- instrumentos coletivos formalizados com o único objetivo de legitimar a existência do sindicato, sem qualquer compromisso com as relações de trabalho;
- abusivas contribuições cobrada dos integrantes da categoria, somente com o objetivo de suporte financeiro ao “status” dos sindicatos, mas não com o fim de atendimento à categoria; e
- formação de sindicatos como o único objetivo de atingir as garantias em relação aos dirigentes sindicais (existem sindicatos que possuem componentes da diretoria na razão de mais de vinte por cento dos integrantes da categoria na respectiva base territorial e mais de cinqüenta por cento de trabalhadores de uma mesa empresa).”[230]
Assim na presente analise, conclui-se que as instituições sindicais tem servido também para desproteger o trabalhador, pois tem sido um instrumento na mão dos maus intencionados, de atingir seus interesses pessoais, o que se lamenta.