O conceito de isenção tributária não é extreme de dúvida, enfatiza o professor Roque Carrazza, existindo diversas teorias sobre esse fenômeno jurídico.
A doutrina antiga, representada, dentre outros, por Rubens Gomes de Souza e Amilcar de Araujo Falcão Aliomar Baleeiro, e outros tem feito empenho em afirmar que a isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo.
Para os citados mestres da velha guarda tributária, no fenômeno jurídico da isenção tributária, ocorre o fato imponível "fato gerador in concreto", e, nestes termos, nasce a obrigação tributária; apenas, o pagamento do tributo é dispensado pela lei.
Insurgindo–se contra os fundamentos da postura clássica, Alfredo Augusto Becker, inspirado na divisão das normas jurídicas de Pontes de Miranda (norma juridicizantes, desjuridicizantes e não–juridicizante) e em postulados da Teoria Geral do Direito, procurou demonstrar o inconsistente artifício sobre a qual se levantava a tese da isenção como favor legal que desobrigava o sujeito devedor do cumprimento da prestação tributária, dizendo que a lógica dessa definição estaria correta apenas no plano pré-jurídico da política fiscal, quando o legislador raciocina para criar a regra jurídica de isenção.
Termina por afirmar que o preceito isentante tem por fim justamente a existência da relação jurídica tributária. A regra de isenção incide para que a de tributação não possa incidir.
Estribado no professorado do mestre gaúcho, outro grande cientista do Direito, prof. Souto Borges Maior, demonstrou, com bons argumentos, que na isenção não há incidência da norma jurídica tributária e, portanto, não ocorre o nascimento do tributo.
Para o mestre de Recife, a norma isentiva incide justamente para que a norma tributária não possa incidir. Daí ter definido a isenção como sendo uma hipótese de não–incidência tributária legalmente qualificada. Essa definição bem mais científica do que a anterior, ganhou foros de universalidade, se mais não fosse, pelo inegável gabarito intelectual de seu autor.
Positivamente, soa absurdo que a lei tributária que concede uma isenção dispense o pagamento do tributo. Afinal, a lei de isenção é logicamente anterior à ocorrência do fato que, se ela não existisse, aí sim, seria imponível. Essas idéias encontram-se bem demonstradas em artigo de Pedro Luciano Marrey Júnior:
"a lei de isenção, no momento em que surge, já retirou do campo de incidência determinados fatos; a obrigação tributária não chega a nascer pois a lei de isenção suprimiu determinadas situações do campo da tributação".
Ou seja, não há que se falar em dispensar aquilo que não existe, aquilo que nem chegou a nascer.
Com o passar do tempo, Paulo de Barros Carvalho, querendo fugir do pecado lógico da definição pela negativa, partiu da divisão das normas jurídicas em normas de comportamento e em normas de estrutura, para inserir, nessas últimas, as regras de isenção.
Observando que as isenções tributárias são veiculadas por meio de regras de estrutura, luminosamente deduziu que a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma - padrão de incidência mutilando–os parcialmente.
A esse respeito, prossegue o ilustre titular de Direito Tributário da PUC/SP e USP: "é obvio que não haver supressão total do critério, porquanto eqüivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando–a como norma válida do sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente".
Vejamos um modelo: estão isentos do imposto de renda e proventos e de qualquer natureza, os rendimentos do trabalho assalariado dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros. É fácil notar que a norma jurídica de isenção do IR (pessoa física) vai de encontro à regra–matriz de incidência daquele imposto, alcançando–lhe o critério pessoal do conseqüente, no ponto exato do sujeito passivo.
Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim, quanto aos rendimentos de trabalho assalariado.
Houve uma pequena diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse. E, mais adiante, esclarece:
" Consoante o entendimento que adotamos, a regra de isenção pode inibir a funcionalidade da regra–matriz tributária, comprometendo–a
para certos casos, de oito maneiras distintas; quatro pela hipótese e quatro pelo conseqüente, que são:
I- Pela hipótese
a) atingindo–lhe o critério material, pela desqualificação do verbo;
b) atingindo–lhe o critério material , pela subtração do complemento;
c) atingindo–lhe o critério espacial;
d) atingindo–lhe o critério temporal .
II- Pelo Conseqüente
e) atingindo–lhe o critério pessoal pelo sujeito ativo;
f) atingindo–lhe o critério pessoal do sujeito passivo;
g) atingindo–lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo;
h) atingindo–lhe o critério quantitativo pela alíquota.
Ainda a respeito do mesmo professor; algumas advertências, contudo, devem ser aduzidas. A diminuição do campo de abrangência dos critérios, ou de elementos que os compõem, não pode ser total. O timbre de parcialidade há de estar presente.
Se, porventura, o legislador vier a desqualificar, semanticamente, todos os verbos, se subtrair a integralidade dos complementos, se anular por inteiro, toda a amplitude do critério espacial; ou se retirar todas as unidades da escala do critério temporal, evidentemente que o fato jurídico jamais acontecerá no mundo físico exterior, o que eqüivale à revogação da regra – matriz, por ausência do descritor normativo.
Também no conseqüente, se ficar totalmente comprometido o sujeito ativo, se extratarmos o conjunto global dos sujeitos passivos, se reduzirmos todas as bases de cálculo ou todas as alíquotas ao valor zero, é óbvio que nunca surdirá à luz uma relação jurídica daquele tributo, o que significa a inutilização cabal da norma–padrão de incidência.
Não confundamos subtração do campo de abrangência do critério da hipótese ou da conseqüência com mera redução da base de cálculo ou da alíquota, sem anulá–las. A diminuição que se processa no critério quantitativo, mas que não conduz ao desaparecimento do objeto, não é isenção, traduzindo singela providência modificativa que reduz o quantum de tributo que deve ser pago. O nome atribuído pelo direito positivo e pela doutrina é isenção parcial.
Portanto, a regra de isenção investe contra um ou mais critérios da norma jurídica tributária (Regra Matriz), mutilando-os parcialmente.
De modo que, em síntese, para Paulo de Barros Carvalho, isenção é a limitação do âmbito de abrangência de critério do antecedente ou do conseqüente da norma jurídica tributária, que impede o tributo nascer.
Elaboramos agora comparativo distinguindo (i) isenção, (ii) imunidade e (iii) não – incidência, a seguir transcrito:
ISENÇÃO: É a hipótese de não incidência legalmente qualificada. Contudo também nos dizeres de Paulo B. Carvalho, isenção é a limitação do âmbito de abrangência de critério do antecedente ou do conseqüente da norma tributária, que impede que o tributo nasça.
IMUNIDADE: É uma limitação constitucional ao poder de tributar; alcança só os impostos e as diversas hipóteses de imunidade que a Constituição Federal prevê expressamente.
NÃO – INCIDÊNCIA: Geraldo Ataliba equiparava, com sua extraordinária didática, a situação de não-incidência tributária ao não-crime. Chegava até a falar em fato não-imponível, para aludir ao acontecimento que não realizava hipótese de incidência tributária. Contudo, podemos dizer que a não -incidência deriva da falta de lei ou da impossibilidade jurídica de tributar -se certos fatos em face de a regra-matriz constitucional de tributos a eles não se ajustar.